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Brincadeira do Compasso (do Copo e do Espelho)

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Shirlei Massapust

Faz-se um círculo num papel utilizando um compasso escolar. Ao longo da linha, na parte interna do círculo deve-se escrever todas as letras, os números de zero a nove, sorte, sim, talvez, não, azar, entrada e saída. Pode-se acrescentar algo a mais que a pessoa creia ser útil; geralmente Céu, Purgatório, Inferno, bom, neutro, mau, etc.

As crianças que me ensinaram a brincadeira de comunicação com espíritos me instruíram a rezar uma vez a oração da Ave Maria e duas vezes o Pai Nosso para que viessem espíritos bons. Mas eu não rezava.

Quando o círculo já está pronto, e as rezas feitas, o compasso é posicionado como se para circundar a figura novamente, de modo que o objeto possa balançar como um ponteiro. Onde a ponta de grafite parar, ali estará a mensagem ou parte dela.

Para interromper a comunicação basta largar o compasso. (A explicação lógica que os céticos dão para o movimento é que tal efeito é provocado pelo desequilíbrio da mão da pessoa, pois ninguém consegue ficar perfeitamente parado por muito tempo segurando um compasso).

Uma colega de escola chamada Maria Regina contou-me a seguinte narrativa, que ela ouviu duma amiga: Quinze pessoas se reuniram para fazer a brincadeira do compasso. O espírito lhes comunicou a morte de um dos participantes. O menino não acreditou. O compasso girou rapidamente no papel e desapareceu. No dia seguinte ele amanheceu morto com um furo no pulso e outro furo numa veia do pescoço.

É uma pena que essas narrativas espetaculares, de circulação abundante nessa faixa etária, nunca venham acompanhadas de informações mínimas essenciais para a verificação de dados, tais como quem eram aquelas quinze pessoas, como eu poderia entrevistar os quatorze sobreviventes, quando e onde o sinistro supostamente ocorreu.

A brincadeira do compasso foi o método de comunicação com os preternaturais que pareceu-me funcionar melhor até eu descobrir a possibilidade de comunicação por alucinação tátil (sim/não/talvez) e finalmente algo que poderíamos provisoriamente descrever como telepatia semiótica abstrata de velocidade rápida ou epifania dialógica.

Em 1994 eu tentava a brincadeira do compasso quase diariamente apesar dos sucessivos fracassos evidenciados pelo embaralhamento de caracteres desprovidos de significados. Porém, raramente, algo parecia acontecer. Certa vez fiz o seguinte pedido para Lúcifer: “Gostaria de saber se a lenda urbana de jogar na loteria e ganhar com sua ajuda é real. Quero acertar cinco números na Mega-Sena”.

Anotei seis números e dei o papel para meus pais jogarem, pois eu não tinha permissão de ir à lotérica sozinha. Meus pais não jogaram e eu efetivamente previ uma quina na Mega-Sena. Quando eles conferiram o resultado dos seus bilhetes olharam também meu cartão descartado e lastimaram pela perda da chance. Pedi que Lúcifer me fornecesse novos números da Mega-Sena. Dessa vez meus pais jogaram. Então a Caixa Econômica Federal sorteou três números do meu bilhete e outros três que vinham exatamente após os jogados. Entendendo que a probabilidade de tal coincidência era estatisticamente desprezível eu falei: “Obviamente você pode prever o resultado da Mega-Sena, mas acredita que eu não deva ganhar”.

O que recebi foi uma informação mais valiosa do que dinheiro, pois verifiquei que preternaturais são capazes de conhecer resultados de jogos de azar antes dos sorteios. Ou então também eles estão sujeitos à golpes de sorte extraordinária, pois depois disso recebi somente números errados desprovidos de qualquer padrão lógico.

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Brincadeira do copo

Conforme as instruções da tradição oral estudantil carioca, a brincadeira do copo é feita desenhando, em tamanho grande, numa folha de papel cartolina 50×66, o mesmo círculo com letras, números, etc., utilizado na brincadeira do compasso. Porém a forma circular não é funcional na brincadeira do copo, de modo que os caracteres também podem ser escritos em linhas retas preenchendo todo o espaço da cartolina, como numa tábua ouija. (Isto não é um modelo de círculo mágico para contenção de forças ocultas).

O copo de vidro cristal deveria ser de um modelo recomendado pelas normas de etiqueta para o consumo de água, sucos e refrigerantes. Este copo deveria ser virgem, ou seja, comprado para essa finalidade e nunca usado de qualquer outro modo. Sendo assim não serviriam copos de requeijão, geleia de mocotó, milho, ervilha, etc.

A cartolina deveria ser fixada numa superfície plana. O ideal seria se o grupo dispusesse de uma mesa redonda, num ambiente fechado, silencioso e deserto. Após pronunciarem a oração da Ave Maria e o Pai Nosso, uma ou mais vezes, os participantes apoiam sobre o copo os dedos indicadores da mão direita (se destros) ou esquerda (se canhotos), convidando um espírito a se comunicar através da movimentação do copo.

As pessoas comumente pedem que os espíritos lhes entretenham, aconselhem e façam previsões. Num romance temático um espírito bem intencionado se queixa:

Querem eles a solução de seus problemas, tentam saber da vida de outras pessoas ou saber do futuro. Como se nós, desencanados, pudéssemos saber e responder sobre o futuro. Muitas pessoas pensam que, só porque desencarnamos, sabemos de tudo e, sobretudo, até podemos nos tornar adivinhos.[1]

Segundo mensagem do espírito desencarnado Antônio Carlos, psicografada pela médium espírita brasileira Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, no livro Copos que Andam (1994), a brincadeira do copo é um fenômeno mediúnico genuíno, mas não uma prática doutrinária do espiritismo kardecista. Com o grupo orando ou não, o que atende ao chamado de encarnados imprudentes são espíritos desocupados do umbral, que mentem e se divertem, muitas vezes se fazendo passar por parentes falecidos.

Em 1991, durante um breve período, minha amiga Andréia Rangel se interessou pela brincadeira do copo. Ela contou-me narrativas não datadas que ouviu de outras pessoas. Foram duas histórias inverossímeis, mirabolantes: Uma colega da sua tia era órfã de mãe. Em sua juventude resolveu fazer a brincadeira do copo, em casa, trancada no quarto com as amigas. Dizia que sua mãe estava chamando. Numa das vezes o espírito alertou para não sair de casa na próxima semana, na sexta-feira 13, senão iria morrer. “Ela saiu e foi viajar para Campos de Botacajo. Morreu atropelada”.

Uma outra menina teria comprado um copo sem uso e reunido cinco amigas, que se trancaram num quarto com as luzes apagadas. Rezaram Pai Nosso e Ave Maria, fizeram corrente e convidaram qualquer espírito desejoso de se comunicar. O copo começou a andar na mesa e depois a rodar. Perguntaram se o espírito era bom ou mau e a entidade anônima confessou ser má. Elas esqueceram de levar a Bíblia para mandar o espírito de volta. As meninas ficaram de cabeça para baixo, coladas na parede, e a chave da porta havia sumido. Uma delas bateu muito na porta e saiu. O espírito foi atrás. Ela correu para o elevador, apertou todos os botões e desceu rápido caindo no porão.

A brincadeira do copo na vida real

Entre 1993 e 1995 eu participei da brincadeira do copo três vezes com dois grupos de pessoas diferentes. As duas primeiras vezes foram durante o recreio escolar e a terceira na suíte externa de minha casa, durante uma festa em 15/07/1995. Nas três ocasiões a iniciativa de organizar sessões às pressas foi tomada por terceiros que pouco fizeram pela obediência às regras do silêncio e da privacidade. Eles apenas buscaram o canto menos tumultuado e barulhento disponível em meio ao caos.

Sem dispor de cartolinas, todos fizeram montagens de várias folhas pautadas de caderno escolar ou de papel sulfite formato ofício. As folhas voavam com o vento. Sem copos de cristal de vidro “virgens”, nas duas primeiras sessões os adolescentes usaram quaisquer copos disponíveis. Na segunda sessão usamos um simplório copo de plástico descartável sujo de Coca-Cola. Devido ao peso irrisório isso também virou com o vento persistente e rolou na minha direção. Um membro do grupo sugeriu que o espírito preso debaixo do copo escapou e intentava me possuir. Todos correram, menos eu.

No pátio da escola não havia nenhuma mesa redonda. Então sentamos no chão. Na minha casa pelo menos era noite e tinha mesa redonda numa suíte externa decorada com prateleiras cheias de bonecas antigas.

Nas três ocasiões a maioria das pessoas queria chamar algum parente finado, saber se seus namorados e namoradas lhes estava traindo, etc. Eu só desejava contatar o além para averiguar se o método funcionava e, havendo sucesso, questionar como é o universo paralelo onde os preternaturais habitam, como é rotina neste lugar, etc.

Em todas as ocasiões os copos não se mexeram a contendo. Então as pessoas culparam as falhas nos materiais ou procedimentos. Já eu penso que os copos não apresentaram movimentos coerentes significativos devido ao excesso de boa-fé dos integrantes da sessão, que levaram as instruções a sério ao invés de brincar direito empurrando os copos com seus dedos para assustar seus amigos crédulos.

O jogo do espelho

Certa vez, entre 1991 e 1994, algumas alunas do Colégio Sagres falaram-me sobre o jogo do espelho. Haveriam duas variantes, conforme relatado.[2] Para chamar Maria do Algodão Doce ou Maria Sangrenta[3], “à meia-noite feche a porta do banheiro com o trinco, apague a luz, bata três vezes na parede e pule três vezes[4]”. Depois pronuncie o nome da entidade convocada três vezes.

Se optar por chamar Maria do Algodão Doce um fantasma ou cadáver feminino deverá sair do espelho, dar à criança um algodão doce envenenado e desaparecer. Alternativamente, chamar por Maria Sangrenta evoca um fantasma na forma de mulher ensanguentada que mata a criança com as próprias mãos. Ou, pelo menos, é assim que as narrativas folclóricas terminam; pois tal ritual só funciona em obras de ficção, como o filme estadunidense Blood Mary (2006), filmado posteriormente.

Quando vi meninas evocando as Marias ninguém respeitava as próprias regras que criavam. Evocavam de dia, no banheiro feminino do pátio do Colégio Sagres, não fechavam a porta, pronunciavam o nome somente duas vezes diante dos espelhos e saíam correndo espavoridas sem que absolutamente nada houvesse acontecido. Uma delas experimentou um fenômeno alucinatório e relatou alteração da imagem refletida no espelho. Viu uma sombra olhando para ela antes de sair correndo e gritando.

Notas:

[1] CARVALHO, Vera Lúcia Marinzeck de (médium de psicografia) e CARLOS, Antônio (espírito). Copos que Andam. São Paulo, Petit, 1994, p 14.

[2] Minha irmã relatou que dez anos antes, quando ela estudava na mesma escola, as crianças da sua época falavam somente na “Maria Sangrenta” e na lenda urbana da loira do banheiro.

[3] O nome da entidade foi obviamente inspirado no coquetel Bloody Mary, feito com vodca, suco de tomate, suco de limão, molho inglês, tabasco e pimenta; que existe desde a terceira década do século XX.

[4] Na tradição popular brasileira bater na madeira afasta o azar. Dar três pulinhos é o modo de agradecer a São Longuinho pelo achado de um objeto perdido.

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