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Thelema

O Coração do Mestre

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Por Antônio Vicente.

Em 1925, na Tunísia, Crowley escreveu um texto pequeno, porém vigoroso e visionário: O Coração do Mestre. Nesta obra, ele proclama sua elevação ao posto de Profeta do Novo Aeon e decreta a Palavra da Lei; além disso, ele mostra que a iniciação é uma corrente com elos fortes e que esteve presente em todas as épocas. Descreve, resumidamente, a presença de todos os avātares enviados pela Grande Fraternidade Branca e que cumpriram importantes missões no processo evolutivo da humanidade. Nosso objetivo com o presente artigo é suscitar o interesse do leitor para este livreto tão inspirador. Para isso, abordaremos um pouco sobre a Tradição Primordial, o simbolismo do coração e faremos comentários sucintos sobre o teor do livro.

A Tradição Primordial & os Chefes Secretos:

O conhecimento da Tradição é o mesmo em todo lugar e em qualquer época. A iniciação é sempre parecida a si mesma, quaisquer que sejam suas formas exteriores, contanto que sejam autênticas, e a verdade, formulada pela Tradição e alcançada pela iniciação, está sempre no próprio homem, ainda que ele só possa a ela ascender após uma longa viagem que, da multiplicidade, o leve um dia a um novo encontro com a Unidade. A missão do homem sobre a terra é, portanto, fazer-se consciente de sua Unidade e compreender que é uno, em uma humanidade una, no seio de um só Universo. Isto só pode ser alcançado satisfazendo as exigências de sua mente em superá-las, quando chegar o momento, e é por isso que a rota parece longa, já que nela tanto há o que aprender. Mas o topo está mais próximo do que em geral se supõe. Pode ser alcançado, em qualquer momento, pelo buscador sincero, pois que não há verdadeira separação entre o topo e ele mesmo. Se o alcança rapidamente, haverá de querer, na sua percepção absoluta da Unidade reencontrada, voltar entre os que ainda caminham para seguir a rota com eles, conhecer seus caminhos e sustentar seus esforços.

– Fonte anônima.

A Tradição Primordial é a Sabedoria Divina tornada acessível à compreensão humana. Essa Sabedoria é um atributo da Divindade e sempre existiu e existirá, ao passo que a Tradição Primordial por ser um veículo, um canal da Sabedoria Divina, teve seu início, no plano terreno, em algum momento remoto de sua história. A Tradição passou a existir a partir do instante em que houve uma inteligência para compreendê-la. Antes de existir essa inteligência, só existia a Sabedoria, contida na própria essência do Ser. Assim, a Tradição Primordial nada mais é que o mais elevado grau que pode alcançar a inteligência humana em direção à compreensão das leis e princípios universais.

Em cada era e em todos os países sempre houve aqueles indivíduos que buscavam respostas para as grandes questões da existência. Se a busca fosse sincera e persistente, eles entravam em contato com uma determinada Escola de Mistério adequada a seu perfil ou via evolutiva. Ali, eram instruídos e treinados. Como no passado, hoje também é assim. Sempre existiu centrais de iniciação que atendem ao chamado daqueles que aspiram à compreensão e à evolução. Essas centrais preservam a Sabedoria Atemporal que ilumina e inspira a todos os postulantes de qualquer época. Essa Sabedoria é atemporal porque não é suscetível às mutações do tempo (embora sua roupagem externa possa variar em função de cada época e sociedade) e também não é um produto do pensamento humano. É uma sabedoria impressa na natureza para que todos que saibam possam ler.

Os Chefes Secretos, ou os chamados Mestres da Grande Fraternidade Branca (ou da Fraternidade Universal), são aqueles que, dentro de sua condição de humanos, acessaram à Sabedoria Atemporal e alcançaram um elevado grau de consciência. Obtiveram comunhão com seu Eu Interno (o Sagrado Anjo Guardião) e completaram seu aprendizado no plano físico. No entanto, esses mestres para acessarem a outros níveis de consciência precisam de auxiliar o plano que transcenderam. Para tanto, eles auxiliam o processo evolutivo da humanidade, bem como monitoram os iniciados em seu auto-desenvolvimento, sem interferir no livre-arbítrio das pessoas e dos fatos mundiais.

Por eras, a Sabedoria Arcana foi zelosamente guardada quer devido a perseguições ou restrições diversas. Atualmente, o segredo não se faz mais necessário. Muito do que era oculto, agora está mais acessível aos buscadores. No entanto, os ‘grandes segredos’ não podem ser transmitidos por escrito ou oralmente. O secreto que recai pelos mais profundos mistérios esotéricos não é imposto pelos Mestres mas pela ignorância humana. É o tipo de segredo que envolve os trabalhos de grandes cientistas como Curie, Bor, Einstein, dentre outros. Este segredo não resulta de um apego deliberado por parte de seus possuidores, mas da ignorância da massa e sua consequente inabilidade em compreender os conceitos e raciocínios necessários a uma ciência avançada. Desta forma, os Chefes Secretos não podem descortinar seu conhecimento a homens e mulheres que não possuem o necessário treinamento, a exemplo dos grandes cientistas que não podem explicar suas teorias a crianças que ainda estão no ensino básico.

Quando estamos prontos, somos atraídos para o seio de uma das escolas de mistérios. Ali, descobrimos que o trabalho é intensamente prático. O estudante conjuga teoria e pratica, aprendendo a ser e a conviver orientado por uma ótica mais cósmica que os ditames das leis humanas. À medida que continua com seu auto-desenvolvimento, ele gradualmente aumenta a maestria pessoal, primeiro com as coisas pequenas, depois com as maiores. Nesta direção, quando falamos de esoterismo ou ocultismo, nada há de fabuloso ou miraculoso. Uma vez que o nosso cotidiano é o nosso grande laboratório alquímico, é através dele que precisamos reaprender a apreciar a harmonia inerente, a despeito da forma. Logo, é importante que compreendemos adequadamente a palavra esotérico ou ocultismo: neste sentido, ela designa as doutrinas, as práticas, os ensinamentos ou formações iniciáticas que são reservadas a um número limitado de pessoas que, por uma inclinação, seja racional ou intuitiva, são atraídas para este caminho. Certamente, esta atração é, naturalmente, a consequência de uma busca anterior: a evolução já adquirida em vidas pretéritas.

A Grande Obra de todos nós é uma só: atingir estados elevados de consciência. Para que possamos entender o que sejam os estados elevados de consciência, consideremos os vários reinos da natureza. Cada um tem um progressivo estágio de consciência. Esses diferentes estágios são claramente definidos e vão desde o mais aparente nível de inconsciência do reino mineral, passando pela subconsciência da vida das plantas, até atingir os primeiros lampejos de auto-consciência nos animais mais evoluídos. A auto-consciência atinge sua plenitude no ser humano e, a partir dela, somos capazes de raciocinar, de utilizar a linguagem, manipular ferramentais, enfim, de modificarmos nosso meio-ambiente deliberadamente. A expressão estados elevados de consciência aponta para aquilo que vai além da auto-consciência. Tem sido chamada de consciência além do pensamento – o nível intuicional; sendo que os termos despertar espiritual ou iluminação também nominalizam este mesmo processo. Em síntese, é através deste nível de consciência que o conhecimento direto das respostas para as questões mais profundas da existência são obtidos e a manifestação da Verdadeira Vontade e de nosso papel no esquema cósmico são intuídos.

Vale ressaltar que a despeito das diferentes formas que a Tradição se reveste, todas são manifestações de um único e mesmo princípio, a exemplo da luz solar que, ao passar por um prisma, produz as cores do arco-íris. Até podemos gostar mais de uma que de outras, mas não podemos negar que sem a fonte primordial (o sol) nenhuma delas existira. A diversidade só pode ser compreendida quando é considerada a partir da Unidade. Quando estudamos as diferentes escolas percebemos uma constante que nos permite encontrar a Unidade em meio à Multiplicidade. Com isto, não estamos advogando uma busca eclética, sincrética e desordenada que tem sido um constante nos meios esotéricos. É preciso seguirmos um caminho, uma via ou escola, no máximo duas, e vivenciá-las em plenitude. Certamente, os resultados serão mais consistentes.

Finalmente, as escolas de iniciação são grandes bibliotecas dos ensinamentos esotéricos. Ao invés de idolatrar a escola e seus mestres, o estudante competente reverencia a verdade contida em seus ensinamentos e se esforça em aplicá-los. O auto-aperfeiçoamento é a maior caridade que podemos fazer ou a maior herança que podemos deixar.

A Caverna do Coração:

O Centro Secreto de Hadit:

Antes de passarmos às nossas considerações sobre o livro O Coração do Mestre, julgamos oportuno falarmos algo a respeito do simbolismo do coração com o fito de que cada um reflita sobre as implicações do título que Crowley deu a sua obra.

A origem etimológica da palavra coração aponta para sua universalidade. A raiz indo-européia krd ou kered deriva de kardia, em grego; que se desenvolveu para cardíaco e seus derivados. Cor, em latim, é raiz para os termos cordial, acordar, discordar, recordar, recurso, coragem e misericórdia. Alguns linguistas associam a palavra credo a esta raiz latina cor, que teria também originado termos como credencial, acreditar, crédito, credulidade, recrear, etc. E, finalmente, heorte, em anglo-saxão, que origina palavras como heart, hearten, hearty, heartless…

Sem dúvida, este significante desencadeia uma cascata de significados que borbulham em nosso dia-a-dia. E mais, tem uma história junto a inúmeros povos e tradições. Entre os povos maias e astecas, o coração foi um dos símbolos centrais, se não o principal, em diferentes mitos e rituais religiosos. No mito da criação, encontrado no livro sagrado Popol Vuh, do povo maia, o deus Huracán é chamado de coração do céu.

Na cultura egípcia, o ab (coração) é símbolo fundamental. Está presente nas orações, nos mitos cosmogônicos e nos rituais funerários como centro da vida, lugar da inteligência, da vontade e da consciência moral. Na teologia de Memphis (aproximadamente 2700 a.C.), Ptah, Deus da Criação, a fim de dar materialidade à força do verbo criador, pensou no universo com o coração. Seu coração é o lugar da atividade criativa e da imaginação. De início, manifestou-se por meio do logos (verbo) mas somente com o coração a criação tornou-se real. O Egito politeísta passa a ter somente o sol como maior divindade a partir da dinastia de Amom-Ra (XIIª), divindade solar suprema. O deus sol habita o coração, cria o universo e nele são depositadas esperanças de cura e salvação. E mais, em diferentes papiros temos a descrição do julgamento final com o coração do falecido posto na balança contra a sentença de Maät, a deusa (neteru) da justiça e da verdade. Vários deuses estavam presentes: Anúbis, com a cabeça de chacal, inspeciona a lingueta da balança. Ao lado dele, Thoth, escriba dos deuses, registra o resultado do julgamento. Horus o pronuncia. Atrás de Thoth, à espera, fica a monstruosa Am-rit, a devoradora dos corações. Para os egípcios quanto mais leve o coração, maior a consciência e o conhecimento; por isso, utilizam a pena de Maät como símbolo de leveza e movimento entre o céu e a terra.

Um antigo ditado egípcio diz: Se os olhos veem, se as orelhas entendem e se o nariz respira, eles conduzem ao coração aquilo que recolheram e ele organiza as decisões. A língua, então, as anuncia.

No mundo hindu, o coração também tem seu lugar de destaque. Várias meditações utilizam o coração como referência e é mencionado com frequência nos textos religiosos. É considerado o lugar da consciência pura, de Śiva, Brahman ou Kṛṣṇa. Está além do tempo e do espaço, mas pode posicionar-se no coração por meio do conhecimento. Conforme Rāmana Mahaṛṣi, para os sábios hindus, a consciência é o coração do hṛdayam (hṛd = coração + ayam = eu sou), o centro daquilo que somos realmente.

Nos textos sagrados, as divindades habitam o coração. A meta no processo de conhecimento é descobrir Kṛṣṇa, que está situado no coração dos seres vivos. Muitas escrituras usam a expressão caverna do coração, no sentido de lugar oculto. O desenvolvimento espiritual acontece a partir deste ponto oculto e secreto, considerado o local do segundo nascimento. Para os hindus, esse simbolismo para ter sentido deve resultar da experiência corpórea. Por fim, essa experiência, entre coração e sentido superior, decorre de anos de prática da meditação. Essa busca é conhecida como conhecimento do coração ou conhecimento da caverna. O coração, portanto, é como semente, mas com o potencial do vir-a-ser. É ponto de origem e de retorno. Para os tântricos, é o lugar do som universal (śabda).

No Antigo Testamento, a palavra lev (coração) ocorre mais de 1000 vezes, com uma das seguintes conotações: 1a) como lugar da mente e da intelectualidade: guarda os ensinos e a bondade de Deus; 2a) como lugar dos sentimentos: abriga sentimentos de alegria, exultação e dor, e de sofrimento na presença ou ausência divina; 3a) como centro da vida moral e religiosa. A conscientização da presença divina no coração substitui a lei externa. Para que essa ideia se concretizasse era necessário circundar o coração. A circuncisão do coração é ato simbólico de entrega total do homem ao seu centro (Deus). O sacrifício é o ato simbólico ritualístico que propicia a união entre o coração humano e o coração divino, completando a aliança sempre almejada.

De acordo com a narrativa de diversos religiosos cristãos medievais, o coração é o ponto central no qual todo o êxtase de união mística é sentido. O caminho dos místicos cristãos, é o caminho do coração ardente semelhante à tradição bhakti hindu, onde ele é o lugar da aspiração e do encontro com os deuses.

De acordo com a Santa Qabalah, o Ego Divino, o Sagrado Anjo Guardião é o habitante do coração. É, ainda, a sede simbólica da esfera de Tiphereth no corpo físico. É pela iluminação do coração que se atinge a consciência superior e se inicia o adeptado e o contato consciente com aqueles que trilharam o caminho antes de nós (os Chefes Secretos).

Finalmente, examinemos, brevemente, o papel que o coração ocupa na senda thelêmica. Lemos em AL, II, 6: Eu sou a chama que arde no coração de todo homem e no centro de cada estrela.

O Centro de cada estrela é Hadit, a fonte da Verdadeira Vontade. Em nossa Tradição, Hadit e Nuit representam as duas pontas de um triângulo que gera toda a manifestação. Nuit é toda a possibilidade ou potencialidade, ao passo que Hadit é qualquer ponto que experiencia aquela possibilidade. Ela é sempre conhecida e eu nunca. Metaforicamente, Hadit é o ponto infinitesimal que não apresenta posição ou tamanho; ao passo que Nuit é o círculo de circunferência infinita. A partir disto, percebemos que Hadit é o ponto através do qual somos provenientes e o olho deste eu, desta manifestação, não pode ver a si mesmo. É a fonte, a origem do ser que somente pode ser intuído ou tornar-se consciente de si pela união com as possibilidades de experiência. O centro da estrela é, fundamentalmente, desconhecido e incognoscível uma vez que para ter qualquer tipo de manifestação ou consciência já terá que ter partilhado do Corpo de Nuit. Ou seja, há uma interdependência entre Nuit e Hadit que dançam, unidos, um maithuna contínuo.

Toda estrela é essencialmente indivisível, um fluxo interminável; e no centro de cada uma está Hadit, a gênese da Verdadeira Vontade, o impulso dinâmico. Tudo aquilo que somos é um desdobramento, uma expressão, desta Vontade que arde em nosso interior. Hadit, no centro de nosso ser, em nossa caverna do coração, é o nosso verdadeiro ser, o Sagrado em nós.

Vimos em diversas tradições, e na nossa em particular, que o centro cardíaco é o santuário oculto que abriga o Ente-Anão, a Verdadeira Vontade, o Sagrado Anjo Guardião. Parafraseando Rene Guenon, a figura do coração quer com raios retilíneos, claros, chamada de coração irradiante; quer com raios flamejantes na parte superior, com ideia de calor, chamado de coração ardente; representa a luz (simbolizada pelo sol na astrologia esotérica) como metáfora para o conhecimento direto e intuitivo, através do êxtase. É o chamado conhecimento do coração. Sem dúvida, o simbolismo universal do coração quase sempre representa o calor e a luz, a união do micro com o macrocosmo.

O Coração do Mestre: Algumas Considerações:

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Eis o Nada!
Todos os caminhos conduzem à Inocência.
A tolice pura é a Chave da Iniciação.
O Silêncio rompe em deleite.
Nem homem, nem mulher, mas os dois em um.
Seja silencioso, Bebê no Ovo Azul, tu que
deves crescer para sustentar a Lança e o Graal!
Vaguei só, e cantas. No Palácio do Rei
A filha dele te aguarda.

O Coração do Mestre: meditação sobre a letra Aleph.

Em 1924, Crowley faz uma viagem à Tunísia que seria muito rica em termos literários. Já na travessia do Mediterrâneo em direção àquele país, Crowley sentiu-se inspirado pelos Chefes Secretos a escrever uma página declarando a Lei de Thelema. Esta declaração é intitulada Ao Homem, mas também é conhecida como O Manifesto do Mediterrâneo. Ali, Crowley teria pronunciado a Palavra do Aeon, a Fórmula de Iniciação para a Era de Horus, fazendo jus à sua condição de Magus. No entanto, há muita controvérsia sobre esta questão, pois muitos afirmam que Crowley teria fracassado neste particular. Uns dizem que ele pronunciou a Palavra da Lei e não a do Aeon. Como é um assunto extenso e que foge ao nosso propósito no momento, recomendamos aos interessados que leiam o Culto das Sombras (já em português, tradução de Fernando Liguori) de Kenneth Grant, Capítulo 8, onde essa questão é discutida em detalhes.

Nesta mesma época (1924-25), Crowley ainda escreve um texto chamado Mestre Therion: uma nota bibliográfica, onde comenta sua caminhada pela senda ocultista e procura reafirmar seu posto como Profeta da Nova Era. Também edita um ensaio chamado A Conferência Secreta, usando o pseudônimo de Gerard Aumont. A Conferência descreve a atuação dos Mestres da Grande Fraternidade Universal ao longo das eras e como eles viabilizaram o estabelecimento da Lei de Thelema e as implicações de seu uso, além de falar do processo de sucessão aeônico.

No entanto, a escrita desses textos reafirmando a condição de Crowley como Profeta e avātar do Aeon de Horus não foi gratuita. Um fato preocupante para ele era a possibilidade de um concorrente espiritual: o jovem Krishnamurti que, num episódio lamentável da história da Sociedade Teosófica, foi apontado como sendo o Avātar da Nova Era aguardo por eles. Crowley, preocupado em não perder o posto de Profeta do Novo Aeon, empreendeu esforços no sentido de garantir sua posição. Além dos artigos publicados, procurou alianças e apoio junto às lojas continentais da O.T.O., bem como aos teósofos alemães que, frequentemente, pertenciam às duas organizações. No entanto, Crowley teria poupado esforços se tivesse dado tempo ao tempo: em 1929, Krishnamurti rompe seus elos com a Sociedade Teosófica, seguindo seu próprio caminho, pondo fim ao projeto ‘messiânico’ da Teosofia. Krishnamurti seguiu seu próprio caminho espiritual e parece ter desenvolvido um senso anti-mestres. Dizem que instantes antes de sua transição, ele teria dito: não há nenhum mestre. Ao que seus discípulos responderam: sim, mestre, não há mestres.

Em meio a esse cenário de disputa para o estabelecimento do novo Instrutor Mundial (avātar), Crowley escreveu O Coração do Mestre, na Tunísia, em 1925. Em seu Diário da época, ele assim descreveu a experiência:

À noite, entrei em transe e contemplei a Visão chamada ‘O Coração do Mestre’. Por um instante, eu quase desmaiei: neste momento, Frater Bar-On viu no pátio um cone de luz azul invertido.

O texto foi escrito por um heterônimo de Crowley – Khaled Khan (A Espada de Deus – um guerreiro árabe, contemporâneo de Maomé, que seria uma das reencarnações de Crowley). É um texto categorizado como de Classe B, mas poderia perfeitamente ser classificado como de Classe A, dado à sua natureza inspirada e inspiradora. O texto flui de uma passagem para outra com muita logicidade o que, às vezes, não encontramos em outros textos thelêmicos; certamente, isto se deve ao fato de nele Crowley comemorar sua ascensão como líder da O.T.O. e querer deixar claro sua mensagem, contribuindo para firmar sua posição como o novo líder espiritual da humanidade.

O livro se apresenta como uma instrução dos Chefes Secretos para orientar Mestre Therion em sua tarefa profética e é dividido em três partes:

Capítulo I: A Visão – Era nítido para Crowley que o nascente Aeon traria a guerra. Assim, O Coração do Mestre começa com uma visão trágica, na qual um cenário sangrento e catastrófico emerge, uma vez que este envolve uma mudança radical na consciência humana. Uma vez passado este terror, surge a quietude. Comparece aí a figura do filósofo que indaga sua existência e o caminho do guerreiro que traz a necessária condição para trilhar a senda da iniciação.

Capítulo II: A Voz – Apresenta belas meditações sobre o Tarot e a Qabalah, além de trazer as lâminas dos mesmos. Os textos são metáforas poéticas escritas no imperativo como uma potente sugestão para que o leitor possa incorporar em si os princípios ali “re-velados”. O texto é uma rota que pode nos levar a perceber e a compreender os poderes da consciência que estão plasmados nas 10 Alegrias Secretas do Mestre e, por extensão, a transmutar a personalidade e obtermos a união como Divino.

A estabilidade do Universo é Mudança,
A Certeza de Tua Verdade.
E finalmente a alma da Música assume a forma
Da pura voz de uma Virgem e ela canta:
A Perfeição do Universo é a Realização do Ideal
de tua Paixão.

Meditação sobre a esfera de Yesod.

Capítulo III: O Templo da Verdade – Contém imagens e breves comentários a respeito dos grandes mestres espirituais do Mundo Antigo, Medieval e Moderno. Crowley fala de sua iniciação e procura estabelecer uma linhagem tradicional de sucessão dos enviados pela Grande Fraternidade Universal para estabelecer, a intervalos regulares, uma Palavra que sirva de fórmula ao processo evolutivo da humanidade. Khaled Khan, à página 102, nos descreve um pouco de sua iniciação:

Então, meu Instrutor, portando um pequeno bastão, apontou para um grande pergaminho no qual havia alguns dizeres. Subitamente, ao lado dele, surge à sombra de uma mão que desenha a imagem de um Leão.

Acima deste pergaminho, parcialmente enrolado, estava uma placa quadrada, feita de mármore branco, na qual estava desenhado, em ouro, a Imagem de Olho dentro de um Triângulo radiante.

Abaixo, estava escrito: Para nós, dois mil anos é como se fosse Um Dia.

Crowley tinha por missão despertar o potencial interior dele dentro da Cultura e Tradição Iniciática de diversas vertentes. A partir disto, organizou uma escola de síntese (Thelema) e uma literatura que seriam faróis a iluminar e a despertar outros dentro da Corrente que amou e reativou: a Corrente 93. Nesse sentido, o Coração do Mestre é mais uma contribuição de Crowley à Tradição Ocidental de Mistérios, principalmente em seu 2o capítulo que é um repositório de beleza e inspiração. Espero que tenham sentido, ainda que parcialmente, que o este livro é uma obra mística, esotérica, enigmática e principalmente reveladora. Que possamos ser abençoados com a sublimidade de sua essência e que ela ilumine nossa caminhada ao longo deste aeon.

O universo é Mudança: toda Mudança é o efeito de um Ato de Amor;
Todos os Atos de Amor contém a alegria pura.
Morra diariamente!
A morte é o ápice de uma curva de uma serpente de Vida:
Contemple todos os opostos como complementos necessários
E regozije-se!

Amor é a lei, amor sob vontade.

Suporte teórico:

A psique do coração: Uma leitura analítica do seu simbolismo – Denise Ramos.
As Ordens Esotéricas e seu Trabalho – Dion Fortune.
O Rei do Mundo – Rene Guenon.
Os Símbolos da Ciência Sagrada – Rene Guenon.
Symbolic Christian Significance of the Word Heart – Tessarolo.
The Heart of the Master – Aleister Crowley.
As filosofias da Índia – Heinrich Zimmer.

Texto enviado por Ícaro Aron Soares.


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