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Raio globular, Boitatá e outros bichos fogosos

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Shirlei Massapust

Desde que vi uma reportagem jornalística mostrando um astronauta gerando uma bolinha de fogo pelo simples ato de acender um isqueiro comum no espaço, e que ouvi um pessoal importante afirmando não fazer a mais remota idéia de qual lei da física permite que o fogo não bruxuleie dentro da atmosfera terrestre, tenho uma obsessão platônica por raios globulares, hi-no-tama (火球), jinn e qualquer outro primo do boitatá. Alguns resultados das numerosas pesquisas científicas sobre o comportamento do fogo em ambiente de baixa gravidade foram publicados no livro Micrograviry Combustion: Fire in Free Fall (2010), editado e organizado por Howard D. Ross.

Para acender bolas de fogo no espaço nós humanos precisamos de combustível e um oxidante. Para acender bolas de fogo na terra os trolls só precisam de zoeira. Algumas vezes o plasma parece ignorar completamente a influência do universo paralelo onde Lisa Randall supõe ser gerada, e vazada, a força gravitacional que chupa e fixa a nossa banda do hambúrguer.

Embora os especialistas não consigam conciliar o saber científico com a idéia de que algo como um raio possa existir em forma esférica, completa em si mesma, todos concordam que – se não for pura lenda urbana – o raio globular (ball lightning) é um fenômeno natural, como o trovão ou a chuva torrencial. Roy Jennings fotografou a trajetória e ponto de explosão duma serpente de fogo, pareidolia formada por um raio que bateu na chaminé de uma casa às 2 da madrugada, durante uma tempestade em Castleford, Yorkshire.[1]

Isto parece, mas não é um raio globular, pois se fosse sua vida útil seria mais longa que a de um raio comum. Alguns teorizam que os raios globulares “são formados por gazes eletrizados, muito semelhantes aos raios do sol”.[2] O raio globular é provavelmente plasma. O físico nuclear Dr Graham Hubler, do US Naval Research Lab, tem o hobby de colecionar milhares de relatos de testemunhas que afirmam ter visto um ou mais raios globulares. Um registro organizado de observações poderia ser útil para classificar as características do fenômeno, isolar fatores potencialmente importantes e elaborar premissas que nos conduzam a uma teoria científica. Porém há múltiplas esferas de luz. Algumas caem do céu, saltam, explodem, sibilam, flutuam perto do chão, etc. Foram até vistas atravessando objetos sólidos [3] sem causar danos.

Não existe uma boa teoria que explique as características da esfera de luz. Diferentes teorias podem explicar uma ou duas características relatadas, mas nenhuma delas consegue realmente dar uma boa explicação.

Em entrevista para um programa do National Geographic Channel, ele contou como ficou fascinado pelo ainda inexplicável, porém existente, raio globular. Disse: “Eu mesmo vi uma esfera de luz. Por isso sei que isso existe”. O caso fortuito aconteceu em sua mocidade. Quando Hubler levou a namorada para passear num parque no interior de NY uma tempestade obrigou o casal a esperar num coreto até a chuva passar.

Repentinamente, à nossa esquerda, quando estávamos sentados ali desprotegidos (…) vimos uma esfera de luz se aproximando. (…) Não sabíamos o que era aquilo. Ela estava a cerca de trinta metros de distância e se aproximava lentamente de nós como que vagando de um lado para outro tranquilamente. Ficamos olhando para essa coisa.

O casal de namorados estava paralisado de medo. Pelo cúmulo do azar a esfera entrou no coreto, rolou no solo e passou pelos pés do casal. “O barulho que fazia era como o de um fósforo que acabava de ser aceso”. Após chegar ao outro lado do coreto a esfera subiu e subiu pela parte aberta.

Ela pulou de volta cerca de quase dois metros do chão e partiu uns seis ou nove metros noite adentro. E aí muito rapidamente caiu no chão e desapareceu sem um barulho sequer.

Esse foi o melhor programa da vida dele e o pior da sua ex-namorada. Graças ao raio globular, Hubler descobriu que seu verdadeiro amor é a física e os mais recônditos segredos do assombroso mundo da natureza. Pena que não lhe restou nenhum souvenir parecido com o buraco redondo encontrado depois de uma tempestade no vidro duma janela quebrada do Departamento de Meteorologia da Universidade de Edimburgo. Como o vidro estava fundido pelo lado de dentro, o fato foi atribuído a um raio globular.[4]

Muita tinta foi gasta na vã tentativa de explicar o caso fortuito observado pelo catedrático R. C. Jennison, professor e pesquisador do Laboratório de Eletrônica da Universidade de Kent. Em 19/03/1963, à meia noite e cinco, ele estava sentado entre os demais passageiros da primeira classe do vôo EA 539 da Eastern Airlines, indo de New York para Washington, quando viu um raio globular com 22±2 cm de diâmetro penetrar a parede metálica do avião em vôo (como se pudesse estar em dois lugares ao mesmo tempo, passando assim de um ponto ao outro [5]). R. C. Jennison publicou sobre o assunto na revista Nature 224, 895 (1969), informando que ele estava sentado em uma das poltronas da frente quando a aeronave se viu colhida por uma violenta tempestade elétrica. O avião “foi envolvido por uma súbita, ofuscante e atroadora descarga elétrica e, alguns segundos depois, uma esfera incandescente, de uns vinte centímetros de diâmetro, emergiu da cabine do piloto e veio descendo pelo corredor, aproximadamente a meio metro de minha poltrona, mantendo a mesma altura e o mesmo curso dentro do campo de observação”. Na ocasião R.C. Jennison tomou nota de que a esfera foi vista por uma aeromoça que estava no lado oposto e mais para a parte traseira do avião. “Ela viu a esfera continuar pelo corredor, até desaparecer finalmente na direção do toalete”.[6]

Possíveis raios globulares produzidos em laboratório

Em 1754 o pesquisador russo G. W. Richman tentou medir a energia de um raio durante um temporal. Ele estava atrás do equipamento de medição quando uma pequena esfera azul do tamanho de um punho cerrado saiu dos elétrodos e flutuou em direção ao rosto de Richman. Depois o raio globular explodiu, causando a morte do cientista e o desmaio de seu assistente.[7]

Ao longo de uma brilhante carreira científica o professor James Tuck trabalhou como conselheiro-chefe para assuntos científicos de Lorde Cherwell, colega de Gabinete de Sir Winston Churchill, e mais tarde se incorporou ao Projeto Manhattan, em Los Álamos, que produziu a bomba atômica. Insatisfeito com sua pitoresca habilidade de explodir o ar, Tuck prosseguiu na tentativa de explodir a luz. Em Los Álamos ele ouviu dizer que o raio globular aparecia em submarinos como resultado de manipulação incorreta da aparelhagem de comutação que extrai energia da bateria. Quando alguém cometia um erro, as vezes “bolas de fogo saíam da parte posterior da aparelhagem e, às vezes, queimavam as pernas dos tripulantes inábeis”.[8]

Para testar a hipótese em laboratório foi necessário explodir uma bateria de submarino de dois milhões de dólares isolada numa caixa de celofane cheia de gás metano em baixa concentração. O comutador explodiu ao ser acionado. Subiu uma grande labareda e ouviu-se um formidável estrondo. Duas câmaras colocadas em ângulos diferentes capturaram perto de cem imagens onde apareceu uma esfera de luz de cerca 10 cm de diâmetro. O Professor Tuck tem certeza de que não se trata de defeito do filme ou de falha no processo de revelação, mas sim algum fenômeno relacionado com o raio globular.

Na natureza a esfera geralmente ocorre após um relâmpago comum, tem em média 15 cm de raio, apresenta coloração amarelo-avermelhada, não é excessivamente quente e costuma produzir um som sibilante.

Alguns talvez não entendam por que quem criou uma bomba muito mais eficiente para destruição em massas possa querer soltar inofensivos fogos esféricos. Em tese isso poderia ser útil para apagar dados armazenados em computadores, chips, etc., e destruir tecnologia sem matar civis ou causar danos em prédios que se queira aproveitar. Durante um violento temporal que caiu no começo da noite de 12/08/1970 uma “bola de fogo vermelha” apareceu acima de Sidmouth, Inglaterra, crepitou por alguns segundos e depois explodiu com um estrondo ensurdecedor, lançando raios ao chão. Naquele instante dois mil e quinhentos aparelhos de TV da área queimaram.

Múltiplas testemunhas do fenômeno natural

Arthur C. Clarke gravou entrevistas com várias pessoas que viram um mesmo raio globular na pequena estação balneária escocesa de Crail, em agosto de 1966. Na tarde em questão, a Sra. Elizabeth Radcliffe voltava para casa, andando por um caminho de concreto perto da praia.

Ergui os olhos e vi o que julguei ser uma espécie de luz e, quase no mesmo instante, ela se transformou numa bola, de tamanho mais ou menos entre uma bola de tênis e uma bola de futebol. Cruzou o caminho e mudou ligeiramente de cor, ficando como a do chão. Depois, passou sobre a grama e ficou esverdeada e, logo, com grande rapidez, desapareceu na direção de um café, onde explodiu.[9]

Dentro do café, encontrava-se a Sra. Evelyn Murdoch, que cozinhava na ocasião para os fregueses. Conta ela:

O café estava cheio e tudo estava normal. De súbito, houve um tumulto medonho: Sons horríveis de coisas estalando, aumentando o tempo todo. Olhei pela janela da cozinha e vi pessoas correndo da praia, gritando, berrando, e o barulho ficou mais forte. Repentinamente, um estalo violento. Pareceu que abalava a casa toda, e toda a cozinha se iluminou com uma luz ofuscante. Nunca vi uma coisa dessas em toda minha vida.

Os fregueses correram para a rua, e um homem com uma perna de pau, que ocupava geralmente uma mesa junto ao balcão, correu junto com o resto. Nunca vi gente fugindo com tanta rapidez em toda minha vida.[10]

Mais tarde, a Sra. Murdoch descobriu que a grossa coifa de ferro fundido que ficava em cima do fogão do café se partira de um lado a outro. A filha dela, Sra. Jean Meldrum, encontrava-se em visita ao café quando a bola de fogo caiu. Logo que o estranho barulho aumentou, correu para apanhar seu bebê no carrinho do lado de fora. Este é o momento em que viu a bola de fogo:

Era de um tom alaranjado luminoso no centro e branco puro em toda a volta, e rolou pela parede do café. Foi até a janela e, quando me levantei para ver o que era aquilo, a coisa saiu pela janela, bateu no meu peito e simplesmente desapareceu.[11]

Num estacionamento próximo de trailers, a Sra. Kitty Cox saíra para passear com seus dois cães. Diz ela:

De repente, houve aquele ensurdecedor estampido de trovão e, então, diretamente à nossa frente, ouvi gritos e vi crianças correndo e depois aquela bola sibilante apareceu diante de mim, arrastando o que parecia uma fita de cobre, de alguns centímetros. Meus cães entraram em pânico e eu fiquei olhando enquanto ela passava com grande rapidez, sibilando e zumbindo, e se encaminhou para o mar.[12]

Arthur C. Clarke e Jerome Clark compilaram mais outros casos famosos. O Google nos fornece um batalhão deles na busca mais simples. O Youtube está cheio de vídeos interessantes, alguns deles fraudulentos. Creio que na verdade o raio globular seja um fenômeno comum com o qual ninguém se importa e, por essa razão, todos esquecem após o haver visto do mesmo jeito que esquecem o que foi servido no almoço do dia anterior. Eu mesma já vi mais de uma vez. Qual a probabilidade dum raríssimo evento aleatório ocorrer justamente quando alguém está pensando nele? Num dia claro, em 1998, eu estava em minha casa sentada diante do computador escrevendo uma resenha sobre a reportagem de Arthur C. Clarke quando escutei um trovão tão alto e próximo que fez os vidros das janelas tremerem. Pensei que tinham jogado uma granada no quintal. Então meu pai entrou anunciando: “Vi uma bola de fogo cair bem ali!” Fui olhar. Não restou nada para ser visto. A coisa implodiu consumindo a si mesma sem deixar marcas de fuligem. Em dezembro de 1997 minha irmã também levou um susto porque “uma bola de luz” passou em cima do pé dela. Sheila me culpou por isso: “É você que chama essas coisas”… Será?

Raios globulares que se repartem

Há relatos de raios globulares quase parecem se reproduzir por cissiparidade. Segundo um correspondente da Monthly Weather Review (edição de outubro de 1919), em 08/10/1919, às 6h30 da noite, “uma bola de fogo do tamanho de uma banheira, flutuando no ar a baixa altura” atingiu o lado de um edifício num cruzamento movimentado do centro de Salina, Kansas, quebrou alguns tijolos e derrubou uma janela no segundo andar. A seguir explodiu com um “estrondo de um tiro de pistola grande, deixando no ar bolas de fogo do tamanho de bolas de beisebol, que foram embora flutuando em várias direções. Algumas bolas acompanharam os fios dos bondes e os fios elétricos, serpenteando, outras simplesmente foram embora pelo ar, independentemente dos objetos próximos. Uma caixa de distribuição abriu-se de outro lado da rua e um transformador foi destruído, deixando na escuridão a zona leste”.

O Fogo de São Elmo também se move, mas o faz somente ao longo de um condutor, e chega às vezes a pulsar durante o movimento, mas não se liberta do condutor. Assim não realiza movimentos comuns ao raio globular. De qualquer forma quando o raio globular eventualmente se comporta como o Fogo de São Elmo ele se parece com a mitológica Mãe do Ouro: Uma bola de fogo que gera ouro ou é atraída para lugares onde existem veios de ouro (um excelente metal condutor) onde pousa e é seguida por mineiros sortudos. Esta lenda do folclore brasileiro surgiu, provavelmente, no auge da época do Ciclo do Ouro (século XVIII), nas regiões auríferas (Minas Gerais, Goiás e Bahia).

Notas:

[1] WOLFERT, Ira. “O Raio. Terrível e Salvador”. Em: O ASSOMBROSO MUNDO DA NATUREZA: Suas maravilhas e mistérios. Lisboa, Seleções do Reader’s Digest, 1976, p 299; WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. O Mundo Misterioso de Arthur C. Clarke. Trd. Ruy Jungman. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982, p 207.

[2] WOLFERT, Ira. “O Raio. Terrível e Salvador”. Em: O ASSOMBROSO MUNDO DA NATUREZA: Suas maravilhas e mistérios. Lisboa, Seleções do Reader’s Digest, 1976, p 299.

[3] Arthur C. Clarke assegura que Clara Greenlee e seu marido viram uma bola de fogo vermelho-alaranjada atravessar a parede de concreto do quintal de sua casa em Crystal River, Flórida. Do tamanho de uma bola de basquetebol, ela rolou pelo chão; a Sra. Greenlee bateu nela com o mata-mosca, que por acaso tinha na mão. A bola explodiu com o som de tiro de espingarda. (WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. O Mundo Misterioso de Arthur C. Clarke. Trd. Ruy Jungman. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982, p 208).

[4] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 208.

[5] CLARK, Jerome. Enciclopédia do Inexplicável. Trd. José Eduardo Ribeiro Moretzsohn. São Paulo,  Makron, 1997, p 471-472.

[6] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 208.

[7] CLARK, Jerome. Obra citada, p 470.

[8] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 209.

[9] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 207.

[10] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 207.

[11] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 207.

[12] WELFARE, Simon & FAIRLEY, John. Obra citada, p 207-208.

 

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