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Magia do Caos Sagrado Feminino Thelema

A Dança Performágicka

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Por Gilmara Ígnea

Iniciei a minha jornada na Dança e na Magia no ano de 2001, mas demorei alguns anos para entender de forma racional a importância e o poder das energias que o corpo em movimento pode exercer dentro das práticas mágickas. Nesse período eu apenas dançava com alguma temática ritualística e pagã, mas o processo quando compreendido de forma profunda é algo supremo. A Dança que iniciei nesse período era a Dança do Ventre e a literatura antiga sobre a abordava como um ritual pagão às Deusas da Fertilidade e a relação do ventre feminino com seus aspectos simbólicos, além de relacionar essa Dança a antigas danças sagradas que avivavam a energia serpentina que reside nas profundezas da psique e ressaltavam o poder feminino obscuro, muito renegado pelo patriarcado cristão. Essa Arte, a Dança em geral, quando estudada, praticada de forma profunda, investigada em si e em diversos experimentos com intenção pode proporcionar uma Nostalgia Atávica por meio do contato com a presença e a sabedoria ancestral que há em nosso corpo e dos símbolos mais antigos da força criadora do universo.

Embora algumas pesquisas mais recentes duvidem das teorias mais clássicas, muitos pesquisadores como Arqueólogos, Antropólogos e Historiadores defendem a ideia de que a Dança estava presente nos antigos rituais à Natureza, nas transições de ciclos, em momentos de celebrações e muito mais. O movimento corporal tem estado presente em diversas operações mágickas há milênios, até porque o conhecimento da natureza e dos astros indicavam que a vida e o mundo estavam em constante movimento. Como defendeu a autora Lucy Penna, a Dança do Ventre é proveniente de rituais sagrados dos antigos Sumérios, podendo descender até de ritos pré-suméricos. É claro que pode ser exagerado denominar essas antigas Danças de Dança do Ventre, mas o que é perceptível é que as Danças, ou os movimentos corporais, faziam parte dos rituais de magia desde a Antiguidade, podendo ter resquícios ainda hoje nas culturas tradicionais relacionadas à Natureza.

Geralmente, nas Eras Paleolíticas e Mesolíticas, essas danças estavam relacionadas aos rituais de colheitas, plantações e a sobrevivência humana. Mas a nossa intenção aqui não é provar cientificamente como se deu esse processo da Dança nos rituais mágicos desde a Antiguidade, mas sim apontar para essa prática como mais um instrumento poderoso, que foi resgatado pela Dança Moderna e pela Dança Ritual, e que pode ser desenvolvido por praticantes que se interessem em acessar o Oculto para seus objetivos pessoais e não importa qual a tradição fazemos parte ou se somos livres nesse processo, o que importa é compreender que as práticas de dança nas operações mágicas podem ser reveladoras e muito potentes.

No grande marco da Dança Moderna, encontramos diversos bailarinos (as) que trouxeram essa perspectiva espiritual. Lembrando que a Dança Moderna foi uma ruptura com a Dança “engessada” e cheia de regras, que excluía o ser humano em sua essência. A Dança Moderna deu vazão para aspectos do mundo subjetivo, incluindo a espiritualidade e o acesso as camadas mais profundas de si mesmo. Bailarinos como Rudolf Laban, Martha Graham, Ruth Saints Dennis, Isadora Duncan, Mary Wigman, entre outros, pensavam que a espiritualidade poderia estar atrelada à dança. Laban (1879-1958) foi interessado na Antroposofia de Steiner e na Teosofia de Madame Blavatsky. Sua preocupação repousava em descobrir a base espiritual para o homem comum, e desejava expressar o movimento com uma unidade entre o espiritual, o mental e o físico. Laban escreveu, em 1935, Uma vida para a dança e nesse texto ele se descrevia como um artista espiritualizado. No artigo Laban’s Secret Religion, a historiadora alemã Marion Kant defendeu que a ideia de harmonia de Laban teria origem em sua empreitada pessoal para construir a dança como meio de transcendência espiritual, uma “religião do ato”.

Além dele, outros bailarinos da Dança Moderna reconheceram no movimento corporal a possibilidade de se acessar lugares recônditos da natureza humana. Mary Wigman (1886- 1973), discípula de Laban, foi interessada pelas danças de cultos religiosos como os giros dos Dervishes, por exemplo. Além disso, ela construiu uma performance bem conhecida chamada Hexentanz ou Witch Dance, além de outros espetáculos em que ela fez um trabalho bem profundo. Wigman acreditava que seus alunos deveriam alcançar um nível de transe, chamado de “Êxtase hipnótico”, que possibilitava condições para uma conexão com o inconsciente. Outra dançarina de Dança Moderna que tinha uma visão espiritual e profunda da Dança foi a Martha Graham (1894- 1991), ela disse: “A dança é uma pedra de toque espiritual”. Outrossim, afirmou que: “O movimento é um barômetro que revela as condições atmosféricas da alma a todos os que conseguem entendê-lo; isso poderia chamar-se lei da vida do bailarino.”

Na América do Norte temos a Ruth Saint Denis (1879-1968), considerada uma das pioneiras da Dança Moderna Americana. Ela havia morado em uma fazenda e desenvolveu admiração pelos elementos da mãe natureza e por aspectos espirituais. A Dança dela se destacou por expressar um misticismo baseado em diversas culturas e suas apresentações fusionavam a ideia do físico com a divindade. Ela afirmava que a Dança era um Ritual e uma prática espiritual.

A Maya Deren (1917-1961), também norte- americana, uma multiartista, além de diversos outros feitos em artes distintas como cinema, fotografia e afins, também trabalhou com a Dança numa perspectiva espiritual. Interessada pelos rituais de Vodu e suas danças, ela

A dançarina de Dança Moderna Isadora Duncan (1877-1927) teve muito interesse na cultura grega, chegou a visitar a coleção de vasos e o acervo iconográfico grego em Paris e isso a inspirou. Ela acreditava que as forças naturais e a espiritualidade eram o que impulsionavam a movimentação livre do corpo. Curioso sobre ela é que foi amiga, por cerca de 30 anos, da Mary D’Est (Soror Vyrakam), a mulher que ajudou Aleister Crowley a escrever o Liber ABA. Em 1910, Duncan conheceu Aleister Crowley, e ele relata esse episódio em sua obra The Confessions of Aleister Crowley, em que Duncan aparece descrita também como “Lavinia King”, tanto no Confessions como no romance Moonchild de Crowley. Ele se referiu a ela como uma dançarina com um dom de gestos e com uma soberba “inconsciência”, que seria uma consciência mágica. Afirmou que ela demonstrou uma arte de dança como uma linguagem completa dos afetos da mente e do coração.

Não sei exatamente a ligação de Crowley com Duncan (o que será foco de outro texto investigativo), mas sei que ele teve um caso com a Mary D’Este, amiga dela, que, sob o moto mágicko de “Soror Virakam”, ajudou-o na construção da já citada obra e também coeditou as quatro edições do jornal de Crowley, o The Equinox. Em 1929, a Mary escreveu um livro, após a morte trágica de Duncan, em que compartilha as memórias de suas experiências com a amiga, chamado The Life of Isadora Duncan (1921-1927). Duncan rastreou uma dança mais sagrada, inspirada nas forças da natureza e nos movimentos livres impulsionados pelo espírito. A autora Selene Ballerini analisou a relação de Duncan com o esoterismo de Crowley e Vyrakam e a descreveu como uma a filha pagã do Sol, cheia de mistérios, que dançava com uma túnica ritual, embriagada e descalça, apelando para uma liberdade pagã da era clássica, sensível a beleza e prazer. Para ela, era no plexo solar que residia a alma. Disse Duncan: ” alcançar tal nível de consciência que seu corpo se torna essencialmente a manifestação da alma e através do corpo a alma dança em harmonia com a música e expressando algo de outro mundo mais profundo”.

No campo do Ocultismo podemos encontrar estudos poderosíssimos relacionados ao corpo em Crowley, Osmar Spare, entre outros (como a prática de Yoga, por exemplo). Nos estudos mágickos sobre a serpente Kundalini de Crowley, “o salto da serpente”, em que o fogo é despertado por meio dos ponto de energia dos chakras, muito bem apresentados por Kenneth Grant, é um forte indício de que nosso corpo tem centros de poder e que isso pode ser usado em nossas práticas, seja através de movimentos corporais da Yoga Kundalini, por exemplo, ou seja através da dança.

Na bruxaria, temos autores como Tempest, que apostou nos estudos da anatomia da bruxa e, Gardner, entre outros, que também valorizaram a dança como parte dos rituais mágickos. Sem contar a presença das Danças nos Sabás das Bruxas, que seria um tema para outro texto. Ainda temos dançarinos atuais como Emílio Rosales (México) e sua escola Autónoma Y Maldita de otra danza (onde atualmente estou completando a minha terceira especialização), Saba Khandroma (Argentina) e sua Escola de mistérios do Oriente e Ocidente chamada Spiral Serpent (a qual tive a honra de fazer parte), a Tiare Valouria e sua escola Animara, Online School for Dance Magic entre outros, que trabalham a sua Dança numa perspectiva mágicka.

Foi com base nesses estudos e influência desses estudiosos, somado às leituras e às práticas pessoais de experimento ritual e mágicko, que eu desenvolvi e conceituei o que chamo de “Dança Performágicka”, conceito que estou desenvolvendo há alguns anos e que venho compartilhando em workshops, aulas e no coven All The Witches Dance®. Esse formato consiste em aplicar o trabalho energético corporal às práticas mágickas, além de despertar pontos importantes no corpo, como os chakras, por exemplo, e, além disso, dispor do corpo como um instrumento e um portal para o Oculto.

Podemos identificar essas características por meio dos elementos da natureza que está em nós, incorporando a magia, desbloqueando o poder e potencial enraizado em nossas entranhas, realizando um autoexame, autopercepção e autoconsciência que nos ajuda em nosso processo de autoconhecimento, correlacionando sistemas e órgãos às práticas mágickas, entendendo o corpo biológico como um sistema metafórico de exploração ritual, afinal a força mágica de todo praticante está ancorado onde? Em seu corpo! É importante desconstruir essa ideia cartesiana de que mente e corpo são algo separados.

Como apontou Tempest, a bruxa tem cinco partes do corpo que ela denominou fivefold, que são a mente, o coração, o pulmão, os ossos e a serpente. O corpo da bruxa, segundo a autora, tem um cruzamento entre a consciência e a experiência e os sentidos são a interface principal das experiências mundanas. Ela recomenda sentir a bruxaria em todos os níveis para praticá-la verdadeira e profundamente. E considero isso muito importante dentro do trabalho mágicko, pois precisamos sentir, entender e dominar a magia que há em nosso corpo, compreendendo-o como um canal que une os mundos metafísicos e materiais. Para isso, podemos abusar de nossos sentidos físicos, tendo como primeiro passo o descobrir do corpo mágicko, sentindo-o, experimentando-o e dominando-o. Assim como a mente de um praticante precisa ser treinada, o nosso corpo também necessita de autocontrole. Afinal, se não dominarmos a nós mesmos por completo, não conseguiremos dominar mais nada.

Entendendo que os elementos da natureza existem dentro e fora de nós (“o que está acima é como o que está abaixo e o que está fora é como o que está dentro” como afirma o segundo princípio hermético da correspondência), podemos ter um vislumbre da nossa força vital, pois também somos forças da natureza.

Esse trabalho, que não é tão simples o quanto parece, pode ser uma jornada espiritual de introversão para encontrar o poder pessoal e o conhecimento interior, valorizando uma viagem para a própria escuridão do universo externo e interno, que pode ser alinhado com as
experiências de cultos antigos à natureza externa, incluindo cultos lunares, sazonais e de divindades ou demônios e muitas outras possibilidades. Acima de tudo, essas experiências podem se referir a um trabalho subterrâneo que leva à autodeificação, reafirmando as energias primordiais, a possibilidade de recriação e atransformação consciente. Podemos viajar por esferas extraordinárias por meio do movimento corporal e acessar a sabedoria oculta, tendo o nosso ponto de partida o nosso corpo, pois, por enquanto, somos corpo.

É impossível descrever aqui as múltiplas formas de alcançar esse intento e é um processo no qual ainda estou descobrindo e desenvolvendo. Meu intuito aqui não é descrever as diversas atividades e treinamentos que já criei, mas posso sugerir que você pode começar se permitindo relaxar e entregar o seu corpo a micros movimentos durante os seus rituais, ao som de uma boa música ritualística e trabalhando sempre a respiração profunda e o estado de presença que leva ao êxtase, possibilitando o trabalho mágicko de forma incorporada. Você pode também executar uma gestualidade mágica, se utilizando de símbolos e sigilos, tanto antigos ou criado por si mesmo.

O que estou desenvolvendo como Dança Performágicka e expondo aqui é uma Dança em estado de corpo, capaz de transmutar sensações e contribuir para um ato mágicko. A palavra performance da nomenclatura tem a ver com uma evidência do invisível. É a arte do ato que visa revelar o outro lado, criando faíscas de inteligibilidade que pode ser bastante significativa em quem é atingido. Partindo do ponto de vista de que a magia é um ato intencional, como dizia Papus, e consiste em mudanças em conformidade com a Vontade, como dizia Crowley, dançar partindo de uma intenção ritual pode ser muito acrescentador para o praticante. Segundo Spare, todo conhecimento antigo está dentro de nós, em nosso corpo retido em vestígios de nossa evolução. O êxtase, o transe e o ritual podem evocar essa sabedoria antiga, algo similar com o que ele denominou de “Ressurgimento atávico”. Ou seja, a meu ver, o corpo pode ser entendido também como um grimório mágicko.

A Dança Performágicka, em resumo, é uma dança que envolve a performance numa perspectiva mágicka, realizada por meio de uma intenção e ato de vontade. É um fluxo de movimentos corporais que evidenciam o invisível, materializando um ato no corpo, fruto de uma intencionalidade. A nomenclatura surgiu da palavra “Performagia”, que é um encontro Internacional de performance e arte de ação no México, desde 2003. Foro de reflexão e análise em torno da arte da performance. O (K) da nomenclatura tem a ver com o Magick – alusão à diferença que Crowley estabeleceu entre “magia” e “ilusionismo” e o K também é a 11º letra do alfabeto, sendo um número mágicko.

Por fim, a Dança Performágicka que proponho e convido aqui evoca o estado de êxtase, aquele conceituado no xamanismo de Mircea Eliade, que pode ser associado à prática xamanística, discutida por Carlos Ginzburg, presente nos Sabás das Bruxas.


Gilmara Ígnea. Pesquisadora de Práticas Mágicas e Feitiçaria no Brasil Colonial, com Graduação e Mestrado em História concluídos e Doutorado em conclusão na USP. Autora do livro “Práticas mágicas de feitiçaria: o caso de Maria Gonçalves Cajada”. Além disso, Gilmara é investigadora da relação corpo/ritual/oculto, sendo professora e orientadora desde 2006, e é criadora do conceito de Dança Performágicka e do Coven All The Witches Dance, além de outros diversos trabalhos. Veja mais em: http://www.gilmaraignea.com.br


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