Tamosauskas

A recitação das Chamadas Enoquianas são a primeira aproximação que muitas pessoas fazem deste sistema. Isso entretanto é muitas vezes feito de forma superficial, sem realmente compreender o que está sendo dito, ou como já foi colocado em outro contexto como "vãs repetições". Não estou dizendo que é necessário entender o sentido das palavras para que as chamadas funcionem. Aparentemente sua força está na vibração que causa em nós e no ambiente quando as palavras deste estranho linguajar são proferidas em seu som original. Eu mesmo já tive um relativo sucesso trabalhando com uma tradução completamente equivocada. Conjecturas à parte nada disso significa que não possamos nos beneficiar de alguma forma ao nos dedicarmos ao sentido que existe por trás delas. Afinal elas foram colocadas nesta ordem e não em outras e poderiam ser muito bem sons sem qualquer significado. Se não são é porque querem transmitir também algum conhecimento e sabedoria. O propósito deste artigo consiste portanto em propor um novo campo de estudo, uma Hermenutica Enoquiana com ô objetivo de fazer uma uma análise meticulosa da primeira Chamada Enoquiana. Para alcançar tal fim empregaremos as ferramentas tradicionais de interpretação de textos sacros, engendrando uma leitura que abarque o plano Literal, o plano Alegórico, o plano Moral e por fim o Plano Anagógico ou Espiritual. Mas antes de começarmos será proveitoso reler a chamada com atenção para que não seja feita apenas mais uma leitura apressada. Para facilitar este intento organizamos os trechos da chave em uma lista simples:

"Eu reino sobre vós, diz o Deus da Justiça, Poderosamente exaltado acima dos firmamentos da ira; Em cujas mãos o Sol é uma espada E a Lua como um fogo penetrante: Que mede as vossas túnicas, no seio de minhas próprias vestes E vos amarrei juntos com as palmas de minhas mãos; Vossos assentos sendo decorados com o fogo da reunião, Embelezando vossas vestimentas com admiração; Para quem fiz a Lei para governar os santos E entreguei uma vara com a arca do conhecimento. Além disso, vós então erguestes vossas vozes E jurastes obediência e fé a Ele, que vive e triunfa, Que não tem início, nem fim, que brilha como uma chama No meio de vosso palácio, e reina entre vós Como a balança da retidão e verdade. Portanto, movei-vos e mostrai-vos! Abri os mistérios de vossa criação! Sede amistosos comigo, porque eu sou servo Do vosso mesmo Deus, o verdadeiro adorador do Altíssimo."

Interpretação Literal

Para tornar óbvio o que está escrito, extraímos cinco premissas contida na primeira chave:

O autor se apresenta como governante divino, Deus da Justiça.
Descreve seu domínio sobre elementos naturais, como Sol e Lua.
Afirma ter criado leis para governar os santos.
Menciona a entrega de uma vara com a arca do conhecimento.
Os destinatários juraram obediência ao Deus que vive e triunfa.

O sentido mais básico poderia assim ser reescrito com sintaxe direta e vocabulário simplificado:

"Eu, o Deus da Justiça, reino sobre vocês. Controlo o Sol, a Lua e criei leis para os santos. Dei-lhes uma vara e conhecimento. Vocês juraram lealdade ao Deus que vive."

As implicações lógicas deste sentido básico são as seguintes:

O autor se posiciona como governante divino, com controle sobre a natureza.
Os destinatários têm obrigações legais e éticas de obediência.
A vara e a arca representam símbolos de autoridade e conhecimento.
A promessa de lealdade implica uma relação de submissão e fidelidade.

Interpretação Alegórica

O orador narra, em primeiro lugar, a proclamação do Deus da Justiça, uma divindade que governa majestosamente acima das manifestações das esferas onde a ira se desvela. Este Ser Supremo é habilmente retratado empunhando o Sol como uma espada em Suas mãos e a Lua como um fogo penetrante, sugerindo um controle absoluto sobre os elementos celestiais. Em seguida, desenha-se a imagem sublime de Deus medindo as túnicas com suas próprias vestes, possivelmente simbolizando um ato de julgamento ou avaliação. É mencionado ainda que as pessoas estão unidas pelas palmas das mãos de Deus, indicando uma conexão íntima ou uma dependência inextricável de nosso destino com as ações divinas. O texto alude à entrega da Lei, da vara e da arca, insinuando a concessão de autoridade e sabedoria divina, estabelecendo um elo com a tradição judaica da Arca da Aliança, que abrigava a Vara de Araão e as Tábuas da Lei. As imagens de assentos adornados com o fogo da reunião e vestimentas enobrecidas com admiração evocam uma atmosfera igualmente sacra. A segunda parte da proclamação descreve um momento sublime em que os destinatários elevam suas vozes em juramento de obediência e fé a este Deus vivo, Eterno, Radiante e Triunfante, que reina como a personificação máxima da retidão e verdade. Em seguida, é feito um apelo direto para que Deus se manifeste e revele os mistérios de Sua criação de maneira benevolente, enquanto o orador se identifica humildemente como servo e genuíno adorador deste Ser Supremo.

Interpretação Moral

Sob a perspectiva da hermenêutica moral, o texto ressalta a busca pela conexão espiritual, verdade e justiça como fundamentos essenciais para a relação entre os indivíduos e o Deus da Justiça, conforme delineado nas Chamadas Enoquianas. Isso implica que qualquer reflexão teológica ancorada nessas proclamações deve levar em consideração tais premissas. Na segunda parte, a ênfase recai sobre a submissão, obediência e juramento de fidelidade centrados na adoração a essa divindade que personifica a retidão e a verdade. Metáforas como o Sol como uma espada e a Lua como fogo penetrante possivelmente indicam a dualidade de poder e cuidado que a divindade exerce. A entrega da vara com a arca do conhecimento destaca que a responsabilidade moral confiada aos seus adoradores está intrinsicamente ligada ao entendimento da lei divina e à governança dos santos. Em última análise, o texto sugere que a busca pela justiça e pela verdade é orientada pela adoração e serviço a uma entidade divina. A relação entre o orador e o Deus da Justiça é delineada como uma aliança de lealdade e serviço, refletindo uma visão moral que valoriza a submissão voluntária em busca da orientação moral divina. Dessa forma, a interpretação moral do texto pode ser compreendida como um chamado à ética fundamentada em verdade, justiça e conhecimento, enraizada na devoção e no serviço a uma divindade que personifica tais princípios morais. O apelo final sugere que essa devoção e moral são fortalecidas pela busca por uma compreensão e relacionamento pessoal entre o orador e o Deus da Justiça.

Interpretação Anagógica

Sob uma perspectiva mística, o mencionado "Deus da Justiça" parece ser uma manifestação específica da divindade, possivelmente associada a atributos de rigor e justiça, mas situada "acima do firmamento da ira" que caracteriza a justiça e a governança humanas. As metáforas do Sol como espada e da Lua como fogo penetrante sugerem que, ao agir, esta divindade possui uma dualidade inerente que podem ser compreendidos como polaridades ativas expansivas e passivas consumidoras. A menção à entrega de uma vara com a arca do conhecimento sugere, como já explorado, a transmissão de sabedoria divina e autoridade espiritual. Os santos que seguem essa lei podem ser compreendidos como aqueles que buscam uma vida espiritual alinhada com os princípios divinos de Justiça e Verdade. O apelo para revelar os mistérios da criação e a busca por amizade com Deus refletem uma aspiração pela união mística e uma compreensão mais profunda dos segredos cósmicos. O orador se apresenta como servo do Deus mencionado, identificando-se como um verdadeiro adorador do Altíssimo, indicando uma busca pela conexão pessoal e devoção espiritual. Essa abordagem cabalística destaca a importância da busca espiritual e do alinhamento com os princípios divinos para aqueles que seguem essa tradição interpretativa.

Conclusão

Com base nas diversas interpretações apresentadas, é evidente que há concordância em vários pontos fundamentais, delineando um conjunto de ideias compartilhadas dentro do texto. Em todas as abordagens, há uma clara referência a um ser supremo, identificado como o "Deus da Justiça", que detém poder sobre elementos celestiais e exerce proximidade e julgamento. A entrega da vara e da arca é reconhecida como um ato simbólico de concessão de autoridade e sabedoria divina aos seus seguidores. Além disso, todas as interpretações destacam a importância da busca por valores espirituais e éticos, como verdade, justiça e conexão com o divino. A ênfase na obediência, fé e juramento de lealdade ao Deus apresentado é um ponto comum em todas as interpretações, indicando a importância da devoção na relação entre a humanidade e a divindade. Portanto, a mensagem central da primeira chamada enoquiana parece ser a existência de um Deus da Justiça, a entrega da autoridade e sabedoria, e a importância da busca espiritual e ética baseada no reconhecimento da obediência e lealdade como elementos fundamentais na relação entre a humanidade e o divino.

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