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Falar de Demonologia é sempre interessante hoje em dia, em tempos dominados pelo politicamente correto, onde até mesmo os próprios Demônios foram postos como seres fofos e deuses bonitos habitantes de mundos cor de rosa. Então, vamos falar um pouco da Mãe de todos os Diabos: A Santa Igreja.
Em sua Suma Teologica, Sto. Tomás de Aquino elaborou páginas e mais páginas sobre o mal e a natureza dos anjos e dos demônios, anjos expulsos do paraíso, baseando-se nas obras patrísticas de antigos mestres da Igreja. Mas foi um determinado trecho destas linhas que deram início a intensificação dos estudos da então chamada Demonologia. Neste trecho, Aquino fazia uma associação entre espíritos demoníacos e os Pecados Capitais.
A relação era como a seguir:
Amon – Ira
Beelzebu – Gula
Belphegor – Preguiça
Asmodeus – Luxúria
Mammon – Avareza
Leviatã – Inveja
Lúcifer – Soberba
E foi assim que a Igreja católica, através de seus estudos e tratados sobre o mal, deu a luz a todos os demônios e espíritos imundos que agora nós alegremente riscamos nos cadernos e cantamos os nomes nas noites de tédio.
O tratado de Aquino foi o pontapé inicial para que os nobres pervertidos e ricos e os descontentes com a Santa Igreja se aproveitassem para clamar pelo mal, enquanto os pagãos dançavam em seus sabbaths pelas matas.
Foi a base para a fundamentação de um novo tipo de literatura – da Demonologia passamos para a Demonolatria(Adoração a entidades de cunho demoníaco). Ou seja, dos estudos e análises de filósofos, para as práticas de cultos sombrios em noites de orgias escondidas nos salões de ouro e até mesmo sob as batinas da Igreja.
E isso, literalmente. As imposições morais da Igreja católica e a forte doutrina punitiva-restritiva-manualística imposta a todos que não desejassem acertar contas com Jesus mais cedo resultavam numa forma de extravasamento dos desejos carnais e espirituais de êxtases proibidos, que culminavam na prática secreta da demonolatria, inclusive por parte de membros do alto clero da Igreja.
Foi dentro deste contexto que passamos a ter a inversão dos rituais católicos romanos para um contexto diabólico, as famigeradas ‘Missas Negras’ e a exaltação de fato a espíritos demoníacos. Eram as associações de Aquino saindo pela culatra conforme os diabolistas, ao invés de combater, regozijavam-se nos abraços e lambidas dos tais diabos enquanto abdicavam de suas almas em troca de favores, morte de inimigos, lucro financeiro e claro, muito sexo.
E ainda dentro deste cenário que começaram a ser elaborados os mais diversos tratados de magia negra relacionada a demonologia e demonolatria, que misturavam no mesmo caldeirão heresias, blasfêmias contra o cristianismo e grandes doses de elementos pagãos combinados com muita idolatria; sendo portanto freqüentemente atribuídos a personagens históricos ou fictícios, para livrar seus reais autores da fúria do clero.
Qualquer um que estuda magia, se deparou com o famoso Livro Sagrado de Abramelin, o Judeu. Esse livro, foi a base para Crowley constituir sua Thelema – nele ensinava o contato com o Sagrado Anjo Guardião e um pouco mais – o contato com os infames espíritos do inferno. A operação foi registrada no Equinox e em todas as biografias de Crowley, existiu um fato de uma guerra mágica de Crowley ao qual, evocou Beelzebub e seus 49 demônios para atacar seu oponente – resultando em pestilência espalhada pela casa do mesmo. A ideia de que Beelzebub tem 49 demônios auxiliares, veio do Adramelin. O método cabalístico normal de saber quantas “legiões” o demônio possui, é pela gematria. Você soma as letras que compõe o nome do espirito e então obtêm a quantidade de servos o mesmo possui. Obviamente, o estudo das letras, suas correspondências numéricas e suas qualidades, pode fazer de um cabalista, ao ler e decodificar o demônio, saber tudo sobre a natureza do mesmo. Assim como no enoquiano, seus “anjos” são compostos por letras, na cabalá tambem. Obviamente, os mais céticos rebaterão argumentando que “deuses antigos se tornaram demônios para os monoteístas” – o que é verdade, mas não podemos fundamentar apenas nisso. O Livro de Abramelin, não foi base somente para Crowley – LaVey, retirou a hierarquia infernal para sua Satanic Bible, de lá.
A seguinte hierarquia é mostrada:
Asmodeo Beelzebub
Daí então, uma longa lista com subalternos de cada Príncipe, as quais, nenhum demônio tem relevância. A ideia de um demonólogo, seria acessar grandes forças, não meramente sucumbir as pequenas. Segundo Abramelin, o método ideal para evocar qualquer força, na verdade é Invocar o seu Sagrado Anjo e Unir-se a Ele e depois, acessar qualquer força infernal. Dessa forma, poderia-se acessar o inferno de modo seguro.
Mas, não vamos parar por aí. Tem gente no inferno para conhecermos.
Aprendendo a evocar demônios com… um Papa?
O Papa Honório III, que sucedeu o Papa Inocêncio III em 1216 ganhou uma fama incomum nos tempos de internet por causa de um livro atribuído a ele – O Grimório do Papa Honório, ao qual era um livro de artes mágicas completo – com direito a explicar o que significa cada nome de Deus, diferença entre invocar e evocar, orações aos elementais (as quais foram vistas no famoso “Dogma e Ritual da Alta Magia”) e invocações á demônios. Os seguintes demônios são listados:
Súrgat Lucifer Frimost Astaroth Silcharde Bechard Guland
Cada demônio era associado á um dia da semana. E cada um tinha uma finalidade. Se demônios forem reais, eles devem se sentir bem mal por ser tratados como prostitutas por esses papas. Mas o lado sentimental dos demônios não nos interessa. Vamos escolher um aleatório e ler a sua forma de evocação segundo esse grimório. Escolha.
3… 2… 1… Já escolheu?
Como eu não posso adivinhar a mente do meu caro leitor. Eu escolhi um por você.
Lúcifer.
Aliás, vamos falar ainda bastante dele. E nada de papo de “deus romano”, “portador da luz” e toda aquela chatice que já estamos cansados de ler e re ler pela internet toda. Segundo o Papa Honório, para evocar Lúcifer é necessário. (FONTE AQUI.)
GRIMÓRIO DO PAPA HONÓRIO – EVOCAÇÃO A LÚCIFER
Esta evocação é realizada na segunda-feira, entre onze e meia noite de uma noite calma, à luz das estrelas. O local pode ser um telhado ou a céu aberto, sendo preciso ter certeza de não ser visto ou ouvido por qualquer pessoa durante a sua preparação e na evocação. Você vai pegar um pedaço de carvão consagrado e desenhará no chão dois círculos concêntricos: O primeiro deve ter seis palmos de diâmetro e o segundo sete palmos.
E no espaço dentre os dois círculos as seguintes palavras: “EM NOME DA SANTÍSSIMA TRINDADE não entrará” [+] no centro do círculo você vai desenhar a cabeça de Lúcifer e sua assinatura abaixo¹.
Do lado de fora, perto da cruz, você vai colocar em um pequeno fogão de barro, o combustível composto de plantas que correspondem. Ele vai pegar fogo e então despeje perfume ligados á Lua. Em seguida, faça o sacrifício do galo negro, como você viu na evocação anterior, pronunciando as seguintes palavras: “Receba, ó Lúcifer! o sangue desta vítima que sacrifico em sua honra. Ingodum englabis promodum”.
Os sinais cabalísticos deve desenhar na faixa de pergaminho são indicados na figura a seguir².
Bom, antes de prosseguirmos, vamos á alguns detalhes.
- A evocação é Lunar. Ou seja, Lúcifer segundo esse grimório é um demônio da Lua. Na descrição dele, ele é chamado de “demônio das enfermidades”. As plantas que correspondem, naturalmente devem ser ligadas á Lua. Ou seja, lírio, rosas brancas, jasmins, gardênia e afins… O mesmo vale por ter que ser feita na “segunda-feira”.
- Perfumes ligados a Lua, é a mesma coisa.
- A cabeça de Lúcifer segundo esse grimório é tosco. Tosco demais. Mas, deve funcionar. A cruz e a contenção do espirito são somente escritos. Ou seja, o espirito fica subordinado apenas ao seu giz/carvão escrito no chão. Teoricamente, o que se faz no físico, se faz no astral. Logo, desenhar a cabeça dele seria prende-lo ali. Escrever a volta, seria obriga-lo, não deixar ele avançar nesse segundo circulo, muito menos no magista. Ele teria que ficar preso ao centro do circulo, aonde o sigilo foi feito.
- Aposto que você se assustou na parte de sacrificar galo preto. Óbvio, não por causa do sacrifício em si, mas pelo “nível” do sacrifício. Porque um “rei do Inferno” iria querer um bicho que todo “macumbeiro” mata? Essa parte é interessante para vermos que, o “gosto” das entidades é na verdade subjetivo a ideia do evocador. E que Lúcifer curte uma canja.
E então o mago, segundo essa conjuração iria assinar em um contrato com seu sangue e dar para o espirito em troca do poder de cura e a sabedoria das plantas. Mas o Papa Honório não foi o único a nos ensinar evocar demônios. Vieram mais grimórios. E a nossa amada Goécia.
Grimórios medievais e demônios esquecidos
- 1517 – Grimório Verum
- 1522 – Grande Grimorio
- 1689 – Livro Vermelho de Apin
- 1818 – Dictionnaire Infernal
Engraçado notar que os únicos que permaneceram vivos depois disso, foi Astaroth e Lucifer. Surgat, Belcharde e os outros foram esquecidos na atualidade. Talvez seria bom um demonologista ressuscita-los. Como em toda cultura, os demônios mais populares se perpetuaram e enquanto os outros foram aos poucos largados. Mas o ultimo desses livros, o Diccionnarie Infernal do Collin de Plancy merece um lugar de destaque – ele tentava ser um livro pronto sobre todo folclore demoníaco e inclusive adicionou “demônios” que na verdade não são “demônios”. Como por exemplo, a deusa Kali hindu, dentro desse livro, é retratada como um demônio.
Pode assumir que você ficou com tesão ao ver essa deusa tão sexy.
Como um dicionário folclórico, Collin de Plancy acertou em cheio. É uma referencia clássica para qualquer demonologista sério da nossa atualidade. Existem referencias únicas ali dentro, como por exemplo do demônio chamado Mestre Leonardo. É o demônio da bruxaria e que deu origem aquilo que chamam de Sabbath das Bruxas, com direito a bodes e fetos abortados. Outros demônios ganharam notabilidade dentro do mesmo, como Adrammelech, Belfegor, Abaddon e Behemoth, demônios que, não se acham em outros grimórios. Interessante perceber que apesar de ter sido lotado de demônios, o livro do Plancy, muitas vezes era um avatar de fantasia. Ele canalizava todos os medos dos europeus na época e criava um compendio para facilitar a identificação dos mesmos.
Em 1522, nele encontramos o Grand Grimorie – um grimório no minimo, confuso. Ele se inicia com conjurações a Lucifer pedindo para que o mesmo apareça. Poucos instantes depois, quem responde é Lucifuge Rofocale, que é vista como outro nome de Lucifer. MAS, na segunda parte do grimório, o mistério se desvenda – Lucifuge, é o primeiro ministro do inferno e representante direto de Lúcifer. Numa evocação mais clara, é esse pequeno mal entendido é revelado. É interessante notar que os demonologistas modernos, seguem o raciocínio de um mito de internet – ao qual Lucifuge Rofocale é Forcalor, sendo o segundo, um anagrama para o mesmo.
Em 1689 Red Book of Apin lançou uma hierarquia magnifica de demonolatria. Levando em conta que Baal, foi chamado de Vaal (sabe-se lá porque), ele conseguiu ser um dos manuais mais pés no chão dentro dos manuais que tínhamos. Ele agregava deuses gregos como Hecate, Lâmia e Typhon, aos quais eram partes da hierarquia infernal. É interessante notar que o conceito de demônios de prateleira era assunto pertinente a todo grimório. Quando uso essa expressão quero me referir ao fato deles darem a cada demônio, uma função e um objetivo especifico, como se aquele demônio fosse apenas para aquele intento. Observe que se os demônios forem realmente pessoas, eles devem saber fazer muito mais que seduzir-destruir-enriquecer, aos quais são as funções tão básicas quanto a soma-multiplicação-divisão dentro da matemática.
Esses grimórios terminaram por inspirar uma peça a qual não pode faltar quando se fala no tema ‘Demonologia’: A Lenda de Fausto. Escrita pelo alemão Johann Wolfgang Von Goethe, sendo o trabalho da vida do autor, finalizado somente em meados de 1830, aos seus 82 anos é, talvez, a história de um dos ocultistas mais famosos que temos notícia no tocante a demonologia.
O livro obra-prima de Goethe narra-nos a história de Heinrich Fausto, um sábio doutor que, insatisfeito com seus conhecimentos mundanos, aventura-se pelo oculto. Com certo estudo acaba evocando o demônio chamado Mefistófeles, que o guia por uma jornada metafísica, que culmina em sua morte.
Assim como o mito de Salomão unido a Pseudomonarchia Daemonum de Weyer resultou no que hoje chamamos de Ars Goétia, a lenda de Fausto descrita por Goethe, que teria sido supostamente baseada em um mago alemão chamado Johannes Faust (misteriosamente encontrado retalhado em um rio – nada muito surpreendente para os que conheciam sua fama de mulherengo e beberrão) unida a base ritualística do Grimorium Verum acabou gerando o chamado ‘Corvo Negro ou a Tríplice Coerção do Inferno’.
Um grimório não muito diferente dos acima citados, ou seja, mais evocações ao Diabo pelo amor de Deus, mas contendo em si a peculiaridade da detalhada evocação de Mefistófeles, descrito como um dos Grandes Duques do Império Infernal, capaz de ‘trazer conhecimento rápido’ a um homem.
Bem condizente com a história do velho doutor.
A histeria do século XX(I) e suas demandas demonológicas
Junto com os mestres e templos satânicos, sacerdotes prontos para te passar orações católicas (ops, satânicas), rádios da web e água benta – ou maldita ?- nós caminhamos em passos largos a dois pontos opostos: a iluminação e a perdição.
A perdição é um processo de repetição. Você lê, relê, conversa, desconversa, debate, tenta argumentar, provar – utiliza de tudo para manter e firmar as tradições já pré estabelecidas. Nela você aprende algo e o mantem pelo restante da sua vida. E passa ele, como uma DST para seus companheiros magicos. Aqui não muito o que se fazer ou dizer, já que, a única coisa que você faz é continuar repetindo as mesmas coisas que são repetidas a seculos. Existe uma grande reprovação por técnicas novas e mundos modernos dentro da cabeça dos perdidos. Aqui existem mestres, seitas, grupos, covens, ordens “iluminadas” e tudo mais que a ordem pode te fornecer. Aqui Koronzon se alimenta das entranhas da sua inteligência. Crowley citou em seus Confessions uma frase que pode descrever, claramente a situação atual desse tipo dentro do mundo oculto; “eu não quero ser um pastor de ovelhas, nem ser o fetiche de um grupo de tolos e fanáticos, menos ainda o fundador de uma fé cujos seguidores se sentem contentes em apenas repetir minhas opiniões. Eu quero que cada homem possa traçar seu próprio caminho através da selva.”
A iluminação é o processo de pratica. Aonde você mais pratica do que lê. Aonde você se machuca, se arrebenta, medita até perder a alma. Os iluminados em magia praticam até perder os cabelos. Não algo repetitivo ou num modus operandi comumente praticado e seguro. Eles ousam.
Esse tipo de demonologia gerou muitas contradições. Desde rituais ditos como absurdos (que deram certo) até pessoas que realmente enlouqueceram. Tudo bem que, quem quer evocar um demônio, não está longe da loucura, parafraseando o Eliphas Levi, mas as crises fundamentais de existência e perda de raciocínio lógico tambem não deveriam fazer parte do pacote. Mas fazem. Do mesmo modo que muitos chicotam qualquer louco que apresente novas ideias hoje em dia, Crowley levou as mesmas criticas quando apresentava o poder do semên na sua época. É tudo questão de tempo para que ideias revolucionarias se tornem normais.
por King e Nero
Alimente sua alma com mais:
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