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Egiptomania Pop Magic

Quantas Múmias!

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Texto de G. B. Marian. Traduzido por Caio Ferreira Peres.

Por que gosto de certos filmes de “múmias assassinas” e por que costumo revirar os olhos para o resto desse subgênero.

Se há uma coisa que eu sempre gostei de fazer desde que nasci, é assistir a filmes de monstros. Tudo começou com os antigos filmes em preto e branco com caras como Boris Karloff, Bela Lugosi e Lon Chaney, Jr. Quando eu tinha sete ou oito anos de idade, havia uma estação de TV UHF local que costumava transmitir muitos desses filmes nas tardes de fim de semana ou tarde da noite. É assim que me lembro de ter visto filmes como King Kong (1933), Godzilla (1954) e O Mundo em Perigo [N. T.: Título original, Them!] (1954) pela primeira vez. A maioria desses filmes não me assustava muito (embora eu me lembre de ter ficado absolutamente traumatizado com O Monstro do Ártico), mas eu os adorava de qualquer forma, especialmente os filmes de monstros da Universal. E, naturalmente, A Múmia (1932), de Karl Freund, é a seleção desse cânone específico que mais me impressionou.

Um antigo sacerdote egípcio chamado Imhotep (interpretado por Boris Karloff) tem uma paixão proibida pela princesa Ankh-es-en-Amon, que é uma sacerdotisa virgem da deusa Ísis. Quando Ankh-es-en-Amon tem uma morte prematura, Imhotep rouba o lendário Pergaminho de Thoth para ressuscitar seu cadáver. Os guardas do faraó o prendem e arrancam sua língua; depois, o enterram vivo, tudo como punição por sua blasfêmia. Para piorar ainda mais a situação, os colegas sacerdotes de Imhotep riscam todos os feitiços hieroglíficos dentro do caixão, que tinham o objetivo de garantir uma viagem segura ao Outro Mundo para seu ocupante, condenando assim sua alma. Milhares de anos depois, alguns arqueólogos europeus desenterram a tumba de Imhotep e acidentalmente o ressuscitam com o Pergaminho de Thoth. Um deles vê o velho garoto andando por aí, e o pobre idiota fica completamente louco. Em seguida, a múmia desaparece, pegando o Pergaminho ao sair.

Anos mais tarde, Sir Joseph Whemple (o europeu que não endoidou) retorna ao Egito com seu filho Frank para lançar uma nova expedição. É quando aparece um sujeito que se autodenomina “Ardath Bey” (um anagrama de “Death by Ra” [N. T.: “Morte por Rá”]). Bey parece ser o Shriner mais velho (e mais empoeirado) a caminhar pelo Oriente Médio e anda como se tivesse um taco de Louisville enfiado entre suas nádegas. Ele também tem uma habilidade incrível para saber exatamente onde os arqueólogos devem cavar para encontrar mais tesouros. Graças a Bey, os arqueólogos descobrem a tumba da Princesa Ankh-es-en-Amon—e é aí que uma senhora europeia chamada Helen Grosvenor (interpretada por Zita Johann) começa a andar sonâmbula pelo trânsito no meio do Cairo. Pensando que Helen pode ser a reencarnação de sua velha senhora (literalmente), Imhotep—ou melhor, Ardath Bey—decide colocar o wammy nela para poder matá-la, mumificá-la e ressuscitar seu cadáver.

É claro que Helen não gosta muito da ideia de se tornar uma esposa troféu morta-viva e babona. Então, Imhotep faz o que qualquer feiticeiro sensato e apaixonado por estrelas faria: ele a sequestra, hipnotiza-a com sua magia e a força a fazer o que ele quer. No entanto, pouco antes de conseguir sua vitória final, Helen sente uma súbita inspiração para orar a Ísis, cuja estátua ganha vida e eletrocuta Imhotep com um raio mágico. Nesse momento, o Shriner mais antigo (e mais empoeirado) do mundo volta a ser a múmia ambulante e falante que ele realmente é, e ele prontamente se desintegra em uma pilha de ossos. Em seguida, Helen volta para casa e, presumivelmente, casa-se com seu outro pretendente, o filho do arqueólogo (na verdade, Helen simplesmente troca um tipo de “zumbificação” por outro. Considerando como Frank a trata enquanto a mantém a salvo de Imhotep, parece que ela está condenada a se tornar a esposa troféu zumbi de alguém, mais cedo ou mais tarde).

A Múmia foi inspirado na abertura da tumba do faraó Tutancâmon em 1922 pelo arqueólogo Howard Carter. Naquela época, havia muita propaganda na mídia sobre o fato de Carter e seus colegas terem provocado a chamada “Maldição dos Faraós” por terem cometido esse “sacrilégio”. Todos os que participaram da abertura da tumba deveriam ter uma morte estranha e misteriosa. (Até mesmo Sir Arthur Conan Doyle, o famoso criador de Sherlock Holmes, acreditava que havia algum tipo de verdade nessa maldição). Mas, na verdade, teria sido rude da parte de Tutancâmon desencadear tal maldição, já que Carter foi quem deu ao pobre garoto sua maior chance. Tutancâmon não foi um caso isolado na história egípcia durante sua vida lamentavelmente curta; foi somente quando Carter o encontrou que ele se tornou o faraó mais famoso de todos. Mesmo as pessoas que nunca leram um único livro de egiptologia sabem quem é o “Rei Tut”, e tudo isso graças a Carter. Sempre achei que Tutancâmon seria muito grato a Carter por isso.

E você sabia que existiu um Imhotep real e histórico? Ele não era nada parecido com o personagem de Boris Karloff; na verdade, ele é o médico mais antigo conhecido na história. Ele escreveu um dos primeiros tratados médicos que oferecia tratamentos puramente científicos (e não mágicos) para doenças (anterior ao médico grego Hipócrates em mais de 2.000 anos). Ele também foi o mestre arquiteto e engenheiro que projetou a Pirâmide de Djoser (também conhecida como “Pirâmide de Degraus”). Longe de ser amaldiçoado por qualquer blasfêmia, Imhotep era algo mais parecido com um santo que havia alcançado grande iluminação e santidade durante sua vida terrena e que podia interceder como um espírito em favor dos vivos. A popularidade do verdadeiro Imhotep era tão grande que ele acabou ganhando seus próprios seguidores religiosos e foi adorado como o “Filho de Thoth” (o deus da sabedoria, que era a divindade tutelar de Imhotep). Meu palpite é que os criadores de A Múmia queriam um nome que soasse autenticamente egípcio para o antagonista do filme e provavelmente escolheram “Imhotep” sem saber nada sobre a figura histórica à qual ele pertence.

O que realmente diferencia A Múmia dos outros filmes da época é a forma como o monstro titular é derrotado. A maioria dos monstros de filmes de terror gótico—vampiros, lobisomens, monstros de Frankenstein—é facilmente derrotada com símbolos religiosos cristãos ou com armas puramente práticas, como o fogo. Imhotep é imune a todas essas coisas, e não é Jesus Cristo nem o professor Van Helsing (nem mesmo o próprio “herói” de A Múmia, sempre atônito) que salvam Helen no final. Sua salvadora é uma deusa que os arqueólogos (homens) do filme supõem ser uma mera superstição, mas que se mostra real e benevolente o suficiente para atender ao apelo desesperado de uma mulher inocente. A Múmia é pró-pagão em sua insistência de que a antiga religião egípcia é verdadeira e continua a ter poder e valor hoje em dia. O fato de a maioria das pessoas não acreditar mais nos deuses egípcios não tem absolutamente nada a ver com isso, e todos os personagens são forçados a aceitar esses fatos no final do filme.

 

Há apenas um outro personagem que entende essas coisas desde o início, que é o Dr. Mueller (interpretado por Edward Van Sloan). Mueller é o psiquiatra de Helen, mas também é um esoterista que, por acaso, acredita na religião egípcia. É ele quem insiste que todos deveriam usar um amuleto de Ísis para proteção (e ele acaba tendo razão). Ele também avisa aos arqueólogos que eles não devem se intrometer com o Pergaminho de Thoth e que devem simplesmente queimá-lo em uma lareira em algum lugar. Ele não só parece saber que usar o Pergaminho é uma má ideia, como também usa especificamente a palavra “sacrilégio”. Tenho certeza de que os cineastas nunca pensaram muito nisso, mas aposto que Mueller é membro de algo como a Ordem Hermética da Aurora Dourada ou a Ordo Templi Orientis—alguma ordem iniciática ocultista europeia que afirma ser mais antiga do que realmente é e que está repleta de elites sociais entediadas que afirmam saber mais sobre o Egito do que realmente sabem. Exceto que, nesse caso, Mueller sabe apenas o suficiente para ajudar a manter alguns dos outros personagens vivos, o que é curiosamente pró-egípcio para um filme dessa época.

 

É claro que o filme não está isento de críticas. Uma reclamação que ouço com frequência é que ele é basicamente o mesmo filme que Dracula, de 1931, mas com fachada egípcia em vez de transilvânica. Isso é verdade; a ideia de um homem imortal morto-vivo cobiçando uma mulher mortal também aparece em Dracula, e o Dr. Mueller e Frank Whemple são interpretados por atores que também apareceram em papéis quase idênticos no filme de Lugosi (como Professor Van Helsing e Jonathan Harker, respectivamente). A sequência do título de abertura usa exatamente a mesma música que foi usada em Dracula (o “Tema do Cisne” do segundo ato de O Lago dos Cisnes, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky). Mas, apesar de tudo isso, acho que A Múmia é superior a Dracula em quase todos os aspectos. Ele tem a vantagem de ter sido feito depois que Hollywood teve a chance de aprender com a produção de filmes “falados” por um tempo. Dracula sempre me pareceu muito afetado e entediante, e acho que isso se deve ao fato de que eles estavam apenas começando a filmar com som quando o filme foi feito. Também é mais fiel à peça teatral de Hamilton Deane, de 1924, do que ao romance original de Bram Stoker, o que significa que é uma péssima adaptação. Pelo menos A Múmia não diz que é baseado em um livro e depois faz um trabalho fantasticamente ruim de adaptá-lo.

 

A Múmia foi seguida na década de 1940 por uma série de assim chamadas “continuações” (começando com A Mão da Múmia em 1940) que não têm nada a ver com os personagens ou o enredo do filme original. Eles também não são tão inteligentes e são muito mais racistas. Eles seguem uma múmia chamada Kharis, que é menos um feiticeiro experiente como Imhotep e mais uma máquina da morte cambaleante e demente. Ele é enviado pelo antigo sacerdócio de Karnak para matar alguns arqueólogos por profanarem a tumba de uma princesa e é controlado pelos sacerdotes com (pasmem) folhas de chá petrificadas. Enquanto o original de 1932 mostra a magia egípcia como um poder moralmente neutro que pode ser usado para ajudar ou atrapalhar, os filmes da década de 1940 a tratam como um culto bizarro e degenerativo que só pode trazer violência selvagem e morte. (O mais insultante é que os sacerdotes de Karnak sempre acabam se apaixonando por alguma mulher branca e tentando estuprá-la, o que sempre leva à morte do sacerdote).

 

Felizmente, a história de Kharis foi revisitada em termos mais instigantes no remake de 1959 da Hammer Studios, chamado simplesmente de A Múmia e estrelado por Peter Cushing e Christopher Lee. Graças, em parte, a um ótimo roteiro de Jimmy Sangster e a uma excelente atuação de George Pastell como Mehemet Bey (o sacerdote de Karnak nessa versão), A Múmia da Hammer, apresenta seus personagens egípcios sob uma luz um pouco mais simpática. Ele ainda vê seu próprio tema por meio de lentes racistas e colonialistas, mas pelo menos Mehemet Bey tem a chance de articular sua posição com os protagonistas brancos, e Pastell realmente o entende. Posso ver perfeitamente como a exploração sistêmica de sua cultura e religião o radicalizaria para matar em nome de Karnak, independentemente do fato de Karnak ser, na verdade, uma cidade no Egito e não um deus. (Na verdade, eu gosto dessa falha no filme, pois significa que nenhuma violência está sendo cometida em nome de qualquer divindade adorada em qualquer religião da vida real). Também é bom ver uma versão da história que não tem o sacerdote de Karnak estuprando a heroína e se sabotando no final.

 

A Múmia da Hammer é um concorrente próximo para “O Melhor Filme Chamado A Múmia Já Feito” em meu cânone escritural setiano, mas o original da Universal vence essa categoria pelos seguintes motivos:

 

  • O original da Universal é pró-egípcio e tem os mocinhos sendo salvos por uma deusa egípcia; a versão da Hammer, apesar de ter um vilão simpático, ainda tem uma mensagem desconfortavelmente xenofóbica de “Tudo o que não for protestantismo anglo-saxão branco é magia negra maligna e adoração ao demônio”.
  • Embora Mehemet Bey mantenha a calma até o final, a versão da Hammer ainda tem alguém estuprando a protagonista feminina e, assim, frustrando a trama de Mehemet; nesse caso, é a sua própria múmia Kharis (interpretada por Christopher Lee), que, imagino, só quer provar que nunca se é velho demais para semear a aveia.

 

Houve uma grande quantidade de outros filmes de “múmia assassina” desde A Múmia da Hammer, mas a maioria deles apenas repete a mesma velha premissa do original de Karloff: um morto do Egito ressurge do túmulo com o pior caso de “pau-de-arara” de todos os tempos e não mede esforços para reivindicar a atual reencarnação de sua antiga namorada. Considerando a complexidade da mitologia egípcia e seu enorme elenco de personagens, nunca fez sentido para mim por que Hollywood continua voltando a esse tropo específico. Há tantas outras ideias do Egito que poderiam ser adaptadas em histórias muito mais interessantes, como a crença em kas (doppelgangers invisíveis que supostamente nos seguem ao longo de nossas vidas), ou a história da Destruição da Humanidade (na qual os seres humanos são quase completamente exterminados pela deusa leoa Sekhmet), ou a ideia de que fotos e desenhos são, na verdade, janelas para universos alternativos. Há material mais do que suficiente na literatura egípcia para informar várias franquias de filmes de longa duração, mas o público só quer ver mulheres seminuas sendo acariciadas por caras enrolados em Charmin, eu acho.

 

Ok, a versão de 1999 de A Múmia trata esse tropo de forma um pouco diferente. Sim, a múmia maligna quer trazer de volta sua amante morta; mas, pelo menos aqui, a amante morta e a heroína viva são dois personagens diferentes. (No entanto, a múmia ainda precisa matar a heroína para trazer de volta sua antiga amante, então acho que não é tão diferente assim. Além disso, a heroína acaba sendo a reencarnação de outra princesa egípcia na sequência de 2001, O Retorno da Múmia. Será que ninguém se cansa de escrever essa besteira?) Mas uma coisa que favorece o filme de 1999 é o fato de que ele não se enquadra como um filme de terror gótico, mas como uma história de aventura épica. Ele tem uma semelhança muito maior com os filmes de Indiana Jones do que com qualquer um de seus predecessores titulares. As atuações de Brendan Frasier, Rachel Weisz e Arnold Vosloo também são bastante agradáveis, e gosto do fato de o filme fazer com que seus heróis usem o misticismo egípcio para derrotar o vilão. (Ler um feitiço do Livro de Amun-Ra não é tão impressionante quanto ter uma deusa aparecendo para resgatá-lo pessoalmente do monstro, mas estou divagando). Se você conseguir ignorar a horrível computação gráfica desse filme (e lembre-se de que se trata de um filme dos anos 90, portanto, os efeitos digitais são fantásticos de uma forma especial que somente a computação gráfica dos anos 90 poderia nos proporcionar), você poderia fazer muito pior.

 

O que nos leva à mais recente reinicialização da Múmia, a versão de 2017 estrelada por Tom Cruise. Sweet Set O Mighty, eu nem sei por onde começar com esse filme. Certo, temos uma feiticeira egípcia que é mumificada viva por tentar tomar o trono do faraó. Temos Tom Cruise desenterrando o caixão dela no Iraque contemporâneo (?) após um ataque aéreo. Temos o amigo de Tom sendo morto e aparecendo como um fantasma que só Tom pode ver (provavelmente porque ele se confundiu e pensou que estavam fazendo Um Lobisomem Americano em Londres). E temos Russel Crowe aparecendo como Dr. Jekyll/Mr. Hyde (sim, do romance de Robert Louis Stevenson), que de alguma forma se tornou o líder de uma sociedade secreta que sabe tudo o que há para saber sobre a múmia. Agradeço o fato de terem transformado a múmia em uma garota (e não vou mentir, Sofia Boutella fica muito gostosa enrolada em Charmin desse jeito), e sou especialmente grato pelo fato de o tema “amantes antigos” ter sido completamente removido. No entanto, o filme comete outros erros imperdoáveis, e sua pior ofensa absoluta é o grande número de pontos de enredo sem objetivo que são claramente destinados a serem resolvidos em filmes futuros. Uma coisa é fazer isso quando se tem uma visão clara de como tudo vai se encaixar no final, mas a Múmia de 2017 não é um produto acabado que possa se sustentar ou ser julgado por seus próprios méritos. Ele se resume a pouco mais do que uma prévia de 110 minutos de atrações futuras (que nunca veremos).

 

Mas isso não é o que mais me incomoda no filme A Múmia de 2017. Posso perdoar os filmes por todos os tipos de pecados cinematográficos, mas acho difícil assistir a qualquer coisa em que Set seja usado como substituto do demônio cristão. A múmia Ahmanet adquiriu seus poderes sobrenaturais como resultado de um “pacto” com Set, e praticamente tudo o que ela faz no filme é para servi-Lo. Naturalmente, isso significa que Set é “maligno” e quer destruir o mundo. Será que os cineastas de Hollywood não poderiam fazer um filme em que Set não fosse escrito como se fosse um vilão bidimensional de desenho animado? Melhor ainda, o filme termina com Tom Cruise matando a múmia, herdando seus poderes do pacto com Set e se tornando um super-herói. Se você não entende por que eu me incomodaria com isso, imagine por um momento que alguém fez um filme em que Jesus volta para iniciar um holocausto global, apenas para ser derrotado por Val Kilmer, que então prontamente usa seus novos poderes de Jesus para se tornar o “Capitão Nazaré”. Parece bem estúpido, certo?

Link para o original: https://desertofset.com/2020/06/16/too-many-mummies/


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