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Divinação e Oráculos

Johannes Bureus e as Adulrunas

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Thiago Tamosauskas

O projeto Runosofia.org, recentemente lançado por Lord A .’., já conhecido no cenário ocultista pelas iniciativas RedeVamp e Campus Strigoi, trouxe a baila uma abordagem de estudos das runas distinta ás asatru e reconstrucionista, tendo como ponto central as Adulrunas de  Johannes Bureus.  O grupo acumula décadas de experiência no tema e não tenho a pretensão de colocar neste artigo nem a milésima parte do que é abordado no curso Adulrunas & Runosofia. Meu objetivo aqui é tão somente apresentar alguns nomes e despertar no leitor o interesse nesse obscuro tema que é o ocultismo escandinavo, estudado e explorado internamente pelo Círculo Strigoi desde 2007.

A Vida de Johannes Bureus

Johannes Thomæ Agrivillensis Bureus é o nome completo em latim de Johan Bure, um homem interessante de uma época muito interessante na qual a antiga tradição nórdica se misturava ao cristianismo e ao ocultismo da renascença. Ele nasceu  em 1568 em Åkerby perto da famosa cidade de Uppsala o maior e último dos pontos de peregrinação pagãos e local primordial para práticas religiosas do norte europeu na antiguidade. Bureus estava, portanto, muito familiarizado com a herança cultural e religiosa de sua região.

Filho de um pároco luterano ele teve uma boa educação em Uppsala e posteriormente em Estocolmo, Alemanha e na Itália.  Em 1591 Bureus pegou leu seu primeiro livro de magia medieval (pertencente ao seu sogro Mårten Bång que foi posteriormente decapitado em 1601) quando então se interessou por Cabala e ocultismo em geral. Em 1595 estudou teologia e nos anos seguintes aprendeu o grego, o latim, hebraico e árabe.

Bureus também estava interessado em astronomia, o que pode ter levado a outro interesse seu: o rosacrucianismo. Ele e seus concorrentes intelectuais – os dinamarqueses Ole Worm (1588-1654) e Tycho Brahe (1546- 1601) – ouviram todos no céu a mesma ‘nova estrela’ (supernova) que surgiu em 1572 e levou o grupo alemão de estudantes a escrever os famosos manifestos rosacruzes. Bureus (e Worm e Brahe) leram estes manifestos e com certeza foram capiturados por suas ideias de reforma do mundo baseada na alquimia e na revolução espiritual.

Em 1593 foi nomeado editor real de textos religiosos em Estocolmo. Mas pouco antes de se mudar para lá sua curiosidade foi despertada por uma das muitas pedras rúnicas em seu entorno. Os desenhos estranhos e antigos da pedra em frente ao claustro cisterciense de Riddarholm o deixou cativado e ele decidiu que queria aprender a lê-los. Logo ele viajou para a província de Dalarne, onde os camponeses ainda eram muito influenciados pelas crenças e costumes de seus ancestrais e aprendeu a ler as runas com os fazendeiros locais. A partir dai ele começou a se concentrar no ‘passado pagão’ de seu pais.

Em 1599 e 1600 Bureus fez uma longa viagem pela Suécia para encontrar mais pedras rúnicas para que pudesse escrever, traduzir e interpretar os textos. O rei Karl IX até o encarregou de traduzir certas pedras. Como eu disse no meu artigo anterior, as pessoas se interessaram por seu próprio passado. As pedras rúnicas podiam ser politicamente úteis ao rei e textos antigos posteriores foram comprados da Islândia.

Em 1603 tornou-se professor e a partir de 1603 antiquário real da Súecia. Em 1611 ele escreveu um pequeno livreto chamado Runa: ABC-boken (1611) para permitir que outras pessoas entendessem o idioma. Este livreto pode ser encontrado online no site da Biblioteca Real da Suécia (e aqui)

Com o tempo Bureus acabou desenvolvendo (ou ‘descobrindo’ como ele teria chamado) o sistema da “Adalrunas”. Eventualmente, Johannes Bureus Bureus morreu aleijado em 1652 aos 61 anos de idade.

As Runas como Idioma Original

Após sua viagem e anotações de todas as pedras rúnicas que conseguiu encontrar, Bureus escreveu vários livros sobre as runas, incluindo uma com informações sobre as diferentes pedras que encontrou (Monumenta Sveogothica Hactentus Exculpta, 1624). Obviamente muitos destes documentos se perderam…

Bureus foi uma das primeiras pessoas a estudar cientificamente a linguagem das runas, mas não foi o único, seu já mencionado contemporâneo dinamarquês Ole Worm assumiu o mesmo trabalho em seu próprio país. Os dois tinham muitas coisas em comum e se conheciam. Provavelmente tiveram acesso a obra de Saxo Grammaticus e podem ter lido cópias manuscritas das Eddas. Os dois estavam em uma boa posição para isso, já que ambos eram antiquários reais. Mas sobre a origem das runas os homens não concordaram, cada um defendendo seu pais de origem como o original e houve uma série trocas públicas de desafetos quanto a isso.

A disputa de Bureus, Worm girava em torno da busca renascentista da linguagem original (ou perfeita). Naquela época era um consenso na Europa que antigamente o mundo inteiro tinha uma única linguagem antes da confusão na torre de Babel quando então cada povo um ficou com um idioma diferente para que um não pudesse entender o outro.  Para muitas pessoas da Renascença, a língua original era a língua do Antigo Testamento (e da Cabala): o hebraico. Postel escreveu um livro sobre como toda a escrita hebraica veio da única (e menor) letra Yod. Também era comum a ideia de que Jafé, filho de Noé, foi o último homem a possuir a língua original e muitas vezes você vai ler sobre a língua Jafé ou os filhos de Jafé (descendentes ou a raça ou os iniciados, o que quer que eles quisessem dizer que ainda possuem o idioma original).

Um ponto importante é que muitos entendiam que  língua original teria que ter vindo da terra original. Essas duas coisas não estavam necessariamente conectadas, mas muitas vezes estavam. No caso de Bureus, essa terra original era a Atlântida de Platão e na verdade se referia a sua amada Escandinávia. Não foi apenas Bureus teve essa ideia, basta pensar em ‘Ultima Thule’, que também deveria estar no extremo norte.

A esse respeito Susana Åkerman em The Gothic Kabbalah: Johannes Bureus, Runic Theosophy and Northern Apocalypticism, citana in GANGLIERE comenta:

“A Escandinávia era a terra dos hiperbóreos que migraram para as costas do Báltico antes da queda da Torre de Babel e que, posteriormente, possuíam a cultura e a espiritualidade originais e incorruptas da humanidade. O próprio nome Escandinávia derivava do filho e neto de Noé, Jafé e Ashkenaz (dando-lhes o nome Skanzea)” (Expulsão p. 177/8).

As Adulrunas

Para restaurar este idioma original, Bureus filtrou o alfabeto rúnico original no que Stephen Flowers chamou em Johannes Bureus and Adalruna de “Ordenação Sueca”, mas que conforme ensina Lord A .’. no Campus Strigou é muito semelhante ao Jovem Futhark dinamarquês.

Bureus tem uma runa a menos que o Jovem Futhark. Ele conhecia os diferentes tipos de runas e sabia muito bem que existem mais futharks, queria/precisava chegar ao número mágico de 15 runas, para poder fazer três divisões de cinco runas. Para isso ele disse que a runa de homem ‘de cabeça para baixo’ é a mesma que a runa “Rodhur”, então ele poderia deixá-la de lado. Outra modificação foi ter mudado a ordem de L (Lagher) e Man (M)

Segundo Stephen Flowers no mesmo livro, o primeiro grupo de cinco runas referia-se ao progenitor, o segundo à geração e o último ao gerado. Podemos encontrar aqui relações com muitos outros sistema mágicos (Deus/Criador/Criação,  Fogo/Terra/Gelo ou ainda Asgard/Midgard/Niflhem, etc). Bureus chamou suas runas de “Adalrunor” ou “Runas Nobres”. Cada runa tem um significado específico, assim como os outros futharks que conhecemos.

As runas de Bureus nem sempre se parecem com as originais. De acordo com Thomas Karlsson em o artigo The Rune Cross and the Seven Chakras de Thomas Karlsson na Rûna Magazine (issue 14 2004), Bureus usou as chamadas runas “Hälsinge” para formar seu próprio futhark. As runas Hälsinge são runas ‘sem cunha’. Eles parecem ser uma simplificação do futhark jovem (dinamarquês). A imagem abaixo a mostra o futhark Hälsinge comparável do furthark dinamarquês, sueco e transliteração.

Runas esotéricas

Citando Lord A.’. no artigo Theriom, Runas, Uthark e Cabalas Góticas (ou Upsálicas):

“Bureus estudou comparativamente o saber rúnico e a Quabalah, convecencendo-se de que as runas tinham diferentes dimensões.Ele acreditava que além de servirem como letras para a escrita também eram símbolos esotéricos e mágickos.”

Ele estava convencido que de sua terra emanou um conhecimento hiperbóreo que influenciou o mundo todo. Citando novamente Susana Åkerman em  Rose Cross Over The Baltic in GANGLIERE:

 “Bureus em 1612 começou a se concentrar em Zamolxes, o legislador gótico, que como filósofo do norte em 530 a.C. trouxe uma poção mágica, o “Pharmakon”, para a Itália. Em seus estudos etnográficos, Bureus procurou então esclarecer precisamente o conhecimento com que Abaris, o sábio do norte da Trácia, influenciou Pitágoras. (Rosa Cruz p. 31).

Também o Confessio Fraternitates (o segundo manifesto Rosacruz) fala sobre a linguagem Rosacruz (ou seja, original), mas as alegações de Bureus de que esta era a linguagem rúnica não foi uma ideia bem recebida em sua época.

Bureus não estava sozinho e debruçou sobre as teorias e ideias do francês  Guillaume Postel (1510-1581), modificando-as quando achava apropriado. Uma destas ideias era a de que as Sibilas antigas deram este Conhecimento original a pessoas como Pitágoras. Postel falava sobre uma fonte duplas da profecia: dos profetas do Antigo Testamento e dos oráculos sibilinos e em particular do papel profético de Alruna, a Sibila do norte, que, como os druidas celtas, era reverenciada por seus grandes poderes visionários. Alruna nasceu em 432 aC e Bureus acreditava que ela conhecia as grandes Sibilas da Trácia, Latona, Amalteia e Acheia.

A palavra “Alruna” (Mandrágora em Suéco) era usada por Bureus como um níveis de significado profundo e iniciático das runas.

Cirando GANGLIERE no artigo “Johannes Bureus, the Renaissance rune magician”:

Como vimos, Bureus dividiu suas runas em três grupos de cinco. Três é um número significativo em seu sistema, assim como era na antiga cultura do Norte. Bureus também disse que havia três níveis de interpretação de runas:

 

1- Rúnico, o “nível literal é esculpido nas pedras. Tomados literalmente, os textos rúnicos fazem referência típica a eventos sagrados do microcosmos, como a reivindicação de terras ou a lembrança dos mortos.

2- Adulrúnico, “é inteiramente interpretativo. De acordo com Bureus, ela transmite a glória de estruturas macrocósmicas, como a majestade e a realeza descritas em seu manual gótico “Adulruna Rediviva.”

3- Alrunico, “pensado para representar os aspectos divinos da natureza de uma forma mais geral. Bureus o descreve como “católico”, e pode ser usado para interpretar universalmente o estoque disponível de mitos e profecias , ou seja, para todos os tempos e povos, mas na perspectiva dos hiperbóreos”. (Rosa Cruz p. 57).

Seguindo a comparação da mitologia do norte e da mitologia grega do sentido Alrunico, Bureus disse que:

“Thor era Deus o Pai, ou Lumen, a Themis lex divina e a Thora lex judeorum, e até mesmo Júpiter Mandragora. Othin era o Filho, ou a Verbum Dei, a sapientia dos pitagóricos, Marte e Hércules, Freya era idêntica ao Espírito Santo, ou a foecunditas universi, a beleza divina, a Diana dos efésios. (Rosa Cruz p. 34).

A esses três deuses, Bureus vinculou três de suas runas. O “Thors” (alfabeto rúnico acima) “é equiparado ao deus nórdico Thor. Essa força é na verdade andrônega. Bure aponta para uma imagem de Thor encontrada em Uppsala que é masculina na parte superior do corpo, feminina abaixo. […] Thor está ligado a Júpiter [Júpiter] e, portanto, a Jeová” (Flores p.13). Esta runa é a figura do meio da face superior do cubo na capa do livreto de Flores (ver abaixo) Ela foi girada  90 graus para a esquerda. O mesmo Bureus faz com as duas runas à esquerda e à direita. A runa esquerda é para Odin e a runa direita Freya. Acima e abaixo estão as runas U e R.

Seguindo desta forma Bureus propões recuperar a gnose hiperbórea por meio dos significados e usos de cada adulruna bem como das implicações simbólicos e míticas de suas combinações, arranjos e permutações. Cada runa tem por exemplo um valor numérico que são explorados com métodos semelhante ao Notaricon da cabala. Curiosamente  a figura na face inferior esquerda do cubo é chamada NotAriKon.

O material em português sobre as Adulrunas ainda é muito escasso salvo os esforços mencionados no início deste artigo pela RedeVamp e pormenorizados na bibliografia abaixo. Aos leitores da língua inglesa o livro “Nightside of the Runes: Uthark, Adulruna, and the Gothic Cabbala” de Thomas Karlsson  é também uma ótima alternativa.

Fontes Consultadas

LORD A .’. Adulrunas e Runosofia, Curso Oferecido pela RedeVamp, acessado em junho 2022.

LORD A .’. Therion, Runas, Uthark e Cabalas Góticas (ou Upsálicas), acessado em 08/06/2022

GANGLIERE, Johannes Bureus, the Renaissance rune magician, Gangliere acessado em 10/06/2022

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