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O Conceito de Maioral

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Tata Caratu e Rogerio Giusto
@caminhosdaserpente

Trecho do livro “Introdução a Quimbanda”

Em todas as tradições espirituais e correntes religiosas existe a concepção de um Ser Supremo, cuja compreensão encontra-se além de descrições e representações exotéricas’. Na Quimbanda brasileira este ser é chamado de Maioral.

Não existe uma única concepção sobre Maioral, mas como ideia central, existe o entendimento de que se trata de uma força ordenadora/coordenadora do Reino de Exu; o grande governante e mantenedor daquele reino, que rege as legiões de Exus e Pombagiras; o vortice central cuja energia se expande ou se concentra através da ação de Exu e Pombagira. A elaboração do conceito de Maioral teve início no sincretismo ocorrido entre os Exus (como almas de mortos) e os seres “não-nascidos” descritos na Demonologia.

Conforme descrito em mais detalhes na apostila “Breve História da Quimbanda”, Aluízio Fontenelle, um escritor umbandista, publicou em 1951 seu livro intitulado “Exu”. no qual comparou (estabelecendo paralelos e equivalências) os Exus com os demônios da Goetia, descritos nos grimórios medievais.

O primeiro passo desse sincretismo umbandista foi classificar 3 Exus que assumiriam os “Tronos Maiorais”. Lúcifer foi correlacionado com “Exu Lúcifer”. Beelzebuth/Beelzebub com “Exu Mor” e Astaroth/Ashtaroth com “Exu Rei das Sete Encruzilhadas”. A partir dessa tríade, os demais Exus foram classificados e renomeados segundo a demonologia dos antigos grimórios.

Após a descrição demoníaca de Aluízio Fontenelle, tudo que foi publicado posteriormente absorveu e replicou esse contexto. Muitos livros foram publicados corroborando cada vez mais essas associações. Com o movimento “Neo-Umbanda” e “Umbanda Esotérica”, essas classificações deixaram de ser aplicadas e aos poucos Exu deixou de ser demonizado e acabou sendo humanizado, adquirindo, por exemplo, o status e a alcunha de “guardião”.

ALGUNS ENTENDIMENTOS EXISTENTES

  • Maioral seria a entidade regente da casa/templo. Este é o entendimento de vertentes mais “ortodoxas”.
  • Maioral seria um Demônio com o qual o feiticeiro tem afinidade, e em relação ao qual desenvolve um trabalho mágico de fortalecimento. Ex: Carlos de Dantalian: Thiago de Beelzebuth.
  • Para alguns templos/vertentes, o título de Maioral é atribuído à triade de regentes do Inferno, conforme descrita no Grimorium Verum e no Grand Grimoire (Lúcifer, Belzebu, Astaroth), ou a um deles individualmente, por afinidade.
  • Maioral seria algo equivalente ao conceito de “Sagrado Anjo Guardião – SAG” em Thelema: algo como uma consciência deificada do praticante/adepto. (O termo Sagrado Anjo Guardião (S.A.G.) aparece no livro “A Magia Sagrada de Abramelin, o Mago”, significando algo como “a voz de Deus” dentro do individuo, ou seu “Eu Superior”. Acredita- se que aquela obra tenha sido a principal responsável pela disseminação do conceito de anjos da guarda em nível popular.)
  • No antigo conceito de “Linhas da Quimbanda”, a Maioral se subordinariam os regentes ou comandantes das linhas:
    • Linha das Almas (Exu Omulu)
    • Linha Nago (Exu Gererê)
    • Linha Mista (Exu das Campinas)
    • Linha dos Cemitérios (Exu Caveira)
    • Linha Mossurubi (Exu Kaminaloá)
    • Linha Malei (Exu Rei)
    • Linha dos Caboclos Quimbandeiros (Exu Pantera Negra)

Neste sistema, descrito por José Maria Bittencout, em seu livro “No Reino dos Exus” (2004). Sua Alteza Lúcifer, seria o chefe supremo no Reino dos Exus, o Maioral da Magia Negra, cujos poderes e forças são obedecidos in loco por seus comandados, e se apresentaria em 3 manifestações distintas (assim como a Santíssima Trindade Cristä): Lúcifer, Beelzebuth e Astaroth.

  • Em um entendimento. Maioral se trata de um portal de manifestação de forças que agrupa em sua essência os 4 elementos formadores da estrutura cósmica: Terra, Água. Ar e Fogo, sendo o próprio espírito amorfo que constrói e destrói a forma dos demais elementos. Neste caso as associações seriam: Terra (Belial – destruidor dos grilhões físicos) / Água (Leviathan – abolicionista das formas astrais) / Ar (Beelzebuth – libertador do pensamento) / Fogo (Lúcifer – portador da sabedoria).
  • Na Quimbanda Luciferiana é comum que o título “Lúcifer” seja atribuído à divindade máxima que rege os 7 Reinos da Quimbanda, o qual é chamado respeitosamente de Vossa Santidade Maioral dos Infernos (V.S.M.I.).
  • Maioral seria um ser criado a partir da fagulha dos antigos deuses obscuros, que atuaria como um grande canalizador de forças demoníacas; uma força amorfa que como um funil captaria as energias do macrocosmo e as distribuiriam no microcosmo (neste caso, o Reino de Exu).
  • Maioral é “algo” em essência muito distante das dinâmicas humanas, portanto, no ordenamento das diretrizes e condução de um templo, sua vontade é transmitida por entidades específicas, tidas como “ancias” (Ex. Kizombas). Na prática de um templo, o “chão” é da entidade chefe, e a “casa” é de Maioral.

Obs.: A “escolha dos seres denominados “demônios” nestas associações com conceitos de Maioral é uma arbitrariedade decorrente das afinidades e dos estudos de quem elaborou cada sistema. Ex:

  • Maioral como portal de manifestação de forças com a essência dos 4 elementos, sendo as associações: Belial (Terra) Leviathan (Água) / Beelzebuth (Ar) Lúcifer (Fogo); • Anton Szandor La Vey, em sua Bíblia Satânica (1969), menciona os 4 Príncipes Coroados do Inferno e suas associações com elementos assim: Sată (Fogo) / Lúcifer (Ar) / Belial (Terra) / Leviathan (Água): considerando os mesmos 4 seres que no “Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago”, escrito por volta de 1600, foram descritos como os 4 Príncipes Superiores (do Inferno).

O BAPHOMET/BAFOMÉ E A IMAGEM DE MAIORAL NA QUIMBANDA

A maioria dos templos/terreiros de Quimbanda usa a imagem de Baphomet/Bafomé (ou alguma variante muito similar) para representar Maioral. Isto decorre do sincretismo religioso na formação do culto, e no caso específico desta imagem, da influência de Éliphas Lévi, que em seu livro “Dogma e Ritual da Alta Magia” (1854), apresenta Baphomet na forma iconográfica que se perpetuou a partir de então.

No processo formador da Quimbanda, esta imagem chegou ao Brasil concomitantemente aos grimórios. Como a imagem é chocante (com elementos humanos e animais, masculinos e femininos), não tardou em ser associada a imagem do próprio diabo ou ainda, o demônio e suas legiões. Dessa forma, foi a imagem usada para representar os atributos de Maioral e a amplitude de seus poderes na Quimbanda.

Mas o que representa exatamente o Baphomet e qual a sua origem? Uma das imagens de presença mais marcante no universo ocultista contemporâneo (frequentemente interpretada como uma rebuscada representação do diabo católico), recebe o nome de Baphomet.

Baphomet é uma palavra e o símbolo de um ídolo pagão que surge no contexto da Ordem dos Cavaleiros Templários, embora apareça antes mesmo dos seus julgamentos pela Inquisição. Em 1265. o trovador Olivier Le Templier (provavelmente templário) escrevia em Ira et dolor:

“Então é fútil lutar contra os Turcos, agora que Jesus Cristo não se opõe mais a eles. Eles derrotaram os Francos, os Tártaros, os Armênios e os Persas, e continuam vencendo. Diariamente, eles nos impõem novas derrotas: pois Deus, que costumava olhar por nós, está dormindo, e Bafometz favorece o sultão com seu poder.”

Esta passagem deu margem a explicação erronea que Baphomet (independentemente da grafia) seria simplesmente uma forma dos Infiéis se referirem a Maomé.

O processo inquisitório movido contra os Templários continha inúmeras acusações, sendo uma especialmente notória, referente à adoração a um tipo de idolo, utilizado pelos acusados em seus rituais supostamente nefastos. Na época das acusações, dizia-se que em cerimônias secretas os Templários veneravam um demônio desconhecido, que aparecia sob a forma de um gato, um crânio recheado de grãos ou uma cabeça com três rostos. Entretanto, nada fora mencionado especificamente sob a denominação Baphomet.

Nas confissões (obtidas sob tortura) tratava-se sempre de uma cabeça (e apenas uma cabeça), e não havia consenso sobre as práticas a ela associadas. Baphomet sem dúvida não é o verdadeiro nome daquele objeto a que os Templários nunca nomearam em seus depoimentos. Apenas falavam em cabeça e idolo. A chave do enigma poderia encontrar-se na aldeia de Anzeghem. na atual Bélgica, onde se encontra uma velha igreja templária dedicada a São João Baptista, na qual existe uma cabeça de madeira, muito antiga, com barba e um cabo que se enfia na nuca para a apresentar à veneração dos fiéis. Na verdade, trata-se de um relicário que contém um fragmento do crânio de São João Baptista, um dos personagens mais venerados pelos Templários. Mas com a execução dos templários, a história de Baphomet estava apenas começando. A figura de Éliphas Lévi pode ter sido a primeira a associar diretamente o bode ao ídolo Templário. Provavelmente, por sua bagagem católica, a imagem Bíblica do sacrifício do Bode Expiatório tenha lhe servido de inspiração. No Egito, o bode não possuía uma importância religiosa expressiva, exceto neste culto sacrificial, na cidade de Djedet (em grego: Mendes). Daí a denominação “Bode de Mendes” escolhida por Lévi.

A visão de Éliphas Lévi sobre Baphomet é um compilado de várias ideias. O andrógino divino, a sacralidade da energia sexual. a ideia da divindade integrada ao mundo, conceitos da Alquimia e da Cabalá, etc.; e condensa um conjunto de opostos. em propriedades masculinas e femininas, diurnas e noturnas, sugerindo o equilíbrio da criação através do retorno à androginia primordial. Baphomet é a relação intrínseca entre tudo que vive; o nome dado a um mistério; a divindade da força vital da Terra.

Um dos documentos Rosa-Cruzes autênticos é “O Anfiteatro da Eterna Sabedoria”. (Amphitheatrum sapientiae aeternae) de Heinrich Khunrath, que foi manuscrito em 1598 e publicado na Alemanha em 1609, após a morte do autor. O manuscrito continha inicialmente 7 lâminas alegóricas que serviam como ferramentas de meditação para compreender a Iniciação (conforme a Tradição Esotérica Ocidental). Depois de sua morte, alguns de seus discípulos publicaram o manuscrito. Infelizmente eles não compreendiam o significado das lâminas e inepciamente adicionaram à publicação 5 lâminas destituídas de significado. Assim, a menos que se saiba quais são as lâminas originais e quais as que foram adicionadas, o documento tem pouco valor.

Uma das lâminas deste documento (“O Andrógino”, ou “O Hermafrodita”, ou “A Pedra Filosofal”) é referida por Éliphas Lévi como uma das fontes para a sua concepção do Bode de Mendes (Baphomet/Bafomé):

“O bode que é representado no nosso frontispicio, traz na fronte o signo do pentagrama, com a ponta para cima, o que é suficiente para fazer dele um símbolo de luz: faz com as mãos o sinal do ocultismo, e mostra em cima a lua branca de Chesed e embaixo a lua preta de Geburah. Este sinal exprime o perfeito acordo da misericórdia com a justiça. Um dos seus braços é feminino, o outro é masculino, como no andrógino de Khunrath, cujos atributos tivemos de reunir aos do nosso bode, pois que é um único e mesmo simbolo. O facho da inteligência que brilha entre seus chifres é a luz mágica do equilibrio universal; é também a figura da alma elevada acima da matéria, como a chama está presa ao facho. A cabeça horrenda do animal exprime o horror do pecado de que só o agente material, único responsável, deve para sempre sofrer a pena: porque a alma é impassivel por sua própria natureza, e só chega a sofrer. materializando-se. O caduceu, que está em lugar do órgão gerador, representa a vida eterna: o ventre coberto de escamas é a água: o circulo que está em cima é a atmosfera: as penas que vem depois são o emblema do volátil: depois. a humanidade é representada pelos dois seios e os braços andróginos desta esfinge das ciências ocultas.”

Éliphas Lévi também forneceu o modelo para outras imagens associadas ao Baphomet. Em “Dogma e Ritual da Alta magia” ele tece uma discussão sobre o pentagrama invertido, que em 1897 o cultista francês Stanislas de Guaita ilustra em “Le Clef de la Magie Noire” (A Chave da Magia Negra). Este foi o símbolo que Anton Szandor LaVey passou a chamar de “Sigilo de Baphomet” ao adotá- lo como símbolo de sua Igreja de Sată, fundada em 1969.

Etimologicamente, já foi sugerido que “Baphomet” proviria da união de dois vocábulos gregos, “Baphe” e “Metis”, significando “Batismo de Sabedoria”: em outra hipótese viria da conjunção de “Baphe” e “Metros”. algo como “Batismo da Mãe”: e em doutrinas gnósticas seriam “Baphe” e “Metios”, formando a expressão “Tintura de Sabedoria”. Para Éliphas Lévi, o nome Baphomet tem um significado cabalístico, um anagrama (Tem ohp ab) do latim Templi omniu pacis abbas (O pai do templo, paz universal dos homens), sugerindo que o Templo em questão fosse o de Salomão.

Éliphas Lévi assim descreve o Baphomet:

“Figura panteística e mágica do absoluto. O facho colocado entre os dois chifres representa a inteligencia equilibrante do ternário: a cabeça de bode, cabeça sintética, que reúne alguns caracteres do cão, do touro e do burro, representa a responsabilidade só da matéria e a expiação, nos corpos, dos pecados corporais. As mãos são humanas. para mostrar a santidade do trabalho: fazem o sinal do esoterismo em cima e em baixo, para recomendar o mistério aos iniciados e mostram dois crescentes lunares, um branco que está em cima, o outro preto que está em baixo, para explicar as relações do bem e do mal, da misericórdia e da justiça. A parte baixa do corpo está coberta. imagem dos mistérios da geração universal, expressa somente pelo símbolo do caduceu. O ventre do bode é escamado e deve ser colorido em verde: o semicirculo que está em cima deve ser azul: as pernas, que sobem até o peito, devem ser de diversas cores. O bode tem peito de mulher e, assim, só traz da humanidade os sinais da maternidade e do trabalho, isto é, os sinais redentores. Na sua fronte e em baixo do facho, vemos o signo do microcosmo ou pentagrama de ponta para cima, simbolo da inteligência humana que, colocado assim, embaixo do facho, faz da chama deste uma imagem da revelação divina”.

Maçons. Satanistas, Thelemitas, Wiccanos, Magistas do Caos, etc., todos esses grupos têm os Templários como referência de uma organização que possuía conhecimentos arcanos, e cujo legado simbólico inclui o Baphomet.

Peter J. Carroll, em seu “Liber Null e Psiconauta” (onde o termo Magia do Caos aparece pela primeira vez), diz sobre Baphomet:

“Baphomet é o campo de energia psíquica gerado pela totalidade dos seres vivos deste planeta. Desde o zon Xamânico, foi representado de diversas formas, como Pã. Pangenitor, Pamphage. Pai de Todos, Destruidor de Tudo, como Shiva-Kali (falo criador e mãe abominável e destruidora), como Abraxas (deus polimorfo que é tanto bom quanto mau), como o diabo de cabeça animalesca do sexo e da morte, como o maligno Arconte sobre este mundo, como Ishtar ou Astarte (deusa do amor e da guerra), como Anima Mundi (ou Alma do Mundo), ou simplesmente como “Deusa”. Outras representações incluem a Águia, ou Barão Samedi, ou Thanateros, ou Cemnuno (o deus cornudo dos celtas).”

A representação de Éliphas Lévi para o Baphomet foi livremente inspirada em várias referências. Aparentemente, além do “Andrógino de Khunrath”, houve influências de ornamentos arquitetônicos de construções relacionadas aos Templários, como o pequeno diabo que ornamenta o portal da Igreja de Saint- Merri, em Paris (o clero local afirma que aquela estatueta data apenas do início do século XIX); e as gárgulas grotescas da Comenda Templária de Saint Bris le Vineux que pertencia à Ordem (por sinal, semelhantes ao diabo de Saint-Merri).

A imagem de Baphomet é visivelmente carregada de significados esotéricos tão amplos que dão margem à diversas interpretações, de forma que cada corrente filosófica percebe nela atributos diferentes. Seu repertório de traços demoníacos e símbolos não cristãos tornou-a o receptáculo perfeito para a morada do “Inimigo de Deus”.

A Igreja cristã apropriou-se dessa imagem como um ícone para propagar o medo que sua doutrina necessitava para manter-se viva. A imagem de Baphomet tornou-se a de Sată/Lúcifer, cultuado pelos bruxos em suas ritualísticas de Sabbat Negro, onde o deus adorado era o bode negro, também conhecido como Mestre Leonardo.

Para a Quimbanda. Maioral é um Ser amorfo, portanto, todas as imagens ou gravuras são apenas abstrações para facilitar o entendimento, mas ao se analisar a imagem de Baphomet, encontram-se vários elementos importantes que podem ser associados a Maioral. A imagem possui:

  • Asas: Representam o elemento ar, associado ao “Maioral Beelzebuth”. As asas são a expressão da liberdade que quebra as barreiras mentais.
  • Escamas: Representam o elemento água, associado ao “Maioral Leviathā”. As escamas são armaduras que garantem a movimentação no astral amorfo, ou seja, a libertação de tudo que escraviza no astral.
  • Cascos: Representam o elemento terra, associado ao “Maioral Belial”. Os cascos são fortes e as fendas garantem o equilíbrio sob qualquer circunstância. Esse é o símbolo da força necessária para destruir as correntes aprisionadoras do ego: os vícios, as falhas, o sentimentalismo, o apego, a necessidade de autoafirmação. etc.
  • Tocha/Archote: Representa o elemento fogo, associado ao “Maioral Lúcifer”. Esse elemento é responsável pela busca da iluminação interior e espiritual. pelo êxito decorrente do sacrifício na jornada espiritual.

A cabeça do bode indica uma relação direta com a bestialidade, com o caos, instintos animais, agressivos, que o homem tenta sufocar e as Leis aprisionar. É uma forma de entender que apesar da aparência, somos animais e devemos saciar nossos instintos.

A tocha sobre a cabeça lembra-nos que tais instintos devem ser submetidos à vontade, e controlados e manipulados conforme a necessidade.

Os chifres também são uma expressão do lado animal e da dualidade energética (pela força de penetração e por sua abertura em forma de receptáculo) que todos os adeptos possuem. Indicam a ancestralidade, o poder, a coroa e a proteção ao archote de Lúcifer, afinal, “é a luz que cega os profanos”. Os chifres do bode são um símbolo de fertilidade e procriação, mostrando a ligação com a Terra e todas as disputas que ocorrem nela. Numa visão mais esotérica, tais chifres são símbolos relacionados aos poderes infernais, pois representam o aspecto lunar e não solar como os do carneiro.

Apesar de Maioral possuir a chama de Lúcifer em sua essência, protege-a de profanos tolos.

Seus chifres demonstram que na Terra é Imperador e possui poderes receptivos e dinâmicos, masculinos e femininos, positivos e negativos, construindo ou destruindo conforme a necessidade. Na concepção de Éliphas Lévi estes aspectos estão relacionados à androginia (em seu contexto na Alquimia), mas isto pode ser interpretado também como a posse do domínio sobre ambas as energias.

Diversas culturas pagās tinham o bode como um animal sagrado representante de fertilidade procriadora. No entanto, a figura de animal expiatório, elaborada nas religiões semitas, concentrou simbolicamente a redenção de seus pecados nesses animais. A religião cristita fez do bode a própria figura do diabo. retirando a divindade desse animal sagrado e repleto de energia sexual.

Na imagem tradicional, um pentagrama representa o centro energético frontal (chacra Ajna), entretanto, no entendimento sinistro, apenas o pentagrama invertido pode representar o caminho para o inconsciente, pois a ponta que representa o espírito deve estar voltada para o submundo (para baixo), região onde nossas sombras habitam, de forma que ocorra o autoconhecimento.

Os braços musculosos remetem ao aspecto guerreiro, forte e onipotente, que na Quimbanda portam os garfos (tridentes) eternos no culto.

As mãos, posicionadas para cima e para baixo, podem ser interpretados: 1) Como o postulado hermético “O que está em cima é como o que está embaixo. e o que está embaixo é como o que está em cima”; 2) “O que está em cima e o que está embaixo são mistérios que só os iniciados enxergarão!”. Como apenas dois dedos apontam o caminho (Luz ou Escravidão), uma conclusão possível é que o caminho oculto deve ser preservado.

Os seios na imagem de Maioral são representações do oceano primordial e honrarias ao ser que deu origem à sagrada linhagem, como forma de embate aos dogmas e comportamentos preestabelecidos. Também representam um Ser que, através de uma força nutriz, protege eternamente os Seus escolhidos.

Na barriga da imagem encontra-se o falo representado pelo Caduceu de Hermes/Mercúrio. O falo aparece de forma peculiar, pois salta de um manto que cobre as pernas do ídolo. O mesmo atravessa um semicirculo que divide a imagem. Esse semicirculo pode representar o arco zodiacal. O falo fecunda e age como um totem para forças além-matéria, e é como um cetro de poder regendo o equilibrio dinâmico de duas forças.

Esotericamente, em paralelo ao falo (eixo central) está representado o desenho da Árvore da Morte (Otz Daath).

O manto cobre aquilo que não deve ser visto, que ainda se forma ou que nunca existiu. Cobre as pernas entrecruzadas de Maioral, numa espécie de posição de autoridade, assentado sobre a Terra, de onde rege Seus reinos, povos, legiões e escravos.

Em uma concepção microcósmica, o fogo luciférico sob a forma serpentina adormecida no chakra básico (muladhara) quando ascendentemente pelos nadis (canais) Ida e Pingala até atingir o chackra coronário (sahasrara), resultando na Iluminação do indivíduo.

Essa imagem possui duas cobras entrelaçadas que posicionam suas cabeças como se estivessem na iminência do confronto/guerra. Essas duas serpentes representam as duas polaridades em embate, comunhão e procriação. Além disso, também representam a unidade de Luz e Trevas em um mesmo corpo (base de toda nossa crença).

Outro conceito interessante é a associação das duas serpentes com as correntes lunares e solares, denominadas de Ob e Od (veneno e antídoto).

Conforme tais considerações, a imagem de Baphomet torna-se admissível para representar Maioral na Quimbanda. Alguns consideram a imagem de Baphomet como a representação de Lúcifer como Maioral.

Alguns consideram a imagem de Baphomet como a representação de Beelzebuth como Maioral, o que pode ser corroborado pela forma de bode como aquele aparece descrito no Grimorium Verum.

Independentemente de tais associações feitas com a imagem de Baphomet serem coerentes ou fantasiosas/romantizadas, o fato é que tais sincretismos passam a ser chancelados coletivamente, adquirindo o poder energético condensado em egrégoras por séculos.

Uma abordagem interessante é ter a imagem de Baphomet como referência do magista/quimbandeiro perfeito que o adepto almeja ser, com base nos conceitos herméticos contidos naquela imagem, que sintetiza o arquétipo de perfeição e o domínio sobre os 4 elementos (Terra, Ar, Fogo e Água).


Tatá Caratu. Templo Caminhos da Serpente. Quimbanda Luciferiana, Bruxaria Ancestral. Telegram, instagram: @caminhosdaserpente

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