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Sitra Achra

Egotopia

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Os sonhadores podem escolher entre muitas utopias. Algumas são igualitárias, outras libertárias outras ainda totalitárias, mas quase todas têm em comum a unanimidade. Em todas elas o mundo se torna perfeito a partir do momento em que toda oposição termina. Na utopia abraâmica todos se curvam perante Jeová. Cristão de todas as espécies esperam o milênio em que Cristo governará o mundo inteiro. Nazistas ainda aspiram um planeta regido pelo nacional-socialismo sob a batuta de um Führer vindouro. Mesmo os budistas, mas conhecidos por sua tolerância e guiados por seu niilismo, desejam secretamente que todos alcancem logo sua iluminação.

A mecânica por trás destas ideologias tem raízes profundas que nascem a partir do momento em que as pessoas constroem uma visão de vida na qual seus inimigos são sempre mais fortes do que elas. É por esta razão que toda religião tende para a teoria conspiratória.  Para cristãos este mundo terreno é regido pelo Diabo, o príncipe deste mundo. Para os comunistas o capital internacional molda todos os detalhes da vida ao mesmo tempo em que para o capitalismo a socialização do mundo é uma ameaça gigante e crescente. Para os muçulmanos o ocidente (O Grande Satã) domina o mundo enquanto que simultaneamente os lideres ocidentais assistem a islamização de suas nações. Mesmo em casos microcósmicos o Inimigo está sempre espreitando: um rival deseja o seu emprego, o mercado de trabalho está saturado, os homens trabalham menos e ganham mais. Os árabes tem mais petróleo, a China vai levar toda pequena e média indústria ocidental à falência. Em todos estes casos, não importa quão diferente sejam uns dos outros o padrão é sempre o mesmo, se a utopia é a vitória total e o fracasso é arte da vida isso só pode significar uma coisa: o Inimigo está no poder.

A verdade é que estas pessoas estão com medo. Medo de si mesmas e do mundo ao seu redor. Elas sabem que não tem o poder que gostariam de ter e então olham em volta e secretamente desejam que alguém saiba o que diabos está acontecendo. Ardentemente desejam que pelo menos alguém esteja no controle. O que enxergam com seus olhos não se harmoniza com seus altos ideais e assim suas mentes dão todo seu poder de bandeja para seus maiores inimigos. O bode expiatório está no trono do mundo e assim instantaneamente elas não se sentem mais responsáveis pelos seus próprios fracassos.

Efeitos psicológicos da utopia covarde

Viver em um mundo onde você é por definição um perdedor traz alguns desdobramentos perturbadores. Por mais que uma crença exalte a fraqueza ninguém gosta de ser derrotado. Este ressentimento faz com que eles projetem seus sonhos para o futuro longinquo ou para uma realidade depois da morte. Nascem então escatologias mirabolantes onde finalmente o inimigo será derrotado e todas as suas medíocres vidas são finalmente justificadas. Neste final feliz, imaginam que todos ao seu redor entrarão finalmente em acordo, as utopias religiosas por exemplo sugerem que haverá então apenas uma religião (a sua é claro) e tudo finalmente funcionará como eles sempre quiseram. Todos serão por fim felizes quando acabar a batalha com o grande inimigo.

Mas não há felicidade sem inimigos. Mesmo entre estes que não sabem aproveitar um bom adversário, este postulado é verdadeiro. A partir do momento em que este oponente fosse vencido suas vidas perderiam o significado. Não haveria ninguém em quem colocar a culpa. Ninguém em quem descontar suas frustrações. Nenhuma barreira entre eles e seus mundos ideais. Bastaria dar um passo para provarem que estão certos e este é um passo pesado demais para a maioria das pessoas. Todos estão sempre prontos a serem reis, exceto quando a coroa está ao alcance das mãos.

A própria ideia de utopia deixa isto claro, a palavra foi cunhada a partir dos radicais gregos οὐ, “não” e τόπος, “lugar”, portanto, o “não-lugar” ou “lugar que não existe”. Não importa o quanto você espere, se esforce, lute ou se sacrifique, se existe uma chance daquele seu ideal se materializar, ele deixa de ser utópico.

Outro efeito colateral no mínimo bizarro, que esta filosofia cria, é o conceito do “destino manifesto”. Independente do que a pessoa pense, sinta, fale ou faça, ela sempre estará coberta de razão e do lado dos mocinhos. A lógica é simples: meu inimigo está ai, e ele é real e claro como o sol e está agindo para me derrubar, por outro lado, por mais que eu faça o oposto do que prega a filosofia que digo que é minha, eu sou bom no fundo. Assim o fato de eu ser um perdedor simplesmente mostra que meu inimigo é mais poderoso do que eu agora. Assim, conclui, eu não só não tenho culpa de tudo o que acontece, como mereço receber justiça um dia.

Ou seja, se a pessoa é pobre, por mais que beba, que xingue, que bata nos filhos quando está cansada, que tenha casos fora do casamento, pode encontrar conforto e ser cristã, por exemplo, e saber que os pecados serão perdoados. Ela vai se sentir injustiçada cada vez que algo ruim acontecer, mesmo que nunca faça nada para melhorar sua situação. Já que há um inimigo no pé dela e por mais besteiras que ela faça, está sempre do lado de Cristo, Allah, da Empresa, do Capitalismo, da Democracia… então eventualmente quando a utopia dela se realizar, tudo o que ela passou será corrigido.

O tempo, o diabo, os chefes, os empregados, a genética, a idade, os políticos… É sempre culpa de alguém, mas nunca de si mesmo. Essa condição se reflete em todo aparato moral carregado por estas crenças. Seja qual for a metafisica defendida, quer acreditem em reencarnação ou em céu e inferno, o produto desta postura é sempre o mesmo:

  • compaixão não solicitada para quem não concorda com sua visão;
  • comodismo irresponsável;
  • humildade doentia para fazer suas derrotas parecerem nobres;
  • dependência de bodes expiatórios;
  • indivíduos sem ética, apenas com uma moral tendenciosa;
  • criação de um futuro catastrófico (que nunca chega) onde o inimigo é vencido
  • impulso de buscar apenas seus direitos, nunca seus deveres.
 

O “Foda-se” como solução.

Não é assim no Reino de Satã. É provável que o Satanismo seja a única religião não-catastrófica, o Satanismo não busca utopias e sim a excelência, a sociedade não é um objeto regulador, mas o reflexo da meritocracia e portanto a única utopia egoísta. O objetivo do Satanismo não é propor um não-lugar para todos, e sim um objetivo para o indivíduo. Nem no melhor dos mundos possíveis esperamos uma entrada das massas para nossa maneira de pensar. Somos a única religião que admite que tudo está onde deveria estar. Só não confunda isso com ingenuidade otimista. Dizer que o Satanismo não se preocupa em angariar novos membros para o seu clube social não quer dizer que o Satanista está satisfeito com o mundo da forma que ele está no momento. Os fracos servirão, os fortes prosperarão. Se a sua vida vai mal tente melhorá-la ao invés de procurar uma desculpa. Quando a moral vigente diz que é errado você tomar uma atitude que culmine no desenvolvimento do seu modo de vida ou você abaixa a cabeça e muda de atitude ou levanta a cabeça e muda de moral.

Existe uma diferença entre seguir a lei e se submeter a uma hierarquia estúpida. Ao invés de considerar a si mesmo um mártir da resistência o satanista carrega o peso da própria responsabilidade. Certamente não está tudo como gostaríamos que fosse, mas a responsabilidade é o preço a pagar pela liberdade. A única demanda que queremos em nosso mundo ideal é que possamos ser nós mesmos, que possamos ser satanistas. Se as demais pessoas preferem viver suas vidas de outro modo, isso pouco nos interessa.

Em verdade, se pararmos para pensar, é até desejoso para nós que as pessoas em geral nunca se tornem o que somos. Rodeados por pessoas que preferem ilusões e comodismo torna-se muito mais fácil atingir nossas metas pessoais, afinal no momento em que propomos uma resposta para todos, temos que nos responsabilizar por todos, e isso não é exagero. Uma das premissas do Satanismo é responsabilidade para o responsável, ou seja, de maneira prática não perca tempo planejando ou fazendo propaganda de coisas que você não pretende, nem tem força para realizar, para que planejar uma sociedade mais justa se você não vai assumir a justiça para todos? Falando francamente, há inúmeras vantagens para um lobo viver rodeados de cordeiros. Uma pessoa que insista em ser passiva e altruísta e obediente está fadada a ser explorada por aqueles que não o são. Quão bom é, portanto, não estarmos rodeados de satanistas?

Isso explica porque entrar em uma igreja é tão fácil e entrar em um templo satânico tão difícil. Um exemplo claro disso é o trabalho de “pregação” do ateísmo por Richard Dawkins. Ao pregar que a melhor filosofia é para todos ele a nivela por baixo. Um mundo sem Deus, que se guia pela lei do mais forte é bom? Claro! Muito melhor do que ideias cegas baseadas no folclore, mas sair pregando aos quatro ventos que todos deveriam pensar assim é perda de tempo. Existem ideias que só são percebidas por pessoas que já possuem um mente madura, não adianta querer empurrar goela a baixo de todos, o máximo que se consegue com isso é um bando de novos crentes; e os crentes farão de tudo para converte-lo e fazê-lo sentir-se aceito. De fato, se você tem dificuldades em fazer amigos o melhor lugar para ir é um templo das religiões da luz que cega. Mas eles não fazem isso por você, fazem por si mesmos, para confirmar para si próprios seus dogmas e abafarem qualquer chama de dúvida que pudesse existir.

Por outro lado qualquer pessoa que já tenha tentado entrar em um grupo de satanistas sabe que os adeptos da via sinistra farão de tudo para você desistir num primeiro momento. Não estamos desesperados em ganhar adeptos. Isso é esperado e faz parte da nossa seleção e garante que apenas os mais determinados e independentes adentrem nos círculos da sociedade satânica. Nós não te pegamos pela mão para te ajudar a chegar ao topo da montanha mais alta, nem perdemos tempo explicando o passo a passo do alpinismo satânico, mas pode ter certeza que se for capaz de chegar lá, poderá participar da celebração do grupo. Somente entra na Catedral Negra aqueles que provam que conseguem viver fora dela.

Morbitvs Vividvs

Morbitvs Vividvs é autor de Lex Satanicus: O Manual do Satanista e outros livros sobre satanismo.

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