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Servidores, Golens, Homúnculos e outros Escravos Artificiais

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“Maldito dia em que recebi a vida! Criador Maldito! Por que criaste um monstro tão horrível, que fez até mesmo você me dar as costas com nojo? Deus, em Sua piedade, fez o homem bonito e sedutor, a sua própria imagem; mas minha forma é uma versão depravada da sua, mais horrível ainda. Satanás tinha seus companheiros, companheiros demônios, para admirar e incentivá-lo, mas eu sou solitário e enojado.”
– Frankenstein, Mary Shelley

Não se sabe ao certo quando nasceram exatamente as antigas sociedades matriarcais. Nem sabemos também indicar com precisão quando houve a reviravolta que mandou as mulheres para trás do tanque e colocou o homem como chefe da casa. Mas uma coisa sabemos com certeza: no momento em que o a humanidade entendeu que precisava de um homem e uma mulher para gerar um filho ela decidiu fazer o que faz melhor. Quebrar as regras. Assim, desde textos antigos da ero do bronze até tratados mais recentes de ocultismo tratam do assunto. Como criar a vida sem a necessidade de parir. Nasceram assim os Golens, Dolens, Tulpas, Homúnculos, Elementais, servos, etc.. a história está cheia de exemplos, e diferente do que se pode imaginar essas criaturas não são apenas mitos.

Tradicionalmente um ‘Elemental Artificial’ é uma entidade astral criada pela vontade e imaginação de um feiticeiro e trazida à vida com sua própria força vital, para cumprir um propósito específico. Por razões práticas e para evitar cair na especulação, pessoalmente prefiro entender estes seres simplesmente como: amigos imaginários que funcionam. Essa definição é boa porque cala tanto os críticos como os dependentes de explicações.

Estes seres podem servir a uma infinidade de propósitos – podem ser espiões, mercenários, vigilantes, mensageiros, arruaceiros, encostos, curadores, ou protetores de pessoas, coisas e lugares. Eles se diferem dos Familiares e Demônios Pessoais por terem mais autonomia e uma ligação menos pessoal com o feiticeiro; e também se distinguem dos Demônios Tradicionais por serem menos poderosos e menos inteligentes. Em outras palavras servidores são ideais para cumprirem tarefas simples que o magista até poderia fazer sozinho, se isso não tomasse seu tempo ou comprometesse sua discrição.

Uma das fórmulas mais antigas dessa prática chega até nós diretamente da cultura caldea, ela foi revista e re-adaptada pela tradição hebraica criando a figura do Golem – uma criatura moldada em barro e presenteada com o sopro da vida, numa repetição humana do mito da criação. A criação de um Golem possui um sentido hermético, pois nela a criatura criada (o ser humano) repete o método de seu criador e, assim, se faz assim semelhante a Deus. Ela moldaria no barro uma imagem à sua semelhança e lhe imbuiria com seus propósitos. Ela escreveria em sua testa ou peito as letras  emet (Vida, Verdade, Alma) e em seguida repetiria certas formulas de poder que teriam sido ditas ao Adam Kadmon no princípio dos tempos. O resultado é um boneco vivo, pronto para receber as ordens do feiticeiro. Conta-se ainda que ao cumprir seu propósito o feiticeiro simplesmente apagava a primeira letra da palavra e transformaria emet em met (Morte, Vazio) e a criatura voltaria a ser uma mera figura de barro inanimada. O Golem mais famoso foi o criado por Judah Loew ben Bezalel, o rabino de praga.

Na idade média a idéia do Golem evoluiu para a do Homúnculo, praticamente um Golem de proporções reduzidas. Os três grandes segredos dos alquimistas eram: a pedra filosofal, o elixir da vida e o homúnculo. Ou seja, a transformação, a eternidade e a criação da vida, novamente atributos divinos. A história registrou diversas receitas para a criação do homúnculo. Paracelso dizia fazer isso com semen fechado em um vaso e aquecido em esterco de cavalo durante 40 dias. Johanned Dippel, dizia que este feito só poderia ser realizado se o sémen fosse injetado em ovos de galinha e tivesse o orifício coberto com sangue menstrual. Seja como for todas estas receitas são, à moda alquimista, altamente simbólicas e continham boas doses de distrações propositais.

Com o renascer do ocultismo no século XXI, os Homúnculos deram lugar às chamadas Formas-Pensamento, onde apenas a força de Vontade do magista bastaria para criar vidas ou símbolos que tenham uma existência independente, e possam interagir com o mundo e com a mente de outras pessoas, como idéias contagiosas. Isso se deve, entre outras coisas à influência oriental, especialmente graças as tulpas tibetadas. Uma tulpa dentro de algumas escolas do budismo esotérico é, assim como um Golem ou Homúnculo, uma entidade criada por um feiticeiro. Alexandra David-Neal descreve em seu livro, “Mistério e Magia do Tibet”, um caso problemático no qual criou uma tulpa durante uma viagem ao oriente, no formato de um monge tibetano. A experiência saiu do controle quanto o monge foi se tornando cada vez mais independente e agressivo. Nos grupos ocultistas ocidentais modernos, essas tulpas e formas-pensamentos, acabaram substituindo as técnicas antigas de caçar e dominar elementais naturais (como as consagradas pela Golden Dawn) e deram origem às práticas de criação e uso de Elementais Artificiais.

Uma aproximação contemporânea

Os métodos usados na prática magica para na criação destes elementais artificiais variam tanto quanto a própria tradição mágica varia hoje. Entretanto é possível enxergar um esqueleto constante por trás de todas estas receitas. É este esqueleto que usei para criar o método abaixo. Note que o que mostrarei aqui é algo bem diferente do que Aleister Crowley chamou de Homúnculo no liber CCCLXVII, que basicamente é uma forma ritualística de ter um filho com “a essência de uma força particular escolhida e com todo o conhecimento e poder de sua esfera”. O procedimento a seguir, por sua vez, utiliza antigas ideias em uma roupagem contemporânea. Não é melhor nem pior do que os métodos anteriores mas creio ser mais apropriada ao estilo dos magistas de hoje.

 

Concepção

Se você quer colocar alguém no mundo é bom saber o que está fazendo. A maior parte das histórias documentadas sobre golems, homunculos e tulpas que deram errado, o fizeram por conta de uma criação vaga sem propósitos bem definidos. Mente vazia é a oficina do diabo, especialmente se uma mente for tudo o que você é. O comportamento destes seres é semelhante ao das crianças pequenas, o tédio pode fazer com que eles procurem encrenca e causem problemas. Assim como elas, um homúnculo deve ser mantido sempre ocupado. Para garantir isso você pode escrever instruções precisas de qual o propósito e procedimentos dele em um pedaço de papel. Inclua todas as diretivas necessárias e tente ser tão preciso quanto possível, trate este manuscrito como se fosse um documento legal. Lembre-se que a palavra Golem quer dizer literalmente “Tolo”, então não de margens a más interpretações. Esta será sua Diretiva Primária. A missão de vida do ser que está para nascer. Nesse documento lembre-se também de incluir no topo o nome do seu elemental. Sinta-se à vontade para incluir alguma fórmula antiga que tenha alguma significância para você, mas não há necessidade de se criar um Sigilo com a carta. Lembre-se: um homúnculo não é um Sigilo, são duas práticas mágicas bem diferentes. Um Sigilo é uma abstração usada em encantamentos enquanto que um Homúnculo é uma entidade inteligente. Um sigilo precisa ser esquecido, um homúnculo não pode ser.

Encarnação

Será agora necessária a confecção de um ninho: uma base física para sua criação. Pode ser um pequeno vaso, totem, estatueta ou boneco por exemplo. A razão disso é que com esse ninho você ganha um controle maior sobre o homúnculo. Pode dar de presente para quem quiser proteger, pode deixar escondido ou exposto em um local específico onde ele deve atuar e, mais importante, pode destruí-lo com mais facilidade eliminado-o – caso as coisas saiam do controle. Esta estátua será como que o elo físico da entidade mental, então seu nascimento deve estar ligado a ela, assim, coloque o documento com a Diretiva Primária dentro dela de alguma forma.

Concentre no homúnculo material enquanto mergulha na sua mente e use os métodos que melhor lhe convierem para entrar em um transe tão profundo quanto possível. Permaneça assim por algum tempo e então imagine um cordão prateado saindo do ninho e subindo como uma planta que brota ou uma serpente que se ergue. Na ponta superior do cordão prateado observe o nascimento do novo ser. Não crie uma imagem na sua mente, deixe que ela brote por si só e ganhe forma na sua imaginação. Não force nada neste momento pois não há forma errada. Você precisa ter em mente que uma vez iniciado, o processo ganha vida própria, neste momento você passa a ser um espectador da nova criatura. Entretanto a forma não deve exibir movimentos nem sinais de vida, sendo por enquanto apenas uma casca vazia, um corpo mental sem força de vida.

Quando sentir que ela se já manifestou sua forma finalizada, visualize-a então da forma mais detalhada que puder evocar em sua mente. Novamente, os sempre negligenciados exercícios de visualização e concentração se mostrarão uma valiosa ferramenta do magista. Você só deve ficar satisfeito quando em sua cabeça estiver claro a forma, cor, cheiro, textura e todos os detalhes do seu homúnculo como se estivesse vendo uma pequena pessoa em coma ou dormindo na sua frente flutuando na ponta do cordão que brota do ninho.

Estando satisfeito cubra o ninho e deixe-o em um lugar onde não será perturbado por ninguém.

 

Crescimento

Sua pulpa foi criada, ela agora precisa crescer em força e direção. Esta parte é muito importante por você desejará instalar e perceber os processos vitais dentro de seu criado, despetando-o. Existem três formas de se fazer isso, a primeira é aproximar-se do ninho, fazê-la brotar do cordão e então compartilhar com ela por algum tempo suas próprias funções autônomas. Sua respiração, as batidas do seu coração, etc. Outra forma que me foi passada é encontrar algum cadáver fresco atropelado no asfalto e levá-lo aos pés do ninho. Concentre-se então nele,  e veja a força vital que se desvanecesse subir e ser inalada pela criatura no topo fio. Após isso deixe o cadáver aos pés do ninho para que esse aprenda a vida através da morte.  O terceiro método é usar o estímulo sexual, (não apenas o orgasmo) direcionando sua energia para a estátua e então para seu pequeno golem através do cordão ao seu elemental. Mentes criativas conseguirão misturar estes procedimentos ou ainda criar outros.  O processo de crescimento deve ser de pelo menos uma semana e  intercalado com seções de visualização que reforcem a encarnação do passo anterior.

Seja qual for o método que escolher ele será acompanhado de uma certa animação do seu homúnculo que começará a se mexer, respirar, murmurar, etc.. Ao chegar neste ponto, com a voz da mente chame a criatura pelo nome que escolheu. Ela deverá abrir os olhos e você deverá agora já ser capaz de vê-la controlando seus proprios movimentos e explorando o mundo ao seu redor. Neste momento algumas interações interessantes começarão a acontecer. Isto pode tomar uma quantia considerável de tempo, paciência e energia. Se necessário o proesso de crescimento pode continuar depois do despertar do seu elemental. Contudo, qualquer coisa além de uma repetição mensal depois de estabilizado não é aconselhada pois pode acabar viciando-o.

 

Instrução

Depois da fase do crescimento e sempre que os serviços da entidade forem necessários é aconselhável incorporar práticas específicas para a instrução do servidor. É neste momento que você recorrerá sempre que precisar que a tulpa realize algo para você. Tenha certeza de que as tarefas que você passar coincidam com a Diretiva Primária. Não crie uma entidade com o objetivo genérico de conseguir dinheiro e então abandone-a sem instruções, pois você pode acabar numa disputa judicial com seus irmãos pela herança da sua mãe morta – que coincidentemente estava viva antes de você criar seu servo. Se uma tulpa tivesse, por exemplo, como seu principal objetivo encontrar uma parceira sexual, na fase da instrução a pessoa lhe evocaria em um ritual e lhe ordenaria que garantisse sucesso na balada deste sábado.

Outras pessoas preferem criar um código, uma palavra específica que dificilmente – de preferência NUNCA – surgiria em diálogos do dia a dia, como forma de evocar o tulpa. Imagine que você cria um servo para protegê-lo, e de repente se vê no meio de um tumulto, uma manifestação, arrastão, avalanche ou na iminência de sofrer algum tipo de violência. Chame o seu guardião com a palavra. Essas palavras chave podem ser, por exemplo ORROCOS – uma palavra inexistente, mas fácil de ser lembrada, já que é socorro escrito ao contrário. Desta forma você consegue um contato mais pontual com sua criação.

Pessoalmente prefiro métodos mais simples nos quais após um período meditativo eu entro em sintonia com a criatura e o diálogo deixa de ser necessário e eu apenas peço auxílio e ela sabe o que fazer. Outras pessoas contudo podem preferir protocolar isso com uma vocação enoquiana ou algum comando simples. Lembre-se de mantê-la ocupada passando instruções semanais. Se você não tem instruções para passar para o homúnculo ele não tem mais razão de existir, isso nos leva para a última etapa.

 

Reabsorção

Finalmente, você chegará a um ponto em que desejará absorver a criatura. Por ser uma experiência dolorosa, as entidades não querem ser absorvidas. Isto é considerado natural, devido ao trabalho que você teve na criação delas. Quando não é feito do modo correto é aqui que aparecem os grandes desastres deste tipo de ilustração. Pois a forma pensamento pode se recusar a partir obcecada com sua própria existência. Quem pode culpá-las?

Dai a importância da estátua, pois sua destruição equivale à absorção do homúnculo através de sua psiquê.  Essa destruição do ninho pode ser feita em um contexto ritual, tendo a em mãos e repetindo inúmeras vezes a sentença do seu intento, enquanto compreende mentalmente que tanto o desejo como o ser “encarnado” eram desde o principio parte de você.  A inteligência dele era a sua inteligência. O poder dele era seu poder. Visualize-o dissolvendo-se em um estado de energia pura que você absorve para dentro de você. Tudo isso deve acontecer em uma atmosfera satisfatória onde você possa fazê-lo tão intensa e efetivamente quanto possível. É crucial você ter certeza de que está bem protegido fisicamente contra algum ataque psíquico. Quanto estiver convencido que o ser era uma projeção sua, quebre a estátua e livre-se dela.

Faça um último ritual de banimento da sua preferência. As possibilidades deste tipo de prática são tão grandes quanto a multidão de seres que existe em cada um de nós.

 

“Contemplei o coitado… o desgraçado monstro que eu havia criado.”
– Frankenstein, Mary Shelley

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.


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