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História Natural dos Arquétipos

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O ser humano é um animal visual. Sua realidade é moldada em termos de cenários e imagens, formas e contrastes, que posteriormente são preenchidos de significados e interpretações. Assim adquirimos conhecimento. A sua capacidade de gerar imagens internas, seja na fantasia ou no sonho, seja na profissão ou lazer, na ciência ou arte, na religião ou no entretenimento, tudo ao seu redor é composto de imagens, formas, luzes e cores, constituindo um universo onde infinitas possibilidades apresentam-se à nossa frente em desdobramentos e seqüências inimagináveis.

Mas o que são essas imagens, como nos afetam, como podemos compreendê-las melhor?

Para podermos entender um pouco sobre como nascem as imagens e como elas nos influenciam, temos de recordar que cerca de 75% da quantidade de informação que ingressa a cada instante dentro de nosso cérebro é de natureza puramente visual, ou seja, cerca de três quartas partes das informações que irão ser processadas, interpretadas, respondidas e armazenadas na forma de memória dentro de nós será de cunho eminentemente visual, exigindo respostas, reações e planejamentos que também terão de acontecer dentro de um cenário visual. O nosso cérebro produz uma representação visual da realidade que nos cerca, que depois é ‘enriquecida’ por elementos auditivos, táteis, olfativos, psicológicos, emocionais, etc., gerando aquilo que denominamos de realidade. Devemos levar em consideração, portanto, que essa realidade é uma construção individual, uma opinião que emitimos sobre um determinado momento em que experienciamos o universo de informações que nos rodeia e , apoiados em memórias de experiências anteriores e também sobre o nosso estado psicológico, criamos essa ‘realidade’ que é de cunho extremamente subjetivo. Uma vez que a quase totalidade de indivíduos normais apresentam treinamentos cerebrais semelhantes, essa ‘realidade’, embora tenha sempre o caráter subjetivo, irá coincidir em muitos pontos com a de outras pessoas, e assim se cria a ilusão de que o que ‘vemos’ é ‘real’.

Nada mais longe da verdade! A ciência nos diz que a realidade objetiva que está ‘lá fora’ constitui-se de turbilhões de focos de energia interagindo entre si numa dança louca e mutável o tempo todo e emitindo ondas de energias em todas as direções, ondas essas que são captadas pelos nossos órgãos dos sentidos e interpretadas de forma ordeira e simplificada, para formar o cenário que chamamos de ‘nossa realidade’.

Podemos assim considerar que poderão existir elementos presentes no cenário que sequer são captados ou representados dentro deste nosso modelo, da mesma maneira, poderemos impor formas e imagens nesse modelo, criados por uma decisão interna, poderemos compartilhar de imagens produzidas por pessoas mortas a séculos atrás, mas, ainda assim, farão parte de nossa realidade consensual. Podemos tomar como exemplo o modelo de ‘Romeu e Julieta’ criado por Shakespeare, que embora totalmente inventado, acabou sendo incorporado ao imaginário de pessoas e nações, influenciando costumes e comportamentos.

Uma outra maneira que as imagens nos afetam é através da propaganda, da ilusão de que podemos sempre participar de qualquer cenário que esteja se desenvolvendo à nossa frente. Essa capacidade de nos envolvermos visualmente com algo que está ocorrendo é chamada de identificação e serve de base tanto para as propagandas induzirem a compra de mais sapatos, até aumentar as chances de se obter uma experiência mística, passando pelas seduções quase hipnóticas do cinema e da televisão. Assim, as imagens nos afetam direta ou indiretamente, estejamos conscientes ou não de seu efeito.

Entretanto, sabemos também que as imagens não representam apenas cenários simples dentro dos quais nos movemos conscientes ou não, sem perceber como é que tais imagens e cenários nos afetam. Uma sabedoria antiga nos ensina que essas imagens, na realidade são uma representação simples e ordinária de forças ou energias da natureza, que estão em constante mutação e nos afetando a cada instante. Tais conglomerados de forças ou energias, de diferentes níveis de atuação ou intensidade recebem o nome de Arquétipos dentro de uma terminologia que necessita ser clarificada.

No conceito das filosofias antigas, o Arquétipo era visto como a expressão, a forma de comunicação de algo vivo e consciente, situado numa dimensão externa à humana, embora mantendo relações com ela, expressando-se através de sinais, sonhos, eventos estranhos, visões, milagres, etc., ou seja, em tudo aquilo que está localizado ‘ligeiramente fora’ daquilo que consideraríamos como normal. O Arquétipo era uma idéia, um deus lendário, uma força da natureza, um conceito, uma imagem, etc., capaz de estabelecer uma ponte entre o ser humano e aquela consciência extra-humana que sempre existiu à nossa volta e, desta maneira, era capaz de ampliar a capacidade humana de representar a realidade. Com os Arquétipos o ser humano possuía os instrumentos para explorar uma dimensão da realidade que não estava à disposição dos órgãos dos sentidos.

O conceito de Mundo das Idéias de Platão nos ensina que acima da realidade do ser humano usual, encontra-se uma outra realidade, povoada de idéias e imagens, que podia ser acessada através das habilidades mentais e visuais. Essa realidade representaria uma realidade mais rica e mais sublime que a nossa, que seria um mero reflexo e limitação daquela realidade maior, sendo que o ser humano capaz de pensar de maneira criativa seria o intermediário entre essas duas dimensões. Dentro dessa perspectiva os Deuses, as Forças da Natureza e Elementais, a própria Magia e os Anjos teriam uma existência real, arquetípica, que se expressaria na forma de imagens, intuições, atuações, sonhos e outros eventos ‘estranhos’ da nossa vida.

Nos dias atuais, este conceito foi limitado a uma visão psicológica a partir dos ensinamentos de C. G. Jung, que via nos Arquétipos elementos de energia psicológica profunda, de ordem pessoal ou coletiva, capazes de atuar sobre ou mesmo modificar certos comportamentos, induzir tendências ou expressar desejos de uma ‘alma coletiva’. Não querendo deixar isto de lado, seria, entretanto, interessante tentar uma classificação destes elementos, de forma a podermos identificar a sua ação em cada uma das esferas de nossa atividade.

Dentro do campo de consciência do ser humano normal, podemos identificar três dimensões distintas dessa consciência: um estado de consciência onde estamos mais voltados aos fenômenos de nosso mundo interno, denominado de inconsciente, que normalmente acessamos através do sono ou de fantasias; um estado dito de consciência ordinária onde desenvolvemos nossas atividades rotineiras, quando estamos preocupados com a nossa relação com a realidade de consenso e finalmente, um estado de superconsciência, onde nos sentimos realmente vivos, entusiasmados, criativos, inspirados, quando sentimos que estamos agora alcançando os nossos limites e explorando as nossas reais potencialidades, quando sentimos que podemos ultrapassar os limites da realidade de consenso.

Cada um destes campos de consciência gera uma ‘realidade’ própria, povoada de imagens, memórias, experiências e obedecendo a um conjunto de leis e limites próprios. O inconsciente, por ser o mais interno de todos, fica limitado pelos medos e inseguranças pessoais; o consciente, limitado pelos limites e dificuldades das relações do dia a dia e o superconsciente, pelo temor e ignorância do desconhecido.

Da mesma maneira que cada nível de consciência apresenta seus conteúdos específicos, irá também apresentar imagens e símbolos que representam a maneira pela qual este campo de consciência está se comunicando com os Arquétipos. Podemos assim identificar três tipos de arquétipos.

1) Os Arqueótipos seriam as imagens, experiências, intuições e todos os processos ligados às memórias pessoais e coletivas, ligados à história da humanidade e a forma pela qual fomos sensibilizados aos arqueótipos, pelos processos de educação e de manipulação emocional ao longo de nossa vida. Isto também inclui as imagens e representações de figuras históricas e/ou míticas que reconhecemos como fazendo parte de nossa cultura, assim como dos elementos mágico/religiosos que fazem parte de nossas fantasias e expectativas. Representam antigas forças que ainda vivem e atuam no nível inconsciente e que, na maioria das vezes, sequer são reconhecidas, embora tenham o costume de se expressar de forma simbólica ou mítica. As mitologias Greco-Romana, as figuras religiosas Judaico-Cristãs, os Heróis, assim como as figuras de Pai, Mãe, Sábio, etc. , são as imagens que definem os nossos contatos inconscientes com esses Arqueótipos.

A figura da mãe, toda amorosa, do pai protetor, do sábio paciente, de Júpiter triunfante, de Cristo Misericordioso, etc., representam imagens ou contatos inconscientes que esses elementos vivos e conscientes fazem uso para se comunicarem conosco e, com isto, estabelecer uma relação que devidamente trabalhada, poderá resultar em benefício mútuo. Se nos deixamos envolver por uma imagem qualquer ou seduzir por algum conjunto de valores ou comportamentos sugeridos por essas imagens, estamos sendo ‘possuídos’ por esse Arqueótipo e com isso permitimos que este se avolume em importância na realidade que compartilhamos, com uma conseqüente alienação da realidade de consenso, com fracassos, frustrações, falta de praticidade e competência, etc. Se pelo contrário, evitamos ou mesmo antagonizamos as suas intuições e solicitações, deixamos de lado a sabedoria acumulada que estes podem nos oferecer, então estamos abandonando uma fonte de experiências ricas e deixando de viver plenamente essa mesma realidade compartilhada. A chave do processo é o estabelecimento de uma relação respeitosa de ambas as partes: nem o Arqueótipo deve ser considerado como algo ‘divino’ que deve ser obedecido às cegas, nem deve ser considerado como algo retrógrado ou mesmo insano, que deve ser extirpado a todo custo. Se a nossa mãe na vida real foi malvada, se o nosso pai foi violento, se o professor, incompetente, etc., ainda assim, esses arqueótipos são capazes de, numa relação frutífera, despertar dentro de nós os valores de uma mãe amorosa, de um pai valente, de um professor cheio de paciência, etc., e com isso seremos capazes de incorporar tais elementos em nosso íntimo e expressá-los na vida diária e com os demais.

2) Os Estereótipos são as imagens e contatos que estabelecemos com os elementos que existem à nossa volta no decorrer da vida diária. São os modelos sociais que tentamos imitar por representarem aquilo a que a sociedade almeja como um todo. Podemos citar como exemplos: o homem de sucesso, rico, o atleta másculo e atraente, a mulher magra e bela, o cientista devotado, e muitas outras figuras. Essas figuras tendem a se relacionar através de nossas ambições e desejos profissionais e pessoais, impulsionando-nos em direção a novas áreas de estudo, trabalho e lazer. São os elementos que se situam na base da motivação de pessoas ou grupos e, quando se tornam o objetivo final em si, passam a ‘possuir’ as pessoas, sugando-lhes a vida, seu tempo e sua individualidade. São pessoas que ficam presas ao modelo, tentando nele se transformar e expressar as suas qualidades com o máximo de intensidade possível. Perdemos a nossa humanidade e espontaneidade. Quando acontece o contrário, e rejeitamos tais modelos, ficamos desmotivados, desanimados, temos ‘azares incríveis’, etc. Não conseguimos vencer, porque tudo dá errado e a sociedade está ficando ‘maluca’ atrás de um dinheiro que não nos interessa, ou não conseguimos obter suficientemente.

Os Estereótipos condicionam comportamentos, formas de falar, pensar e vestir, definem modas e tendências, criam e demolem projetos e negócios, definem relações e intimidades, pois são os mais evidentes e passíveis de comparações. Quando estamos ‘possuídos’ por um Estereótipo, ficamos presos aos seus valores e comandos, passamos apenas a pensar na forma mais eficiente e rápida de nos unirmos a ele e, finalmente, expressá-lo em sua totalidade. Com isso, estamos deixando de lado a nossa individualidade. Quando o negamos, estamos negando a sociedade e o outro, de certo modo nos tornando o juiz que irá condenar todos os demais, no caminho da solidão, fracasso e do desespero. O segredo aqui é descobrir que o Estereótipo nos mostra o caminho para obtermos aquilo que realmente desejamos como seres humanos de forma que este objetivo esteja em harmonia com os valores e modelos vigentes, de maneira que não tenhamos de entrar em conflito com os outros, nem que impor nossos Arqueótipos nem aceitar imposições com facilidade, ou seja, ‘somos os donos de nossos narizes’ e por isso somos respeitados.

3) Os Arquétipos são as imagens e impulsos que representam o nosso contato com as realidades transcendentes do nosso ser. Cada um de nós almeja ser um homem ou mulher melhor e mais perfeito, dotado de harmonia, paz e perfeição de pensamento, emoções e ações. É o nosso impulso em direção à divindade. Essa divindade por sua vez, é a experiência do Divino que acontece a cada momento dentro de nós e que, desafortunadamente, não deixamos transparecer e com freqüência, reprimimos ou mesmo desconsideramos.

A nossa busca pela transcendência, por aquilo que é essencialmente o ‘bem’ não-condicionado, a busca pela felicidade e contentamento, pela realização pessoal e social, tudo isso e muito mais representam os nossos contatos com os elementos característicos de níveis que somente contatamos através da superconsciência. As imagens de santos, deuses, heróis, anjos, inteligências superiores agora reaparecem não mais na sua característica histórico-mitológica, mas como elementos de experiências íntimas, carregados de significados, que nem sempre são de alegria ou de contentamento, mas freqüentemente de questionamentos e insatisfação íntima, principalmente quando a ‘nossa vida está indo muito bem’. Eles estão nos mostrando que alcançamos os limites de nosso crescimento e que agora devemos começar a investir numa outra forma de conhecimento e prática, o auto-conhecimento que irá nos conduzir às dimensões da espiritualidade e transcendência. Rompemos a barreira das realidades consensuais e agora nos encaminhamos para uma outra dimensão, em busca de novos horizontes, realidades, experiências.

Quando nos deixamos possuir ou dominar por um modelo espiritual seja na forma de uma estória de Santo, Mártir ou figura religiosa ou mística, deixamos de lado a nossa individualidade e procuramos nos transformar numa caricatura deste ser e então teremos apenas uma caricatura das experiências que buscamos obter. O final é previsível, numa frustração e sofrimento sem fim, devido à excruciante certeza da nossa falência interna. Quando negamos essa tendência, impedindo com que os desejos de crescimento interno se exteriorizem, quando assumimos um número excessivo e freqüentemente desnecessário de encargos profissionais/sociais, ou ficamos envolvidos nas solicitações dos Estereótipos em excesso, ou nos prendendo a elementos que negam o seu desenvolvimento, tal como estruturas religiosas, esotéricas, psicológicas que não são capazes de reconhecer e favorecer este tipo de transformação, temos o fanatismo e o embrutecimento da consciência, com a conseqüente parada de desenvolvimento dela. Então as imagens aparecem de forma ameaçadora e parecem indicar que estamos seguindo o caminho errado, poderão aparecer na forma de castigos, sofrimentos ou catástrofes iminentes, que nos ameaçam ou aos nossos entes queridos. Freqüentemente essas experiências são interpretadas como de caráter demoníaco e raramente são explicadas pelo seu real caráter de aviso, de re-orientação da trajetória do indivíduo.

Assim, para resumir, podemos dizer que a consciência humana pode ser vista como sendo um elemento vivo e atuante num contexto de realidade onde existem outras formas de consciência, onde as relações podem ser estabelecidas em diferentes níveis. No nível mais inferior e interiorizado, temos os Arqueótipos, que refletem o contato de nossa consciência com os elementos mais antigos e históricos da experiência pessoal e coletiva; a um nível mais rotineiro, temos os Estereótipos, que representam os elementos de uma ‘interação’ entre a consciência humana e formas de consciência que estão muito próximas do nosso dia a dia e que compartilham objetivos comuns de poder, influência, emocionalidade. Com os reais Arquétipos, temos acesso a conhecimentos e experiências de nível transcendente, que nos situam numa escala de evolução e destino de responsabilidade crescente e maiores graus de interações e experiências.

Elaborado por NoKhooja

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