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Por que a Thelema é tão simbólica?

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Anarco-Thelemita

Talvez a parte da Thelema que mais incomode os ocultistas da nova geração seja sua natureza altamente teatral e sua linguagem profundamente simbólica. Acostumados à praticidade de sistemas materialistas como o Satanismo Moderno ou a eficácia de sistemas diretos como os sigilos da Magia do Caos, é muito comum ver um ocultista jovem olhar com desconfiança para o elaborada verborragia do Mestre Therion. O objetivo deste artigo é mostrar que ela não é mero teatro e enrolação, mas uma necessidade inevitável com a qual todo thelemita acaba se deparando cedo ou tarde.

De fato não é necessário um profundo treinamento espiritual para praticar Magick. O adepto que tem sucesso em adquirir resultados concretos sem qualquer preocupação iniciática é o que chamamos de Feiticeiro. Já o adepto que explora o auto-conhecimento sem qualquer preocupação com resultados chamamos de Místico. Mas é necessário ser uma mistura de Místico e Feiticeiro para ser um Mago no sentido completo da palavra.

O jargão hermético e cabalístico incomoda. Os neófitos em geral preferem os textos de Crowley em que ele vai direto ao ponto e perdem pérolas que simplesmente não podem ser resumidas como se fosse um manual do Home Theater. Esta postura faz com que voltem-se para textos como “Magick Sem Lágrimas.”, que é ótimo, mas que foi escrito numa tentativa final de Crowley para simplificar (e infelizmente empobrecer) o que já havia sido dito por exemplo do Livro da Lei. No processo muito conhecimento é deixado de lado. A impressão que eles têm é que ao ser simbólico, Crowley está fugindo das perguntas. Entretanto, a verdade é que são eles que fogem da resposta ao trocar a linguagem rica do símbolo pela limitante versão das definições.

Esta preocupação com imediatismo não é recente como alguns supõe. Não é fruto da juventude conectada do século XXI. Em uma carta a uma discipula Crowley trata do tema nos seguintes termos: Você olha uma árvore. Você abraça um árvore. Você ouve o farfalhar de um árvore. Você sente o cheiro de uma árvore. Cada sentido está mostrando uma coisa completamente diferente dos demais entretanto você tem todos estes fragmentos como parte do que chamamos de Árvore.  Nada melhor do que a história do elefante Hindu para ilustrar este ponto:

“Numa cidade da Índia viviam sete sábios cegos. Como os seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas recorriam à sua ajuda. Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles que, de vez em quando, discutiam sobre qual seria o mais sábio. Certa noite, depois de muito conversarem acerca da verdade da vida e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido que resolveu ir morar sozinho numa caverna da montanha. Disse aos companheiros:

– Somos cegos para que possamos ouvir e entender melhor que as outras pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí discutindo como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento mais! Vou-me embora.

No dia seguinte, chegou à cidade um comerciante montado num enorme elefante. Os cegos nunca tinham tocado nesse animal e correram para a rua ao encontro dele. O primeiro sábio apalpou a barriga do animal e declarou:

– Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar nos seus músculos e eles não se movem; parecem paredes…

– Que palermice! – disse o segundo sábio, tocando nas presas do elefante. – Este animal é pontiagudo como uma lança, uma arma de guerra…

– Ambos se enganam – retorquiu o terceiro sábio, que apertava a tromba do elefante. – Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia…

– Vocês estão totalmente alucinados! – gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. – Este animal não se parece com nenhum outro. Os seus movimentos são bamboleantes, como se o seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante…

– Vejam só! – Todos vocês, mas todos mesmos, estão completamente errados! – irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. – Este animal é como uma rocha com uma corda presa no corpo. Posso até pendurar-me nele.

E assim ficaram horas debatendo, aos gritos, os seis sábios. Os seis tolos.”

Em Magick without Tears. Crowley diz que acha ainda mais desconcertante o fato de que já leve tempo para o olho transmitir uma sensação para a consciência, tudo o que realmente existe é uma lembrança do que já se foi. Citando-o textualmente:

“Qual é então essa realidade de que estamos tão seguros? Obviamente, não tem sequer um nome, uma vez que isso nunca aconteceu antes e pode nunca mais acontecer de novo! Para discuti-lo em tudo, temos de inventar um nome e esse nome (como todos os nomes) podem eventualmente não ser nada mais que um símbolo. Para falar disso, nos precisamos inventar um nome, e este nome (como todos os nomes) não pode ser nada mais, senão um símbolo. Mesmo assim, tudo o que fazemos é “registrar o comportamento de nossos instrumentos” e não ficamos em melhor posição de pois de fazê-lo, pois nosso símbolo, referindo-se como faz a um fenômeno único não pode ser abarcado por outro e não significa nada em para seus vizinhos. O que acontece conosco é então é similar, mas não idêntico aos Eventos-Pontuais e assim não estamos aptos a construir uma linguagem simbólica. Minha memória da misteriosa realidade se assemelha o suficiente com outras e assim induzimos que pertencem a uma mesma classe.

Mas deixe-me pedir-lhe para além disso, refletir sobre a formação da própria linguagem. Exceto no caso de onomatopéias e algumas outras exceções, não há conexão lógica entre uma coisa e o som de nosso nome para ela. “Au Au” é um nome mais racional do que “dog”, que é uma mera convenção acordada pelo Inglês, enquanto outras nações preferem chien, hund, cana, kalb kutta, e assim por diante. Todos são símbolos, você vê, meu querido filho, gostemos ou não!”

Mas as coisas não acabam aqui. Quando tentamos transmitir o pensamento por escrito, somos obrigados a fazê-lo solidamente, e construir uma santa Cabala do nada. Por que uma curva aberta para a direita não soaria como um oceano para você? E todas essas letras arbitrárias e simbólicos são combinadas apenas como dispositivos simbólicos e arbitrários para assumir significados convencionais, estas palavras novamente são combinadas em frases em um procedimento não menos arrogante.

E então o povo ainda pergunta como pode haver erros e mal entendidos na transmissão de pensamentos de uma pessoa para outra!

Apesar disso é como um milagre da divina providência quando alguma das idéias mais simples consegue “cruzar as barreiras” Sendo assim é mero bom senso que alguém construa seu próprio alfabeto com algumas de suas mais precisas definições para lidar com assuntos técnicos como a Magicka. As palavras ordinárias como “Deus”, “Consciência”, “Alma”, “Espírito” e todo o resto já foram tão usadas milhares de vezes com tantos sentidos diferentes por escritores que não sabiam ou se importavam com a necessidade de definição que usá-las hoje em abordagens científicas é algo quase ridículo.

Sendo assim a linguagem simbólica da Thelema é muito mais próxima da realidade que os textos rápidos de Anton Lavey e Peter Carroll. Note que o pai da Magia do Caos, Austin Osman Spare, foi ele mesmo um escritor altamente simbólico. Talvez por isso não seja lido, embora seja aclamado. Não é nenhum pecado se ater ao ocultismo Coca-Cola. Você não precisa saber do que é feita uma salsicha pra desfrutar do seu sabor. Mas isso não é ser simples, é ser simplório e em certa medida um imbecil, se considerarmos como imbecil alguém que prefere viver em um mundo menor e mais pobre do que ele realmente é.

 

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