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André Correia (Conexão Pagã / @bercodepalha)
Vestir a máscara tem um peso. Tem que saber o que é real e o que é fantasia. Tem que saber separar o eu do outro. Não é brincadeira e a responsabilidade é enorme, pois para quem recebe uma benção ou palavra, o peso pode ser determinante. É lento, uma construção que pode ser ensinada ou pode levar décadas para ser maturada.
Para mim, a primeira coisa que se altera é a respiração. Fecho meus olhos e minha mente parece uma antena que se ajusta a uma estação, no começo um pouco vago, mas não se demora para uma “sintonia” se apresentar.
É assim que começo a conexão com a força que irá se manifestar.
A máscara é uma ferramenta. Ela serve para mim, para a força e para quem assiste. Ela é um código importante nesse processo de contato, pois ela ressignifica a figura humana que a carrega. É como se o corpo em uso fosse substituído. Podem mudar os passos, a postura, o peso, a força e a voz. Essa sempre foi a função das máscaras, desviar o foco do diálogo.
O artista tem um exercício semelhante, mas que mantém no plano das artes criativas.
Ao vestir uma máscara, o xamã ou o artista, abrem mão de si e dão espaço à consciência que precisa ocupar aquele corpo. A consciência original baixa sua intensidade, quase adormecendo, ficando em resguardo, ainda dominante, mas passivamente permissiva. Assim, a consciência secundária, visitante, hospedeira, aceita a permissão e simbioticamente assume o controle do corpo do xamã ou do artista. O artista pode chamar isso de “estado”, como o “estado do palhaço”. O xamã pode chamar isso de incorporação, possessão, inspiração, comunicação e tantos outros nomes. Mas de qualquer forma, a consciência comum adormece e dá espaço a essa nova expressão que pode ser entendida como um alter-ego do artista ou uma entidade mágica. De qualquer forma, o filtro da consciência se altera e permite que sabedorias desconhecidas se manifestem, trazendo à tona o que a mente comum não alcançaria deliberadamente.
Se pensarmos de forma mais acadêmica, talvez, mas somente como uma hipótese, é possível que essa consciência transitória possa manifestar mais facilmente conteúdos do inconsciente coletivo. Mas indo além, penso também que esse “inconsciente coletivo” seja outro nome para o outro lado da razão. E se esse lado for um plano onde a consciência desperta para acessar nossos ancestrais e outros seres? Prefiro deixar claro aqui que essa não é uma teoria palpável, mas sim uma das crenças espirituais que proponho como possibilidade para mim mesmo.
Para fazer essa jornada de planos, creio que a mente tenha que ser madura, consistente e esteja saudável.
Mais uma vez, não acredito que a máscara seja para qualquer pessoa vestir. Como antigamente, somente os líderes treinados a fazerem esse voo mediúnico entre planos eram competentes para liderar e conduzir rituais com espíritos, forças da natureza e até mesmo contatar deuses. Acredito que isso se mantenha.
Falando da sociedade moderna, pessoas sem treinamento, envolvidas em suas vaidades, teriam dificuldades em separar o que são, do que contatam e do que o ego pretende ser. Se perderiam na fantasia ególatra e fariam de si o próprio objeto de culto. Pessoas jovens e sem treinamento poderiam se perder na razão e cruzar a linha da sanidade, como acontece muito na prática despreparada de magia.
Talvez a minha prudência seja um zelo excessivo ou reflexo do respeito que aprendi e muitos negligenciam atualmente.
De forma mais alegórica, a máscara pode ser somente um símbolo, não precisa ser um signo de transe. Pode ser festiva, pode ser teatral, pode ser celebrativa e tantas outras coisas.
Para ilustrar, atuar e interpretar a presença de determinadas entidades, todos nós podemos vestir máscaras, trajes, adereços e pinturas para dramatizar a mudança desejada. Jogamos aos céus e ao inconsciente tudo aquilo que queremos modificar no plano físico e racional. A máscara pode ser a voz dos espíritos, mas também pode ser o símbolo dos vivos.
André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Participa dos projetos Conexão Pagã e Music, Magic and Folklore. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.
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