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Três Casamentos e Dois Funerais: Sacrifício Humano e Magia Sexual

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Anarco-Thelemita

Sacrificai gado, pequeno e grande: depois uma criança.”
– Liber Al III:12

O melhor sangue é o da lua, mensalmente: então o sangue fresco de uma criança, ou o que cai das hostes do céu; então de inimigos; então do sacerdote ou dos adoradores: por último alguma besta, não importa qual.” – Liber Al III:24

Existem muitas lendas horríveis sobre sacrifícios humanos na história das religiões. Quase todas elas criadas por religiões rivais para deslegitimar a concorrência.. bom talvez quase todas.

No Antigo Egito rituais funerários de faraós e pessoas “importantes” demandavam que seus escravos, servos e animais fossem sacrificados com eles para continuarem lhe servindo no pós-vida.

Entre Maias, Incas e Astecas sacrifícios eram realizados por motivos diversos, como agradecimento aos deuses, busca por proteção espiritual, fertilidade da terra ou até mesmo como punição por transgressões cometidas. Eles envolviam rituais elaborados, que podiam envolver um indivíduo voluntário ou um prisioneiro de guerra que era oferecido como oferenda aos deuses.

Já no Tanak os cultos de Moloque e Baal eram acusados de infanticídio. Em Levítico 18:21 e Jeremoas 3225-26, existem condenações explícitas proibindo os israelitas de oferecerem seus filhos como sacrifício aos deuses cananeus. Essas referências bíblicas indicam que os sacrifícios de crianças eram uma prática condenada mas comum na época.

Durante a Idade Média a prática diminui mas continuou no imaginário das “acusações de assassinato ritual” ou “calúnia de sangue”. Na época das Catacumbas cristãos eram acusados de sacrifícios humanos valendo-se de uma deturpação da ideia do Corpo de Cristo presente nas hóstias. Mais tarde foram os próprios cristãos que acusaram os judeus com alegações muito parecidas de que eles realizavam sacrifícios de crianças cristãs, durante a celebração da Páscoa no qual nem uma gota de sangue era perdida pois o espírito da vítima presente no sangue seria supostamente consumido como sacramento ou para produzir talismãs.

Após o Grande Cisma de do século XI foi a vez da Igreja Ortodoxa e Católica acusarem-se mutuamente de Ritos Secretos no qual orgias eram promovidas e os bebês que nascessem por meio dela eram canibalizadas como um sacramento e panaceia contra todos os males. Quando a Igreja Católica realmente sacrificou Jacques de Molay no século XIV as mesmas acusações foram transferidas aos templários acusando-os de usar a gordura de recém-nascidos para ungir seu ídolo Baphomet. A receita parece ter dado certo porque foi repetida inúmeras vezes durante a inquisição. As reuniões de bruxas fazendo sexo com o diabo e sacrificando crianças ganhou espaço no imaginário ocidental. A ironia é justamente que uma infinidade de pessoas foram levadas para a fogueira por uma religião enquanto eram acusadas de matar gente por razões religiosas.

O roteiro de quase todos estes relatos era sempre muito parecido: em épocas e contextos específicos um grupo secreto de pessoas se isolavam nas montanhas ou florestas e lá evocavam seus deuses (ou demônios do ponto de vista de seus acusadores). Neste lugar aconteceria uma adoração sexual com Bafomé, Pã, Artémis, Afrodite ou outra divindade pagã. Por fim, as crianças geradas por esta orgia eram posteriormente sacrificadas para obtenção de grande poder.

Amor e Morte entre deuses

Aleister Crowley conhecia todas estas histórias e acreditava que havia nelas um fundo de verdade. Não apenas isso mas recomendou um trabalho mágico muito parecido com esses relatos. Este trabalho é tri-partido:

  •  A primeira parte envolve trabalho Devocional que culmina em uma união sexual de total entrega onde o eu anterior morre e uma “criança”, um novo eu, é gerado.
  • A segunda parte envolve aceitar a devoção de um ser inferior com um elemental ou servidor. Também aqui o inferior morre com que para pagar a honra de sua união com o ser humano.
  • A terceira parte envolve uma modalidade de casamento alquímico na qual se busca integração das energias sexuais solares e lunares.  Ao fazer isso haveria a criação de toda uma nova Ordem de Seres.

A primeira parte é ensinado por exemplo no Liber HADLiber NV e no Liber Astarte nos quais os dois primeiros são adaptações dos capítulos do Liber AL para criar uma experiência de Grande Morte. Em outra ocasião Crowley dá uma técnica menos cerimonial que adaptaremos aqui. Antes de dormir, visualize a Babalon diante de você. Você deve imaginar se aproximando com volúpia em direção a ela e nesta ocasião qualquer pensamento involuntários deve ser entendido como um adultério contra a Deusa. Há aqui um verdadeiro sacrifício humano pois se não houver um holocausto  voluntário de si mesmo não haverá sucesso. (lembrando que “holocausto” vem do grego “ὁλόκαυστον” [holokauston] que significa “oferta de sacrifício completamente queimada.” Nada deve sobrar de você. É preciso arder de amor ‘de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento’. E para se livrar de pensamentos intrusos a única solução é concentrar-se totalmente no Corpo de Babalon. Apenas se essas condições forem mantidas, o fluído sexual deve ser preservado no seu altar ou em um talismã apropriado.

O segunda parte é baseada no princípio de que os “seres inferiores” naturalmente desejam a salvação que a união com um ser humano oferece. O magista deve apenas selecionar uma alminha que seja  digna seja por sua beleza, aptidão ou mérito ( de preferência por tudo isso junto). Aqui em vez de adorar o que está acima, deve-se permitir ser adorado por pura compaixão aceitando que o elemental dê sua vida, ou seja, se entregue totalmente. Ao fazer isso o magista não deve esquecer que aqui também está a serviço de Babalon, caso contrário cairá nas armadilhas de Chorozon. Não é recomendado mais do que quatro espíritos familiares para esta prática (um para cada elemento), e sempre tratando-os separadamente. Crowley recomenda que os melhores seres para isso são os Espíritos das Tábuas Elementais dados por Dr. Dee e Sir Edward Kelly com a Chamada Enoquiana apropriada para a ocasião. O fluído sexual deve ser preservado em outro talismã.

O terceira parte casamento envolve a união dos dois talismãs gerados, um “Masculino” e um “Feminino.” O masculino sendo o sêmen e o feminino o sangue menstrual. E Sim, Crowley sugere que você consuma estes fluidos sexuais. Não está claro se cada talismã deve ser usado por dois participantes ou se pode ser usados por uma pessoa solitariamente posterioremente. Provavelmente a ambiguidade é proposital pois assim como as primeiras duas partes pode ser realizada só ou com companhia. Seja como for o ato deve ser também igualmente focado. A ideia central de Crowley é que a meditação constante sobre A Grande Deusa irá santificar qualquer operação, seja sexo suave entre um casal, masturbação solitária ou uma orgia sadomasoquista. A conclusão deve ser a ingestão dos próprios fluidos sexuais. Assim é produzida uma criança astral tão interessada em atender os desejos do seu criador quando seria um Arcanjo ao Deus Supremo, pois essa comparação é exata. A partir de então será necessário muito mais cuidado ao que se deseja pois será aberto um vórtice para produção de multidões de seres viventes de Vida, Amor, Liberdade e Luz cujo grande objetivo é colaborar para que o magista realize seus designíos da forma mais completa possível.

Crowley era um grande entusiasta do consumo sacramental de fluidos sexuais. Em Liber CCCXLIII (AMRITA) ele diz:

“Mas encontramos o superalimento. Conhecemos um veículo do qual alguns grãos podem abrigar luz pura suficiente para abastecer um homem não apenas em nutrição, mas com energia quase sobre-humana e paralela, inteligência incrivelmente brilhante ao sol por quatro e vinte horas. Essa substância é teoricamente fácil, mas praticamente difícil de obter. Na Inglaterra e na América seria impossível obter qualquer quantidade, mesmo da matéria-prima, pelo menos em força e pureza; muito menos para prepará-lo. (…)Não podemos compreender a verdadeira natureza desta força; não podemos medi-lo; não podemos criá-lo ou obtê-lo sinteticamente. Mas podemos purificá-lo e intensificá-lo; podemos, dentro de amplos limites, determinar à vontade a qualidade e o alcance de sua ação; podemos adiar a morte, aumentar a energia ou prolongar a juventude; e temos razão em dizer que possuímos o Elixir da Vida.

A Castidade Crowleyana

Sob a luz destas práticas chegamos a uma conclusão pitoresca. Para que libido seja usada com sucesso ela não pode ser desperdiçada no fracasso. Isso nada tem haver com a castidade defendida pelas leituras populares das religiões abraamicas. Mas a palavra “castidade” tem origem no latim “castitas”, derivada do adjetivo “castus”, que significa “puro” ou “incontaminado” e é muito importante que o magista que utilizar estas técnicas não seja infiltrado por forças estranhas.

Isso porque, em primeiro lugar se a energia sexual escapa do controle ela não está a serviço da Verdadeira Vontade e em segundo lugar porque com as praticas ensinadas acima o praticante se coloca em uma situação tal sua vontade se manifesta com muita mais força e rapidez, e portanto qualquer desvio pode resultar em obsessão, doença, loucura ou mesmo morte.

Em outras palavras pornografia, libertinagem e mesmo “olhar uma pessoa para cobiçá-la” é adultério.  Tais coisas não tem efeitos relevantes para as pessoas ordinárias porque elas já não tem poder algum mas o magista podem trazer consequências terríveis. A situação é parecida a diferença que se deve ter com uma pistola d’agua e um fuzil de assalto.

Etiqueta para Onipotentes

Há varias técnicas para se proteger de tais abusos na obra de Crowley, mas nenhuma delas é mais importante do que o exercício diário da controle pessoal exatamente como ensinado por muitos caminhos esotéricos diferentes, em particular a disciplina iogue. Mas em vez de se segurar para sempre esta energia é direcionada pela pratica regular das operações descritas acima.

 Além dessas outras proteções importantes incluem:

  • Dormir dentro de um círculo de proteção com imagens consagradas a Deusa.
  • Uso de anéis, pulseiras e colares consagrados.
  • Rituais regulares de banimento e proteção.
  • Descarte ou destruição de toda urina, fezes, saliva, unhas e cabelos de tal forma que não possam ser usadas voluntaria ou involuntariamente como canal de acesso ao magista.

Conclusão

É evidente que nas histórias dos sacrifícios humanos em diversas culturas e as práticas mágicas existem narrativas carregadas de lendas e acusações infundadas. Muitos desses relatos foram criados por religiões rivais como forma de deslegitimar umas às outras. No entanto, é importante reconhecer que certas práticas sacrificiais foram de fato realizadas em diferentes épocas e contextos, com motivos variados, como gratidão aos deuses, busca por proteção espiritual e punição por transgressões. Aleister Crowley viu aqui o base para um trabalho mágico muito importante dentro do seu sistema.

Não sei se ainda preciso dizer isso a essa altura mas é fundamental compreender estas práticas são baseadas em trabalhos astrais e transformação pessoal, e não devem ser confundidas com práticas violentas, abusivas ou ilegais. O magista que se engaja nessas técnicas deve exercer a auto-disciplina e a responsabilidade, mantendo-se vigilante em relação às suas ações e protegendo-se contra influências indesejadas. Amor só é amor sob vontade.

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