Este texto foi lambido por 296 almas esse mês
Excerto de o Despertar dos Mágicos de Louis Pauwels e Jacques Bergier
O crítico literário e filósofo Albert Béguin afirmava que Balzac era mais um visionário do que um observador. Essa tese parece-me exacta. Num conto admirável, Le Rèquisitionnaire, Balzac imagina o aparecimento da parapsicologia, que se produzirá na segunda metade do século XX e tentara estabelecer como ciência exacta o estudo dos “poderes psíquicos” do homem:
“Precisamente à hora a que Madame de Dey morria em Carentan, fuzilavam seu filho no Morbihan. Podemos juntar este acontecimento trágico a todas as observações sobre as simpatias que desconhecem as leis do espaço; documentos que reúnem com sábia curiosidade alguns homens solitários, e que servirão um dia para estabelecer as bases de uma ciência nova à qual faltou até agora um homem de génio.”
Em 1891, Camille Flammarion declarava[1]: “O nosso fim de século assemelha-se ao do século anterior. O espírito sente-se fatigado das afirmações da filosofia que se qualifica de positiva. Julgamos adivinhar que ela se engana… Conhece-te a ti próprio! dizia Sócrates. Há milhares de anos aprendemos uma imensidade de coisas, excepto a que mais nos interessa. Parece que a actual tendência do espírito humano é finalmente a de obedecer a máxima socrática”.
À casa de Flammarion, no observatório de Juvisy, ia Conan Doyle uma vez por mês, vindo de Londres, estudar com o astrónomo fenómenos de vidência, de aparições, de materializações, aliás duvidosos. Flammarion acreditava em fantasmas e Conan Doyle coleccionava “fotografias de fadas”. A “nova ciência” pressentida por Balzac ainda não nascera, mas sentia-se-lhe a necessidade.
Vitor Hugo dissera magnificamente no seu comovente estudo sobre William Shakespeare: “Todo o homem tem nele o seu Patmos. É livre de ir ou não ir a esse pavoroso promontório do pensamento desde o qual se vislumbram as trevas. Se lá não vai, mantém-se na vida vulgar, na consciência vulgar, na virtude vulgar, na fé vulgar, na dúvida vulgar, e está certo. Para o repouso interior é evidentemente melhor. Se se dirigir a esse cume, está apanhado. As profundas vagas do prodígio mostraram-se-lhe. Ninguém vê impunemente esse oceano… Ele obstina-se nesse abismo atraente, nessa sondagem do inexplorado, nesse desinteresse pela Terra e pela vida, nessa entrada no que é proibido, nesse esforço de tactear o impalpável, nesse olhar sobre o invisível, ali volta, ali regressa, ali se agarra, ali se debruça, ali dá um passo, depois dois, e é assim que penetra no impenetrável, e é assim que avançamos no alargamento sem limites da condição infinita”.
Quanto a mim, foi em 1939 que tive a visão exacta de uma ciência que, por trazer testemunhos irrecusáveis sobre o homem interior, em breve obrigaria o espírito a uma nova reflexão a respeito da natureza do conhecimento e, ao avançar, levaria a modificar os métodos de toda a pesquisa científica, em todos os domínios. Tinha eu dezanove anos quando a guerra se apossou de mim na altura em que decidira consagrar a vida à criação de uma psicologia e de uma fisiologia dos estados místicos. Nesse momento li na Nouvelle Revue Française um ensaio de Jules Romains: “Resposta à mais vasta interrogação,” que inesperadamente veio reforçar a minha posição. Também esse ensaio era profético. De facto, depois da guerra nasceu uma ciência do psiquismo, a parapsicologia, que está actualmente em pleno desenvolvimento, ao passo que no interior das ciências oficiais, como as matemáticas ou a física, o espírito, de certa maneira, mudava de plano.
“Suponho, escrevia Jules Romains, que a principal dificuldade para o espírito humano, não é tanto atingir conclusões verdadeiras numa certa ordem ou em determinadas direcções, mas descobrir o meio de harmonizar as conclusões às quais chega ao trabalhar com diversas ordens de realidade, ou ao embrenhar-se por diversas direcções que variam segundo as épocas. Por exemplo, é-lhe muito difícil harmonizar as ideias em si mesmas muito exactas, às quais foi levado pela ciência moderna trabalhando sobre os fenómenos físicos, com as ideias, talvez muito válidas também, que encontrara nas épocas em que se ocupava principalmente das realidades espirituais ou psíquicas, e às quais ainda hoje recorrem aqueles que, à parte os métodos físicos, se consagram a investigações de ordem espiritual ou psíquica. Não penso de forma alguma que a ciência moderna, que é muitas vezes acusada de materialismo, esteja ameaçada por uma revolução que arruinaria os resultados a respeito dos quais tem certezas (só podem estar ameaçadas as hipóteses demasiado gerais ou prematuras de que não está certa). Mas um dia pode encontrar-se perante resultados tão coerentes, tão decisivos, atingidos pelos métodos chamados “psíquicos”, que lhe será impossível considerá-los, como agora o faz, nulos e não existentes. Muitas pessoas supõem que nessa altura as coisas se arranjarão facilmente, a ciência considerada “positiva” não devendo então senão conservar calmamente o seu actual domínio, e deixar desenvolver-se fora das suas fronteiras conhecimentos diferentes, que actualmente considera puras superstições, ou que afasta para o “inconhecível”, abandonando-as desdenhosamente à metafísica. Mas as coisas não se passarão tão comodamente. Muitos dos resultados mais importantes da experimentação psíquica, no dia em que forem confirmados – se o vierem a ser – e oficialmente considerados como “verdades”, virão atacar a ciência positiva no interior das suas fronteiras; e será necessário que o espírito humano, que até aqui, por medo das responsabilidades, simula não dar pelo conflito, se decida a fazer uma arbitragem. Seria uma crise muito grave, tão grave como a que foi provocada pela aplicação das descobertas físicas na técnica industrial. A própria vida da humanidade seria alterada. Julgo essa crise possível, provável e mesmo bastante próxima”.
*
Numa manhã de Inverno, acompanhei um amigo à clínica onde devia ser operado de urgência. O dia ainda não rompera completamente e caminhávamos sob a chuva, procurando angustiosamente um táxi. A febre invadia o meu amigo cambaleante que, de súbito, me apontou com o dedo, sobre o passeio, uma carta de jogar coberta de lama.
“Se for um Joker, disse, é porque tudo correrá bem.”
Apanhei a carta e virei-a. Era um Joker.
A parapsicologia tenta sistematizar o estudo dos factos dessa natureza por acumulação experimental. Será o homem normal dotado de um poder que ele quase nunca utiliza, simplesmente porque, segundo parece, foi persuadido de que não o possui Uma experimentação realmente científica parece na verdade eliminar a noção de acaso. Tive ocasião de participar, em companhia, inclusivamente, de Aldolls Huxley, no Congresso Internacional de Parapsicologia de 1955, e, depois, de seguir os trabalhos interessados nessa investigação. Não seria possível duvidar da seriedade desses trabalhos. Se a ciência não acolhesse os poetas com certa reticência, aliás legítima, a parapsicologia poderia encontrar uma excelente definição em Apollinaire:
Todo o mundo é profeta, meu caro André Billy,
mas há tanto tempo que dizem às pessoas
Que não têm futuro e ficarão para sempre ignorantes
E idiotas de nascença
Que nos resignámos e que ninguém tem sequer a ideia
De perguntar a si próprio se conhece ou não o futuro.
Não há, em tudo isto, espírito religioso
Nem nas superstições nem nas profecias
Nem em tudo a que se chama ocultismo
Existe principalmente uma forma de observar a natureza
E de interpretar a natureza
Que é muito legítima[2].
A experimentação parapsicológica parece provar que existem, entre o Universo e o homem, outras relações além das estabelecidas pelos sentidos habituais. Todo o ser humano normal poderia ver objectos à distância ou através das paredes, influenciar o movimento dos objectos sem lhes tocar, projectar os seus pensamentos e os seus sentimentos no sistema nervoso de outro ser humano, e finalmente ter por vezes a percepção de futuros acontecimentos.
Sir H. R. Haggard, escritor inglês, falecido em 1925, apresentou, no seu romance Nlaiwas Revenge, uma descrição pormenorizada da evasão de Allan Quatermain, o seu herói. Este é capturado pelos selvagens ao transpor um rochedo. Os seus perseguidores agarram-no por um pé: ele liberta-se disparando sobre eles um tiro de pistola, paralelamente à sua perna direita. Alguns anos após a publicação do romance, um explorador inglês apresenta-se em casa de Haggard. Vinha propositadamente de Londres perguntar ao escritor como é que este soubera da sua aventura com todos os pormenores, pois não falara a ninguém no caso e pretendia manter esse assassínio secreto.
Na biblioteca do escritor austríaco Karl Hans Strobi, falecido em 1946, o seu amigo Willy Schrodter fez a seguinte descoberta: “Abri as suas obras, colocadas numa prateleira. Havia inúmeros artigos de imprensa entre as páginas. Não eram críticas, como a princípio supus, mas notícias vulgares. Verifiquei impressionado que relatavam acontecimentos descritos muito tempo antes por Strobi”.
Em 1898, um actor de ficção científica americano, Morgan Robertson, descrevia o naufrágio de um navio gigantesco. Esse navio imaginário deslocava 70000 toneladas, media 800 pés e transportava 3000 passageiros. O motor era equipado com três hélices. Numa noite de Abril, quando da sua primeira viagem, descobria, no nevoeiro, um icebergue que se afundava. O seu nome era O Titã.
O Titanic que mais tarde em 1912 viria a desaparecer nas mesmas circunstâncias, deslocava 66 000 toneladas, media 828,5 pés, transportava 3000 passageiros e possuía três hélices. A catástrofe deu-se numa noite de Abril.
Isto são factos. Eis agora experiências feitas por parapsicólogos:
Em Durham, U.S.A., o experimentador tem na mão um jogo de cinco cartas especiais. Baralha as cartas e tira-as uma após as outras. Uma máquina de filmar regista. No mesmo instante, em Zagreb, na Jugoslávia, outro experimentador tenta adivinhar qual a ordem em que as cartas são tiradas. Isto é repetido milhares de vezes. A proporção de respostas certas é mais importante do que o acaso permite.
Em Londres, numa sala fechada, o matemático J. S. Soal tirá cartas de um baralho semelhante. Atrás de uma divisão opaca, o estudante Basil Shakelton procura adivinhar. Se compararmos, verificaremos que o estudante adivinhou, neste caso numa proporção igualmente superior ao acaso, de cada vez a carta que ia sair na manipulação seguinte.
Em Estocolmo, um engenheiro constrói uma máquina que, automaticamente, lança dados ao ar e filma-lhes a queda. Os espectadores, membros da Universidade, tentam mentalmente favorecer a queda de um determinado número, desejando intensamente essa queda. Conseguem-no numa proporção que o acaso não seria suficiente para justificar.
Estudando os fenómenos de premonição em estado de sono, o inglês Dunne demonstrou científicamente que certos sonhos são capazes de revelar um futuro, mesmo longínquo[3], e dois investigadores alemães, Moufang e Stevens, num trabalho intitulado Le Nlystère des Rêvesz, citaram numerosos casos precisos, verificados, nos quais os sonhos tinham revelado acontecimentos futuros ou conduzido a importantes descobertas científicas.
O célebre atomista Niels Bohr, quando estudante, teve um sonho estranho. Viu-se sobre um sol de gás escaldante. Vários planetas passavam assobiando. Estavam ligados a esse sol por delgados filamentos e giravam em redor. De súbito, o gás solidificou-se, o sol e os planetas desfizeram-se. Niels Bohr acordou nessa altura e teve consciência de que acabava de descobrir o modelo do átomo, tão procurado. O “sol” era o centro fixo em volta do qual giravam os electrões. Toda a física atómica moderna e suas aplicações saíram desse sonho.
O químico Auguste Kékulé conta: “Uma noite de Verão adormeci na plataforma do autocarro em que regressava a casa. Vi nitidamente a maneira como, por todos os lados, os átomos se uniam aos pares que eram arrastados por grupos mais importantes, eles próprios atraídos por outros ainda mais potentes; e todos esses corpúsculos rodopiavam numa roda desenfreada. Passei uma parte da noite a transcrever a visão do meu sonho. A teoria da estrutura estava descoberta.”[4]
J. W. Duinne sonhou, em 1901, que a cidade de Lowestoft, nas encostas do canal da Mancha, era bombardeado por uma esquadra estrangeira. Esse bombardeamento deu-se em 1914, com todos os pormenores registados em 1901 por Dunne.
Esse mesmo Dunne viu em sonhos os cabeçalhos dos jornais anunciando a erupção do Monte Yelé, na Martinica, alguns meses antes do acontecimento (1902).
Depois de ler nos jornais a descrição dos bombardeamentos de Londres, um engenheiro da companhia americana de telefones Bell teve, numa noite do Outono de 1940, um sonho no qual se viu desenhando o plano de um aparelho que permitia apontar um canhão antiaéreo sobre o local exacto por onde passará um avião de que conhece a trajectória e a velocidade. Ao acordar, ele traçou o esquema, “de memória”. O estudo desse aparelho, que utilizaria pela primeira vez o radar, foi feito pelo grande sábio Norbert Wiener e as reflexões de Wiener a tal respeito viriam a originar o nascimento da cibernética.
“Não se pode decididamente menosprezar, dizia Lovecraft, a importância titanesca que podem ter os sonhos. Também não se deverá, daqui em diante, considerar desprezíveis os fenómenos de premonição, quer em estado de sonho, quer em estado de vigília. Indo muito além dos conhecimentos adquiridos pela psicologia oficial, a comissão de energia atómica americana propunha em 1958 a utilização de “clarividentes” para tentar adivinhar os locais de queda dos bombardeamentos russos em
caso de guerra[5].
*
O misterioso passageiro embarcou a bordo do submarino atómico Nautilzus a 25 de Julho de 1959. O submarino afastou-se imediatamente e, durante quinze dias, percorreu debaixo de água as profundezas do oceano Atlântico. O passageiro sem nome fechara-se na sua cabina. Apenas o marinheiro que lhe levava a comida e o capitão Anderson, que lhe fazia uma visita quotidiana, lhe tinham visto o rosto. Ele entregava, duas vezes por dia, uma folha de papel ao capitão Anderson. Sobre essa folha de papel achavam-se as combinações de cinco signos misteriosos: uma cruz, uma estrela, um círculo, um quadrado e três linhas onduladas. O capitão Anderson e o passageiro desconhecido punham a sua assinatura sobre a dita folha, e o capitão Anderson fechava-a num envelope depois de pôr dois carimbos no interior. Um levava a hora e a data. O segundo as palavras “ultra-secreto, para destruir em caso de risco de captura do submarino”. Na segunda-feira, 10 de Agosto de 1959, o submarino acostava em Croyton. O passageiro subiu para um automóvel oficial que, sob escolta, o depositou no aeródromo militar mais próximo.
Algumas horas mais tarde, o avião aterrava no pequeno aeródromo da cidade de Friendship, no Maryland. Um automóvel aguardava o viajante. Conduziu-o a um edifício que tinha a seguinte inscrição: “Centro de Pesquisas Especiais Westinghouse. Entrada proibida a qualquer pessoa não autorizada”. O automóvel parou diante do posto de guarda, e o viajante pediu para falar com o coronel William Bowers, director das ciências biológicas da Repartição de Investigações das Forças Aéreas dos Estados Unidos.
O coronel Bowers esperava-o no seu gabinete:
– Sente-se tenente Jones – disse-lhe. – Tem o envelope?
Sem uma palavra, Jones entregou o envelope ao coronel, que se dirigiu a um cofre-forte, abriu-o, e de lá retirou um envelope
idêntico, apenas com a diferença de que o carimbo que ostentava não tinha escrito “Submarino Nautilus” mas “Centro
de Investigações X, Friendship, Maryland”.
O coronel Bowers abriu os dois envelopes para deles retirar maços de envelopes mais pequenos, que por sua vez abriu e, silenciosamente os dois homens puseram de lado as folhas cujas datas eram semelhantes. Depois, compararam-nas. Com uma precisão de mais de 70 por cento, os signos eram os mesmos, e colocados na mesma ordem sobre ambas as folhas que tinham
a mesma data.
“Estamos numa curva da História – disse o coronel William Bowers. – Pela primeira vez no Mundo, em condições que não permitiam qualquer batota, com uma precisão suficiente para aplicação política, o pensamento humano foi transmitido através do espaço, sem intermediário, de um cérebro para outro cérebro!”
Quando for possível saber os nomes dos dois homens que participaram nessa experiência, serão sem dúvida retidos para
a história das ciências.
De momento trata-se do “tenente Jones”, que é oficial da marinha, e do “cidadão Smith”, um estudante da Universidade de Duke em Durham (Carolina do Norte, Estados Unidos).
Duas vezes por dia, durante os dezasseis dias que durou a experiência, fechado numa dependência de onde nunca saiu, o cidadão Smith colocava-se diante de um aparelho automático que baralhava cartas. No interior desse aparelho, num tambor, um milhar de cartas eram agitadas. Tratava-se não de vulgares cartas de jogar, mas de cartas simplificadas, chamadas cartas de Zener. Essas cartas, há muito tempo empregadas para as experiências de parapsicologia, são todas da mesma cor. Têm um dos cinco símbolos seguintes: três linhas onduladas, círculo, cruz quadrado, estrela. Duas vezes por dia, sob a acção de um movimento de relojoaria, o aparelho expelia uma carta, ao acaso, com um minuto de intervalo. O cidadão Smith olhava fixamente essa carta tentando pensar nela com intensidade. À mesma hora, a 2000 quilómetros de distância, a centenas de metros de profundidade sob o oceano, o tenente Jones tentava adivinhar qual era a carta que o cidadão Smith olhava. Anotava o resultado, e pedia ao comandante Anderson para subscrever a folha de experiência. Sete vezes sobre dez o tenente Jones acertou. Nenhuma batota era possível. Mesmo se supusermos as cumplicidades mais extraordinárias, não podia haver qualquer ligação entre o submarino mergulhado e o laboratório onde se encontrava o cidadão Smit” As próprias ondas de T.S.F. não podem penetrar várias centenas de metros de água do mar. Pela primeira vez na História da ciência obtivera-se a prova indiscutível da possibilidade, entre dois cérebros humanos, de comunicar à distância. O estudo da parapsicologia entrava finalmente numa fase científica.
Foi sob a pressão das necessidades militares que foi feita esta grande descoberta. Desde o princípio de 1957, a famosa organização Rand, que se ocupa das mais secretas investigações do governo americano, apresentava um relatório a esse respeito ao presidente Eisenhower. “Os nossos submarinos, lia-se ali, são agora inúteis, pois é impossível comunicar com eles quando estão mergulhados, e sobretudo quando estiverem sob a crosta polar. Todos os processos modernos devem ser empregados. Durante um ano, o relatório Rand não produziu qualquer efeito. Os conselheiros científicos do presidente Eisenhower achavam que a ideia fazia lembrar demasiadamente as mesas giratórias. Enquanto o “bip-bip” do Spoutnik ressoava como um sino sobre o fundo, os maiores sábios americanos decidiram que era tempo de atacar em todas as direcções, incluindo aquelas que os russos desdenhavam. A ciência americana fez apelo à opinião pública. A 13 de Julho de 1958, o suplemento de domingo do New York Herald Tribune publicava um artigo do maior especialista militar da imprensa americana, Ansel E. Talbert.
Este escrevia: “É indispensável para as forças armadas dos Estados Unidos saber se a energia emitida por um cérebro humano pode influenciar, a milhares de quilómetros, outro cérebro humano. . . Trata-se de uma investigação absolutamente científica e os fenómenos constatados são, como tudo o que é produzido pelo organismo vivo, alimentados em energia pela combustão dos alimentos no organismo. . .
A amplificação deste fenómeno poderá fornecer um novo meio de comunicação entre os submarinos e a terra firme, talvez mesmo, um dia, entre navios viajando no espaço interplanetário e a Terra”.
Depois deste artigo e de numerosos relatórios de sábios confirmando o relatório Rand, foram tomadas resoluções. Existem actualmente laboratórios de estudos sobre a nova ciência de parapsicologia na “Rand Corporations”, em Cleveland, na “Westinghouse”, em Friendship, no Maryland, na “General Electric”, em Schenectady, na “Bell Telephone”, em Boston, e até no centro de investigações do exército, em Redstone, Alabama. Neste último centro, o laboratório que estuda a transmissão de pensamento encontra-se a menos de quinhentos metros do escritório de Werner von Braun, homem do espaço. Assim, a conquista dos planetas e a conquista do espírito humano já estão prontas a dar-se as mãos.
Em menos de um ano, estes potentes laboratórios obtiveram mais resultados do que séculos de pesquisas no domínio da telepatia. A razão é muito simples: as investigações foram iniciadas a partir de zero, sem ideia preconcebida. Foram enviadas comissões para o Mundo inteiro: em Inglaterra, onde os inquiridores tomaram contacto com autênticos sábios que verificaram os fenómenos de transmissão de pensamento, o doutor Soal, da Universidade de Cambridge, pôde apresentar aos investigadores a demonstração de comunicações, a várias centenas de quilómetros de distância, entre dois jovens mineiros do país de Gales.
Na Alemanha, a comissão de inquérito encontrou sábios igualmente indiscutíveis, como Hans Bender e Pascual Jordan que tinham observado não apenas fenómenos de transmissão de pensamento, mas que também não receavam escrevê-lo. Na própria América, as provas multiplicavam-se. Um sábio chinês, o doutor Ching Ju Wang, com o auxílio de alguns confrades igualmente chineses, pôde dar, aos peritos da “Rand Corporation”, provas aparentemente decisivas da transmissão de pensamento.
Como se procede na prática para obter resultados tão espantosos como a experiência do tenente Jones e do cidadão Smith:
Para isso é necessário arranjar um par de experimentadores, quer dizer, duas pessoas das quais uma faz de emissor e a outra de receptor. Só com o emprego de duas pessoas cujos cérebros estão de certa maneira sincronizados (os especialistas americanos empregam o termo ressonância, extraído da T.S.F., mas com plena consciência do que esse termo tem de vago) é que se obtém resultados realmente sensacionais.
O que portanto se constata nos trabalhos modernos é uma comunicação num único sentido. Se se inverter, se se fizer transmitir pelo sujeito que recebia, e reciprocamente, já nada mais se obtém. Para manter comunicações eficientes nos dois sentidos será então necessário dois “pares” de emissores-receptores, ou por outras palavras:
– um sujeito emissor e um sujeito receptor a bordo do submarino;
– um sujeito emissor e um sujeito receptor num laboratório em terra.
Como são escolhidas essas pessoas?
Por enquanto é um mistério. Tudo o que se sabe é que a escolha é feita examinando os electroencefalogramas, quer dizer, os registos eléctricos da actividade cerebral dos voluntários que se apresentam. Esta actividade cerebral, muito conhecida da ciência, não é acompanhada de qualquer emissão de ondas. Mas ele revela as emissões de energia no cérebro, e Grey Walter, o cérebro cibernético inglês, foi o primeiro a dizer que o electroencefalograma pode servir para revelar as actividades cerebrais anormais.
Outro esclarecimento sobre o assunto foi dado por uma psicóloga americana, Gertrude Schmeidler. A doutora Schmeidler demonstrou que os voluntários que se apresentam para servir de sujeitos nas experiências de parapsicologia podem ser divididos em duas categorias, a que ela chama os “carneiros” e as “cabras”. Os carneiros são aqueles que crêem na percepção extra-sensorial. As cabras aqueles que não crêem. Na comunicação à distância é necessário, segundo parece, associar um carneiro com uma cabra.
O que torna este género de trabalho extremamente difícil é que, no momento em que se estabelece a comunicação à distância por meio do pensamento, o emissor, assim como o receptor, não tem qualquer sensação. A comunicação faz-se a um nível inconsciente, e nada transparece na consciência. O emissor não sabe se a sua mensagem atinge o objectivo. O receptor não sabe se recebe signos provenientes de um outro cérebro ou se estará a inventar. É por esse motivo que, em vez de tentar transmitir imagens complicadas ou discutíveis, se contentam com a transmissão dos cinco símbolos muito simples das tabelas de Zener. Quando esta transmissão estiver pronta a funcionar poderemos facilmente servir-nos dessas cartas como de um código, à semelhança do alfabeto morse, e transmitir mensagens inteligíveis. De momento trata-se de aperfeiçoar a forma de comunicação, de a tornar mais segura. Trabalha-se nesse sentido em numerosas direcções e procura-se particularmente medicamentos com acção psicológica que facilitem a transmissão de pensamento. Um especialista americano de farmacologia, o doutor Humphrey Osmond, já obteve alguns primeiros resultados nesse domínio, e tornou-os públicos num relatório feito em Março de 1947 na Academia das Ciências de Nova Iorque.
No entanto, nem o tenente Jones nem o cidadão Smith utilizaram drogas. Pois o objectivo daquelas experiências das forças armadas americanas é explorar a fundo as possibilidades do cérebro humano normal. Fora o café, que parece melhorar a transmissão, e a aspirina, que, pelo contrário, a inibe, a paralisa nenhuma droga é autorizada nas experiências do projecto Rand.
Sem dúvida nenhuma dessas experiências iniciam uma nova era na história da humanidade e da ciência.
*
No domínio das “cúras paranormais”, quer dizer, obtidas com um tratamento psicológico, quer se trate do curandeiro “possuidor do fluído”, quer do psicanalista (feitas todas as distinções entre os métodos), os parapsicólogos chegaram a conclusões do maior interesse. Eles trouxeram-nos uma nova concepção: a do par médico-doente. O resultado do tratamento seria determinado pela ligação telepática que existiria ou não entre o que trata e o paciente. Se essa ligação se estabelece – e ela assemelha-se a uma ligação amorosa – produz aquela superlucidez e aquela hiper-receptividade que se observa nos pares apaixonados; a cura é possível. De contrário, tanto a pessoa que cura como o doente perdem o seu tempo. A noção do “fluído” acha-se ultrapassada em benefício da noção do “casal”. Supõe-se que virá a ser possível desenhar o perfil psicológico profundo do que trata e do paciente. Certos testes permitiriam determinar que espécie de inteligência e de sensibilidade possuem o que trata e o paciente e a natureza das relações inconscientes que se podem estabelecer entre eles. O que trata, comparando o seu perfil ao do paciente, poderia saber desde o início se lhe é ou não possível agir.
Em Nova Iorque, um psicanalista quebra a chave do classificador onde guarda as fichas de observação. Precipita-se para a loja de um serralheiro e consegue que este lhe faça imediatamente uma chave. Não fala seja a quem for do incidente. Alguns dias depois, durante uma sessão de sonho desperto, aparece uma chave no sonho do seu paciente, que a descreve. Está partida, e tem o número da chave do classificador: verdadeiro fenómeno de osmose.
O doutor Lindner, célebre psicanalista americano, tratou, em 1953, um reputado sábio atomista[7]. Este desinteressava-se
do trabalho, da família, de tudo. Refugiava-se, confessou ele a Lindner, noutro universo. Cada vez com mais frequência, o seu pensamento deambulava por outro planeta onde a ciência estava mais avançada e do qual ele era um dos chefes. Tinha uma visão nítida desse mundo, das suas leis, dos seus costumes, da sua cultura. Facto extraordinário: Lindner sentiu-se pouco a pouco contagiado pela loucura do seu doente, reuniu este em pensamento ao seu universo, e perdeu em parte a razão. Foi então que o doente principiou a desligar-se da sua visão e entrou no caminho da cura. Lindner viria a curar-se, por sua vez, algumas semanas mais tarde. Acabava de reencontrar no plano experimental a imemorial injunção feita ao taumaturgo de “tomar para si” o mal de outrem, de resgatar o pecado de outrem.
*
A parapsicologia não tem qualquer espécie de relação com o ocultismo e as falsas ciências: bem ao contrário, tende para uma desmistificação desse domínio. No entanto, os sábios, vulgarizadores e filósofos que a condenam vêem nela um encorajamento ao charlatanismo. É falso, mas é verdade que a nossa época é, mais que qualquer outra, favorável ao desenvolvimento dessas falsas ciências que têm “o uso e a aparência de tudo, mas que não têm a propriedade nem a realidade de coisa alguma”. Estamos persuadidos de que existem no homem terrenos desconhecidos.
A parapsicologia propõe um método de exploração. Nas páginas seguintes vamos por nossa vez propor um método. Essa exploração mal principiou: segundo pensamos, será uma das tarefas da civilização futura. Forças naturais ainda ignoradas serão sem dúvida reveladas, estudadas e dominadas, a fim de que o homem possa cumprir o seu destino num mundo em plena transformação. É esta a nossa certeza. Mas a nossa certeza é também de que o actual desenvolvimento do ocultismo e das falsas ciências num imenso público é de natureza doentia. Não são os espelhos partidos que trazem desgraça, mas os cérebros “desaparafusados”.
Existem nos Estados Unidos, desde a última guerra, mais de trinta mil astrólogos e 20 revistas unicamente consagradas à astrologia, das quais uma publica quinhentos mil exemplares. Mais de 2000 jornais têm a sua secção de astrologia. Em 1943, cinco milhões de americanos agiam segundo a orientação dos adivinhos e despendiam 200 milhões de dólares por ano para conhecer o seu futuro. Só a França possui 40000 curandeiros e mais de 50000 gabinetes de consulta secretas. Segundo avaliações verificadas, os honorários dos adivinhos, pitonisas, videntes, vedores de água, radiestesistas, curandeiros, etc., atingem 50 biliões de francos em Paris. O orçamento global da “magia” era, para a França, de cerca de 300 biliões por ano: muito mais do que o orçamento da investigação científica.[8]
“Se um bruxo negoceia com a verdade…
– Que acontece?
– Pois bem, creio que negoceia com o inimigo[9].”
É absolutamente necessário, quanto mais não fosse para desobstruir o campo de investigações, impedir essa invasão. Mas isso deve ser em proveito do conhecimento. Quer dizer que não se trata de regressar ao positivismo que Flammarion julgava ultrapassado já em 1891, nem ao cientismo limitado justamente quando a própria ciência nos conduz a uma reflexão nova a respeito das estruturas do espírito. Se o homem possui poderes até aqui ignorados ou desprezados e se existe, como estaríamos inclinados a pensar, um estado superior de consciência, importa não rejeitar as hipóteses úteis à experimentação, os factos verdadeiros, os confrontos esclarecedores, expulsando, essa invasão do ocultismo e das falsas ciências. Há um provérbio inglês que diz: “Ao despejar a água suja da banheira tome cuidado para não despejar o bebé também”.
A própria ciência soviética admite “que nós não sabemos tudo, mas que não há qualquer domínio tabu, nem territórios para sempre inacessíveis”. Os especialistas do Instituto Pavlove os sábios chineses que se consagram ao estudo da actividade nervosa superior trabalham no yoga. “Por enquanto, escreve o jornalista científico Saparine, na revista russa Força e Saber, os fenómenos apresentados pelos yogis não são explicáveis, mas sem dúvida que o virão a ser. O interesse de tais fenómenos é enorme, pois eles revelam as extraordinárias possibilidades da máquina humana”.
O estudo das faculdades extra-sensoriais, a “psiónica” segundo dizem os investigadores americanos por analogia com a electrónica e a nucleónica, é de facto susceptível de dar azo a aplicações práticas de uma amplidão considerável. Os recentes trabalhos sobre o sentido de orientação dos animais, por exemplo, revelam a existência de faculdades extra-sensoriais. O pássaro migratório, o gato que percorre 1300 quilómetros para regressar a casa, a borboleta que vai ter com a fêmea a uma distância de 11 quilómetros parecem utilizar o mesmo tipo de percepção e de acção à distância. Se nós pudéssemos descobrir a natureza deste fenómeno e dominá-la, disporíamos de um novo meio de comunicação e de orientação. Teríamos à nossa disposição um verdadeiro radar humano.
A comunicação directa das emoções, tal como ela parece produzir-se no par analista-paciente, poderia ter preciosas aplicações médicas. A consciência humana é semelhante a um icebergue flutuando sobre o oceano. A maior parte está submersa. Por vezes, o icebergue oscila, pondo a descoberto uma enorme superfície desconhecida, e nós dizemos: eis um louco. Se fosse possível que se estabelecesse uma comunicação directa entre as massas submersas, no par médico-paciente, por intermédio de qualquer “amplificador psiónico”, as doenças mentais poderiam desaparecer por completo.
A ciência moderna ensina-nos que os métodos experimentais no seu extremo grau de perfeição, lhe fixam certos limites. Por exemplo, um microscópio suficientemente poderoso empregaria uma fonte luminosa tão forte que esta deslocaria o electrão observado, tornando a observação impossível. Não nos é possível tomar conhecimento do que está no interior do núcleo bombardeando-o: fica alterado. Mas pode ser que o equipamento desconhecido da inteligência humana permita a percepção directa das estruturas mais secretas da matéria e das harmonias do Universo. Talvez pudéssemos dispor de “microscópios psiónicos”, de “telescópios psiónicos” que nos mostrassem directamente o que existe no interior de um astro longínquo ou no interior do núcleo atómico.
Talvez exista um sítio, no homem, no qual toda a realidade possa ser pressentida. Esta hipótese parece delirante. Auguste Comte declarava que jamais se viria a ter conhecimento da composição química de uma estrela. No ano seguinte, Bunsen inventava o espectroscópio. Talvez estejamos prestes a descobrir um conjunto de métodos que nos permitam desenvolver sistematicamente as nossas faculdades extra-sensoriais, utilizando uma potente maquinaria dissimulada nas nossas profundezas. Foi nesta perspectiva que Bergier e eu trabalhámos, sabendo, assim como o nosso mestre Chesterton, que “o charlatão não é aquele que mergulha no mistério, mas aquele que recusa abandoná-lo”.
1 Le Figaro Illustré, Novembro de 1891
2 Apollinaire: Calligrammes
3 Le Temps et le Rêve. Tradução francesa des Éditions du Seuil.
4 Tradução francesa das edições Deux Rives, de Paris.
4 Na sua narrativa: Pura Além da Barreira do Sono.
5 31 de Agosto de 1958. Relatório da “Rand Corporation”
6 Jacques Bergier: Constellation, n.o 140, Dezembro de 1959
7 O doutor Lindner descreve esta experiência num livro de memórias A Hora de Cinquenta Minutos.
8 Números citados por François Le Lionnais no seu estudo Une Maladte des Civilisations: les Fausses Sciences, “La Nef,” n.o 6, Junho de 1954.
9 Chesterton: Father Brown.
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.