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Yetzirah: A Árvore da Vida com um Floco de Neve Cósmico

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Por Steffi Grant

capítulo de A Tradição Oculta: As Monografias Carfax

É muito difícil materializar ideias sem distorcer a imagem original. Grande parte da doutrina cabalística está preocupada com a descida, passo a passo, da Unidade eterna subjacente no plano de Atziluth para a manifestação, primeiro no mundo das ideias ou plano de Briah, depois no plano formativo ou Yetzirático, para finalmente aparecer como o universo de forma e matéria, ou Assiah. São os elementos abaixo de Atziluth – que é o reino da consciência absoluta e indivisa, a morada dos místicos Advaitinos – e sua interação harmoniosa como ideia, projeto e objeto, que são de grande interesse para os ocultistas e artistas. De acordo com a disposição de uma pessoa, sua principal preocupação centrar-se-á em qualquer um dos estágios da transmutação alquímica; o filósofo não indo além da Ideia, e o artista assombrando o reino da semimaterialização. É raro encontrar alguém que siga uma doutrina mística em todas as suas etapas até a completa concretização. A maioria dos poetas, pintores, compositores e arquitetos visa fixar imagens visuais e audíveis em um estado intermediário Yetzirático de escrita, desenho ou notação, que permite ao observador reconstruir tanto a ideia original quanto a materialização final. Assim, a arte, a magia, a geometria, a alquimia, a arquitetura, a música são outros tantos métodos de efetuar essa solidificação de ideias em forma sem perda de significado essencial. Qualquer boa pintura, pantáculo, diagrama ou edifício deve revelar ao observador seu plano inerente, um ponto intermediário entre a imagem no plano das idéias e a formulação final no plano terrestre. Esse “conceito intermediário” renderá à meditação uma colheita muito mais rica, pois as assinaturas são sugestivas e provisórias, em vez de expressas rigidamente em sua forma final. Como diz Lao-Tzu: “O Tao é um grande quadrado sem ângulos, um grande vaso que leva muito tempo para ser concluído, um grande som que não pode ser ouvido, uma grande imagem sem forma”.

Como pode o espírito descer à matéria sem perda essencial? Os antigos, postulando que Deus geometrizava, usavam a arquitetura para fixar doutrinas eternas em edifícios terrestres. “The Canon (O Cânon)”, de William Stirling, contém uma coleção muito interessante de abstrações geométricas, planos e diagramas sagrados incorporando verdades eternas*, que também foram usados ao longo dos tempos para formar o esqueleto de edifícios reais, de modo que – como ele diz — o corpo visível do macrocosmo ou universo fizesse o observador voltar imediatamente ao Corpo da Verdade do qual formava a expressão externa. Este Corpo da Verdade pode ser considerado de duas maneiras. Em última análise, é o Ser, a essência do ser; mas aqui é Adam Kadmon, o homem perfeito, o microcosmo, cujas medidas são as das estrelas e planetas, cujos gestos e atitudes são retratados de acordo com o antigo ritmo canônico das coisas eternas. Assim, por um lado, o simbolismo é muito vivo e encorpado; por outro muito abstrato e geométrico; e o casamento dinâmico dessas duas facções cria o impacto mágico que todos esses edifícios exercem na mente.

* Veja também o notável Gothic Cathedrals and Sacred Geometry (2 volumes), de George Lesser, Tiranti, 1957.

Ao examinar a planta baixa e a elevação de antigos edifícios sagrados, descobriu-se que foram construídos com figuras geométricas básicas como núcleo. O círculo, símbolo da Eternidade, também de Nuit, o corpo celeste arqueado sobre a terra, com o ponto diminuto, ou Hadit, como centro; “Na esfera eu sou o centro em toda parte, como ela, a circunferência, não é encontrada em lugar algum. No entanto, ela será conhecida e eu nunca.” (Liber Al); a vesica, formada por dois círculos entrecruzados, portanto símbolo do casamento divino e da dupla essência da vida, e também de seu campo de atuação; o quadrado, símbolo da terra e dos quatro elementos em harmonia básica; o triângulo, símbolo do fogo, também de todos os tipos de trindade; o losango, outra forma de vesica, talvez mais materializada, e a cruz, o mais antigo ponto de encontro do divino e do humano, ou masculino e feminino, ou espírito e natureza, ou Shiva e Shakti, ou Hadit e Nuit, todos os que são “divididos por causa do amor, pela chance de união”. (Liber Al.) Os muitos tipos de cruz tipificam diferentes tipos de união: os rituais da Golden Dawn contêm muitas variantes, principalmente com atribuições elementais e zodiacais.

Algumas das construções discutidas por Stirling realmente existem, como as pirâmides, outras são estruturas estritamente mágicas, como o templo de Sol-Om-On, a Arca de Noé e a Nova Jerusalém; todas servem como veículos – em vários planos – da doutrina oculta; da numerologia do corpo e do Corpo Celestial das Estrelas. Existe, portanto, uma relação direta entre as harmonias dos templos antigos e a doutrina religiosa que informa a crença de seus devotos. Mais tarde, os construtores tomaram emprestado toda a simbologia pré-cristã, e a arquitetura da igreja até os tempos medievais ainda se baseava em algum tipo de cânon antigo; o plano cruciforme, expresso, a elevação romboide, implícita; a torre erguida no omphalos (ou ômfalo) ou cardo da travessia (ou da cruz). Frater Achad cita H. B. Alexender como segue: ‘Arquitetura é música congelada,’ é o ditado de Frederich Schlegel. E se esse ditado é significativo em algum lugar, certamente o é em relação à música polifônica e à arquitetura gótica. Em cada uma há o jogo progressivo de parte contra parte, a construção de membro contra membro, cada estrutura completada apenas para apontar para uma superestrutura ainda incompleta, juntando-se na aspiração ascendente do todo. Arco repousa sobre arco, contraforte flutuante sobre contraforte, pináculo se eleva sobre pináculo – em toda parte há equilíbrio não totalmente alcançado, uma simetria não totalmente aperfeiçoada – e aos poucos percebemos que nenhuma igreja gótica jamais pode ser concluída; sua beleza é sua promessa eterna, seu voo ascendente sem fim. Não é esta a própria imagem da música contrapontística e de sua expressão suprema na fuga?” Mas a principal fraqueza do belo estilo gótico é que três fiéis dentro da igreja estão vendo uma imagem falsa do poema em pedra ascendendo tão facilmente em direção ao céu cristão. As tensões arquitetônicas não estão auto-equilibradas como no estilo pagão: têm de ser compensadas pelo pesado contrapeso dos contrafortes exteriores, criando uma dicotomia não expressa nem admitida interiormente. A implicação psicológica disso era óbvia e, no final, eles tentaram descartar completamente a simbologia antiga que revelava muito prontamente a insegurança de suas glosas; seu ódio à magia antiga levando-os a destruir os objetos rituais de sua própria fé; e então, temendo o vazio de onde tais objetos haviam sido removidos como outro indicador do Vazio que eles tanto abominavam, preencheram seus locais de reunião com coisas sem sentido sob a bandeira da ‘reforma’.

Coube ao grande arquiteto espanhol Antoni Gaudí (1852-1926) reformular um cânone que lhe permitisse criar edifícios para adoração que fossem uma verdadeira tradução das ênfases Yetziráticas que os fazia coerentes. Ao invés de tentar coagir, disfarçar ou adulterar a natureza, ele recriava as tendências dos elementos primitivos, da fauna e da flora, em termos de arquitetura. Suas paredes e colunas curvam, inclinam, declivam e ventilam, moldadas pelas mesmas abstrações parabólicas e hiperbólicas que seus estudos recônditos mostraram ser o yantra essencial da materialização. Seus pilares se inclinam ansiosamente para o impulso da abóbada, como grandes árvores frondosas com nervuras, reminiscentes da arquitetura indiana. Suas paredes, fortemente adornadas com fragmentos de mosaico, ondulam ao longo do solo em total harmonia com a paisagem; cada forma como ossos esqueléticos canelados, criados de novo a cada vez, aparentemente fixados no espaço-tempo por pura prestidigitação sob o comando deste incrível feiticeiro em ferro, tijolo, cimento e pedra, que faz o mundo derreter de volta aos reinos astrais dos planos formativos diante de nossos muitos olhos.

Ele também foi o inventor desses interiores dóceis com móveis “suaves” que exerceram uma influência precoce em Salvador Dali, cujas pinturas muitas vezes implicam aquele estágio de fluxo astral, mais real do que presente, que é o projeto do mundo de Assiah. Dali emprega um símile adequado – criaturas crustáceas – sua substância formativa viva suavemente mutável, escondida dentro da rígida casca blindada da forma. Ao contrário de muitos pintores cujas excentricidades de estilo e técnica meramente escondem uma preocupação muito plebeia com fenômenos externos, Dali se esforça infinitamente para apreender o incomunicável; ele descreve esse processo como “fotografia colorida feita à mão da irracionalidade concreta” e exalta o mau gosto como uma das armas com as quais o artista pode chocar a mente para despojar a experiência vital da camada de sedimento enjoativo que a torna ineficaz. Todos os expoentes do surrealismo praticaram algum tipo de tratamento de choque desse tipo, na crença de que a criação mágica, como aquela englobada pelos deuses míticos, diferia fundamentalmente da cópia passiva dos bastiões externos do mundo das aparências; e que dependia de chegar o mais próximo possível dos diagramas primordiais existentes no que Austin Spare chamava de Nem-Nem: para então reproduzi-los claramente sem obscurecer o tremendo impulso que os levou à carne, de modo que a obra-prima final debandasse a mente em admitir a turbulência derretida do núcleo ígneo escondido no interior.

A qualidade da reflexão é outro atributo essencial de toda arte oracular; age como um cristal, lançando a mente de volta à sua fonte. Ela pode espelhar qualquer segmento de experiência, seu ângulo abrangendo o passado ou o futuro. Muitas das paisagens astrais de Max Ernst foram pintadas muito antes de ele encontrar sua contraparte física no novo mundo; e uma revisão cronológica de seu trabalho mostra que seu impulso vital para aterrar sua experiência visual precedia sua capacidade de expressão técnica. Foi só mais tarde que ele aprendeu a pintar bem no sentido aceito. Seu trabalho forma um levantamento maravilhoso da geografia dos planos siderais. Seus castelos lunares arredondados são semelhantes aos que nos foram descritos por um estudante de ocultismo há vários anos, que costumava viajar para lá a partir de um templo que havia construído mentalmente; e as entidades glaucas que assombram seus arredores são bem conhecidas dos frequentadores de tais atalhos, dos quais talvez Lovecraft seja o mais conhecido. Paul Delvaux também fixou o volátil no voo espectral: uma sala cercada por suas pinturas forma uma evocação mais eficaz dos espaços exteriores.

Todas essas imagens são o equivalente, em aparência moderna, daquelas simbologias medidas, parte humanas, parte geométricas, que ilustram as páginas de “The Canon”. Vemos o homem divino estendido dentro da quadratura do círculo, contido na cruz, no círculo das estrelas ou na arca. A Cabala o descreve como a estrutura esquelética da Árvore da Vida — a imagem do cosmos composta de dez esferas que fluem para baixo, ligadas por vinte e dois caminhos ascendentes — que também simboliza os vários estágios de sua peregrinação. Essas representações tradicionais formam mnemônicos ou notas, mais sugestivas do que explicativas, destinadas a impor uma harmonia básica à estrutura da mente, como um fundo musical, um tema sempre recorrente. Stirling menciona a esse respeito que “a teoria da música antiga parece ter sido construída a partir de um estudo das relações harmônicas existentes entre as partes do universo; e o cânone musical, como o da arquitetura, provavelmente se baseava em certas consonâncias simétricas, descobertas nas proporções dos planetas e nos intervalos entre suas órbitas.”

Hoje, na Índia, é a ciência do som rítmico — o mantra — e do glifo linear — o yantra — que dá continuidade ao mesmo método antigo, que floresceu tão estranhamente no Ocidente, em um estilo mais comedido. A dissertação de Stirling sobre as zonas místicas do corpo humano e da terra ecoa a tradição hindu dos marmas. Os mudras ou atitudes místicas nas quais muitas divindades orientais são retratadas são baseados na localização dos marmas, cada mudra representando um tipo particular e grau de poder espiritual. Se linhas são traçadas ligando as zonas entre si, surge um desenho geométrico específico; e afirma-se que aquele que é iniciado na ciência dos marmas pode visualizar a imagem de uma divindade particular por referência apenas a essas linhas. Tais formulações esquemáticas dos deuses são denominadas yantras. O “Saundarya Lahari”, que é um repositório de tais diagramas místicos, deixa a visualização da divindade para o conhecimento e sabedoria do devoto. Este trabalho contém o célebre Sri Yantra, que é um compêndio de doutrina esotérica da mesma forma que a Árvore da Vida do misticismo ocidental. O Sri Yantra consagra em suas partes triangulares e em forma de diamante as formas de uma multidão de poderes sutis ou shaktis. Quando Sri Yantra é usado como base para meditação intensa, essas formas aparecem no olho interior do devoto e o conduzem ao ponto central ou centro espiritual – o bindu – de onde este maior de todos os yantras, e todos os outros yantras também, originalmente evoluiu. O sábio Ramana Maharshi diz: “Tem um significado profundo. Há quarenta e três cantos com sílabas sagradas neles. Sua adoração é um método para concentração da mente. A mente costuma mover-se externamente. Deve ser verificada e virada para o interior. Seu hábito é insistir em nomes e formas, pois todos os objetos externos possuem nomes e formas. Tais nomes e formas são simbolizados por concepções mentais, a fim de desviar a mente dos objetos externos e fazê-la habitar em si mesma. Os ídolos, mantras, yantras, etc., são todos destinados a dar alimento à mente em seu estado introvertido, para que mais tarde ela possa se tornar capaz de se concentrar, após o que o estado esplêndido é alcançado automaticamente.” (Talks with Maharshi, Vol. II, Conversas com Maharshi, Vol. II).

O corpo humano não é, entretanto, o único a possuir marmas ou zonas místicas. O próprio corpo da terra é cravejado deles. Alguns deles são bem conhecidos e formam os centros daqueles lugares sagrados de peregrinação familiares aos viajantes do Oriente; alguns não são tão celebrados, como por exemplo aqueles mencionados por Dion Fortune em seu romance The Goat Foot God (O Deus com Pés de Bode): “Há um bem no topo de Glastonbury Tor, a Torre de Glastonbury, e outro no Monte St. Michael’s na Cornualha; e um terceiro no Monte St. Michel na Bretanha, e esses três formam um triângulo perfeito. E as linhas de conexão que formam este triângulo são consideradas correntes reais de força mágica que atravessam o país e se ligam a outros centros. Assim, uma rede geométrica precisa de tais canais pode ser mapeada nessas ilhas por qualquer pessoa que conheça a localização das várias zonas de energia. O yantra resultante seria tão repleto de ‘shaktis’ sutis quanto qualquer figura oriental ou clássica semelhante.

É trabalho de alguns imaginar e pintar runas e de outros decifrá-las. Frater Achad – George Stansfeld Jones – fez algumas descobertas muito frutíferas, embora não convencionais, no domínio do ocultismo moderno, com a ajuda da matemática esotérica da Cabala numérica. Ele era o ‘Um (ou o Escolhido)’, que, como previsto, havia encontrado a chave para o Liber Al, o livro de importância oracular que exerceu grande influência sobre Crowley. E embora não devamos segui-lo aqui nas convoluções labirínticas de seu rearranjo dos Caminhos – o diagrama que acompanha é colorido de acordo com o sistema de Aleister Crowley, conforme descrito no capítulo um – de sua “Anatomy of the Body of God (Anatomia do Corpo de Deus)” é um bom exemplo de investigação hermética subjetiva focada em um aspecto muito especial da Árvore da Vida. Em resumo, ele descobriu durante suas meditações que a Árvore começou a viver e crescer espontaneamente, e “provou ser, a meu ver, a verdadeira anatomia de Ra-Hoor-Khuit, o Sempre Vindouro, entre os dois Infinitos”. Tendo dado vida ao seu pantáculo, em verdadeira sessão mágica, ele passou a cristalizá-lo, fazendo-o habilmente desenhado por outro, e então ancorando sua nova concepção, ligando-a ao texto do Sepher Yetzirah – o Livro da Formação – uma obra hebraica muito antiga que trata em linguagem enigmática com o assunto deste ensaio.

Tendo assim estimulado sua visão, ela passava a crescer, não apenas em direção ao infinitamente pequeno e infinitamente grande; também florescia em seis direções, formando um floco de neve macrocósmico; tornava-se um prisma de cristal triangular, capaz de multiplicação e projeção quíntupla; e, no final, desenvolvia-se em uma figura geométrica complicada “preenchendo completamente todo o espaço conhecido”. Ele sentiu que tudo isso representava uma “revelação do Plano Formativo da Sagrada Cabala, que contém a Influência dos Mundos Arquetípico e Criativo, e através da qual o Universo Material veio à manifestação”. Convencido de que a Árvore da Vida era capaz de formar uma base simbólica para todas as ideias do cosmos, ele apelou aos arquitetos para que a usassem como plano básico para um templo perfeito e universal. Mas o dele deveria ser um templo não construído por mãos; ele não era como Gaudí, que viveu para realizar seus sonhos, mesmo que apenas de forma fragmentária. Mas isso pouco importa, pois Lao-Tzu diz: “Trinta raios se unem em uma nave; a utilidade do carrinho depende do centro oco em que o eixo gira. A argila é moldada em um recipiente; a utilidade do vaso depende de seu interior oco. Portas e janelas são cortadas para fazer uma casa; a utilidade da casa depende dos espaços vazios. Assim, embora a existência das coisas possa ser boa, é o inexistente nelas que as torna úteis”.

Fonte: Hidden Lore – The Carphax Monographs, por Kenneth e Steffi Grant.

Texto traduzido por Ícaro Aron Soares.

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