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Sitra Achra

Abstinência – Pequeno Tratado Satânico do Pecado

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Abstinência significa impor limites a si próprio. É óbvio que a grande maioria desses limites foram impostos desde a infância pela família, escola, religião e outras instituições sociais. Alguns limites são necessários para a sobrevivência, mas não é o caso da grande maioria, que só serve para negar o fluxo natural da expressão humana.

Mostrou-se que até a idade de oito anos ouvimos mais de 100000 vezes a palavra “não”. Na verdade, esta é a palavra mais falada no mundo, seja qual for o idioma, seja qual for a época. Significa que a repressão está sempre presente na vida das pessoas. A Psicologia explica que a repressão é o “dinamismo” que mais comumente usamos para acomodar a oposição entre nossas tendências naturais e nossa moral, que as julga más e socialmente indesejáveis.

Essa moral é moldada através dos anos. Desde criança, são impostas inúmeras normas, sob pena de castigo. A pessoa passa a se reprimir o tempo inteiro e, com isso, nega-se a si mesmo e, pior do que isso, passa a não gostar de si mesma. É possível você gostar de si mesmo, se se olha com tantos defeitos assim?

Ora, você simplesmente é o que é. Uma qualidade pode ser defeito e um defeito pode ser qualidade. Tudo é relativo. Como visto anteriormente, a chave é sempre a producência. Se algo trabalha para você, chame-a virtude, mesmo que aparentemente seja um defeito. Se algo não trabalha para você, descarte-o ou transforme-o, faça-o trabalhar para você de algum modo. Do cacto no deserto é que se tira a água para beber.

Quando o pai impede que um irmão agrida o outro futilmente, ao invés de castigá-lo, deveria explicar à criança que é perfeitamente normal sentir raiva de vez em quando, mas que uma agressão gratuita só trará problemas para todos. O melhor é canalizar esta raiva para algo mais producente, como um bom exercício. Não é o que acontece, o pai dá uma surra no filho ou o põe de castigo e, com isso, cria a revolta ao longo dos anos. Além disso, a família usa também a religião como método de lavagem cerebral e controle.

A estrada continua com a escola, o serviço militar, o emprego, o casamento etc. Em todas os momentos o ser humano é reprimido, precisa usar as máscaras da personalidade para interagir socialmente e perde por completo a sua própria identidade. Seria muito mais fácil a pessoa ser ela mesma, mas sempre há uma parte que precisa esconder, sob risco de reprovação geral. Vou citar alguns exemplos.

1) A esposa gosta de saber que o marido é carinhoso com ela, mas não tolera que ele dê uma olhada para outra mulher na rua. Ora, apreciar o encanto de uma outra pessoa não é nada demais, mas, quando o homem é repreendido, ele se sente como um escravo que sequer possui o direito de olhar para o lado. 2) O pai gosta de saber que o filho tira notas altas, mas não aceita que a criança fique brincando e esqueça a hora da refeição. Acontece que a felicidade que ela sente é um alimento tão necessário quanto a própria comida. 3) O patrão gosta de saber que o seu funcionário é produtivo, mas não perdoa pequenos atrasos. Acha que a empresa é uma caserna, quando deveria ser a segunda família de todos que trabalham ali. Muitas vezes, a pessoa passa mais tempo lá do que na sua própria residência, então não há motivo para transformar o lugar num inferno.

É claro que é necessário chamar a atenção da outra pessoa em alguns momentos, senão a esfera de terceiros é ameaçada ou invadida:1) Se o marido daquela mulher possui tendência a ser um Don Juan, ela pode muito bem lhe chamar a atenção, se não aceita este tipo de liberalidade. Daí ou os dois chegam a um acordo, ou consuma-se a separação. 2) Se o pai vê que a criança fica brincando até tarde e, no dia seguinte, começa a chegar atrasada à escola, é necessário fazê-la ver que isso precisa ser remediado, inclusive com o risco de ser privada provisoriamente dos brinquedos. A criança precisa aprender que, na vida física, há sempre um escalonamento de valores. 3) Se os atrasos constantes daquele funcionário causam transtornos à empresa, é necessário que ele saiba que possui todo o direito de optar por um emprego mais condizente com a flexibilidade de horário. Uma boa conversa geralmente ajuda, pois o relacionamento é sempre uma via de mão dupla; se for transformada numa de mão única, corre-se o risco de cair numa espécie de vampirismo psíquico.

Enfim, a grande lei é faze o que tu queres… Não há razão nenhuma para que a pessoa se sinta reprimida. O marido pode optar por uma vida amorosa e sexual mais livre, como o funcionário pode escolher um emprego com base no horário flexível e a criança pode optar por brincar durante o dia, depois da orientação paterna. No fundo, torna-se uma questão de opção e escolha. Evita-se a repressão e encaminha-se à direção adequada.

Por outro lado, o próprio ser humano precisa se impor alguns limites. Se alguém lhe ofende, você vai puxar um revólver e dar um tiro no sujeito? É claro que não. Você pode retribuir de forma mais inteligente. Um idiota referiu-se ao enorme tamanho das orelhas de Lichtenberg, cientista alemão, afim de melindrá-lo. Este replicou: “Verdade! Com minhas orelhas e o seu miolo, faríamos um esplêndido burro. Não acha?” O ego é um mecanismo de defesa que impõe os limites necessários à sobrevivência de cada um. Infelizmente, isso implica que o ser humano deva se limitar, em alguns momentos. Contudo, enfatizo aqui que o limite deve ser imposto pela consciência e responsabilidade de cada um, e não por terceiros.

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