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Demônios e Anjos

O Diabo, O Que É?

Leia em 5 minutos.

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Satanás, Lucifer, Exú, Diabo, Bafomé, Choronzon – a escolha é nossa. E independente de qual for a nossa escolha, nunca estaremos caminhando em terreno firme, seguro, mas sempre sob a areia movediça das definições ambíguas, oblíquas e por fim erradas. É justamente isto, o diabo: Existe, mas querendo agarrá-lo foge – rindo de nós.

Vamos então juntar fios para tecer este tapete estranho e fascinante, horrível e esplendoroso.

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The Devil (O Diabo)
Mary-El Tarot

A palavra, e com isso o conceito “Satanás” vem da palavra “Shaitan”, ainda hoje usada pelo mundo árabe para descrever a mesma personagem. Porém a expressão “Shaitan” já exitia bem antes de Maomé e veio da antiga Pérsia para o mundo muçulmano. O fato do cristianismo adotar esta palavra tem duas explicações. Uma é que o Ocidente aceitara o simbolismo e a imagem de Shaitan como identica àquela que já tinha, a outra é que nestes tempos também fazia sentido usar uma palavra árabe para o mal, já que o império muçulmano era o maior e mais perigoso inimigo do mundo cristão.

A palavra “Lucifer” vem do latim e significa “aquele-que-traz-a-luz”. Já temos a primeira contradição. Parece que Satanás e Lucifer são dois conceitos totalmente diferentes, mesmo sendo usados muitas vezes como sinônimos. Lucifer é o Anjo Caído, o mais belo e mais poderoso das legiões celestes, que sabia de sua força e posição e por isso mesmo rebelou contra Deus, não querendo mais aceitar a submissão esperada dele. Bom, sabemos que não deu certo… Mas o que é o mais interessante é que essa história de ser expulso dos acres felizes nos soa familiar e tem paralelas óbvias. Só que o tema vai ficando bem complexo se Lucifer e Adão e Eva têm um passado igual, não é? Como sair?

Veremos por enquanto outras formas de aparição de Satanás/Lucifer. Primeiramente temos a cobra, um dos simbolos animais mais velhos e mais presentes em todas as culturas de todos os tempos. A cobra no cristianismo é símbolo da sedução, maldade e perfídia, símbolo daquele que, escondido de Deus, provocou que a humanidade caísse para fora do paraíso dentro da miséria do mundo real. Só que a cobra como é bem mais velha que a crença cristã. E antes dessa religião não era vista somente como malvada, mas igualmente como animal sagrado de forças divinas.

No antigo Egito havia cobras para tudo, boas e más, grandes e pequenas. Havia centenas de cobras que eram veneradas por centenas de motivos e  qualidades.  Porém,  havia  duas
cobras-rei principais, Apófis e a Cobra-solar. A primeira era a grande cobra que cada noite atacava a barca de Ré atravessando o reino das trevas, a segunda era a cobra imperial que levantava o sol com sua cabeça. Parece então que a cobra é um símbolo duplo, do bem e do mal ao mesmo tempo, unindo em si o potencial dos dois.

Na antiga Índia, nas escritas védicas, fala-se da mesma maneira deste animal, e também não se distigue entre cobra e dragão, que são usados como se fossem a mesma coisa. Ora, isto nos leva para mais além, para a antiga China, de onde vieram os dragões. Lá eram e ainda são o símbolo divino e imperial do poder criador do universo. O dragão brinca com o sol, é maior e está para além do nosso sistema solar com as suas polaridades. Também astronomicamente o signo “Draco” é o único que abraça toda a terra, podendo ser visto das duas hemisferas; o que  lhe deu a imagem de unir o sol com a lua. Um outro aspecto interessante é que em todo este tempo, desde o mundo antigo chinês até os nossos tempos, o dragão foi também sempre um símbolo de importantes ordens ocultas, de sábios e magos.

 

Mas voltemos ao começo. Lúcifer foi expulso das legiões celestes não porque era um idiota de mau caráter, mas porque sabia que podia ter mais do que lhe era permitido. E foi o que Deus fez, dando-lhe o comando sobre o enorme reino infernal. Como Adão e Eva foram expulsos por saberem demais, também Lúcifer o foi. E de repente parece que Deus é o mau nessa história, não é? Será que tem um erro? Tem sim, se partirmos do princípio que o mundo é linear, se tudo foi criado uma vez, para viver e depois morrer. Aí sim, Deus seria aquele que pune os que não seguem seu caminho. E é isso que se diz nas igrejas e mesquitas. Porque Lúcifer tem de ser o mau para Deus poder ser o bom.

Mas vendo o mundo como uma evolução contínua como no taoismo chinês, no budismo, no hinduismo e no misticismo gnóstico, a força chamada Lúcifer ou Satanás é simplesmente “aquela que sempre nega” e que, “querendo o mal, sempre cria o bem”, como diz Goethe no “Faust”. A destruição somente é demoníaca quando se constrói um universo com o fim de ser estável; todo sistema vivo tem fases de composição e decadência, nascimento e morte.

Assim, passando por Satanás e Lúcifer, chegamos a Exú, que é, a um nível bem mais baixo, exatamente o descrito: o não-definido, destrutivo ou criador, dependendo do impulso iniciador e do ponto de vista, para além da moral e da ética. E é justamente aqui que de novo entramos por outra porta ao que como é visto o poder do Diabo: Sexual. A alma é celeste, a carne é terrestre. Prazer e sensualidade correspondem à terra e com isso ao Outro. Poucas figuras foram mostradas e pintadas com tanta atração erótica como o diabo.

O Bafomé do templários foi uma tentativa cristã de fazer da sabedoria gnóstica uma religião. Foi a tentativa de confrontar o dogma católico com os dois outros lados do mundo: a existência real da carne e o antigo simbolismo criador do bode, declarando-o demiurgo, criador do mundo, mas ele mesmo tendo sido criado por Deus.

Partindo deste ponto, tudo que existe de tangível é do diabo, porque tudo que não é alma é matéria, e com isso do diabo. Esta é a sedução: que tudo que vemos, sabemos, sentimos é vão, fútil e ilusório. E quando duvidamos da nossa
origem e alma divina, estamos em perigo de cair.

É a risada de Choronzon, que nada deixa de pé, derrubando qualquer conceito, qualquer opinião, qualquer certeza. É a cabeça da cobra que se ergue em Daath, deixando-nos cair no abismo das almas perdidas.

No sufismo se diz: “Toda certeza é do Diabo.”

E aqui estamos!

por Kimon

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