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Entre o Tantra e a Thelema – a figura da Mulher Escarlate como o ser humano

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Anarco-Thelemita

 “Uma pessoa alcança o paraíso pelas mesmas coisas que a levariam para o inferno.”
– Kularnava tantra

“Em termos simples, Babalon é uma metáfora para a alma humana.”
– Oliver St John, Babalon Unveiled, Thelemic Monographics

O papel histórico da mulher escarlate: do corpo físico, o gênero até a energia espiritual de Binah

Quando lemos os versículos 43-45 do capítulo 3 do liber Al, que se referem a mulher escarlate, obviamente associamos isso as mulheres que trabalharam com Crowley. A própria Besta, no Law is for All, diz que a previsão descrita em Al 3:44 aconteceu – e de fato, aconteceu.

Uma das mulheres escarlates mais famosas, foi Leah Hirsig ou Alostrael 31-666-31. Alostrael, o útero de Deus, foi a mulher escarlate que acompanhou Crowley em sua iniciação de Ipsissimus, sendo sua única testemunha. Crowley comenta que o que mais amava em Leah, era o fato dela ser completamente livre de pudor, algo que ele entendia como fundamental.

Leah agia como vidente/mulher escarlate/tradutora/iniciadora de Crowley, além de conduzir seus rituais mais obscenos. O poema de 666 palavras em 156 linhas, chamado “Leah Sublime” que Crowley escreveu, carregava essencialmente a relação dos dois.

Como vidente, Leah trazia visões para a Besta, muitas bem apuradas. Crowley e ela evocavam Aiwass para aparecer dentro dessas visões[1]. Leah era 8°=3° na A.A, como podemos ver nos diários de Crowley[2]. E assim como a Besta, ela também tinha seus estudantes.

Arthuro Sabatini[3] foi um italiano meio cego, que nasceu em Palermo e viveu na Abadia de Thelema, e lá, atuou basicamente como a mulher escarlate da mulher escarlate. Atuando como vidente pessoal de Leah Hirsig, vemos aí, uma dos primeiros registros de que, a expressão  “mulher escarlate” vai além do gênero[4].

Norman Mudd, foi outro discípulo que atuou como parceiro mágico de Leah. Por algum motivo não explicado, Leah Hirsig chegou a marcar o penis de Mudd com o sigilo de Babalon[5].

Leah Hirsig, de fato, viveu em ruas escuras, faminta e com frio, mas não por causa do Al, mas por causa da própria Besta. Ela, tendo devotado tudo de si a Besta, acabou abandonada em Paris, sem dinheiro, em um hotel em que Crowley fugiu sem pagar – conforme podemos ler no diário do abandono[6], Leah se sentiu profundamente traída – e deixou a piedade visitar seu coração, como alertava o Al e mesmo com coração amargurado, manteve-se fiel à lei de Thelema por mais alguns anos, iniciando pessoas na A.A[7].

Leah não era A mulher escarlate do Al, mas foi a única a alcançar o grau de Magister Templi. Alostrael/Leah Hirsig foi uma das várias mulheres que trabalhavam como mulheres escarlates, ofício de vidente para a Besta. Ela mesmo teve as “suas mulheres escarlates” como podemos ver.

Logo, fica a pergunta, quem ou o que é a mulher escarlate?

Para começarmos nossa pequena viagem atrás da mulher escarlate, vamos lembrar que ela é Babalon e por sua vez, Binah. Binah, é Ama ou Aima, a mãe infertil e a mãe fertil[8], associada às cartas das rainhas do tarot e a “parte” da alma conhecida como neshamah.

Neshamah, sendo nossa alma mais alta, é também uma casca, uma camada para níveis mais profundos de nós, Chiah e Yechidah. Como nosso foco é entender a mulher escarlate em perspectiva tântrica e cabalística, construindo correlações entre o tantra e a thelema.

A alma, neshamah, provém de Binah e que por ser feminina, é a mulher escarlate. Binah é Babalon, a receptora, portadora do graal. Nosso próprio ser é Babalon, um avatar do universo, de Nuit.

Neshamah é binah e também é uma consciência mais alta que podemos alcançar. É dito que o magister templi atinge esse nível, assim como as pessoas que atingem o samadhi. Crowley define essa sensação no prólogo do não nascido, no liber VII, onde diz:

Para dentro da minha solidão vem —

  1. O som de uma flauta em bosques escuros que assombram as mais remotas colinas.
  2. Mesmo a partir do bravo rio eles chegam às margens do deserto.
  3. E eu contemplo Pan.
  4. As neves são eternas acima, acima —
  5. E sua névoa de perfume se eleva até as narinas das estrelas.
  6. Mas o que tenho eu a ver com isso?
  7. Para mim apenas a flauta distante, a permanente visão de Pan.
  8. Em todos os lados Pan, aos olhos, aos ouvidos;
  9. O perfume de Pan penetrando, o seu sabor preenchendo totalmente a minha boca, de modo que a língua irrompe em uma fala estranha e monstruosa.
  10. O seu abraço intenso em cada centro de dor e prazer.
  11. O sexto sentido interior arde com o Seu ser mais íntimo,
  12. Eu mesmo arremessado para baixo do precipício do ser
  13. Exatamente para o abismo, aniquilação.
  14. Um fim para a solidão, assim como para tudo.
  15. Pan! Pan! Io Pan! Io Pan!

A noite de Pan é o que entendemos como samadhi. Em termos práticos, é a união da alma individual com o todo, e a sua característica principal é a perda do senso de individualidade e consequentemente percepção expandida de si mesmo como o próprio universo[9].

Como todo bom estudioso da cabala, sabemos que temos três almas ‘principais` sendo que uma se desdobra em mais duas. Nós possuímos Nephesh, Ruach e Neshamah (essa última ainda se desdobra em Chiah e Yechidah). Essas `almas`, sendo três forças diferentes dentro de nós, conseguem nos levar a níveis diferentes de compreensão da realidade.

No nome Bab Al On, o portal do Deus On[10],  percebemos essencialmente a função da alma/Binah: receber a energia de chiah – chochmah – e então transmitir isso adiante para Ruach/ Zeir Anpin. Da mesma forma que nós recebemos de cima essa energia, nós podemos nos colocar naquele nível de consciência.

Tais metas místicas foram descritas dentro dos tantras – textos antigos que traziam a metafísica do shaivismo/shaktismo indiano. Para que possamos avançar na nossa iniciativa de interpretação, vamos retroceder no tempo e conhecer um pouco dos tantras.

O Tantra como um movimento espiritual

 Os tantras são, por excelência, textos sagrados que foram revelados ao mundo. Esses textos nascem entre o século VI até o século XII, se espalhando por toda a Ásia, dando insumo para diversas religiões, como o budismo. A evolução dos tantras como movimento espiritual traria uma nova forma de pensar, sobre o papel do homem, mulher, castas e sociedade.

Antes do hatha yoga nascer – embora os praticantes se recusem a aceitar que o mesmo nasceu no período medieval[11], mas é assunto pra outra pauta – existiu o tantra. A palavra tantra pode ter vários significados – um deles, é simplesmente livro[12]. O  tantra foi uma prática marginalizada dentro da Índia, que aos poucos ganhou o caráter iniciático – isto é, um mestre e discípulo, ou  um grupo esotérico que ensina a partir das revelações feitas pelo guru. O tantra trazia desconstruções daquela sociedade pautada pelos vedas e pela tradição brahmica, profundamente patriarcal e inclusive, foi o primeiro local onde um guru feminino, toma a frente.

O hatha yoga absorveu diversas percepções e práticas dos tantras – o uso de um sistema de chakras[13], mantras, visualizações guiadas… O Vjnanabhairava Tantra por exemplo – começa com uma conversa[14] entre Bhairava e Bhairavi, onde ela fazendo uma pergunta, dá início a um longo discurso ensinando técnicas de meditação[15].

Esse texto coloca o estado de plenitude do ser como Bhairava. Ou seja, a face furiosa de Shiva era vista como um nome glorioso da calma e atitude mental sadia. Diferente de outros tantras, como o Nirrutara Tantra[16], o Vjnanabhairava Tantra não dava ênfase a prática sexual[17], dentro dele apenas um único versículo sobre uso da sexualidade dentro da meditação.

O tantra nasce de uma perspectiva dualista[18], entre homem e deus e aos poucos, evolui para a não dualista. Nascendo como patriarcal-Saivista e aos poucos, se torna Saiva-Saktista. E algumas mais radicais, se tornam totalmente Saktista[19].

Mas o tantra vai mais longe. Extingue as castas. Mulheres viram gurus. Pessoas comuns, de classes mais baixas e/ou até intocáveis, também estavam em seus rituais, bebida alcoólica e carne são consumidos ritualísticamente. Alguns tantras, utilizavam sexo ritualistico, oferenda e consumo de fluidos  sexuais[20].

Mas o que torna o tantra tão curioso é a sua perspectiva não dual. O que é o não dualismo (advaya)?

O princípio Advaya  no tantra Shiva-Shakti

O não-dualismo é a visão de que o homem contém todo universo em si. Logo, os chakras, são moradas de deuses, Shiva não está fora, mas dentro. A visao nao dual, fazia o devoto atuar como o próprio deus, entendendo a si mesmo como uma extensão da divindade, nao alguem querendo alcançar a mesma.

A visão não dual, não dividia mais terra e espírito, Shiva e Shakti, puro e impuro. Todas as coisas eram sagradas e todas as coisas traziam consigo o divino. Adorar qualquer deus é adorar a Deus em sua forma suprema, porque todos os deuses são manifestações de uma única força, Isvara, Shiva, Brahman ou qualquer nome que possamos dar.

Por tudo ser santo, o tantra via que a realidade não era mais o local de penitência, ou a necessidade de agradar aos deuses. Os deuses eram os próprios devotos, se mantinham vivos por causa dos seus devotos. Os devotos são os que alimentam e são alimentados pelos seus deuses. Então se não havia mais dualidade entre carne e espírito, os prazeres se tornaram instrumento de elevação, não mais distrações.

Tudo se tornava um ato sagrado. Não existia mais linha que dividisse o ritual e o profano. O tantra não dual reconhece essa unidade como Shiva e que todos somos essa mesma força. Como força, a consciência/Shiva é estática e a sua potência é sua contraparte feminina, Shakti.

A visão não dual, foi chegando cerca de um século depois e foi aos poucos evoluindo. A própria forma de adorar Shiva, foi mudando e foi-se cultuando formas mais agressivas de Shiva como aspecto supremo do Ser.

Para a visão não dual, a raiz de todos os males é a ignorância. É através de uma visão errada sobre as pessoas, eventos, ou coisas, que um ato de himsa[21] pode ser cometido.

Kalí, uma das divindades mais conhecidas do tantra, não estava mais longe do ser humano, mas era ela, uma manifestação do próprio ser humano. O ser humano era Kalí quando agia de forma incisiva. E isto não era negativo, a falta de reconhecimento disso, que era. Quando se adquire consciência/Shiva da sua energia e da manifestação dela/Sakti, entende-se que mesmo uma manifestação o ser agora, era um próprio ritual para as divindades.

O adorador era ao mesmo tempo, a adoração, a oferenda, o altar e o deus que recebia essa oferta.

A divindade não era mais padroeira disto ou daquilo. Ela era tudo. Tudo estava nela, a adoração a ela, levava o tântrico a alcançar estados de consciência muito elevados, onde conseguiam perceber além da dualidade.

Um exemplo curioso é Bhairava e Bhairavi. Ambos, são duas manifestações furiosas de Shiva e Sakti. Ambos, Bhairava e Bhairavi são nomes adorados nos tantras por carregarem consigo a ideia de irem contra o status quo.

Ambos são deuses enrolados por serpentes, nús, com cabelos desgrenhados, cobertos de cinzas de mortos, vivendo em ambientes considerados “impuros” e sendo tão santos quanto os “puros”. Longe do arquétipo de imaculado fornecido pelos vedas em deuses como Brahma ou Laksimi. Para o tântrico, o divino não estava apenas no limpo, casto, puro e asceta.

O divino estava em qualquer lugar, vestido como qualquer um, a dispor de qualquer pessoa.

Seria a Thelema, o Tantra do mundo ocidental?

Se você leu até aqui e identificou algo com thelema, não é o primeiro. Kenneth Grant escreveu extensas obras[22] sobre essas relações, focando no aspecto sexual dos tantras, de forma que muita gente no ocultismo entende que o tantra são técnicas ligadas a libido, sexualidade e prazer.

Quando pensamos na principal deusa tântrica, Kalí, temos aquela breve imagem oculta de uma mulher vestida com pedaços de corpos, segurando a cabeça dos homens e consequentemente se alimentando do sangue.

Mas Kalí, é kala – o próprio tempo e além dele. Assim como dito por Grant[23], Nuit e Kalí têm muito em comum, ambos são paradoxos de amor e morte.

Quando falamos de Kalí, nós a conhecemos como a fúria de Durga manifestada. O que esquecemos é que Shiva, para aplacar sua fúria, se transformou em um bebe e então Kalí o pegou para amamentar. Kalí, assim como Nuit, carrega aspectos paradoxos. A própria Besta ressalta sobre Nuit e a morte[24]. Kali, assim como Nuit, abraçam todo o universo. Ambas são a energia sem forma que cria todas as coisas.

Talvez a maior semelhança que podemos fazer entre Kali e Nuit é que ambas são o vazio absoluto. Kali, no Mahanirvana Tantra, é tratada como a fonte de tudo, o espaço infinito dentro de um hino[25]. Vejamos alguns versículos:

“(…) você é a origem do mundo

você que não tem origem

(…) você  é escura como a noite”

Em um outro versículo[26] do mesmo hino, entendemos Kalí como a mãe de tudo e um oceano de amor infinito.

“Ó esposa-mãe de shiva

para descrevê-la os homens recorrem as coisas do mundo físico

os livros sagrados a evocam de forma sutil

alguns a chamam de verbo,

outros consideram você ser o útero do universo

mas para nós, você é antes de tudo, um oceano de amor infinito’

Para ressaltar, o Mahanirvana Tantra tem data incerta, mas como grande parte dos tantras, ele fica entre o século VI e XII. Um poeta nascido em Bengala, em 1720, conhecido como Ramprasad, traz mais um aspecto de Kali sem seus “Cânticos a Kalí”[27]:

“Kali é a letra K, fundacao de tudo que é,

Ela é prazer e libertação.

A letra K é o número 11, um número especial para a magia. No tarô, vemos a carta de Babalon, que é o avatar terreno de Nuit.

Curioso porque o próprio Al Vel Legis mostra Nuit afirmando sobre ela mesmo ser o prazer e libertação, em I:58, por exemplo: “Eu concedo prazeres inimagináveis sobre a terra: certeza, não fé, enquanto em vida, sobre a morte; paz indescritível, repouso, êxtase; e Eu não exijo nada em sacrifício.’’

Fiz questão de marcar a palavra sacrifício, porque Ramprasad foi um dos primeiros a se opor aos sacrifícios a Kali. Essa mesma ideia do Al Vel Legis, pode também ser vista em outra forma no Nirrutara Tantra, onde em seus versículos finais, diz[28]:

‘”Você, mãe destrutiva e cheia de compaixão,

que satisfaz todos os desejos

você concede todos os desejos, 

obtém prazer e traz libertação,

homenagem a você, Kalika’’

Apenas a título de curiosidade, Crowley relata em seus diários[29], que durante um trabalho mágico com a sua mulher escarlate[30], ela escutou alguém dizendo para ela que ela era Kalí. E voltando a falar de mulher escarlate, vamos relembrar os versículos do Al Vel Legis e fazer pequenos exercícios de foco de pestilência:

44. Porém que ela se levante em orgulho! Que ela me siga no meu caminho! Que ela trabalhe a obra de perversidade! Que ela mate o seu coração! Que ela seja escandalosa e adúltera! Que ela seja coberta de joias, e ricos vestidos, e que ela seja desprovida de vergonha perante todos os homens!

Inicialmente, é solicitado que ela se levante em orgulho. Orgulho, a característica de tiphareth não é mais visto como algo negativo, mas algo forte, virtuoso. Mais adiante ele pede que ela o siga em seu caminho – vale lembrar que quem rege a terceira parte do Liber Al Vel Legis é Ra Hoor Khuit e Aiwass , sendo o agente de comunicação de Horus, entende-se que o papel da mulher escarlate é seguir o seu próprio anjo, aqui representado por Ra Hoor Khuit.

Soror Meral traz ideias muito importantes sobre o livro da Lei, quando lemos o trecho, ela explica[31] que, “Let her work the work of wickedness!“,  estamos usando três vezes a letra hebraica Vau, que é W ou V, e então temos o número 666.

O trabalho de perversidade, a obra da maldade, da mulher escarlate que é alma humana, é justamente voltar se a si própria, reconhecendo seu verdadeiro ser/ sua vontade divina e então realizá-la.

Quando pensamos que nossa fórmula é, “amor é amor é a lei, amor sob vontade“, entendemos que a Binah, nossa energia mais alta, deve sobrepor a Ruach e Nephesh, representados pela Besta. O domínio de si, é o laço que Babalon mostra, quando segura a besta.

Ela matou seu coração, ou seja, tudo que ela era, ela sacrificou em sua taça para dar ao ancião dos tempos, o Chaos[32]. Em termos mais simples, isso quer dizer, que, quando o Al Vel Legis nos pede isso, ele pede para que demos tudo que que somos, nosso centro, nosso coração, por algo elevado – nossa grande obra pessoal, o abrahadabra.

Em seus diários, Leah Hirsig, reafirmava seu juramento de mulher escarlate, utilizando esses versículos do Liber Al Vel Legis. É interessante notar que ela enxergava isso como algo literal. A obra da maldade, ela associava a bruxaria[33].

O escândalo é o uso da fala de forma “indevida” assim como o adultério é o uso do amor “ìndevido”. Cabalisticamente, associamos a Hod e Netzach, sendo hod/mercúrio/fala/pensamento e netzach/vênus/adultério. Esse trecho solicita que nosso ser não deve se comprometer com uma única ideia.

Pode se entender isso quando relacionamos com conhecimento – o próprio Al Vel Legis, nos diz que todos os profetas são verdadeiros e todos os livros são sagrados[34], porque no fundo, nós devemos ler, entender ou metaforicamente fornicar com todas as ideias.

No Liber 418[35] temos uma percepção muito mais acurada sobre essa parte do Liber Al Vel Legis:

“A voz continua: Este é o Mistério da Babilônia, a Mãe das abominações e este é o mistério dos seus adultérios, pois ela se entregou a tudo que vive e assim tornou-se parte desse mistério. E por ter feito a si mesma uma serva de cada um, tornou-se senhora de tudo. Tu não podes compreender sua glória.

Bela és tu, Ó Babilônia e desejável, pois tu te entregaste a tudo que vive e tua fraqueza sobrepujou tua força. Pois essa união tu compreendeste. Por isso tu és chamada Compreensão, Ó Babilônia Senhora da Noite!”

A compreensão, Binah, a energia mais alta, vem desse estado de experiência com todas as coisas, os “adulterios”, como metaforicamente foi dito no texto.

A última frase deste versículo, onde pede que a alma se cubra de joias e ricos vestidos, é exatamente o que o Tantra comenta – o caminho não está em se afastar do mundo físico, mas integrá-lo à espiritualidade. A metáfora de joias, como adornos, conhecimento, e vestido, como nossa própria carne, afinal, nossa alma (Neshamah) está em nosso corpo.

É interessante ressaltar a origem da palavra Shakti – porém, um melhor significado da palavra deriva da raiz sânscrita de shak, que significa “ser forte ou poderoso, ser competente para[36] – isso nos remete diretamente a primeira vez que o AL nos fala sobre a mulher escarlate, onde é dito que a ela todo poder é dado[37].

Assim como o tantra, a thelema não entende que essas ideias estão separadas. A thelema une os opostos. Logo, o papel de mulher escarlate é o papel da alma humana. Isso vai além de gênero/sexualidade, porque entendemos que o Anjo, o Sol, Hochmah, o Chaos, é a força motriz da Mulher Escarlate e seu legítimo Senhor[38].

Podemos adicionar nesse raciocínio que Shiva e Shakti não são dois, mas um. Como disse um dos meus professores, o ato de queimar é inerente ao fogo, assim como Shakti é inerente a Shiva. Na mesma perspectiva, Crowley nos dá no Liber 333, quando diz que Chaos e Babalon são apenas um[39].

Com isso em mente, entendemos que a metáfora do Crowley no livro das Mentiras[40], não serve somente para a A.A.. Serve para todos nós. Isso também é dito nos tantras – parafraseando o Aharabeda-Tantra, “uma pessoa pode se tornar um vamacare[41], apenas se ele se tornar uma mulher”.[42]

Essa metáfora sobre mulher, entra no sentido de sermos mais receptivos e nos ligar mais às energias de Binah, a nossa inspiração, nossa intuição.  Ou seja, receber a influência direta do nosso anjo, sem os cães da razão.

Notas:

[1] Magical Record of the Beast 666. Editado por Kenneth Grant & John Symonds. Págs.231 e 235.

[2] The magical diaries of Aleister Crowley: Tunisia 1923. Stephen Skinner. Pág. 190.

[3] La Mujer Escarlata y La Bestia. Tradução por Javier Calvo. Pág. 95, 96 e 97.

[4] Em seu diário, Rex de Arte Regia, Crowley faz uma magia para manifestar uma Babalon em forma de um homem com aparência similar a Herbert Charles J. Pollit, seu primeiro namorado.  Leia em Magical Record of the Beast 666 – pág.6.

[5] Perdurabo: The Life of Aleister Crowley. Por Richard Kaczynski. Pág. 416.

[6] La Mujer Escarlata y La Bestia. Tradução por Javier Calvo. Pág. 135.

[7] Vide a probacionista de Leah, Ida de Houghton Crooke. Proximal Authority: The Changing Role of Leah Hirsig in Aleister Crowley’s Thelema, 1919–1930. Manon Hedenborg White

[8] Mystical Qabalah. Dion Fortune. Pág.46.

[9] Liber 418. 24 Aethyr.

[10] Liber 418. 12 Aethyr.

[11] Roots of Yoga, Mark Singleton & James Mallinson.

[12] O Tantra Iluminado. Christopher Haresh Wallis.

[13] O sistema de 7 chakras que possuímos veio dos tantras. Porém, cada um dos tantras possuem seu próprio sistema de chacras, variando em número de 5 até 12 chacras (como o vjnanabhairava)..

[14] Uma característica muito comum nos tantras é que os textos começam com uma conversa entre duas divindades.

[15] O Vjnanabhairava tantra é uma obra fantástica do tantra. Como sugestão, indico a versão que o Christopher Wallis traduziu do sânscrito.

[16] Esse tantra pode ser encontrado em uma tradução do Daniel Odier, em seu livro Kali: mitologias, práticas e rituais.

[17] A prática sexual dentro dos tantras é uma parcela muito pequena. O pensamento tântrico vai muito além disso, embora o tantra tenha sido fetichizado e distorcido.

[18] Vide Saiva Siddhanta, um texto tântrico do século V.

[19] Isso  cria a famosa divisão entre Vama Marga e Dakshina Marga, quando mais para a esquerda(vama marga), mais forte fica a influência Saktista, onde o culto também se torna mais transgressivo.

[20] Kaula Tantra: A arte do ritual e da magia. Tarananda Sati. Pág. 201.

[21] Himsa é um termo sânscrito que significa “prejudicar ou causar dano”. Enquanto “Ahimsa” é um princípio de não violência, amplamente divulgado pelo Hatha Yoga.

[22] Uma obra sobre as correlações que podemos destacar, é Aleister Crowley e o Deus Oculto.

[23] Aleister Crowley e o Deus Oculto. Kenneth Grant. Pág. 49.

[24] Law is for All. Aleister Crowley e editado por Israel Regardie. Pág.253.

[25] Kali: mitologias, práticas e rituais.Daniel Odier. Pág.98.

[26] Kali: mitologias, práticas e rituais.Daniel Odier. Pág.101.

[27] Kali: mitologias, práticas e rituais. Daniel Odier. Pág.105.

[28] Kali: mitologias, práticas e rituais.Daniel Odier. Pág.43.

[29] Royal Court Diaries, 1936-1939. Aleister Crowley.

[30] A mulher escarlate era Pearl Brookesmith.

[31] The Kabbalah, Magick and Thelema. Phyllis Seckler/Soror Meral editado por  David Shoemaker

[32] Liber IV. Aleister Crowley. Fórmula de Tetragramanton.

[33]  La Mujer Escarlata y La Bestia. Tradução para o espanhol por Javier Calvo. Pág. 124.

[34] Liber Al Vel Legis. Aleister Crowley. Cap. I:56

[35] Tradução do Keron-E. 12 Aethyr.

[36] MONIER-WILLIAMS, M. (1899). A Sanskrit-English dictionary.

[37] Liber Al Vel Legis, I:15

[38] Liber Cheth vel Vallvm Abiegni. Tradução por Arnaldo Lucchesi Cardoso. Versículo 21.

[39] Cap. 11 “O Pirilampo”, Liber 333.

[40] “Os irmãos da A.A. são mulheres”, Liber 333. Cap.3.

[41] Praticante da Mão Esquerda do Tantra.

[42] Hymn to Kali, Karpuradi Stotra. Arthur Avalon. Pág. 9.


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