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A Cabala e a Árvore da Sombra

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Shirlei Massapust

A “quebra dos vasos” foi um dos conceitos surgidos na cabala luriânica. Segundo Roy A Rosemberg, os vasos capacitores designados para as três sefirót superiores puderam conter a carga divina que irradiava para elas, mas a carga subitamente acumulada nas próximas seis sefirót foi demasiadamente forte, inutilizando sucessivamente os capacitores. Então as sobras produzidas pelo processo de entropia caíram, gerando as kelippot.

Durante o século XVI um grupo de cabalistas viveu em Safed, na Galiléia. Durante algum tempo, o grupo teve como mentor o grande gênio místico Isaac Luria que, baseado nas imagens do Zohar, desenvolveu vários conceitos adicionais que tiveram um papel muito importante na teoria mística judaica. Um deles é o conceito de tzimtzum (“contração”), segundo o qual, como Deus ocupa todos os espaços, Ele teve de contrair-se para ocupar uma parte mínima do seu infinito e abrir espaço para o universo criado. Como essa contração ocorreu igualmente de todos os lados, a forma resultante foi esférica. A luz criadora divina introduziu-se nela em uma linha reta e dispôs-se tanto em círculos concêntricos como em uma estrutura unilinear chamada de “o Homem Primordial que precedeu todos os outros primordiais”. Por esse motivo, a forma de um círculo e de um homem são as duas direções nas quais todas as coisas criadas se desenvolveram.

Outro conceito surgido na cabala luriânica é o da “quebra dos vasos”. Os vasos designados para as três sefirót superiores puderam conter a luz que irradiava para elas, mas a luz atingiu as próximas seis sefirót subitamente, e foi forte demais para ser contida nos vasos individuais. Um após o outro eles se quebraram e os pedaços se espalharam e caíram. O vaso da última sefirá, Realeza, também se quebrou, mas não tanto. Um pouco da luz que estivera contida nos vasos voltou à sua fonte, mas o resto foi arremessado para baixo, junto com os próprios vasos, e desses pedaços quebrados as kelippot, as forças das trevas, tiveram força. Eles também são a origem de toda a matéria. A pressão irresistível da luz sobre os vasos também fez todos os mundos descerem do lugar que havia sido destinado a eles, por isso todo o sistema do mundo está em desacordo com a ordem e posição originalmente pretendidas.

 

Lúria ensinou que os efeitos lamentáveis da quebra dos vasos podem ser superados pelo processo de tikkun (“restauração”). A força primordial do tikkun é a luz irradiada pela testa do Homem Primordial para reorganizar a confusão que resultou na quebra dos vazos.[1]

Uma descrição mais organizada e completa só apareceu na segunda metade do século XX, geralmente divulgada por autores da Golden Dawn e Ordo Templi Orientis.

Kenneth Grant conceituou as kelippot como “um mundo ou plano de entidades sem alma que, como tais, não estão verdadeiramente vivas, mas apenas protelando-se em cascões de pessoas que já foram conscientes”. Ou seja, são o que a teosofia chamaria de duplo etéreo.  “Eles são autômatos tais como aqueles que assombram cemitérios ou sessões espíritas”. Entre elas também “estão os mais perigosos remanescentes de elementais que já foram um dia altamente organizados que se arrastam numa existência sombria, vampirizando os vivos”.[2]

Segue abaixo a tabela vigente na da Golden Dawn compilada por Israel Regardie. [3]

Sefirót Kelippot
1. Kether Thaumiel – As duas forças contrárias.
2. Chokmah Ghogiel – Os obstrutores.
3. Binah Satariel – Os que ocultam.
4. Chesed Agshekelon – Os destruidores.
5. Geburah Golohab – Os incendiários.
6. Tiphareth Tagiriron – Os litigiosos.
7. Netzach Charab Tzerek – Os corvos da morte.
8. Hod Samael – O mentiroso ou o veneno de Deus.
9. Yesod Gamaliel – Os obscenos.
10. Malkuth Lilith – A rainha da noite e dos demônios.

Frater Nigris (Tyagi Nagasiva) disponibilizou na rede mundial de computadores o primeiro capítulo de uma obra inacabada sobre “as atribuições das Qlippoth (QLYPWTh: escudos, cascas ou demônios) para cada sephiroth (SPYRWTh: números, esferas ou emanações) e shevilim (ShBYLYM: caminhos) da Árvore da Vida”. [4] Seu Liber Qlipoth contém uma lista aprimorada dos “Escudos das Esferas”, com o nome do demônio-escudo contrário a cada esfera da árvore da cabala, seu valor numérico obtido via Gematria, entre outras providências:

Árvore da Cabala Qlipoth ou Escudos das Esferas
Esfera Escudos Transliterações e verssões
Kether ThAWMYAL 1 Thaumiel (também Kerethiel (Z)
Chokmah OWGYAL 2 Ogiel(G); Ghagiel (C); Chaigidel (M); Ghogiel (R); Chaigidiel (W); Zogiel (Z)
Binah SAThARYAL 3 Satariel; Satorial (Z)
Chesed GOShKLH

 

4 Gasheklah (G); Gha’ahsheblah (C); Gamchicoth (M); Agshekoloh (R); Gog Sheklah (W); Gagh Shekelah (Z)
Geburah GWLChB

 

5 Golachab (G, C); Galab (M); Golohab (R); Golab (W); Golahab (Z)
Tiphareth ThGRYRWN,

ZOMYAL (Z)

6 Tageriron (G); Thagiriron (C); Tagaririm (M); Tagiriron (R); Togarini (W); Zomiel (Z)
 

Netzach

ORB ZRQ,

QTzPYAL (Z)

7 Oreb Zaraq (G); A’arab Zaraq (C); Harab-Serapel (M); Garab Tzerek (R); Harab Serap (W); Ghoreb Zereq, Qetzephiel (Z)
Hod SMAL 8 Samael; Samiel (Z)
Yesod GMLYAL, NChShYAL

OWBRYAL (Z)

9 Gamaliel; (também Nachashiel e Obriel (Z)
Malkuth LYLYTh 10 Transliteração: Lilith
NOTA: Esta seleção contém citações inverificáveis supostamente extraídas da corrêspôndência inédita de MacGregor Mathers. As letras entre parênteses correspondem aos seguintes autores: (G) David Godwin, (C) Aleister Crowley, (M) MacGregor Mathers, (R) Israel Regardie, (W) A. E. Waite, (Z) Patrick Zalewski.

De 11/07/95 a 03/08/95 o angelólogo Emmanuel Fraga realizou um curso de férias sobre Anjos e Seres Divinos na Universidade Estácio de Sá (Campus Rebouças, Rio de Janeiro). Na parte dedicada à demonologia foi comentado que as kelippot residuais geraram um corpo nebuloso denominado Árvore da Sombra, oposto à Árvore da Cabala. A seguinte tabela foi escrita a giz no quadro-negro. (Adicionei termos hebraico junto às respectivas transcrições de transliterações).

Arvore da Cabala Árvore da Sombra
Sefira Hierarquia angélica Sefira Chefes
KETHER Serafins (Hajoth-ha-Kodesch). THAMIEL Satan (השטן) e Moloch (מלך)
HOCHMA Querubins (Ophanin). CHAIGIDEL Belzebu
BINAH Tronos (Aralim). SATANIEL Lucífugo
HESED Domínios (Haschmalin). GAMCHICOT Astaroth ou Ástarte (Vênus)
GEVURA Virtudes (Serafim). GALAB Asmodeu ou Samael-Negro.
TEPHERET Potestades (Malachim). TOGARINI Belfegor
NETZAH Principados (Elohim). HARAB-SERAPEL Baal.
HOD Arcanjos (Benei-ha-Elohim). SAMAEL Adramelech.
YESOD Anjos. (Querubim). GAMALIEL Lilith (Deusa do aborto)
MALCUT — (Ischim). NANHEMA Amalecitas, gibbōrîm (הגברים), repāîm (רפאם), nefilim (הנפלים), enacim (הענק), etc.

A adoção das nove ordens celestes dos tratados de Pseudo-Dionísio, o Areopagita (Gerarchia celesteNomi divini, etc.) reflete a influência cristã, bem como do uso do termo Lucífugo (do latim Lucifugus; o que foge da luz, escuso).

Note que a disponibilidade de apenas nove categorias angélicas para suprir onze sefiras fez o autor delegar MALCUT ao governo do homem e suprimir DAAT (conhecimento), justificando-se pela teoria de que esta seria uma sefira hipotética.[5]

Os nomes dos ocupantes de NAHEMA, apesar de definidos como “uma legião de demônios menores”, incluem os nascidos da união dos Filhos de Elohim com as filhas dos homens segundo o Gênese 6 e o livro apócrifo de Enoch.

No mais, a Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana descreve Lilith como “um dos sete demônios da cabala demoníaca: demônio do sexto dia, que os cabalistas opõem ao gênio de Vênus; ela é representada na figura de uma mulher desnuda cujo corpo termina em colo de serpente”.[6]

Notas:

[1] ROSEMBERG, Roy A. Guia Conciso do Judaísmo: História, Prática e Fé. Trd. Maria Clara De Biase W. Fernandes. Rio de Janeiro, IMAGO, 1992, p 122-123.

[2] GRANT, Kenneth. Renascer da Magia: As bases metafísicas da magia sexual. Trd. Cláudio Breslauer. São Paulo, Madras, 1999, p 240.

[3] REGARDIE, Israel. La Aurora DoradaUm compendio de lãs enseñanzas, ritos y ceremonias de la Orden de la Aurora Dorada. Trad. Eduardo Madirolas. Madrid, Luis Carcamo, Libro 1. p 160.

[4] Nagasiva, Tyagi. Liber Qlipoth – Os Escudos da Árvore da Vida (Parte Um). San Jose, 1993. Tradução autorizada pelo autor, de Soror Agarath: http://www.luckymojo.com/avidyana/plebe/l.qliphothport.html

[5] Em outras versões Daat é o portal que faz a ligação entre as duas árvores e tem como chefe/guardiã Lilith.

[6] Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana. Madrid/Barcelona, Espasa-Calpe, tomo XXX, verbete Lilith.

[7] CALAZANS, Flávio. Flávio Calazans e a Angeologia de São Dionisio Aeropagita Pseudo. 02/02/2016. <https://calazanista.blogspot.com/2016/02/flavio-calazans-e-angeologia-de-sao.html>.

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