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Queer Magic

Sodomia como realização espiritual

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Phil Hine

Lembro muito bem a primeira vez que fui fodido. Exausto e relaxado após uma tarde inteira de sexo, eu deitei na cama do meu namorado e pronunciei aquelas fatídicas palavras “faça o que quiser comigo”. Com o canto do meu olho, eu o vi pegar uma garrafa de vidro na forma de um unicórnio, preenchida com um líquido amarelado (óleo de amêndoa doce), e eu sabia o que estava prestes a acontecer. Eu não tinha medo, somente uma profunda sensação de relaxamento. Não doeu, mas no momento da penetração, um eu morria e outro renascia. Uma ‘iniciação’, certamente, e que me deu insights que agora tentarei reunir em um artigo coerente.

Quais sentimentos se agitam dentro de mim enquanto estou sendo fodido? Duas palavras, talvez, descrevam-os melhor — abandon e possessão. Ao ser fodido, eu estava abandonando minhas defesas do ego, abrindo-me para um nível mais profundo para outra pessoa, e sendo capaz de deixar lado as ‘máscaras’ socialmente moldadas que eu coloco para lidar com o mundo. Eu me abandono ao prazer total, e ao prazer do meu amante. Eu sou colocado de um lado pra outro, pra frente e pra trás, entre os limites do êxtase e da agonia, até que eu esteja gemendo e chorando incontrolavelmente; suave fogo líquido em minha barriga e uma feroz sensação de formigamento que parece mais perceptível nas pontas dos meus dedos. Até o momento, eu não tinha tido um orgasmo apenas por ser fodido, entretanto, ejaculação e orgasmp são duas experiências diferentes para em grande parte do tempo, e ejaculação peniana parece insignificante, em comparação com as sensações que ameaçam, ao que parece, dilacerar meu corpo em pedaços quando um amante está dentro de mim. Um orgasmo de um amante dentro de   mim traz uma sensação de paz profunda e satisfação. Eu sinto como se eu tivesse sido revitalizado, e posso ir ao mundo com um brilho interno. Lamento profundamente, nestes tempos de conscientes-da-AIDS, que eu não possa receber dentro de mim o sêmen de um amante. No entanto, é como se ao me abandonar a outro alguém, reafirmo o meu senso de indivíduo.

23 mim traz uma sensação de paz profunda e satisfação. Eu sinto como se eu tivesse sido revitalizado, e posso ir ao mundo com um brilho interno. Lamento profundamente, nestes tempos de conscientes-da-AIDS, que eu não possa receber dentro de mim o sêmen de um amante. No entanto, é como se ao me abandonar a outro alguém, reafirmo o meu senso de indivíduo. No mesmo momento em que eu me abandono, eu também estou em um estado de possessão. É mais difícil escrever sobre isso, mas isso é algo que está ligado, sinto, com um equívoco comum sobre a relação — o conceito de ‘ativo’ e ‘passivo’. Pessoalmente, eu prefiro as palavras ‘doador’ e ‘recebedor’. Nossa condição patriarchal, miserável, deu origem à concepção de que ‘ativo’ = masculino e ‘passivo’ = feminino. Eu tenho cada vez mais rejeitado este tipo de pensamento. Apenas porque uma pessoa (masculina ou feminina) tem o pênis de um amante em seu corpo, não significa necessariamente que ela seja automaticamente ‘passiva’. Isto é claramente ilustrado nos ícones tântricos de Shiva montado por Kali. O condicionamento social é forte o suficiente para fazer com que alguns homens gay achem que tomar no cu é de alguma forma menos ‘masculino’ por que se entregar ao prazer não é algo apropriado para o comportamento ‘masculino’. Por que não? Pessoalmente, sinto que ser fodido é uma celebração da minha masculinidade. Quase nunca sinto que eu cedi o meu poder pessoal ao outro (a menos, claro, se há um encenação de ‘entrega’, como um jogo sexual).

Muitas vezes eu sinto uma sensação de poder ‘sobre’ o amante que me fode. O prazer e ejaculação dele reafirmam meu próprio poder interno. Em algum lugar em seus diários mágicos, Aleister Crowley disse algo no sentido de que ele gostava de pensar que “quando o homem me fode, é porque eu sou belo”. Os registros exaustivos da opera sexual de Crowley (como Os trabalhos de Paris ou The Paris Working) mostram que ele preferia mais ser o parceiro recebedor (com o perdão do trocadilho) quando se tratava de magia sexual homossexual. No entanto, a importância de seus parceiros mágicko-sexuais como Victor Neuburg tende a ser ignorada por aqueles que herdaram a filosofia mágica dele. Alguma idéia do motivo?

A intensidade desses sentimentos — de abandono ao prazer e possessão pelo outro, e na mesma instância, de ser possuído, eu encontrei em outro context; de que as tonalidades do transe que variam desde a ofuscação de um espíritop sobre minha consciência, até a possessão plena por um espírito durante um ritual e dança. A possessão-transe é considerada duvidosa em relação à ocultura ocidental, assim como permitir que o pau de outro homem esteja dentro de si é um anátema para muitos homens. De muitas maneiras, permitir que minha psique seja penetrada por um espírito (Deusa, Deus, ou qualquer outra coisa) desperta as mesmas sensações, como se fosse fisicamente fodido. Parece que a chave é estar consciente ou decidido pela deslocação do ego ao outro — de oferecer meu corpo como veículo para a transmissão de energia. Crowley deu a entender isso em seu ensaio sobre mágicka devocional (Bhakti Yoga), Liber Astarte(Magick, pág. 460-471). O objetivo final em Bhakti é ser associado, ingressado pelo o espírito com que se trabalha. Durante um Beltain, eu desenhei a Deusa Eris na minha parte superior e Pã na parte inferior — eles se encontraram em algum lugar próximo do meio e eu perdi a consciência no clímax deles.

Jean Genet sugere que a relação homosexual ‘obriga’ os homens a descobrir elementos ‘femininos’ dentro da psique, mas que não é necessariamente “o mais fraco ou mais jovem, ou o mais dos dois, que sucede melhor; mas o mais experiente, que pode ser o homem mais forte ou mais velho” (Querelle of Brest). Há um elemento de verdade nisto, mas é igualmente verdadeiro que ambos os parceiros podem desfrutar de algo dos aspectos femininos da psique ao mesmo tempo ou em momentos diferentes, ao permitir o afrouxar dos freios. Aqui eu poderia muito bem discutir o conceito mágico de ‘polaridade’, que em sua forma mais simplista é a tão citada idéia do Deus e da Deusa dentro do self. O problema da ‘polaridade’ é quando a divindade está com o condicionamento e o que concebido como sendo qualidades ‘masculinas’ e ‘femininas’. E então nos é dito repetidamente que o fogo é masculino e a água é feminina; que a capacidade de demonstrar emoções e ser intuitivo é feminino e que a análise intelectual é masculino. Quem disse? As críticas feministas do condicionamento deixam claro que somente conhecemos o que é masculinidade e feminilidade, porque estes foram definidos de maneiras específicas. Trabalhar além destas limitações é certamente uma tarefa primária no processo de desenvolvimento. Portanto, muito do que se passa pelas ‘leis ocultas’ é apenas uma justificativa ‘espiritualizada’ do condionamento social e preconceito. Para homens gay, a polaridade não precisa ser tão simplista quanto um dos parceiros assumir um papel feminino — você pode reconhecer o feminino e ainda dar o seu pênis para outro homem. Você pode celebrar os elementos masculinos da psique e ainda ter o pau de outro homem dnetro de si. Deusas e Deuses não estão sujeitos às mesmas restrições que os seres humanos — afinal, qual seria a questão se eles fossem? A imposição de nossos próprios estreitos limites sobre eles é falhar no exercício total de invocá-los. Eu invoco sobre mim para ir além de minhas limitações atuais — para me unir momentaneamente com algo maior, ou fora do meu ego. Às vezes, meu amante se torna um Deus, ou uma Deusa para mim — ou isso é muito estranho para você?

Um dos primeiros bloqueio-condicionamentos com o qual tive que lidar era uma afirmação errônea de um ponto de vista tântrico, de que o sexo entre homens não possui valor. No entanto, na medida em que me tornava mais confortável com meus sentimentos e desejos sexuais com homens, eu logo abandonei esta noção. Por experiência, posso dizer que eu tive experiências tântricas igualmente fortes com homens, assim como tive anteriormente com mulheres. Sensações como ‘Onda-de-êxtase’; vendo meu amante banhjado em luz dourado; o orgasmo do corpototal e o aumento da sensibilidade à atividade kundalini podem ser tão possíveis em uma parceria homossexual como é em uma heteressexual. Sexo anal é uma forma muito efetiva de estimulação do muladhara chakra, apesar do que é dito em alguns manuais de magia sexual. Pessoalmente, eu diria que minhas experiências sexuais com outros homens que deram origem às experiências descritas em Tantric Magick foram ainda mais ponderosas devido ao elemento de cartase — ser capaz de realizar desejos que têm sido reprimidos é, em geral, uma poderosa fonte de energia, que pode ser magicamente direcionada, obviamente.

Trabalhos modernos sobre magia sexual (pós-Crowley) parecem tratar a homossexualidade de duas formas. Há tanto uma advertência de que seja algo — ela bloqueia seus chakras, ‘reverte’ a kundalini ou ‘cria um vórtice astral negro’, ou a visão mais positiva de que o gênero dos parceiros não importa, e que a ‘energia’ é a mesma. Obviamente eu prefiro a última posição, embora sinta que as coisas não sejam assim tão simples. Os escritores que aderem a esta última visão tendem a salientar que a magia sexual somente funciona corretamente dentro de uma relação estável, o que é verdade até certo ponto, mas nitidamente exclui todas as facetas da cultura sexual gay, que a correta sociedade acha tão — sexo anônimo; Sadomasoquismo, e particularmente sexo grupal. Pelo o menos no Reino Unido, parece haver alguns indivíduos ou grupos que estão tentanto escrever de forma inteligente (ou mais importante, sensivelmente) sobre as possibilidades do Tantra relacionado ao Gay, e o único grupo que fornce suportee abordagens mágicas específicas voltadas especialmente para os homens gay é a rede internacional Voudou. Esperamos que, conforme a questão da espiritualidade se eleva em seu perfil dentro da comunidade gay em geral, e mais ocultistas gay se declarando, esta situação mudará.

Então, para concluir, atrevo-me a dizer que ser fodido é, para mim, uma experiência intensivamente sagrada; que a espiritualidade se coloca em celebração do prazer ao invés da negação do corpo. Dar minha pica a outro homem obviamente também é prazeroso, mas de uma condição diferente, e as minhas reflexões sobre isto terão que esperar por outro momento.

* Originalmente publicado na Chaos International #11.

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