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Alta Magia

O Circuito da Força (Magia Aplicada)

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Por Dion Fortune,
tradução por Ícaro Aron Soares.

Não é fácil traduzir o pensamento oriental para os leitores ocidentais, porque o dicionário equivalente, dos termos empregados, está muito longe da sua significação no pensamento místico. Aqueles que penetraram, com referência a estes assuntos, além da Corte Exterior, sabem muito bem que existe o uso de uma linguagem especial, um double entendre, por assim dizer, que é utilizado sempre que questões de procedimentos práticos estão em discussão, caso contrário o “renascido” não poderia descobrir os atalhos que levam aos lugares secretos da alma. É certo, e também é necessário, que seja adotada esta precaução, e ela será observada nestas páginas; pois estes atalhos são eficientes dispositivos psicológicos e podem ser utilizados tanto pelos não dedicados quanto pelos dedicados, e se empregados por pessoas que têm mente impura e indisciplinada podem trazer infortúnio para elas e para o próximo. Eu seria a última pessoa a negar a um adulto o direito de queimar os seus próprios dedos se ele quiser queimá-los, mas penso que é melhor afastar dele os meios para provocar incêndios em outras pessoas.

Outra dificuldade, com respeito à questão de traduzir o pensamento oriental para os leitores ocidentais, reside no fato de que a maneira de encarar a vida do Oriente e do Ocidente difere completamente; isto é ilustrado, de uma forma impressionante, pelos edifícios sagrados existentes nos dois hemisférios. No Ocidente, o emblema central celebra o sofrimento; no Oriente, ele celebra a alegria. Os homens e as mulheres condicionadas por estes emblemas naturalmente avaliam as experiências da vida de maneira diferente. Como disse Kipling, com muita verdade: “Os sonhos mais loucos de Kew são os fatos de Khatmandu e os crimes dos puristas Clapham, em Martaban”.

A melhor maneira de nos aproximarmos do pensamento oriental é através de uma educação clássica. O grego e o hindu não teriam dificuldade em entender um ao outro; tinham ambos o mesmo conceito da Natureza e a mesma consideração pelo ascetismo como um meio para atingir um fim, e não como um fim em si. Todavia, o pensamento oriental penetrou muito mais fundo na religião natural do que os gregos puderam fazê-lo, e os Mistérios de Ceres e de Dionísio são apenas sombras pálidas dos seus protótipos orientais.

Com relação a isso, não será inútil examinar aquilo que se sabe a respeito da origem dos Mistérios gregos. Acredita-se – e para conhecer as bases desta crença o leitor poderá encaminhar-se para as páginas de Prolegomena to the Study of Greek Religion (Prolegômenos ao Estudo da Religião Grega) por Jane Harrison – que quando a religião nacional grega começou a perder a sua influência sobre um povo cada vez mais esclarecido, foi feita uma tentativa, de modo algum mal sucedida, de providenciar uma versão dela que pudesse ser aceitável para os homens inteligentes, para isso tomando emprestado o método dos Mistérios egípcios e expressando esse método em termos dos cultos gregos da Natureza, mais antigos e mais primitivos, que precederam a tradição altamente poetizada dos radiosos olímpicos. Estes velhos cultos ainda sobreviviam nas partes mais remotas da Grécia, nas ilhas e nas montanhas, e os mitos do Mistério mostram claramente que os seus fundadores conheciam este fato, pois neles o deus desce das montanhas ou a deusa se refugia em uma ilha. Deve-se reconhecer claramente que estes mitos do Mistério não são, de modo algum, um material primitivo, mas sim um material realmente sofisticado, sendo o trabalho de eruditos e de místicos, de uma era altamente civilizada, procurando fontes de inspiração, ainda não interceptadas, nas raízes tradicionais da religião grega. Foi exatamente como se um inglês de hoje procurasse inspiração no folclore celta ou escandinavo. Sem dúvida, os iniciados nos Mistérios foram vistos como pagãos na sua própria época.

Há um outro fato que, embora sendo do conhecimento dos especialistas que seguem esta linha de estudos, não é percebido pela maioria dos autores que escrevem sobre misticismo e, consequentemente, pela maioria dos seus leitores. Sem dúvida, para muitos será uma surpresa ficar sabendo que os iniciados indianos acreditam que a inspiração dos seus Mistérios veio originalmente do Egito. Informações relevantes poderão ser encontradas nas obras de Sir John Woodroffe (Arthur Avalon). Veja, em particular, o extrato retirado do Panchkori Bandyapadhyga, na pág. XXIV do Vol. II, de Principles of Tantra (Princípios do Tantra), desse autor.

Segue-se, então, que os iniciados na Tradição Esotérica Ocidental e que, aos graus alquímicos mais conhecidos, adicionaram também aqueles inspirados na Grécia e no Egito, não terão dificuldade em compreender muito do que é obscuro, ou até mesmo obsceno para o estudante comum, no pensamento oriental.

Todavia, embora possam ser valiosas como corretivo para a nossa insularidade, as aplicações práticas de tais ensinamentos são difíceis de conseguir. É frequentemente dito que o Yoga, conforme é ensinado no Oriente, é impraticável no Ocidente porque as condições ocidentais de vida são absolutamente inadequadas para ela e a atitude ocidental é de total indiferença. Eu só posso repetir, mais uma vez, o clássico conselho de que o estudante não deve, em hipótese nenhuma, tentar realizar o trabalho prático do Yoga avançado, a menos que tenha as necessárias condições de mente, corpo e estado, pois cada uma delas tem um papel relevante. O Yoga prático não deverá ser realizado de nenhum modo improvisado, mas sim com o devido cuidado e atenção dirigidos a todas as condições materiais indispensáveis à sua realização. Dada a inexistência de tais condições, é aconselhável a não fazer a tentativa com substitutos. Entre as necessidades indispensáveis está o número de pessoas a serem adequadamente treinadas, em local convenientemente equipado e preparado, e a salvo de profanação. Mais uma vez, eu enfatizo que as improvisações são mais prejudiciais do que inúteis. Afinal, se você pratica o Yoga, pratique-o sob condições adequadas ou então desista.

Contudo, a despeito destas cláusulas e avisos, acredito ser válido escrever sobre o assunto Yoga por achar que o meu treinamento sobre os antigos Mistérios do Ocidente me deu uma penetração que o cristão comum não possui. Tem surgido um grande número de livros, sobre esse assunto, cujos próprios autores reconhecem, francamente que o Yoga em sua forma original é inadequado para o Ocidente, e todos, sem exceção, tentam apresentar-nos uma adaptação que possa ser mais conveniente; contudo, até onde vai a minha experiência, todos eles, sem exceção, jogaram fora o bebé junto com a água do banho e apresentaram uma versão dessa antiga ciência, correspondente talvez á uma versão do Hamlet editada por um racionalista que tivesse removido todas as referências ao sobrenatural. O resultado não faz sentido.

Permanece, porém, o fato de que o Yoga, em si mesmo, não é adequado para o Ocidente, e que se a montanha não pode ir a Maomé, Maomé terá que ir à montanha se quiser apreciar as delícias de uma altitude elevada. Nossa cultura ocidental trouxe muitos benefícios na forma de saneamento físico, mas o mesmo não pode ser dito no que se refere ao saneamento mental, e uma modificação na sua atitude é necessária e já está atrasada, conforme os psicanalistas têm apontado desde muito tempo.

Em escritos anteriores tentei mostrar as implicações práticas da doutrina da Manifestação por meio dos Pares de Opostos, doutrina essa das mais fundamentais e importantes da tradição esotérica. Muito daquilo que eu tive que dizer é tão profundamente esotérico e tão imediatamente prático que fui obrigada a aderir ao antigo método do mito e da metáfora. Estas coisas não são para o profano, que não as entenderia ou então faria um uso abusivo delas. Aqueles que têm olhos para ver podem ler nas entrelinhas.

Neste presente contexto tentarei resumir os princípios envolvidos e conduzir o conceito todo para um único foco; todavia, mesmo assim a sua natureza é tão inerente â doutrina – como é, de fato, a natureza de toda a manifestação  que o meu raciocínio precisa mover-se num circuito, retornando ao ponto de onde partiu, para a sua explanação e explicação final. A Manifestação tem lugar quando o Um se divide em Dois que agem e reagem um sobre o outro.

A Manifestação termina quando a Multiplicidade é solucionada ou reabsorvida na Unidade. A transição de plano para plano de manifestação tem lugar da mesma maneira. A fim de que qualquer coisa ou fator possa ser trazido de um plano mais elevado para um plano mais inferior, é preciso analisá-lo considerando, separadamente, os fatores contraditórios que são mantidos em equilíbrio na sua natureza. Para fazer isto, imaginamos os extremos opostos, que ele é capaz de ter e de expressar separadamente, embora conservando, na consciência, a sua unidade essencial quando em equilíbrio.

Do mesmo modo, se o que se deseja é elevar qualquer fator, de um plano inferior para um plano mais alto, concebemos o seu oposto e reconciliamos o par na imaginação e na percepção.

Qualquer par de fatores, dividido a bem da manifestação, age e reage um sobre o outro, lutando alternadamente para estabelecer uma união e, no ato da união, fazer uma troca de magnetismo; e então, tendo sido feita uma troca mútua de magnetismo, cada um repele o outro e luta para separar-se, restabelecendo assim a sua individualidade isolada; em seguida, esta tendo sido estabelecida e tendo sido gerada uma nova carga de magnetismo, novamente eles anseiam um pelo outro para uma nova troca de magnetismo, o mais potente emitindo e o menos potente recebendo a carga. Com respeito a este ponto, nunca deve ser esquecido que a potência relativa não é uma coisa fixa, dependendo de mecanismo ou de forma, mas sim uma coisa variável, dependendo de voltagem ou vitalidade. Além do mais, a carga vai e volta, como uma corrente elétrica, nunca com um fluxo permanente numa só direção.

Estes são princípios básicos do conceito e têm a sua aplicação em cada aspecto da existência. A ignorância deles e a nossa inveterada tendência de tentar manter o status quo, sempre e onde quer que ele tenha se estabelecido, causa uma interminável esterilidade, tão desnecessária quanto destrutiva e devastadora, cuja causa é absolutamente insuspeitada.

Uma ilustração servirá para mostrar as importantes ramificações da influência deste princípio. Aplique estes conceitos ao relacionamento entre iniciador e candidato, entre líder e seguidor, entre homem e mulher; depois de tê-los aplicado, releia estas páginas e veja se pode ver o que está escrito nas entrelinhas.

Todavia, não há apenas um fluxo de magnetismo entre os Pares de Opostos, mas há também uma circulação de força entre as partes e o todo. O homem é um perfeito Microcosmo do Macrocosmo; segundo é ensinado, nenhuma outra criatura partilha deste desenvolvimento. Para os anjos, estão faltando os aspectos inferiores; para os Elementais, faltam os superiores. Em consequência da sua natureza múltipla, o homem está em relacionamento magnético com o cosmo como um todo, não simplesmente com uma limitada ou selecionada apresentação dele. Há um fluxo e um retorno entre cada aspecto dos nossos seres e caracteres e o aspecto correspondente no cosmo. Assim como os elementos químicos que existem no nosso corpo denso são derivados e retornam para o banco de reserva geral de matéria, assim também, pelos processos de metabolismo, os fatores psíquicos existentes nos nossos corpos mais sutis não são estáticos e nem exclusivos, porém são sustentados por um perpétuo fluxo e retorno, como um circuito de água quente que flui do aquecedor para o tanque de armazenamento e torna a voltar por efeito das suas próprias propriedades físicas. Se nós, por alguma razão, somos desligados deste livre curso de força natural, algum aspecto da nossa natureza se atrofia e morre. Ou se o fluxo é interrompido, sem ser bloqueado, algum aspecto sofre de inanição. Há um estiolamento característico quando isto ocorre, prontamente reconhecível em todas as relações da vida, tão logo a sua natureza é compreendida. Se o iniciador não está em contato com forças espirituais, ele não pode passá-las para o candidato e, sendo assim, “não inicia”. Se o candidato não traz, para a sua iniciação, qualquer profundidade real de sentimento, então ele não emite magnetismo; e como o magnetismo só pode ser vertido numa pessoa que o esteja emitindo – uma verdade pouco compreendida, porém de longo alcance – o candidato não recebe qualquer carga de força e a iniciação é ineficaz. Se um líder não tem grandes princípios para guiá-lo, porém é um simples oportunista, a inspiração dirigida aos seus seguidores não se converterá em nada mais além da esperança de uma parte nos despojos. Se um homem e uma mulher não estão, cada um deles, em contato com a Natureza, pouco terão para dar, um ao outro, que tenha qualquer valor vital, e por isso mesmo logo se separarão  nos planos interiores, mesmo que as convenções os mantenham juntos no plano exterior.

A operação de intercâmbio magnético, em todos os seus aspectos, pode ser cultivada e desenvolvida. No seu aspecto subjetivo, ela pode ser desenvolvida por certas práticas de Hatha Yoga, que, embora definitivamente perigosas se feitas incorretamente, são muito valiosas quando realizadas da maneira certa. Sem este desenvolvimento do magnetismo subjetivo e sem a aquisição de perícia na sua direção e controle, é impossível acionar, seja com segurança ou seja satisfatoriamente, os contatos com os reservatórios correspondentes de força magnética existentes no cosmo; uma vez, porém, que algum grau de desenvolvimento e de perícia tenha sido alcançado, é uma perda de tempo perseverar no uso de métodos exclusivamente subjetives.

Contudo, assim como o contato com a descarga elétrica de um raio, os contatos com as forças cósmicas não são coisas que devam ser feitas ao acaso; portanto, são usadas fórmulas que podem dar à mente a capacidade de, primeiro, entrar em contato e, segundo, controlar a força cósmica escolhida. No caso de operadores experimentados, sumamente adestrados na arte, estas fórmulas podem ser puramente mentais e consistir de imagens na concepção representativa da força em questão. Todavia, somente pessoas altamente desenvolvidas podem obter resultados usando meios puramente mentais, e para as pessoas menos desenvolvidas é necessária a cooperação de outras, trabalhando em grupo. Como todo o estudante de ocultismo pode atestar, o trabalho solitário logo se torna árido, enfadonho e improfícuo.

Não obstante, a menos que haja um trabalho solitário, o operador ficará desmagnetizado. Consequentemente, devemos nos acostumar a uma perpétua mudança de estado, a uma alternação entre o trabalho solitário subjetivo e o trabalho objetivo em grupo. De nenhum outro modo podemos ter a esperança de manter a sensação estimulante que nos revela que as forças estão fluindo livremente.

Estas coisas são o segredo não somente do poder mágico mas também da própria vida em todos os seus relacionamentos. São coisas que o pensamento exotérico, até mesmo o mais esclarecido, ignora totalmente, e elas são a verdadeira chave para o trabalho oculto prático. Elas são os Segredos Perdidos dos Mistérios, segredos que foram perdidos quando uma religião ascética – muito embora agisse como um valioso corretivo para os excessos – destruiu a verdade dos opostos polarizantes, a única que poderia mantê-la em equilíbrio. O grande erro da nossa ética é que ela é incapaz de compreender que se pode ter em demasia uma coisa boa.

Quando, com o objetivo de nos concentrarmos exclusivamente em Deus, nós nos isolamos da Natureza, destruímos as nossas próprias raízes. Deve haver, em nós, um circuito entre o céu e a terra, não um fluxo num sentido único, exaurindo toda a nossa vitalidade. Não basta tirar a Kundalini da base da espinha, fazendo-a subir, mas também devemos fazer descer a Luz Divina através do Lotus de Mil Pétalas. Do mesmo modo, para a nossa saúde mental e para o nosso desenvolvimento espiritual, não basta haurirmos as forças da Lua Divina – também devemos haurir as forças da terra. Muitas e muitas vezes, por causa da ignorância ou da negação deste fato, a saúde mental é sacrificada em benefício do desenvolvimento espiritual. A Natureza é Deus manifesto, e blasfemamos contra Ela por nossa própria conta e risco.

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