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Sagrado Feminino

A Natureza Inconcebível de Lilith

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Por Leonard Dewar, Lilith: Dark Feminine Archetype (Lilith: O Arquétipo do Feminino Obscuro).

“Elixir do Útero,
Poço Negro dos Caídos,
Com essas águas
Eu preparo esta poção:
Fontes de ébano da veia de Elfame,
Sangue de Anjos recém-mortos,
E Néctares do escuro Morfeu feitos
Das flores amaldiçoadas da Sombra.”(1)

Muito já foi escrito sobre a Rainha de Sangue, especialmente sobre o sincretismo de Suas origens, bem como alertas para chamar Seu nome e esperar por algum tipo de “Deusa Mãe” para recebê-la sob Suas asas. A ideia deste ensaio é tentar esclarecer algumas percepções sobre a Senhora Obscura, muito importantes em certos aspectos tanto da Bruxaria quanto de inúmeras crenças e sistemas.

Longe de especular o que é absolutamente verdadeiro ou o que é certo ou errado, o objetivo deste ensaio é elaborar um pouco sobre certas visões e obras que envolvem Seu nome e Seus terríveis poderes. Sim, “terrível” é um termo que parece adequado quando falamos da “Mãe de Sangue”. Concebida e comparada com inúmeros aspectos e atributos de outras divindades, ao mesmo tempo em que nenhum deles é específico, Lilith detém uma gama de poderes incontroláveis, cruéis e implacáveis, que têm a ver com nossos piores medos e terrores, trazendo à tona traumas e seduções superficiais que fazem com que muitas se percam em meio ao pior sofrimento e ao prazer mais intenso sem sequer saber diferenciar quando um se torna o outro, pois para Ela a fronteira entre medo, prazer e sofrimento é tão tênue que em muitos momentos não sabemos reconhecer a diferença.

O fascinante é que, embora haja um vasto material sobre Lilith, o conhecimento sobre Ela permanece obscuro mesmo para aquelas que se reúnem à sombra de Suas asas, ou seja, para aquelas que não entendem o que Ela pode significar e a confundem como algum tipo de “Deusa amorosa” ou meramente um “símbolo da liberação feminina”. Sim, ela pode até ser um símbolo de liberação, de fato, mas nunca de forma educada ou meramente extravagante com a intenção de chocar os outros: essa liberação se dá pelo enfrentamento da pior dor, bem como por um alto preço a ser pago apenas para poder tocar Seus mistérios e tornar-se Sua filha.

Talvez em Sua origem como divindade, antes de ser sincretizada e associada a outras divindades, Lilith pode ter sido uma Deusa Mãe, mas com outro nome. Embora seja apenas uma suposição ampla (e vaga), conforme citado por Michael Howard:

“O mito de Lilith ou Lilitu remonta a pelo menos 3000 a.C. na Suméria e ela pode estar relacionada à deusa babilônica Belitili e à deusa cananeia Baalat, a ‘Senhora Divina’ que era a consorte do deus da tempestade Baal. Lilith pode ter sido originalmente um aspecto da Grande Deusa Mãe adorada pelos primeiros fazendeiros que são representados na Bíblia pelo Mestre Caim. Os hebreus não gostavam dessa Deusa porque ela havia bebido o sangue dos pastores Abel depois que ele foi morto pelo Deus Ancião da agricultura e da ferraria.” (2)

É claro que isso fica no campo das possibilidades e especulações históricas, pois a imagem de Lilith e seu papel ao longo dos milênios não só foram transformados, mas também ajudaram Ela a se manter presente em muitos lugares ao mesmo tempo até hoje. Afinal, seu nome é comumente conhecido, seja trazendo medo, fascínio, conhecimento, seja como símbolo de revolta e transgressão. Mas mesmo assim, é uma citação interessante, mostrando a ideia de Lilith como a Deusa que bebeu o sangue de Abel depois que o homem de barro foi assassinado pelo Filho do Fogo. (3)

Talvez a ideia de Sua transgressão seja análoga como símbolo de desobediência, caos e transformação à do Mestre Qayin. De fato, seus mitos evidentemente se cruzam, e até podem ser vistos como ligados por parentesco de sangue:

“Alguns cabalistas acreditavam que Caim era filho de Eva e do consorte de Lilith, Samael (Lumiel).” (4)

Ainda neste contexto, temos mais comparações:

“Na tradição judaica, Lilith era a ‘bruxa da noite’ ou ‘coruja’. Em Isaías 34:13-15 há referências ao reino de Israel tornando-se a ‘habitação de dragões e um pátio para corujas’ Ele continua dizendo: ‘…o sátiro [o seirim de Azazel] clamará ao seu companheiro; a coruja também descansará lá… Lá a grande coruja [Lilith] fará seu ninho e deitará e chocará [demônios] e se reunirá sob sua sombra.’” (5)

É sempre bom ter em mente que o autor veio com muitas ideias simbólicas pessoais (que estão contidas em seus próprios mistérios), que podem e fazem sentido para muitas de nós que trilhamos o Caminho, especialmente para aquelas que trilham o Caminho com Ela, reconhecendo-a como nossa Mãe, e, mais ainda, para aquelas que sabem que ela os reconheceria como suas filhas, mesmo que isso signifique provações, sofrimentos e perigos que superam as provas daquelas que estão longe de seus olhos.

Muitas devem se sentir gratas por nem serem notadas por Ela, e aquelas que são devem se sentir muito mais abençoadas e amaldiçoadas, entendendo a correlação do que isso pode significar.

Talvez tenha sido na Idade Média que Sua história obscura ganhou popularidade e se cristalizou de forma permanente, e depois de tantos milênios de sincretismo com Deuses e Demônios simultaneamente, Ela acabou recebendo poder através do medo crescente popularizado pelos cristãos sem sequer perceber que assim eles abriram o caminho para a força e influência de Nossa Senhora do Ossário, assim como o povo em geral:

“Na Idade Média, sua transformação de deusa em demônio estava completa. Ela era popularmente chamada de duende, uma ‘fantasma da noite’ (termo também usado para descrever corujas), uma vampira, a avó do Diabo e a mãe de todas as bruxas.” (6)

Embora eu pessoalmente não ache que Lilith fosse uma Deusa no contexto em que o autor tenta colocá-la, acho interessante pensar que seu sincretismo cresceu e se fundiu com as crenças judaicas e sumérias até chegar aos cristãos e entrar na crença popular de muitos. Vale ressaltar que uma figura divina e demoníaca sobreviveu mais do que qualquer Deus ou Diabo desde o início da história até os dias atuais, sem perder sua essência, embora tenha se transformado e ganhado diversos valores e formas. No entanto, as distorções de Sua história mostram flutuações entre os dois extremos: “Deusa Mãe” e “Demônia”, enquanto Ela sempre foi muito mais do que ambas as partes em toda a sua complexidade.

Há uma citação que achei muito interessante, embora questionável, que vou apresentar agora, onde encontramos mais ideias e especulações sobre a Senhora Obscura e Seu sincretismo ao longo dos tempos:

“Depois que Yahweh cedeu às exigências de Adão por uma parceira, e o casal foi banido do Éden, Lilith voltou do deserto. Embora Adão fosse celibatário nessa época, ela usou suas emissões noturnas para criar uma raça de demônios e gigantes. Na verdade, diz-se que Lilith gerou a raça das fadas ou élficas que eram consideradas pelas religiões patriarcais ortodoxas como demônios. Os antigos hebreus, como alguns cristãos puritanos posteriores, parecem ter um problema especial com a masturbação e outras formas de sexo não procriativo. Por exemplo, quando Yahweh viu homens que ‘derramaram suas sementes em árvores e pedras’, ele os puniu por sua maldade. Na verdade, isso soa como ritos de fertilidade onde a energia sexual estava sendo oferecida a objetos naturais que se pensava estarem imbuídos de forças divinas.” (7)

O que é interessante na citação é o sincretismo e a conexão que os autores traçam entre o mito hebraico de Lilith sobre os seres que Ela gerou do sêmen de Adão e a prática de masturbação e ritos de fertilidade. A ideia de que Lilith estava de alguma forma gerando outros raças ou demônios, ou entidades vistas como demônios por cristãos e judeus, é no mínimo curioso, principalmente quando vemos Lilith como geradora, como no mito que conta sobre Ela procriando cem Lilins (uma classe de demônios) por dia com o demônio /anjo Samael.

O que vale destacar é a prática de “derramar a semente” em árvores e rochas com as oferendas em ritos de fertilidade como forma de alimentar ou adubar a terra, ou como forma de oferenda em si.

Outra coisa interessante nessa observação é que a visão dos “demônios” parece estar baseada na histeria que acompanhou o desenvolvimento da mitologia cristã. No entanto, sabendo que todas as criaturas, exceto santos e anjos, eram consideradas demônios ou “filhos do diabo”, não é de surpreender que em algum momento Lilith tenha sido considerada a geradora de outros seres, especialmente por pessoas não cristãs, pois em Sua história mais recente, um de seus títulos é “Genetrix, a Geradora dos Deuses”. (8) Como parte de seus atributos podemos citar também as associações astrológicas de Lilith, ou seja, um asteroide descoberto em 1727 e batizado em homenagem a Ela, que tem um terço do tamanho da Lua e orbita três vezes mais longe da Terra, que só pode ser avistado a cada seis meses, nunca diretamente, sendo visto apenas quando sua sombra cruza o Sol.

“Este asteroide foi escrito pela primeira vez em termos astrológicos pelo grande Sepherial e em um mapa de nascimento ele representa vingança (ela supostamente começou a briga entre Caim e Abel), degradação (especialmente de natureza sexual), tentação (idem), sedução, traição e compulsões. Ela também governa natimortos, envenenamento, aborto, morte no parto e desenvolvimento físico e emocional anormal”. (9)

O autor também apresenta outros aspectos:

“O único lado positivo é que uma pessoa com a lua obscura em destaque em seu mapa astral será vista como misteriosa e fascinante para o sexo oposto. Se infligida, no entanto, a influência nefasta de Lilith provoca ciúmes nos relacionamentos e problemas conjugais. Ela também pode levar os homens a situações comprometedoras de natureza sexual, especialmente se ele for de caráter moralmente correto ou reprimido”. (10)

Quem entende a profundidade de Sua influência na libido, no prazer e na perversão sabe como é difícil trilhar este Caminho – e ainda mais sob Sua visão.

Quando falamos de libido e sexualidade, não estamos excluindo quaisquer práticas ou desejos, e isso inclui fetiches e tudo mais que possa trazer prazer e satisfação de acordo com as preferências de alguém, nem estou tratando a perversão como algo inaceitável para a moral dominante, seja um grupo, sociedade ou cultura. Estamos falando do que nos prejudica e nos leva por caminhos perigosos e dependentes, seja pelo prazer ou pelo sofrimento (ou geralmente ambos), em que o indivíduo se vê preso em impulsos “irresistíveis” ou “insaciáveis”, quando alguém cede constantemente a um desejo obscuro que nem eles mesmos aceitam. Há uma diferença entre quem sabe gozar a libido e quem é escravo de seus próprios desejos. Este último é sempre mais comum – principalmente quando tentam disfarçá-lo como “ liberdade” ou algo “sexualmente aceito”. Desta forma, eles ficam presos em uma ilusão contínua, como um fumante que diz que está no controle e pode acabar com o vício “quando quer”, porque “só fuma por prazer”.

Até aqui falamos da parte mais simples da Mãe de Sangue, onde o prazer, o fetiche e a perversão são vistos como vício.

No entanto, existem problemas maiores e mais doentios que podem levar uma vida inteira para serem resolvidos, e somente se você for bem-sucedida em lidar com esses problemas.

Também temos problemas relacionados ao sofrimento e ao prazer que parecem tão parecidos que confundimos um com o outro, resultando em questões emocionais e psicológicas que surgem de forma trágica e absurda, levando a situações que podem enfrentar o indivíduo com uma vida de sofrimento, terror, escravidão, loucura, assassinato ou suicídio de forma literal. A causa muitas vezes está em questões sentimentais que são facilmente desencadeadas por relacionamentos tóxicos e comportamentos doentios, seja por ciúmes exagerados, posse agressiva e direta do outro, satisfação em ver o outro sofrer ou predisposição para sofrer a si mesma. Há também casos em que o indivíduo se encontra vivendo um sofrimento ambíguo por causa de outra pessoa, com ou sem seu consentimento, criando delírios e se submetendo à paranoia. Isso é submissão completa, enquanto a atitude oposta envolve a apropriação da vida do outro e de tudo o que o cerca, inclusive seus pensamentos.

Relacionamentos doentios, alimentados por traumas emocionais, sofrimentos, brigas ou um sentimento ambíguo de amor e ódio, que acabam trazendo consequências dolorosas para os envolvidos, costumam ser um deleite atraente para Ela.

Aqui chegamos a inúmeros distúrbios que não são apenas psicológicos, mas também clínicos, a ponto de o indivíduo necessitar de medicação controlada e terapia extensiva para acompanhar o tratamento de doenças psíquicas. Sim, geralmente muitas dessas situações culminam em doenças mentais e, como resultado, também em doenças físicas.

Mas antes que isso aconteça, a Mãe Obscura se alimenta do indivíduo, devorando seus pensamentos, sua mente e seu espírito. Ela se alimenta impiedosamente, como um abutre devorando a carne e os olhos dos mortos.

Não há nada seguro em trilhar tal Caminho: Ela não é como nenhuma deusa ou entidade que conhecemos. Se Ela vê uma pessoa como alimento, mesmo que seja Sua filha, Ela se alimentará de sua vida sem distinção, com Seus olhos arregalados olhando para ela vorazmente.

Ainda há um aspecto que muitos desconhecem – um relacionado aos riscos da gravidez e à morte de bebês e crianças. Lilith sempre teve fama de ser infanticida, alimentando-se da vida dos bebês ainda no ventre da mãe, causando abortos e natimortos, sem contar a morte das mães no parto. Além disso, ela ainda representa uma ameaça para crianças e adolescentes na puberdade. Não importa se esses filhos têm ou não Seu sangue: na verdade, é sempre mais complicado quando percebemos que somos Seus filhos, porque Seus olhos terríveis também se voltam em nossa direção: ou perecemos diante de Seu olhar ou reafirmamos nós mesmos como Seus filhos e nos tornarmos mais fortes do que nunca.

Você pode se perguntar por que trabalhamos com uma divindade cujos principais atributos estão relacionados a devorar bebês e matar a criança e a mãe no parto, uma predadora sexual que drena a força vital dos homens enquanto os sufoca sentando em seus peitos e causando perversões, degradação e ciúme, uma entidade que desperta instintos e medos incontroláveis de muitas maneiras imprevisíveis. Tudo isso a faz parecer aos que não a conhecem como completamente ameaçadora e perigosa. Mas Ela não é só isso: Ela é muito mais!

Na bruxaria, Lilith é apresentada como a “Mãe do sangue bruxo”, ou a mãe daquelas pessoas que possuem a “Marca de Qayin”. Tal título pode parecer uma coisa boa, já que a palavra “mãe” carrega conotações que são familiares para a maioria das pessoas. Na Bruxaria Tradicional, tal “título”, no entanto, deve ser entendido de uma maneira completamente diferente, referindo-se apenas à “linhagem”, e não no sentido literal. Por outro lado, há também uma conexão com seu significado tradicional, pois é mais fácil para alguém “de sangue” receber Sua atenção ao chamar Seu nome do que para uma pessoa comum e ignorante – e é por isso que alguns de nós não falamos o Seu nome abertamente e fora do contexto ritualístico – Seu nome é então um tabu. (11)

A aparência de Lilith nunca é a mesma e suas máscaras são incontáveis. Elas podem variar de belas e sedutoras a horrendas e aterrorizantes, ou ambas ao mesmo tempo. Não existe uma “forma” definida, nem existe uma “personalidade”, como no caso de outras divindades. Lilith não “ouve” ou “entende” o que você pergunta. Ela não racionaliza nem possui tantas preferências ou caprichos mundanos. A magia envolvendo Lilith é descrita como horrível, e o aprendizado surge dos absurdos e da dor constante, como se a pessoa adepta fosse arrastada pelos cabelos por um caminho de espinhos afiados, dilacerando o corpo enquanto se grita de dor e desespero, sem que Ela parasse e sem que Ela ouvisse suas queixas. Ela o arrasta e afrouxa o aperto somente quando o Caminho termina, independentemente de haver ou não algum aprendizado nele e não importa se você é capaz de se levantar e continuar ou “caminhar” com Ela novamente. Ela não possui preferências ou sentimentos, pensamentos ou propósitos. Ela é uma força muito além de nossa compreensão, existindo fora de nossas racionalizações.

Lilith é como um dragão que vê as pessoas apenas de duas maneiras – como crianças ou como comida – e sendo alguém que pode mudar de um para o outro em um piscar de olhos. Ela não tem piedade, especialmente de seus descendentes (os de Seu sangue).

A magia realizada com a ajuda de Lilith usa seus poderes e influências para nossos próprios propósitos, sejam maldições ou métodos para chamar certas entidades conectadas a ela.

Lidar com tais energias pode trazer sabedoria e loucura para aquelas pessoas que trilham o Caminho com a Deusa Demônio. Ela mesma é incompreensível – um mistério macabro e sombrio, ao mesmo tempo sedutora e aterrorizante, trazendo-nos uma estranha sensação de identificação e perigo constante. Esses sentimentos se equilibram quando estamos cientes do poder dela, não de forma racional, mas com nossos sentidos alinhados com os dela e possuindo o conhecimento dela.

Lilith governa nossos desejos mais obscuros, nossas compulsões e perversões. Ela põe à prova os pensamentos e desejos reprimidos, e quando falamos de tentação ou prazer, não há como distinguir entre eles. Aceitamos e nos deliciamos com o que é considerado sujo e grotesco, como se fôssemos porcos chafurdando na lama e espalhando-a por todo o corpo, extraindo prazer do consumo desenfreado e da liberdade.

Lilith está associada a excessos, ausência de limites e leis autoritárias, liberalismo desenfreado e distúrbios psíquicos ligados ao sexo e às obsessões. Ela desenterra questões não resolvidas, traumas e arrependimentos. Ela enfia Suas garras em nossas feridas sem hesitação ou aviso, forçando-nos a lidar com o que foi escondido, suprimido ou evitado, nossos medos ou a incapacidade de lidar com eles.

Ao caminhar com Lilith você se submete a uma provação que testará seus medos e fraquezas, suas limitações e compulsões. No entanto, o descontrole e a agonia de ser devorada é algo que mesmo no início do Caminho nunca deve continuar por muito tempo, ou seu fim virá nas piores formas, lentamente, enquanto Ela se alimenta de sua carne, sua mente e seu espírito. A queda é inevitável então, e o sucesso ou fracasso determina sua sabedoria e conhecimento adquiridos através desta experiência: até que ponto você é capaz de se levantar, cada vez mais forte, ou o quanto você pode suportar antes de morrer nas garras dela. Crianças ou comida – não há outra alternativa. Não há misericórdia. Lembre-se que Ela devora crianças na barriga da mãe, causando abortos ou natimortos, podendo até matar a mãe da criança. Não espere que ela satisfaça suas necessidades, e se você fizer isso, é mais provável que ela acabe com seus sentimentos, aflições e fraquezas, por mais cruel que isso possa parecer, até que você alcance a ascensão, a loucura ou a morte.

Não há avisos. Não há preparação. Não há tolerância. Lilith faz o que deve fazer e seus caminhos são imprevisíveis.

Mesmo com todas as definições deste texto, ainda há o fato de que Lilith não pode ser definida, e que contém mais armadilhas. Quando você pensa que pode defini-la ou prever alguns de seus movimentos, tudo acontece de forma imprevisível e oposta, e não é possível defini-la por nenhum argumento racional, pois Lilith é tudo e nada ao mesmo tempo. Ela é a escuridão primordial da criação, o ventre da escuridão, e ao mesmo tempo Ela é a escuridão da destruição final e a escuridão de nossas almas. Ela pode ser tudo isso e mais, assim como nada disso – o vazio eterno.

Embora Sua mitologia inclua uma terrível reputação e duras provações, sempre honramos Lilith como nossa terrível mãe, a Rainha Demônio, Senhora das Fadas, a deusa e a demônia, Mãe criativa e esposa de Qayin, Senhora de Sangue, Dragão Primordial e em Suas inúmeras outras formas. Sempre damos honra a Ela em rituais e permanecemos próximos a Ela, sabendo que todo o terror que Ela controla ou mesmo usa contra Suas filhas já reside em nós mesmas. Compartilhamos as bênçãos e maldições de nossos ancestrais, tanto humanos quanto divinos, e Lilith não é uma exceção.

“Sou como uma coruja do deserto, como uma coruja entre as ruínas.” (12)

Notas:

(1) Daniel Schulke, Ars Philtron; Oração do Mercúrio de Lilith, página 105; Xoanon, 2001.
(2) Michael Howard, O Livro dos Anjos Caídos, página 107; Editora Capall Bann.
(3) Abel é chamado o Filho do barro, e Caim o Filho do Fogo.
(4) Ibid.
(5) Ibid.
(6) Ibid.
(7) Nigel Jackson e Michael Howard, Os Pilares de Tubal Cain; páginas 138-139 ; Editora Capall Bann.
(8) Pode haver associações com o fato de ela ser a Mãe da Linhagem de Qayin e ainda estar associada à escuridão e ao caos primitivo, como a terrível e poderosa Deusa Tiamat.
(9) Michael Howard, O Livro dos Anjos Caídos, páginas 108-109; Editora Capall Bann.
(10) Ibidem, página 109.
(11) É apenas um tabu para aqueles que realizaram certos rituais, práticas ou experiências específicas com a Senhora Obscura e a reconhecem como tal, e não há, de forma alguma, dogmas ou verdades que se apliquem à própria bruxaria.
(12) Salmo 102:6.
(13) Este ensaio foi revisado por Irinia S. Capelatto.

Oferenda à Mãe de Sangue:

Esta é uma prática simples, mas perigosa, destinada àqueles que conseguiram chamar a atenção da Senhora Obscura e atrair seu olhar.

Digo perigoso porque nem todas as pessoas envolvidas com a magia estão preparadas para lidar com tais poderes, inconcebíveis e ilusórios mesmo para aquelas que trilham este Caminho há muito tempo.

Existem alguns pré-requisitos para essa prática, mas na minha opinião há muitas pessoas que podem se beneficiar desse método simples – mesmo que esse “benefício” possa significar apenas conseguir chamar a atenção da Senhora do Ossário sem saber o que vai acontecer a seguir. Acredito que isso não seja um problema, porém, e tudo que você precisa é de responsabilidade se deseja trabalhar com este Caminho através desta prática ou simplesmente experimentar os poderes destrutivos, sutis, sedutores e imprevisíveis que podem ser acessados através deste ritual.

Claro que para quem tem “o Sangue”, como costumamos dizer, isso também pode ser uma prática pesada, revelando e trazendo coisas terríveis. Sangue atrai sangue. Nossa linhagem é marcada não só pela glória e rebelião de forma glamurosa, mas pela dor, revolta e transgressão a um preço muito alto, culminando em experiências extremas, o que se deve à herança de nosso povo, os da Linhagem do Fogo. Portanto, não espere revelações fáceis, racionais, previsíveis ou mesmo coisas das quais você possa se orgulhar, porque muita dor, decepção e humilhação também podem vir com essa prática, e Nossa Senhora nunca vem nos confortar ou enxugar nossas lágrimas. Ela vem queimar nosso rosto com sua língua de fogo, com sua verdade venenosa e com suas decepções cruéis e confusas – com dor que vai expor suas fraquezas mais profundas e partes de você que você reprimiu ou nunca conheceu, seja o medo, a vergonha ou a fragilidade – tudo virá à tona. Portanto, se você pertence ao nosso povo, os da casa de Azazel, descendentes do primeiro assassino, observe bem seus passos antes de embarcar em tal jornada, e saiba que mesmo uma simples prática como esta pode atrair o olhar de nossa Mãe Terrível.

Pois o rastejar de uma serpente é o som de seu sussurro.

A Prática:

Você vai precisar de um recipiente, de preferência feito de barro, para colocar suas oferendas. O recipiente pode ser feito de outro material, mas seja ele qual for, deve ser dedicado somente a Ela.

Você também pode preparar outros objetos, que quando usados, devem sempre acompanhar as oferendas. Pode ser qualquer coisa que o lembre ou o inspire a representar a nossa Mãe – uma carta ou imagem que represente a Senhora, ossos humanos ou de animais, como os de uma serpente ou de uma ave de rapina, esculturas e outras obras de arte, ou mesmo um rosário, se contém partes prateadas, pretas ou ósseas, como as vértebras de uma serpente. Um incenso, de preferência jasmim ou outra flor branca, como lírio ou sândalo, também é bem-vindo. Uma vela preta deve ser acesa e sempre deixada queimar até o fim, colocada junto com outros itens e oferendas. Você também pode perfumar o ambiente queimando óleos essenciais, ou pode ser incenso sozinho se você o queimar no carvão.

Tal oferenda deve sempre ser feita na lua nova à noite, de preferência antes de dormir.

Primeiro você deve se cortar para pingar um pouco de sangue no vaso de barro, chamando o nome dela, Lilith, e deixando claro que a sangria é para ela. As mulheres podem oferecer sangue menstrual em vez de se cortarem.

Então você deve adicionar uma oferenda de saliva e fundi-la com o sangue.

Depois de derramar o sangue, enquanto a vela e o incenso já estão queimando, você deve dar a Ela sua libido e seu desejo. Os homens devem oferecer sua semente além de seu sangue, culminando no orgasmo, e toda a energia deve ser descarregada para alimentá-la. As mulheres devem oferecer suas secreções junto com o orgasmo e o sangue.

Nesta prática, você deve chamar Ela pelo nome toda vez que fizer uma oferenda, declarando claramente que é para Ela.

Lembre-se de que você é Ela, e tudo o que é oferecido é para Ela e para você.

Após a oferenda, não pronuncie mais o nome dela. Ao longo do mês seguinte, nunca repita Seu nome – apenas com a próxima oferenda – para evitar o risco de Ela voltar os olhos para você para se alimentar de você.

O nome dela é proibido de falar, a menos que você esteja fazendo a oferenda, e você só pode fazê-lo em uma noite do mês. Nem sangue, saliva, orgasmo, bebida, sêmen, secreções, luz ou fumaça podem ser dados a Ela, a menos que seja o momento especial.

Advirto-vos desde já que todos devem ser responsáveis pelas suas próprias práticas, e a Mãe de Sangue não reconhece intenções ou devaneios pessoais: Ela é implacável e inflexível e Sua sabedoria é muitas vezes difícil de absorver devido à sua complexidade e confusão, também como Seu desejo ou sofrimento desenfreado.

Se você tiver necessidades incomuns, se sua libido ficar descontrolada, ou se você tiver pensamentos ainda mais obscuros ou pervertidos, não se entregue a eles, porque muitas vezes os desejos dela podem dominar os seus. Aquelas pessoas que se entregam ao Seu prazer e sofrimento, agindo por arrogância ou autopiedade, não são mais do que escravas dela. Poucas pessoas são suas filhas e muitas são suas escravas.

Não se engane: ninguém domina ou controla a Senhora Obscura ou Seus poderes e domínios. Você pode aprender a fazer uso do poder dela, mas tenha em mente que ele pertence a Ela tanto quanto a você. Você é Ela e você é você mesma. Portanto, não se renda aos desejos dela, caso contrário você não será nada mais do que uma escrava e alimento para ela.

Que você possa morar no Ninho do Dragão sem se tornar sua presa.

Bênçãos e Maldições.

FFF.

Texto enviado por Ícaro Aron Soares.

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