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Sitra Achra

Magia satânica e intervenção na realidade

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Escrevo este ensaio após alguns insights que tive hoje ao ler um belíssimo artigo sobre a importância do trabalho e da ação para o desenvolvimento humano, chamado “6 verdades chocantes que irão fazer de você uma pessoa melhor”, escrito por David Wong. Unido a isto, vem também a necessidade desenvolver tais ideias num texto após ver diariamente pessoas correndo desesperadas atrás de rituais, seja para aprender a faze-los ou para encontrar algum “mestre” que faça para elas. Infelizmente, esta ânsia toda em aprender rituais tem custado caro a muitas pessoas. Algumas, sem resultado, ainda possuem a “sorte” de se tornarem céticas e desligarem-se de qualquer concepção ocultista. Outras, sem o devido preparo, acabam afundando-se em obsessão e infernos astrais que comumente tem conduzido à depressão, loucura e morte. Ainda, existem as que procuram supostos “mestres da alta magia” para lhes prestar tais favores cobrados (nem sempre apenas com dinheiro), acabando por serem facilmente enganadas, algumas perdendo dinheiro, outras sendo vítimas de abusos sexuais, dentre outras coisas. Observando tudo isso, vem-me à cabeça algumas questões que necessitam ser problematizadas: o que é magia? Qual é a verdadeira importância da magia para o satanista? Há alguma outra prioridade no satanismo para além de rituais mágicos?

Vejamos, primeiramente, duas diferentes (ou complementares) concepções sobre magia desenvolvidas por Eliphas Levi e Aleister Crowley. Levi, através do arquétipo de Baphomet, transmite a chave da realização mágica a partir dos termos “Solve” e “Coagula”, que subentendem o termo “solver o agente mágico no plano astral e coagula-lo no plano físico”. Neste sentido ainda, Baphomet porta um importante fundamento, que é “o que está em cima é como o que está embaixo”. Ou seja, o que ocorre no microcosmos (interior do indivíduo) também é passível de ocorrer no macrocosmos (universo objetivo), levando em consideração que o indivíduo seria uma pequena partícula portadora do todo cósmico. Isso significa dizer que, dentro de tal linha de pensamento, tudo o que é idealizado na mente é possível que venha a acontecer no plano material, sendo os símbolos e práticas empregados nos rituais os mediadores entre a imaginação e a realidade.

Já Aleister Crowley, em seus Teoremas, afirma que todo ato intencional é um ato mágico, sendo assim a magia é a ciência ou arte (prefiro arte) de causar mudanças na realidade de acordo com a Vontade do mago. Neste caso, magia não seria algo apenas idealizado na mente e viabilizado a partir de rituais mediadores, mas sim qualquer atitude, qualquer feito que visasse intervenção na realidade. Neste sentido, magos são não só artistas, mas também ativistas, que manifestam suas Vontades não apenas aceitando a realidade como ela é exposta pelas ideologias massificadoras, mas sim lutando para transforma-la, sejam quais forem os meios utilizados.

Falando agora mais especificamente sobre satanismo, Rev. Óbito em sua “Epístola primeira aos satanistas” explora um pouco estes conceitos de magia, porém ligados diretamente à espiritualidade satanista. Suas noções de magia satânica, bem próximas das noções de Aleister Crowley, concebem a magia e os rituais satânicos como artifícios que o adepto utiliza para influenciar na realidade a partir de sua Vontade. Os rituais, tanto solitários quanto em grupo, teriam a importância de criar uma atmosfera necessária para que o objetivo estipulado fosse alcançado com sucesso. Esta concepção se deve ao fato do satanismo ser uma vertente que busca o reestabelecimento da unidade entre o indivíduo e o caos, compreendendo-se caos enquanto a natureza em sua totalidade construtiva e destrutiva, enquanto a “Realidade” pura por trás das limitações de nossa percepção imediata. Deste modo, a magia teria a importância de manifestar este potencial divino/transformador do adepto uma vez que o mesmo alcançou sua Vontade.

Agora que já foi exposto um pouco sobre a magia e sua importância ao satanista, cabe expor um pouco uma parte que, por diversas razões, não é tão exposta quanto os rituais mágicos: a importância da alquimia negra. No mesmo artigo, Óbito cita-a como um outro pilar da prática satanista, complementar à magia satânica. Sua importância, neste caso, é conduzir o adepto ao autoconhecimento através de várias práticas e exercícios contínuos que o levem à introspecção. Além de conhecer-se melhor, a partir deste processo o iniciado torna-se mais sábio e forte, podendo utilizar a magia com o devido critério e discernimento. Uma vez que a magia é a ferramenta que propicia a intervenção na realidade externa, a alquimia negra é o processo que acarreta mudanças internas que visam o reconhecimento e domínio da “Vontade” apregoada por Crowley.

Nota-se, nos Teoremas de Crowley, que “Vontade” aparece evidenciada com “V” para diferencia-la de “vontade” enquanto mero desejo imediatista. Vontade, neste caso, é um termo que designa a essência do indivíduo, tudo aquilo que o sujeito “quer” e “é” realmente, sem qualquer máscara. É a existência vital e real ocultada pela aparência das ideologias e dos moldes a que o sujeito necessita se enquadrar para “adequar-se” ao círculo social em que vive. Deste modo, não é difícil compreender que, nesta assertiva, a intervenção na realidade aparece subordinada a um processo de autoconhecimento e autoaceitação que não ocorre do dia para a noite.

É importante ressaltar que a magia nada mais é que uma ferramenta, e assim sendo nada garante que ela será bem utilizada se o adepto não possuir o discernimento proveniente da sabedoria. Magos que não conhecem suas Vontades tenderão quase sempre a utilizar-se da magia para satisfazer suas vontades (sim, com “v” minúsculo) superficiais e imediatistas, desperdiçando suas potências uma vez que não sabem quem realmente “são” nem o que realmente “querem”. Nisto, na maioria das vezes acabam por desencadear um processo de deterioração física e espiritual. Não que eu seja contra exatamente, mesmo porque o satanismo é, em tese, amoral. Contudo, qualquer um que aspire a trilhar o Caminho Sinistro deverá compreender que a prioridade está na autoevolução consciente, sendo o usufruto do prazer e a intervenção na realidade uma afirmação da vida e da potência, e não a satisfação de meras vaidades.

A partir dos pontos expostos, podemos tecer algumas considerações finais. Primeiramente, a magia, para o satanista, é uma forma do mesmo manifestar seu potencial divino transformador, tendo em vista que a meta principal do satanista é a autoevolução consciente. Deste modo, podemos considerar que a utilização da magia está subordinada à Vontade do magista e que esta não é constituída por meros desejos imediatistas, mas sim pelo reestabelecimento da unidade indivíduo/caos. Uma vez que o indivíduo passa por este processo de reunificação com a natureza, o mesmo potencializa também sua capacidade de intervenção na mesma, tendo em vista que, para transformar a realidade, é necessário conhece-la.

Além disto, também é bastante válida a concepção de Crowley que “todo ato intencional é um ato mágico”. Anton Long, um dos fundadores da famigerada Ordem dos Nove Ângulos (ONA) em seu clássico manuscrito “Inferno”, defende que um satanista nem sempre pratica rituais mágicos, tendo em vista que “ele próprio é a mágica pela natureza de sua dinâmica existencial”. Logo compreende-se que apesar de rituais mágicos serem artifícios, não são a única possibilidade, sendo a dada alteração na realidade um objetivo que pode ser atingido de diversas formas. Dizendo isto, não estou minimizando de forma alguma a importância de rituais mágicos, do “Solve et Coagula”. Apenas estou querendo mostrar que esta forma de magia, por si só, não tornará ninguém mais evoluído e nem tampouco é a prioridade última do satanista. Deve-se lembrar que, sendo a magia um artifício ou ferramenta, ela apenas será a projetação o “eu” de cada um, expondo a grandeza do sábio e a pequenez do tolo. O último, com isto, tenderá a acelerar mais rapidamente seu processo de autodestruição, assim como todas as demais atitudes medíocres que toma em seu cotidiano o prejudicam de igual modo.

Que possamos, assim, não manifestar a nossa “vontade” superficial e imediata, mas sim a pureza da nossa “Vontade” que é desvelada a partir de nosso desenvolvimento alquímico interior, nos possibilitando intervir num universo que é nosso e que dele fazemos parte.

“Nossa Vontade é a lei e nossa lei é o caos!”

Thanatos Daemo

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