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Espaço, a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para a explorar novos mundos, pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve!”
A frase acima ecoa na cabeça de qualquer fã de ficção científica que mereça este título. Trata-se da narrativa de abertura de Star Trek, batizada aqui no Brasil como Jornada nas Estrelas, sem dúvida a mais bem sucedida franchise sobre exploração espacial jamais concebida. Este artigo, entretanto não trata exatamente este assunto, mas algo indiretamente ligado a ele. Vamos abordar de maneira sucinta, como Jornada nas Estrela pode ser usado como uma chave para compreendermos os principais arquétipos da cabala judaica.
Aparentemente este artigo é para poucos, mas não é inesperado. Basicamente toda base da magia do caos que se tornou o que hoje é conhecida como Pop Magic evoluiu pelas mãos de fãns de ficção. Obras como a Principia Discórdia, os manifestos subgenius e obras de Phil Hine, Peter Carrol entre outros estão repletas de menções que nos remetem aos maiores clássicos, populares ou marginais, deste estilo. Era uma questão de tempo até que a magia e a ficção científica se unissem novamente.
É possível que a maioria dos fãs da série achem este ensaio uma mera baboseira mística, ao passo que a a maioria dos estudantes de cabala julgarão este esforço como uma mera piada pós-moderna. Para estes dois tipos de pessoas, pedimos e damos licença para aplicarem a primeira diretriz da Federação Unida dos Planetas, que não duvidem pode apreciada por qualquer talmudista: A não interferência. Agora os praticantes de Magia do Caos com certeza encontrarão aqui um precioso guia de como colocar em prática a cabala de forma eficaz e prática.
Tanto a Cabala quanto Jornada nas Estrelas tem como ponto de partida o instinto humano por exploração. Se considerarmos a palavra “Espaço” de um ponto de vista mais abrangente teremos que forçosamente incluir nele a vastidão que separa o nascimento da morte e os animais das divindades. Enfim, se entendermos que o Espaço não pode ser separado da Mente e que existe uma infinita terra inexplorada entre a existência material e a consciência cósmica, poderemos então dizer com certeza que este espaço é realmente a fronteira final que deve ser explorada com afinco por qualquer um que deseje compreender e mesmo manipular a realidade que nele se encontra.
Se por um lado a tripulação da Enterprise dispõe de detalhados mapas estelares, por outro a Cabala está equipada com mapas igualmente importantes. O mais poderoso deles é a chamada Etz Chaim, em hebraico עץ חיים, a Árvore da Vida. Formada por dez esferas (Sephiroth) ela é uma estrutura antiquíssima usada para retratar os diversos níveis de consciência. Veja na figura abaixo:
Se ela parece complicada é porque, assim como Jornada nas Estrelas, a Cabala apresenta uma estrutura que sugere infinita diversidade em infinitas combinações. Tanto a Árvore da vida, quanto a série criada por Gene Roddenberry apresentam algumas outras semelhanças que não podem ser ignoradas. Enquanto o sistema judeu busca representar com este esquema, de forma tanto simplificada quanto profunda, toda a realidade que existe, existiu e existirá dentro da Divindade que representa o todo, a nave estrelar e sua tripulação representavam, da mesma forma simplificada e profunda, a realidade cotidiana de cada um de nós e como ela está imersa em um todo maior e coeso, embora invisível. Se por um lado a Cabala se torna subjetiva o suficiente para que cada um encontre a própria verdade da maneira que quiser, a tripulação liderada pelo Capitão Kirk é mundana e comum o suficiente para não dar margens ao fantástico. Assim ao utilizar a série como base para o sistema milenar iremos criar um guia prático para se compreender o incompreensível. Tendo isso em mente, considere a Árvore da Vida como se fosse a Frota Estelar, que organiza, hierarquiza e define as patentes de cada personagem. A mesma estrutura acima revelada pode portanto ser apresentada da seguinte maneira:
Não se assuste, a seguir explicaremos o porque de cada uma destas relações. Antes disso é necessário entender que a Árvore da Vida nos mostra como a manifestação da realidade plena, conhecida vulgarmente, e talvez erroneamente, como Deus, se irradia de sua forma mais pura e original até sua forma mais mundana, como uma xícara de café; por causa disso vamos descrevê-la de “baixo para cima”. Ao invés de tentarmos começar nos explicando pelo impensável e chegar naquilo que podemos guardar nos bolsos vamos fazer o caminho daquilo que vemos a todo momento e ir nos tornando mais subjetivos, assim não perderemos nem o fio da narrativa nem tempo com conjecturas inúteis. Vejamos então vejamos agora como as principais personagens do seriado Jornada nas Estrelas podem se relacionar com perfeição com as dez Sephiroth.
Malkuth – U.S.S Enterprise
“Audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”.
– Placa da Inauguração da Enterprise.
Malkuth é a décima Sephira e seu nome quer dizer “Reino”, ela representa a manifestação mais material do todo, aquilo que percebemos como o mundo físico, nosso planeta Terra ou nosso corpo em escala individual. Em Jornada nas Estrelas ela é equivalente à própria nave estelar Enterprise. Algo que é importante se ter em mente é que apesar de haver outros planetas, a Terra inclusive, no universo, é a nave que serve como planeta e lar para todos. Ela traz em sí representantes de todos os paises e etnias e mesmo de outras raças, como o próprio Spock. Além disso nela estão presentes resumos de todas as formas de tecnologia, sejam nos computadores como nos quartos de cada tripulante, a medicina de ponta se mistura com os objetos antigos colecionados por Kirk. Isso sem falar que sem ela nenhuma das aventuras vividas pelos personagens seria possível. Tudo o que é emanado do Todo está presente na nave. Os cabalistas dizem que uma forma de entender a Árvore da Vida é imaginar um anjo com os pés em Malkuth e a face voltada para Kether, em nossa analogia este anjo só poderia fitar Kether se estivesse com ambos os pés plantados sob as naceles da Enterprise.
Yesod – Scotty
“Sem energia você não vai a lugar nenhum.”
– Scotty, “Who Mourns for Adonais?” 1º temporada.
A palavra Yesod quer dizer “Fundamento”, ela representa toda a base não física que dá forma ao mundo, uma analogia razoável dela seria imaginar a forma usada em uma empresa de garrafas para moldar as garrafas em si. Representa o caldeirão onde todas as outras esferas emanam e são misturadas antes de se manifestar em Malkuth. Na série é representada pelo chefe da engenharia, o Tenente Montgomery “Scotty” Scott. Ele é o responsável por manter a nave inteira e funcionando. A capacidade dele de interpretar tudo o que precisam e pedem (ou “emanam”) para ele e então tranformar em algo físico o torna uma personagem que se mescla e se torna inseparável da própria nave, chegando a afirmar que “nunca quis ser nada além de um engenheiro”.
Hod – Chapel
“Você esta tentando me dizer algo.. mas eu não podia ouvir. Seria ilógico protestar contra nossa natureza agora.”
– Spock para Chappel, Amok Time: 2º temporada
Hod é a Sephira que representa o maior grau de estruturação que as emanações atingem antes de se tornarem o molde que cria a realidade. Ela é o que podemos chamar de a serenidade da lógica em seu estado mais puro. Seu nome significa “esplendor”, embora muitos achem que esta Sephira cairia como uma luva no Sr. Spock ela é muito melhor representada pela enfermeira Chapel. Vejamos o porque: Especializada em bio pesquisas se tornou a enfermeira da nave. Além disso seu elo afetivo com Spock a torna perfeita como representante de Esplendor, já que toda sua lógica é voltada para se identificar com o próximo, tornando-a mais íntima das duas Sephirot que seguem, Yesod e Malkuth. No seriado com o passar do tempo ela consegue conquistar o Vulcano e em um episódio existe mesmo um beijo forçado telecineticamente que deixa claro que a lógica que ela representa é capaz de atrair um estado mais puro e superior de compreensão representado por Spock e torná-lo mais próximo da realidade, se mostrando sempre pronta a cuidar mesmo de um inimigo ferido.
Netzach – Chekov
“Scotch? Foi inventada por uma pequena e velha garota de Leningrado.”
– Chekov em The Trouble With Tribbles: 2º temporada.
Netzach significa Vitória e representa um das Sephira marciais da árvore. Na série assistimos Chekov progredir de um mero cadete em treinamento para o chefe de segurança e oficial tático no melhor estilo militar. Como veremos as duas Sephirot responsáveis pelos aspectos primários da liderança se refletem em suas subordinadas ” inferiores”. Esta sephira retrata a superação das dificuldade e dos próprios limites, trata-se de uma emanação predominantemente masculina e simboliza a realização após grandes esforços. Da mesma forma Chekov sempre se mostrou pronto para levar todos a vitória. Ninguém melhor do que o jovem navegador russo da nave para descrever esta Sephiroth, que quando necessário chega mesmo a substituir o oficial de ciências e serve como termômetro para os ânimos de todos e nos momentos mais críticos.
Tipareth – Kirk
“Uma das vantagens de ser o capitão, Doutor, é poder pedir conselhor sem necessariamente ter que segui-los.”
– Kirk para MacCoy, “Dagger of the Mind” 1º temporada
Tipareth está no centro da árvore da vida assim como o Capitão Kirk está no centro da ponte de comando. Ele é a primeira manifestação da coroa Kether, é o representante da autoridade máxima. Tanto um como o outro são de fato o centro de seus respectivos universos, responsáveis por trazer harmonia aos diversos extremos. Os estudiosos de Cabala sabem que debaixo do Abismo causado por Daath, Thipereth é a representação máxima do ideal de liderança, aquele que guiado pelas próximas Sephiroth servirá de emanação para tudo o que pode existir. Qualquer semelhança com o papel conciliador de Kirk com seus dois melhores amigos, que também reflete o melhor da personalidade de cada, não é mera coincidência. Em tempo, Tipareth quer dizer “Beleza”, como podem atestar cada uma das bocas alienígena que Cap. Kirk beijou na série.
Geburah – Sulu
“Se todos a bordo morrerem em 24 horas a nave se auto-destruirá… para proteger outros seres de se contaminarem com a doença a bordo.”
– Sulu, “Albatross” 2º temporada da Série Animada
Geburah é a Sephira que se situa logo abaixo de Binah. Seu nome quer dizer ‘Julgamento’ e representa o domínio dos impulsos e a contenção. Geburah é o grande juiz que segura todos os impulsos que recebe e os dirige a uma única direção, descartando tudo aquilo que, por um motivo ou outro, não poderia se manifestar. Em Jornada nas estrelas é o piloto Hikaro Sulu que tem este papel. Assim como Geburah este personagem contido canaliza sua energia para pilotar com frieza a Enterprise em seus momentos de maior tensão. Além de demonstrar um enorme controle sobre tudo o que se passa seja como espadachim ou estrategista, decidindo assim o que prosseguirá ou o que será descartado.
Chesed – Uhura
“Todas as frequências de saudações abertas capitão”
– Uhura, em diversos episodios.
Chesed quer dizer ‘Misericórdia’ e no seriado esta esfera está presente na figura da Tenente Uhura. Ela possui a autoridade, controle e é decidida. Por ser a oficial responsável pela comunicação interna e externa da Enterprise ela é o elo entre as emanações que vem de cima do abismo, as passando para todos que se encontram depois de Daath. Localizada logo abaixo de Chokma, Chesed representa o carinho e o desejo de compartilhar incondicionalmente. Sem dúvida é a mais sociavel dentre os oficiais e assim como Chesed representa a generosidade sem preconceitos e a vontade de doar tudo de si em prol de algo maior, a vontade de, não importa o que, fazer o que precisa ser feito.
Daath – Universo Espelho
“McCoy: “Eu sou um médico, não um engenheiro!
Scotty: “Agora você é um engenheiro.”
– Mirror Mirror, 2º temporada
Daath significa “conhecimento” e não é exatamente uma Sephira, mas também poder ser. Desta forma apesar de estar presente na série ela não é exatamente um personagem, mas todos eles e nenhum. O universo espelho é o universo paralelo onde cada membro da Enterprise tem o seu equivalente, mas muito mais cínicos, oportunistas e não tão confiáveis. Crowley afirmou que em Daath vive o demIonio Chorozon, e não é de se espantar que é neste universo que encontramos aquilo que representa o demônio pessoal de cada membro, não necessariamente uma versão piorada de cada um, mas uma versão que nos leva a ver que todas as emanações estão sujeitas a extremos que não necessariamente se anulam, mas nos tornam conscientes de potenciais até então não imaginados. Mesmo a Federação dos Planetas Unidos tem no Universo espelho a sua contra-parte: O Império Terrano.
Binah – Spock
“A necessidade de muitos sobrepujam as necessidades de poucos, ou de um”
– Spock: A iIa de Khan
Binah quer dizer ‘Entendimento’ e sem dúvida não há melhor significado para o famoso Sr. Spock. Binah é a Sephira que representa o início das formas, onde toda a energia se cristaliza de forma pura e simples. Não existe dúvida ou significados ambiguos. É aqui que toda a força vinda das emanações superiores se destilam de forma a criar algo que pode ser reconhecido, por mais frio que seja. O oficial de ciências da Enterprise vive uma vida guiada pela ciência e compreensão segundo os valores de seu planeta natal, Vulcano. Da mesma forma esta sephira que se situa no topo da coluna esquerda é a representação cabalística da lógica e da razão suprema. Fascinante.
Chokmah – McCoy
“Que diabos, Jim… Eu estou começando a achar que posso curar até um dia de chuva!”
– McCoy: The Devil in the Dark: 1º temporada
Chokmah significa Sabedoria e se situa no topo da coluna direita da árvore da vida. É a contra-parte de Binah assim como o Dr. “Magro” McCoy é a contra-parte de Spock. Oficial médico da série é emotivo a ponto de conseguir ser ao mesmo tempo o ranzinza e o coração de manteiga da tripulação. A ele cabe o papel da energia humana incontida que se irradia em todas as direções tocando a todas as outras emanações, e como oficial médico podemos dizer inclusive que debaixo do Criador é nele que a vida/existência começa a se basear. Se por um lado ele é impulsivo por outro é o melhor amigo que alguém pode ter. McCoy e Chokmah representam o mundo das emoções e de tudo o que vem com a energia incontida delas.
Kether – A Federação dos Planetas Unidos
“Nós descobrimos… que todas as formas de vida da galáxia são capazes de se desenvolver. Todo seu povo deve aprender isso antes de poderem alcançar as estrelas”
– Kirk, The Gamesters of Triskelion: 2º temporada
Kether quer dizer “Coroa” e este é o nome da Sephira que está no extremo superior da Árvore da Vida. É a manifestação pura de onde todas as outras manifestações nascem. Em Jornada nas Estrelas está presente como a intangível, invisível porém sempre presente “Federação dos Planetas Unidos”. É a realidade que justifica a união de todas as outras realidades citadas, que as motiva e lhes dá razão de ser. Apesar de não poder ser compreendida ou percebida em toda a sua extensão é ela que criou e deu razão de ser para a frota estrelar da qual a Enterprise e toda a sua tripulação fazem parte. Assim como a emanação máxima da Árvore ela pode ser percebida muito vagamente, mas mesmo assim é inegável seu poder. Curiosamente o símbolo da federação é uma ‘Coroa’ de louros.
Até aqui vimos todas as Sephiroth que compõem a árvore da vida. A cabala entretanto fala também de três manifestações superiores que de uma forma ou de outra também estão presentes em Jornada nas Estrelas. Vejamos cada uma delas:
Ain – Espaço
Além das emanações das Sephiroth, existem mais três “lugares” que as englobam todas. Ain significa “o Nada”, mas não o vazio, o nada de onde tudo surge. No seriado este papel é representado pelo espaço sideral, igualmente infinito próximo e distante de todas as outras personagens. Sem o Espaço não haveria a Federação, nem os tripulantes, nem a Enterprise.
Ain Soph – A Fronteira Final
Aind Soph significa “Sem Fim” é a idéia de algo sem limite, é o estado da existência que engloba todos os outros a última fornteira da compreensão, não apenas humana, mas do criador em si, acima disso não existe uma forma de descrever o que pode ser encontrado. Isso nos lembra que embora Jornada nas Estrelas seja essencialmente uma série espacial, sua exploração é na verdade muito mais ampla. No decorrer dos episódios eles exploram realidades paralelas, linhas temporais alternativas e a infinita realidade mental presente por meio de espécies alienígenas e lugares muito além do desenvolvimento humano como os Talosianos, Organianos os Medusanos entres tantos outros.
Ain Soph Aur – Onde Nenhum Homem Jamais Esteve.
Nada pode ser dito sobre onde nenhum homem jamais esteve.
Conclusão
Não se espante com esta estranha identificação entre o seriado criado nos anos 60 e a antiga corrente mística. Estas relações são assustadoramente exatas para quem conhece os princípios da cabala e do seriado. Contudo, não se trata de nenhuma revelação sobrenatural ou conspiratória sobre a origem da série. Simplesmente o que acontece é que toda narrativa de sucesso, de uma forma ou outra sempre reflete a realidade interna do ser humanos. É por este motivo que todos os povos tiveram deuses da guerra e do amor. Toda boa história é afinal uma história sobre nos mesmos.
Thiago Tamosauskas
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