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Diálogo entre Junius, um estudante, e Theophorus, seu mestre a respeito do Céu e o Inferno

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JACOB BOEHME

Traduzido e editado por Anônimo

O estudante perguntou ao seu Mestre: Para onde vai a alma quando o corpo morre?

Seu Mestre respondeu: Não há necessidade de ela ir a lugar algum.

Como assim? – disse o curioso Junius – a alma não deve deixar o corpo na morte e ir para o Céu ou para o Inferno? Ela não precisa sair – respondeu o venerável Theophorus – Apenas a vida mortal exterior, junto com o corpo, se separará da alma. A alma tem o céu e o inferno dentro de si, antes mesmo disso, conforme está escrito: O Reino de Deus não vem com observação, nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Pois o Reino de Deus está dentro de vós. E seja qual for dos dois, isto é, o Céu ou o Inferno, que se manifeste nela, é onde a alma permanece.

Aqui, Junius disse ao seu Mestre: Isso é difícil de entender. Ela não entra no Céu ou no Inferno, como um homem entra em uma casa; ou como alguém passa por um buraco ou janela para um lugar desconhecido; ela não vai para outro mundo dessa forma?

O Mestre disse: Não, não há realmente esse tipo de entrada, visto que o Céu e o Inferno estão em toda parte, sendo universalmente coextensos. Como isso é possível? – disse o estudante.

O quê, o Céu e o Inferno podem estar presentes aqui, onde estamos sentados agora? E se um deles pudesse, você pode me convencer de que ambos estejam aqui juntos?

Então, o Mestre falou da seguinte maneira: Eu disse que o Céu está presente em todos os lugares e isto é verdade. Pois Deus está no Céu e Deus está em todos os lugares. Eu também disse que o Inferno deve estar de maneira semelhante em todos os lugares. Pois o Maligno, que é o Diabo, está no Inferno, e o mundo inteiro, como o Apóstolo nos ensinou, está sob o poder do Maligno, ou do Maligno, o que quer dizer, não apenas que o Diabo está no Mundo, mas que o mundo está no Diabo. E se está no Diabo, então também está no Inferno, porque ele está lá. Assim, o Inferno está presente em todos os lugares, assim como o Céu, que era aquilo o que precisava ser provado.

O estudante, surpreso com isso, disse-lhe: Por favor, faça-me entender isso.

Ao que o Mestre o respondeu: Entenda então o que é o Céu. É simplesmente voltar a Vontade para o Amor de Deus. Onde quer que encontres Deus manifestando-se no Amor, aí encontras o Céu, sem precisar viajar nem um passo para encontrá-lo. E por meio disso, entendas também o que é o Inferno e onde ele está. Eu te digo que é simplesmente voltar a Vontade para a Ira de Deus. Onde quer que a ira de Deus se manifeste em certa medida, certamente haverá o Inferno em tal medida, em qualquer lugar que seja. Assim, é apenas uma questão de voltar a tua Vontade seja para o amor dele, seja para a sua ira; e estarás, de acordo com isso, no Céu ou no Inferno. Presta atenção. Isso acontece agora nesta vida presente, da qual São Paulo diz: ‘Nossa conversação está no céu.’ E o Senhor Cristo também diz: ‘Minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem, e eu lhes dou a Vida Eterna, e ninguém as arrancará da minha mão.’ Observa, ele não diz, Eu lhes darei, após o término desta vida, mas Eu lhes dou, isto é, agora no tempo desta vida. E o que mais é esse dom de Cristo para seus seguidores, senão uma Eternidade de Vida, que certamente só pode estar no Céu? Além disso, ninguém será capaz de arrancá-los do Céu, porque é ele quem os mantém lá, e eles estão em sua mão, que nada pode resistir. Portanto, tudo se resume em voltar a Vontade, ou adentrar a Vontade no Céu, ao ouvir a voz de Cristo, conhecê-lo e segui-lo. E o oposto também é verdade. Entendeste isso?

Seu estudante disse: Acredito que, em parte, sim. Mas como ocorre essa entrada da vontade no Céu?

O Mestre respondeu: Tentarei satisfazer-te, contudo deves prestar muita atenção ao que vou te dizer. Sabe, meu filho, que quando o Fundamento da Vontade se entrega a Deus, ele se desvincula de si mesmo e de todo fundamento e lugar, que é ou pode ser imaginado, e mergulha em um Profundo Desconhecido, onde somente Deus é manifesto e onde somente Ele age e quer. E então, ela se torna nada para Si Mesmo, em relação ao seu próprio agir e querer, e assim Deus age e quer nela. E Deus habita nessa Vontade rendida, pela qual a Alma é santificada e preparada para entrar no Repouso Divino. Agora, nesse caso, quando o corpo se desfaz, a Alma é tão profundamente penetrada por toda parte pela Luz Divina, assim como um ferro incandescente é pelo fogo, que, ao ser penetrada por completo, perde sua escuridão e se torna brilhante e resplandecente. Agora, essa é a Mão de Cristo, onde o Amor de Deus habita completamente na Alma e é um Brilhante Luminoso, e uma nova Vida gloriosa. E então a Alma está no Céu e é um Templo do Espírito Santo, sendo ela mesma o próprio Céu de Deus, onde Ele habita. Eis que esta é a entrada da Vontade no Céu, e assim acontece.

Por favor, senhor, prossiga – disse o estudioso – e deixe-me saber como é do outro lado.

O Mestre disse: A Alma piedosa, como vês, está na mão de Cristo, ou seja, no Céu, como ele mesmo nos disse, e de que maneira isso acontece, também ouviste. Não obstante a alma ímpia não está disposta, nesta vida, a entrar na Rendição Divina de sua Vontade, nem a entrar na Vontade de Deus. Ao contrário, continua em suas próprias luxúria e desejo, em vaidade e falsidade, e assim entra na Vontade do Diabo. Ela acolhe em si mesma apenas maldade. Nada além de mentiras, orgulho, avareza, inveja e ira. Entrega sua Vontade e todo o seu Desejo à isso. Esta é a Vaidade da Vontade e essa mesma Vaidade ou sombra vã também deve ser manifestada da mesma forma na Alma, que se rendeu para ser sua serva. Deve operar nela assim como o Amor de Deus opera na Vontade regenerada e penetrá-la por completo, assim como o fogo penetra o ferro.

Não é possível para essa Alma entrar no Repouso de Deus, porque a Ira de Deus se manifesta nela e age nela. Agora, quando o corpo se separa da Alma, então começa a Melancolia Eterna e o Desespero, porque ela agora percebe que se tornou completamente Vaidade, uma Vaidade demasiado angustiante para si mesma, uma Fúria perturbadora e uma Abominação auto tormentosa. Neste momento ela percebe que foi desapontada por todas as coisas que antes havia fantasiado, e se sente cega, nua, ferida, faminta e sedenta, sem a menor perspectiva de ser aliviada ou obter sequer uma gota da água da Vida Eterna. Sente-se como sua própria executora vil e algoz, assusta-se com sua própria forma feia e escura, desejaria fugir de si mesma, se pudesse, porém não pode, pois está presa pelos grilhões da Natureza Obscura, na qual se afundou quando estava na carne. E assim, não tendo aprendido ou se acostumado a afundar-se na Graça Divina e estando também fortemente possuída pela ideia de Deus como um Deus irado e ciumento, a pobre Alma tem tanto medo quanto vergonha de trazer sua Vontade à Deus, através da qual a libertação poderia possivelmente vir a ela. A Alma tem medo de fazê-lo, temendo ser consumida ao fazê-lo, sob a apreensão da Divindade como um mero Fogo devorador. A Alma também se envergonha de fazê-lo, confundida com sua própria nudez e monstruosidade e, por isso, se possível, gostaria de se esconder da Majestade de Deus e cobrir sua forma abominável de Seu olhar mais santo, mesmo que se aprofundando ainda mais na Escuridão. Portanto, ela não entrará em Deus, não, não pode entrar com sua falsa Vontade. Mesmo que ela tente entrar, não pode entrar no Amor, por causa da Vontade que tem reinado nela. Pois tal Alma está cativa na Ira, sim, ela mesma é apenas Ira, tendo, por seu falso Desejo, que despertou em si mesma, compreendido e se aprisionado nele, e assim se transformou em sua natureza e propriedade.

E uma vez que a Luz de Deus não brilha nela, nem o Amor de Deus a envolve, a Alma é, além disso, uma grande Escuridão e, ao mesmo tempo, uma fonte de Fogo ansiosa, carregando consigo um Inferno e não sendo capaz de discernir o menor vislumbre da Luz de Deus ou sentir a menor centelha de seu Amor. Assim, ela habita em si mesma como no Inferno e não precisa entrar no Inferno ou ser levada para lá, pois onde quer que esteja, enquanto estiver em si mesma, estará no Inferno. E mesmo que viajasse longe e se lançasse a muitos milhares de léguas de seu lugar atual para sair do Inferno, ainda assim permaneceria em sua fonte infernal e escuridão.

Se isso for assim, como então acontece – perguntou o estudioso a Theophorus – que uma Alma Celestial não percebe perfeitamente a Luz e a Alegria Celestiais no tempo desta vida, e a Alma que está sem Deus no mundo também não sente o Inferno aqui, assim como no futuro? Por que ambos não devem ser percebidos e sentidos nesta vida, assim como na próxima, visto que ambos estão no ser humano, e um deles, como você mostrou, opera em todo ser humano?

À isso Theophorus respondeu prontamente: O Reino dos Céus nos Santos opera e se manifesta a si mesmo pela Fé. Aqueles que carregam Deus dentro de si e vivem pelo seu Espírito encontram o Reino de Deus em sua Fé, e sentem o Amor de Deus em sua Fé, pela qual a Vontade se entregou a Deus e se tornou semelhante a Deus. Tudo acontece dentro deles pela Fé, que é para eles a evidência das Realidades Eternas e uma grande manifestação em seu Espírito deste Reino Divino que está dentro deles. Mas sua vida natural ainda está envolta em carne e sangue e, estando em contrariedade com isso e estando colocado, por meio da Queda, no princípio da Ira de Deus e cercado pelo Mundo, que de modo algum pode se reconciliar com a Fé, essas Almas fiéis não podem deixar de estar muito expostas aos ataques deste Mundo, no qual são peregrinos. Muito menos podem deixar de ser insensíveis ao fato de estarem assim cercadas de carne e sangue e dos vãos desejos do Mundo, que não cessa de penetrar continuamente na vida mortal externa e tentá-las de várias maneiras, assim como fez com Cristo. Daí o Mundo de um lado e o Diabo de outro, não sem a maldição da Ira de Deus na carne e no sangue, peneiram e penetram completamente a Vida, e assim a Alma muitas vezes está em angústia quando esses três se lançam sobre ela juntos e quando o Inferno assim assalta a Vida e deseja manifestar-se na Alma. Mas a Alma então se afunda na esperança da Graça de Deus e permanece como uma bela Rosa no meio dos Espinhos, até que o Reino deste Mundo caia dela na morte do corpo. E então a Alma se manifesta verdadeiramente no Amor de Deus e de seu Reino, que é o Reino do Amor, não tendo mais nada para impedi-la. Mas durante esta vida ela deve caminhar com Cristo neste mundo, e então Cristo a liberta de seu próprio Inferno, penetrando-a com seu Amor por completo e permanecendo ao seu lado no Inferno, transformando até mesmo seu Inferno em Céu.

Mas, quando dizes: Por que as almas que estão sem Deus não sentem o Inferno neste mundo?”, eu respondo: “Elas carregam consigo o Inferno em suas consciências pecaminosas, contudo não o reconhecem, porque o mundo cegou seus olhos e sua taça mortal os lançou em um sono, um sono fatal. No entanto, deve-se admitir que os ímpios frequentemente sentem o Inferno dentro de si durante esta vida mortal, embora possam não perceber que é o Inferno, devido à vaidade terrena que se apega a eles de fora, e aos prazeres e divertimentos sensoriais com os quais estão embriagados. Além disso, deve-se observar que a vida exterior de cada pessoa ainda possui a Luz da Natureza Exterior, que governa nesta vida, e, portanto, a Dor do Inferno não pode ser revelada enquanto essa Luz tiver o domínio. Mas, quando o corpo morre ou é separado, de modo que a Alma não pode mais desfrutar desses prazeres e deleites temporais, nem da Luz deste mundo exterior, que é totalmente extinta para ela, então a Alma experimenta uma fome e sede eternas por essas vaidades que amava aqui, contudo só pode alcançar aquela Vontade falsa, que havia impresso em si mesma enquanto estava no corpo, e na qual havia se abundado para sua grande perda. E agora, como ela tinha muita Vontade nesta vida e ainda não estava satisfeita com isso, tem, após a separação pela morte, ainda menos dela, o que cria uma sede eterna pelo que ela nunca mais pode obter, e a faz estar em uma luxúria ansiosa e perpétua por Vaidade, de acordo com sua impressão anterior, e em uma raiva contínua de fome por essas espécies de maldade e devassidão nas quais estava imersa, estando na carne. Desejaria fazer mais mal, contudo não tem nem onde nem com o que realizá-lo, e, portanto, realiza isso apenas em si mesma. Nem tudo é literalmente transacionado, como se fosse externo. Assim o ímpio é atormentado por aquelas Fúrias que estão em sua própria mente, geradas sobre si por ele mesmo. Pois ele verdadeiramente se tornou seu próprio Demônio e Tormento, e aquilo pelo qual ele pecou aqui, quando a Sombra deste Mundo se foi, permanece com ele na impressão, é feito sua prisão e seu Inferno. Mas essa fome e sede infernais não podem ser totalmente manifestadas na Alma, até que o Corpo, que serviu à Alma que o cobiçou, e com o qual a Alma ficou tão enfeitiçada, a ponto de se apaixonar por ele e perseguir todos os seus desejos, seja retirado dela.

Entendo, então – disse Junius a seu Mestre – que a Alma, tendo entregado-se ao corpo em toda voluptuosidade e servido aos seus desejos durante esta vida, ainda retém as mesmas inclinações e afetos que tinha antes, quando não tem mais oportunidade ou capacidade de satisfazê-los. Quando isso não ocorre, o Inferno é aberto naquela Alma, aprisionada em seu interior, por meio da Vida Exterior no Corpo e da Luz deste Mundo. Compreendi corretamente?

Theophorus disse: Compreendeste bem. Continue assim.

Por outro lado – disse ele – percebo claramente pelo que ouvi que o Céu não pode deixar de estar em uma Alma amorosa possuída por Deus e que subjugou, assim, o Corpo à obediência do Espírito em todas as coisas, e se imergiu perfeitamente na Vontade e no Amor de Deus. E quando o Corpo morre e a Alma é redimida da Terra, é evidente para mim que a Vida de Deus, anteriormente escondida nela, se manifestará gloriosamente, e o Céu consequentemente será revelado. No entanto, mesmo assim, se não houver um Céu local além e um Inferno local, ainda estou em dúvida sobre onde colocar uma parte não insignificante da Criação, senão a maior. Pois onde todos os habitantes intelectuais dele devem habitar?

No seu próprio Princípio – respondeu o Mestre – seja de Luz ou de Escuridão. Pois todo Ser intelectual criado permanece em suas ações e essências, em seus prodígios e propriedades, em sua vida e imagem, onde contempla e sente Deus, que está em todo lugar, seja no Amor ou na Ira.

Se estiver no Amor de Deus, então contempla Deus em conformidade e o sente como ele é, Amor. Mas se estiver cativo na Ira de Deus, então não pode contemplar Deus de outra forma senão na Natureza da Ira, nem percebê-lo de outra forma senão como um Espírito irritado e vingativo. Todos os lugares são iguais para ele, se estiver no Amor de Deus e, se não estiver lá, todo lugar é igualmente um Inferno. Que lugar pode conter um Pensamento? Ou o que precisa um Espírito que discerne ser mantido aqui ou ali, para a sua felicidade ou miséria? Verdadeiramente, onde quer que esteja, está no Mundo Abissal, onde não há fim nem limite. E para onde, pergunto, deveria ir? Pois mesmo que vá a milhares de milhas de distância, ou mil vezes dez mil milhas, ou dez mil vezes além dos limites do Universo, e nos espaços imaginativos acima das estrelas, ainda assim estaria no mesmo ponto de onde partiu. Pois Deus é o Lugar do Espírito, se for permitido atribuir a Ele um nome ao qual o Corpo tem relação. E em Deus não há limite, próximo ou distante é tudo a mesma coisa, seja no Seu Amor ou na Sua Ira, a Vontade abissal do Espírito é completamente ilimitada. Ela é rápida como o pensamento, atravessando todas as coisas, é mágica, e nada corpóreo ou externo pode impedi-la. Ela habita em seus prodígios, e eles são a sua casa.

Assim é com todo intelectual, seja da Ordem dos Anjos ou das Almas humanas. Não precisas temer, pois haverá espaço suficiente para todos eles, por mais numerosos que sejam, e aqueles que mais se adequem à eles, de acordo com sua eleição e determinação, e que podem muito bem ser chamados de “lugar próprio” de cada um.

Ao que disse o estudante: Lembro-me, de fato, que está escrito a respeito do grande traidor, que ele foi para o seu próprio lugar após a morte.

O Mestre disse: O mesmo é verdade para toda alma quando ela deixa esta vida mortal. E é verdade da mesma maneira para todo Anjo e Espírito, seja qual for, que é necessariamente determinado por sua própria escolha. Assim como Deus está em toda parte, os Anjos também estão em toda parte, mas cada um em seu próprio Princípio e em sua própria Propriedade ou (se preferires) em seu próprio Lugar. A mesma Essência de Deus, que é como um Lugar para os Espíritos, é relatada como estando em toda parte, mas a apropriação ou participação disso é diferente para cada um, de acordo com o quanto cada um atraiu magicamente através do fervor da Vontade. A mesma Essência Divina que está com os Anjos de Deus acima está conosco aqui embaixo. E a mesma Natureza Divina que está conosco também está com eles, porém de maneiras diferentes e em diferentes graus relatados.

E o que eu disse aqui sobre o Divino também deves considerar na participação da Essência e Natureza Diabólicas, que é o Poder das Trevas, quanto aos modos múltiplos, graus e apropriações disso na Vontade falsa. Neste mundo, há luta entre eles, mas quando este Mundo alcança o Limite em alguém, então o Princípio captura o que lhe pertence, e assim a alma recebe companheiros de acordo, ou seja, Anjos ou Demônios.

Respondeu o estudante novamente: Sabendo-se que o Céu e o Inferno está em conflito, dentro de nós, durante esta vida, e Deus estando tão próximo de nós, onde os Anjos e os Demônios podem habitar?

O Mestre lhe respondeu: Onde tu não habitas em relação ao teu Eu e à tua própria Vontade, aí os santos Anjos habitam contigo, e em toda parte ao teu redor. Lembra-te bem disso. Por outro lado, onde tu habitas em relação a ti mesmo, ou na busca do Eu e na Vontade do Eu, lá, com certeza, os Demônios estarão contigo, tomarão morada contigo, e habitarão por toda parte em ti e ao teu redor, o que Deus, em Sua misericórdia, previne.

Não compreendo isto perfeitamente bem – disse o estudante – como eu gostaria. Peço-te que me expliques um pouco mais claramente.

Então o Mestre falou: Presta muita atenção ao que vou dizer. Onde a Vontade de Deus em qualquer coisa deseje, ali Deus se manifesta. E é nessa mesma manifestação de Deus que os Anjos habitam. Mas onde Deus, na Vontade de qualquer Criatura, não deseje com a Vontade desta Criatura, ali Deus não se manifesta, nem pode, mas habita em Si mesmo, sem a cooperação dela e sujeição à Ele na humildade. Ali Deus é um Deus não manifestado à Criatura. Assim, os Anjos não habitam com tal pessoa pois onde quer que eles habitem, ali está a Glória de Deus e eles realizam a Sua Glória. O que então habita em tal Criatura como essa? Deus não habita nela, os Anjos não habitam nela. Deus não deseja nela, os Anjos também não desejam nela. O caso é, evidentemente, este: naquela Alma ou Criatura, sua própria vontade está sem a Vontade de Deus, ali o Demônio habita. E com ele tudo o que está sem Deus e sem Cristo. Esta é a verdade. Pondere sobre isso.

O estudante disse: É possível que eu faça várias perguntas impertinentes, mas eu te suplico, bom Senhor, que tenhas paciência comigo e que tenhas piedade da minha ignorância, se eu fizer perguntas que possam parecer ridículas para ti, ou que talvez não me seja adequado esperar uma resposta. Pois tenho várias perguntas ainda para te fazer, não obstante sinto vergonha dos meus próprios pensamentos sobre este assunto.

O Mestre disse: Sejas sincero comigo e exponha tudo o que está em sua mente. Não tenhas vergonha de parecer ridículo, para que, ao questionar, possas tornar-te mais sábio.

O estudante agradeceu ao seu Mestre por esta liberdade e disse: Quão distantes, então, estão o Céu e o Inferno?

Ao que ele respondeu assim: Tão distantes como o Dia e a Noite. Ou tão distantes como o Algo e o Nada. Eles estão um no outro e, no entanto, estão a uma maior distância um do outro. Na verdade, um deles é como nada para o outro e, no entanto, causam alegria e tristeza um ao outro. O Céu está em todo o Mundo, e está também além do Mundo, em qualquer lugar que seja, real ou imaginado. Ele preenche tudo, está dentro de tudo, está fora de tudo, envolve tudo. Sem divisão, sem lugar; agindo por uma Manifestação Divina, e fluindo universalmente, mas sem sair minimamente de si mesmo. Pois só em si mesmo ele age e se revela, sendo uno e indiviso em tudo. Ele aparece somente por meio da Manifestação de Deus e somente em si mesmo. E naquele Ser que vem até ele, ou naquele em que ele é manifestado. Ali também Deus é manifestado. Porque o Céu não é nada mais do que uma Manifestação ou Revelação do Eterno, onde todo o trabalho e desejo estão em um amor tranquilo.

Da mesma forma, o Inferno também está por todo o Mundo, habita e age apenas em Si Mesmo e naquilo em que a Fundação do Inferno é manifestada, ou seja, no Eu-Próprio e na Falsa Vontade. O Mundo visível contém ambos, e não há lugar em que o Céu e o Inferno não possam ser encontrados ou revelados. Agora, o ser humano, em sua vida temporal, pertence apenas ao mundo visível e, portanto, durante o tempo de sua vida, ele não vê o Mundo Espiritual. Pois o Mundo Exterior, com sua substância, é uma cobertura para o Mundo Espiritual, assim como o Corpo é para a Alma. Mas quando o homem exterior morre, então o Mundo Espiritual é manifestado à Alma, que agora tem sua cobertura removida. E é manifestado seja na Luz Eterna com os santos Anjos, seja na Escuridão Eterna, com os Demônios.

O estudante perguntou ainda: O que é um Anjo, ou uma Alma humana, para que possam ser assim manifestados seja no Amor ou na Ira de Deus, seja na Luz ou na Escuridão?

Theophorus respondeu: Eles vêm de uma mesma e única Origem. São pequenos ramos da Sabedoria Divina, da Vontade Divina, brotados da Palavra Divina e tornados objetos do Amor Divino. Vêm da Fonte da Eternidade, de onde brotam a Luz e a Escuridão. Escuridão esta que consiste em receber o Desejo do Eu, e a Luz que consiste em desejar a mesma coisa que Deus. Pois a conformidade da Vontade com a Vontade de Deus é o Céu e, onde quer que haja esse desejo com Deus, lá o Amor de Deus está, indubitavelmente, na ação, e Sua Luz não deixará de se manifestar. Mas na atração do Eu do Desejo da Alma, ou na recepção do Eu na Vontade de qualquer Espírito, angelical ou humano, a Vontade de Deus trabalha com dificuldade e é para essa Alma e Espírito nada mais do que Escuridão, da qual a Luz pode manifestar-se. Essa Escuridão é o Inferno desse Espírito. Pois o Céu e o Inferno não são nada mais do que uma Manifestação da Vontade Divina, seja na Luz ou na Escuridão, de acordo com as Propriedades do Mundo Espiritual.

ESTUDANTE

Então, o que é o Corpo do Homem?

MESTRE

É o Mundo Visível, uma Imagem e Quintessência, ou Composto de tudo o que o Mundo é. O mundo visível é uma manifestação do Mundo Espiritual Interno, surgido da Luz Eterna e da Escuridão Eterna, da compactação ou conexão espiritual. Ademais é uma Imagem ou Figura da Eternidade, pela qual a Eternidade se tornou visível, onde a Vontade do Eu e a Vontade resignada – o Mal e o Bem – trabalham em concordância.

Tal é a substância do Homem Exterior. Pois Deus criou o Homem a partir do Mundo Exterior e soprou nele o Mundo Espiritual Interno para que fosse sua Alma e Vida inteligente e, portanto, nas coisas do Mundo Exterior, o Homem pode receber e realizar o Mal e o Bem.

ESTUDANTE

O que acontecerá após este Mundo, quando todas as coisas perecerem e chegarem ao fim?

MESTRE

Somente a substância material cessa, ou seja, os quatro elementos, o Sol, a Lua e as Estrelas. E então o Mundo Interno será completamente visível e manifesto. Mas tudo o que foi realizado pela Vontade ou Espírito do Homem durante o tempo deste Mundo, seja o mal ou o bem, se separará em uma substância espiritual, seja na Luz Eterna ou na Escuridão Eterna. Pois o que nasce de cada Vontade penetra e volta para aquilo que é semelhante a si mesmo. E lá a Escuridão é chamada Inferno, e é um esquecimento eterno de todo o Bem, e a Luz é chamada Reino de Deus, e é uma alegria eterna nos Santos, que continuamente glorificam e louvam a Deus por tê-los libertado do tormento do mal.

O último Julgamento é uma ativação do Fogo tanto do Amor como da Ira de Deus, no qual a matéria de toda substância perece, e cada Fogo atrairá para si o seu próprio, ou seja, a substância que é semelhante a si mesma. Assim, o Fogo do Amor de Deus atrairá para si o que é realizado na Ira de Deus na Escuridão e consumirá a falsa substância e, então, restará apenas a Vontade dolorosa e aflitiva em sua própria natureza, imagem e figura.

ESTUDANTE

Com que matéria e forma o corpo humano ressuscitará?

MESTRE

É semeado um Corpo natural grosseiro e elementar. No entanto, nesse Corpo grosseiro há um Poder e Virtude sutis. Assim como há na Terra, também há uma Virtude boa e sutil, que é como o Sol, é um e o mesmo com o Sol, que também surgiu e procedeu do Poder e da Virtude Divina no princípio dos tempos, de onde toda a boa Virtude do Corpo também é derivada. Esta boa Virtude do Corpo mortal retornará e viverá para sempre em uma espécie de propriedade material transparente e cristalina, em carne e sangue espiritual. Assim também retornará a boa Virtude da Terra, pois a Terra também se tornará cristalina, e a Luz Divina brilhará em tudo o que tem um ser, essência ou substância. E assim como a Terra grosseira perecerá e nunca mais retornará, também a carne grosseira do Homem perecerá e não viverá para sempre. Mas todas as coisas devem comparecer diante do Julgamento e, no Julgamento, serem separadas pelo Fogo, tanto a Terra quanto as cinzas do corpo humano. Pois quando Deus mover o Mundo espiritual, cada Espírito atrairá sua substância espiritual para si. Um bom Espírito e Alma atrairá para si sua própria substância, e um mau atrairá sua substância má.

ESTUDANTE

Não ressuscitaremos então com nossos Corpos Visíveis e viveremos neles para sempre?

MESTRE

Quando o Mundo Visível perecer, tudo o que dele veio e foi externo perecerá com ele. Restará apenas da Terra a Natureza e Forma cristalinas, e também do Homem apenas a Terra Espiritual, pois o Homem será então totalmente semelhante ao Mundo cristalino, que ainda está oculto.

ESTUDANTE

Todos terão, então, alegria e glorificação eternas da mesma forma?

MESTRE

São Paulo diz: Na Ressurreição, um se diferenciará do outro em glória, assim como o Sol, a Lua e as Estrelas. Portanto, saiba que os Abençoados de fato desfrutarão da obra divina neles e sobre eles, mas sua virtude, iluminação ou glória serão muito diferentes de acordo com as diferentes medidas e graus de poder e virtude que suportaram nesta vida em seus trabalhos dolorosos.

ESTUDANTE

Como todas as pessoas e nações serão levadas a julgamento?

MESTRE

A Palavra Eterna de Deus, da qual toda Vida Espiritual criatural procedeu, se moverá naquela hora, de acordo com o Amor e a Ira, em cada Vida que saiu da Eternidade, e atrairá cada Criatura diante do Julgamento de Cristo, para ser julgada por esse movimento da Palavra. A Vida então será manifestada em todas as suas obras, e cada Alma verá e sentirá seu julgamento e sentença em si mesma. Pois o Julgamento se dá, de fato, imediatamente no momento da partida do Corpo, manifestado na Alma e para cada Alma. E o último Julgamento é apenas um retorno do Corpo Espiritual e uma separação do Mundo, quando o Mal será separado do Bem, na substância do Mundo e do Corpo humano, e tudo entrará em seu receptáculo eterno. E assim é uma manifestação do Mistério de Deus em cada substância e vida.

ESTUDANTE

Como será proferida a sentença?

MESTRE

Aqui, considere as palavras de Cristo. Ele dirá àqueles à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me acolhestes, eu estava nu e me vestistes, eu estava doente e me visitastes, eu estava na prisão e fostes me ver. Então eles responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, com sede, estrangeiro, nu, doente ou na prisão, e te servimos assim? Então o Rei lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. E aos ímpios à sua esquerda ele dirá: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos. Pois eu estava com fome, com sede, estrangeiro, nu e na prisão, e não me destes de comer, de beber, não me acolhestes, não me vestistes, não me visitastes. E eles também responderão, dizendo: Quando te vimos assim e não te servimos? E ele lhes responderá: Em verdade vos digo que, quando não o fizestes a um destes mais pequeninos, a mim não o fizestes. E estes partirão para o castigo eterno, mas os justos para a Vida Eterna.

ESTUDANTE

Amado Mestre, por favor, diga-me por que Cristo diz: “O que fizestes ao menor destes, a mim o fizestes” e “o que não fizestes a eles, também não o fizestes a mim”? E como um homem faz isso, de modo a fazê-lo à Cristo?

MESTRE

Cristo habita, de fato e essencialmente, na fé daqueles que se entregam totalmente à ele e lhes dá sua Carne como alimento e seu Sangue como bebida, desta forma possuindo o fundamento de sua fé, de acordo com o homem interior ou interior. E um cristão é chamado de Ramo da Videira de Cristo e um cristão, porque Cristo habita espiritualmente nele. Portanto, qualquer bem que alguém faça a um cristão desses em suas necessidades corporais, é feito a Cristo, que habita nele. Pois tal cristão não é de si mesmo, mas é totalmente entregue a Cristo e se tornou sua possessão peculiar e, consequentemente, o ato bom é feito a Cristo. Portanto, quem se abstiver de ajudar um cristão necessitado e deixar de servi-lo em sua necessidade, estará afastando Cristo de si mesmo e desprezando-o em seus membros. Quando uma pessoa pobre que pertence assim a Cristo pede algo a você e você nega isso a ele em sua necessidade, você nega isso a Cristo. E qualquer dano que alguém causar a um cristão desses, faz a Cristo. Quando alguém zomba, escarnece, insulta, rejeita ou empurra para longe tal pessoa, faz tudo isso a Cristo. Mas aquele que o recebe, lhe dá comida e bebida, ou roupas, e o ajuda em suas necessidades, também o faz a Cristo e a um membro companheiro de seu próprio corpo. Na verdade, ele o faz a si mesmo se for um cristão, pois todos somos um em Cristo, como uma árvore e seus galhos.

ESTUDANTE

Então, como subsistirão no dia do Julgamento Final aqueles que afligem e perturbam os pobres e aflitos, e os privam de seu próprio suor, obrigando-os e forçando-os a submeter-se à suas vontades e pisoteando-os como seus escabelos, apenas para que eles mesmos possam viver em pompa e poder, e gastar os frutos do suor e trabalho dessas pessoas pobres em voluptuosidade, orgulho e vaidade?

MESTRE

Cristo sofre na perseguição de seus membros. Portanto, todo mal que esses executores severos fazem aos pobres infelizes sob seu controle é feito a Cristo mesmo e cai sob seu severo julgamento e sentença. Além disso, ao oprimir os pobres, eles os afastam de Cristo e os fazem buscar meios ilícitos para encher seus estômagos. Na verdade, eles trabalham para e com o próprio Diabo, fazendo exatamente o que ele faz: ele, que incessantemente se opõe ao Reino de Cristo, que consiste apenas no Amor. Todos esses opressores, se não se voltarem de todo o coração para Cristo e não o servirem, devem ir para o fogo do inferno, que é alimentado e mantido vivo por nada mais além desse mero Eu, o qual eles manifestaram sobre os Pobres nesta vida.

ESTUDANTE

Mas como será com aqueles que, neste tempo, contendem tão ferozmente pelo reino de Cristo, difamam, insultam e perseguem uns aos outros por sua religião?

MESTRE

Todos esses ainda não conheceram Cristo e são apenas como uma imagem ou figura do Céu e do Inferno, lutando entre si pela vitória. Todo orgulho que se eleva e se infla, que contenda sobre opiniões, é uma imagem do Eu. E quem não tem fé e humildade, nem vive no Espírito de Cristo, que é o Amor, está apenas armado com a Ira de Deus e ajuda a avançar a vitória do Eu imaginário, isto é, o Reino das Trevas e a Ira de Deus. Pois no dia do Juízo todo o Eu será entregue às Trevas, assim como todas as contendas infrutíferas dos homens, nas quais eles não buscam o Amor, contudo apenas o seu Eu imaginário. Todas estas coisas pertencem ao Julgamento, que separará o falso do verdadeiro e, então, todas as imagens ou opiniões cessarão, e todos os Filhos de Deus habitarão para sempre no Amor de Cristo, e este Amor neles. Pois no Céu todos servem a Deus, seu Criador, em humilde amor.

ESTUDANTE

Então, por que Deus permite tais lutas e contendas neste tempo?

MESTRE

A própria Vida está em luta, para que possa ser manifesta, sensível e palpável, e para que a sabedoria possa ser separada e conhecida.

A Luta também constitui a Alegria Eterna da vitória. Pois haverá grandes louvores e agradecimentos nos Santos a partir da sensação experimental e do conhecimento de que Cristo neles venceu as Trevas e todo o Eu da Natureza, e que eles finalmente estão totalmente livres da Luta, na qual se alegrarão eternamente. Portanto, Deus permite que todas as Almas permaneçam em livre-arbítrio, para que o Domínio Eterno tanto do Amor quanto da Ira, da Luz e das Trevas, possa ser manifesto e conhecido. Para que cada Vida possa causar e encontrar sua própria sentença em si mesma. Pois aquilo que agora é uma luta e dor para os Santos em sua miserável guerra aqui, será no final transformado em grande alegria para eles. Aquilo que foi uma alegria e prazer para as pessoas ímpias neste mundo, será posteriormente transformado em tormento eterno e vergonha para eles. Portanto, a alegria dos Santos deve surgir para eles a partir da morte, assim como a luz surge de uma vela através da destruição e consumo dele em seu próprio no fogo, para que a Vida possa ser liberta da dor da Natureza e possuir outro Mundo.

E assim como a Luz tem propriedades completamente diferentes do Fogo, pois se dá e se manifesta, enquanto o Fogo consome e se consome, assim a vida santa da Mansidão surge através da Morte da Vontade Própria, e então apenas a Vontade de Amor de Deus governa e faz tudo em todos. Pois assim o Eterno alcançou o Sentimento e a Separabilidade, e se manifestou novamente com o sentimento, através da Morte, em grande Alegria, para que haja um Deleite Eterno na Unidade Infinita, e uma Causa Eterna de Alegria. Portanto, aquilo que antes era Doloroso deve agora ser o Fundamento e Causa deste movimento ou agitação para a Manifestação de todas as Coisas. E aqui está o Mistério da Sabedoria Oculta de Deus. Todo aquele que pede, recebe; todo aquele que busca, encontra; e a todo aquele que bate, a porta será aberta. A Graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o Amor de Deus e a Comunhão do Espírito Santo estejam conosco. Amém.

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