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por Eduardo Berlim.
Em um divertido debate no Telegram do Morte Súbita, entramos na temática: “o que é Deus para você?” – e se isso não é motivo para você se tornar um apoiador e participar do grupo, eu não sei o que é. Com muitas opiniões interessantes à parte, que transitaram entre Huxley e seu “cérebro como válvula reguladora da consciência”, a história do dia em que Deus perdeu o chapéu e que chegava a “o diabo é o palhaço de Deus” (ou vice-versa), resolvi trazer meu quinhão para ver a luz da tua tela.
Compartilho da ideia de que nosso cérebro é uma espécie louca de “limitador de velocidade instalado em um Bugatti Veyron” – e quem diabos instalaria isso nesse carro? – e gosto de pensar que o conceito é um pouco mais expansivo que isso. Nosso cérebro tem, por função primária, o discernimento e separação de tudo em pequenas caixas de porcelana bastante frágeis. Algumas pessoas colocam até arame farpado nestas pequenas caixinhas, repletas de conceitos esquisitos e um tanto quanto bobos, enquanto outras deixam as caixas jogadas ao relento correndo risco de quebrarem e se tornarem recalques bastante estranhos – ou pelo menos esta é uma percepção freudiana do caso.
Os motivos pelos quais nosso software cerebral foi instalado com essas pré-definições de uma nuvem superior eu só posso especular. Creio que ele foi assim feito para que possamos experimentar partes diferentes do Criador das mais variadas formas, mostrando um Deus que é diferentemente percebido através do nosso corpo, da nossa mente, da nossa alma e da nossa emoção – coisa que os elementos taoístas dividem em cinco partes. Essa percepção diferente me faz conjecturar se Deus não é uma espécie de construção, um prédio que ninguém pode ver.
Pense, por um momento, que todos nós moramos neste imenso prédio que é Deus. Nós não podemos sair e é provável que ninguém possa entrar. Ele tem uns dois ou três quartos, mas você sequer foi em todos conhecer o teu próprio apartamento. Tem um corredor externo a partir da porta de entrada e por lá você recebe suas comprinhas do Mercabá Libers, da Xintopee, do iFlood, da Islam Express, do AmaCristus ou do que quer que seja. Você encontra o entregador, pega sua comida, seus remédios, seus padês, seu espaguete voador, entra e segue sua vida.
Há ainda uma sacada que talvez você nem tenha visitado, mas das janelas você pode ver a fachada roxa do prédio. Tem um nome incompreensível de quatro letras no que parece ser uma portaria. Ninguém nunca vai nas áreas externas ou usa a piscina (tão típico…) e nas reuniões de condomínio a pancadaria come solta porque ninguém conhece o prédio direito.
O pessoal do sexto andar do bloco C diz que o prédio é roxo, mas no bloco B dizem que é azul. Quem mora no oitavo andar diz que existem oito andares pra baixo, quem mora no quinto diz que só são cinco – e quem mora na cobertura jamais foi visto. Tem quem diga que o prédio se chama Olodumaré, mas outros chamam de Alá, Dios, Nirvana, Monstro do Espaguete Voador, Caos e Érebos, Vaca-lambedora-de-gelo-com-nome-estranho e por aí vai. Ninguém chega a qualquer conclusão e constantemente a briga toma vias bastante físicas.
Nesse meio há quem diga que seus vizinhos de andar são divindades, outros chamam de ancestrais. Tem quem diga que o porteiro se chama Exu, mas tem quem diga que são Tronos e Querubins. Tem quem diga que nem porteiro tem! Existem os que enxergam os funcionários e os chama de Orisàs, outros os chamam de anjos, outros de entidades, há quem chame de Youkais e até de outras coisas. Tem quem não acredita que existe um prédio e tem quem até acredita, mas não acredita nos funcionários. Tem quem vai apenas nas atividades gratuitas de hidroginástica, aulas de tênis, dança de salão, pregação pastoral do evangelho quadrangular e spinning.
A verdade é que ninguém sabe sequer separar moradores de funcionários, zeladores de equipe de manutenção, os abastados da cobertura das figuras de presépio que herdaram do morador anterior. Por sinal, o zelador geral é outro problema, pois tem quem o chame de Jesus, tem quem chame de Maomé, tem quem chame de Hermes Trismegistus e tem quem afirme ser, ele mesmo, o zelador.
São poucos os que saem do condomínio e olham sua fachada exterior. Estes o percebem com muitas cores e nomes, com muitos blocos e apartamentos, com toldos em alguns apartamentos, com varandas em outros. Tem uns com ar-condicionado, outros cheios de pedrinhas na fachada, alguns pendurando roupa pra fora da janela e outros jogando lixo por ela. Tem faixa do Flamengo campeão de 2020, faixa de Elvis não morreu e faixa convidando pra festa de aniversário do afilhado de seis anos que vai ter tema de Bem 10. Em suma, o prédio não é exatamente uma coisa só.
E isso sem falar dos que resolveram passear para fora das dependências do prédio e descobriram que ele é um condomínio um tanto quanto monstruoso. Deve ter mais de oito bilhões de apartamentos e cada um parece diferente e igual ao mesmo tempo. Tem ruas pavimentadas que ninguém mais usa e dá pra encontrar coisas antigas espalhadas por aí. Tem apartamento abandonado que dá pra entrar e tem lugares que é melhor evitar – como a antiga sala de ginástica colorida dos anos 80 em que umas VHS suspeitas foram gravadas.
E andando um pouco mais você percebe que não é só um condomínio, mas um bairro… Talvez até uma cidade… Ou quem sabe, bem, não ouso dizer. Talvez tudo isso seja muito maior do que somos capazes de perceber enquanto mortais. Mas tem mais coisa por aí. Muito mais. No fim, reunindo tudo a inevitável conclusão é que tudo isso é parte de uma “religião universal que só os homens não têm”, como diria Fernando Pessoa.
É, eu gostaria de falar mais sobre esse prédio estranho em que moramos, mas por hoje não dá mais. Ocorre que meu vizinho é o diabo e ele ligou uma furadeira em pleno final de semana. Dá pra acreditar nesse cara?
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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