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Eduardo Berlim[1]
Gosto de pensar que ainda existem ocultações dentro do Tarot que não estão amplamente descritas e enumeradas na literatura vigente, e isso me faz manter uma busca mais minuciosa sobre os “significados ocultos” que podem estar presentes em certos arcanos. Passei a ter ainda mais essa impressão após fazer os cursos do “Tarot: Mitos Modernos e a Cultura Pop” e perceber que o tarólogo, pesquisador e professor Rodrigo Grola havia desenvolvido uma nova forma de se ler os chamados Arcanos da Corte e compartilhava isso no curso, junto ao professor Marcos Keller.
Na época, eu já conseguia traçar certos paralelos em determinados arcanos, mas havia algo que ainda me incomodava nos arcanos maiores, que era a correspondência com as letras hebraicas. Há uma óbvia relação especial com a Árvore da Vida nos moldes da Golden Dawn e de seus caminhos voltados a uma Kabbalah Hermética, mas sempre me pareceu que seria possível extrair mais.
A título de exemplo dessa correlação, sempre podemos citar o arcano do Louco, que caminha de Kether para Hochma, ou seja, do ponto inicial de tudo para as infinitas possibilidades apresentadas na jornada. É fácil perceber o óbvio paralelo dessa ideia de jornada com a letra Aleph em sua representação do “Sopro de Deus” e o início da vida entrando através de uma mente inteligível e a capacidade de pronunciar as palavras em comando do mundo, tal como Adão pôde nomear os animais a partir do momento em que o sopro da vida entrou em seu corpo de barro. Aleph inicia o alfabeto hebraico tal qual o Louco inicia a jornada do herói como uma folha em branco prestes a ser moldada, e essa correlação se dá de forma fácil.
E é justamente por essa correlação ser relativamente fácil de se fazer que vou focar em outro arcano mais interessante: o Carro!
Um arcano de movimento que não pode ser mais parado, podemos observá-lo, em um primeiro instante, como a descida de Binah, enquanto restrição saturnina da jornada ainda não iniciada, para Geburah, o conflito que há de vir justamente por se dar o primeiro passo. Esta velocidade de partida faz com que o Louco abandone o mundo conhecido após receber os conselhos e bênçãos necessários dos seus guias e inicie a jornada no desconhecido — não à toa, o Mundo, arcano de “retorno ao lugar comum”, é correlacionado com Saturno pela Golden Dawn.
Há um segundo momento em que podemos pensar no Carro como a relação diametralmente oposta a esta descida, sendo uma subida em fuga: parte-se do conflito com o desejo de fuga, sem perceber que isso lhe devolve para a restrição do mundo. Correr de Geburah para Binah, neste caso, é como sair a toda velocidade em direção a um inevitável muro de concreto, mas com o sentimento de que se é “devolvido ao acolhedor colo da mãe”. E realmente este pode ser o caso — que certamente culminará num sonoro “eu avisei” da figura materna.
Toda essa ideia de “sair do colo da mamãe” e de “voltar para o colo da mamãe” seriam suficientes para entendermos por que o Carro é correlacionado ao signo de Câncer dentro do zodíaco, mostrando a possibilidade de fuga e retorno ao seio familiar e a toda a questão emocional que precisa ser superada neste momento derradeiro. Mas isso ainda me deixava com o questionamento da correlação com a letra Chet e o seu curioso significado: cerca.
Se eu passo a pensar que cerca é aquilo que determina o limite de uma casa, de um lar, eu passo a ter mais uma associação com a ideia de “fuga do lugar comum” presente no Carro e crio um adendo da família como óbvio limítrofe de todo cerceamento de liberdade do Louco dentro da jornada. É a figura materna que impede o Louco de seguir, em um primeiro momento, e com isso não estamos falando necessariamente de uma mãe simbólica ou biológica.
Todos os arcanos presentes entre o Louco e os Enamorados são literalmente as figuras familiares do Louco: o pai e a mãe espirituais, a mãe e o pai terrenos, e o professor — Mago, Sacerdotisa, Imperatriz, Imperador e Hierofante. Todos esses personagens necessariamente cercam o Louco para prepará-lo para a sua jornada: seja de forma óbvia, como o Imperador faria, ou de forma sutil, como faz a Sacerdotisa. Eles são a cerca que o Louco precisa romper se quiser “bancar” a sua decisão de “sair de casa”.
Fica evidente que o Carro passa, assim, a ter um significado muito maior de “rompimento da fronteira familiar e com o mundo comum” do personagem da jornada, mas em uma tiragem o que exatamente isso pode influenciar?
Em diversos testes que realizei com consulentes, passei a abrir uma nova questão quando saía o arcano do Carro. Isso obviamente dependia do motivo da tiragem, dos arcanos que o acompanhavam e de toda a questão apresentada. Ainda assim, creio que não seja tão costumeiro ver perguntas como “foi teu pai ou tua mãe que não acreditava na tua carreira?” em uma tiragem profissional em que uma posição de impedimento apontava a carta do Carro.
De forma mais curiosa ainda, isso tende a apresentar um ponto claro: mesmo quando o consulente não tem um problema direto com as figuras paternas e maternas diretas, mas com uma figura agregada a esta posição, podendo ser o Mago, a Sacerdotisa ou o Hierofante. Passei a corrigir a pergunta para “quem te disse que você não seria capaz de prosperar neste emprego?” e nunca ocorreu disso vir de uma figura que não tivesse importância no mundo comum. Por exemplo, em nenhum momento obtive uma resposta apontando para um chefe que não fosse admirado como a figura do Mago.
Associar o arcano do Carro diretamente à imagem familiar através da ideia da “cerca que circunda o lar” para encontrar os aspectos emocionais que o signo de Câncer leva para esta jornada tem me permitido observar leituras muito mais limpas, assim como perceber que a dúvida presente nos Enamorados pode ser associada com a multiplicidade de ideias tangentes ao signo de Gêmeos — e que Zain, significando Espada, pode apresentar os cortes necessários através do uso da razão como solução para a dúvida e o questionamento do arcano.
Essas pequenas percepções denotam ainda mais firmemente as soluções aos problemas apresentados em uma tiragem, pois o Carro, enquanto um arcano correspondente a um signo de água, necessariamente carregará emoções que precisarão ser trabalhadas, enquanto o Enamorados, ligado a um signo de ar, mostra que decisões tomadas de forma emocional neste ponto causarão um transtorno muito maior quando o Carro se apontar como consequência direta da escolha tomada.
Eu não sei para vocês, mas certamente isto tornou o Tarot muito mais interessante para mim.
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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