Este texto foi lambido por 50 almas esse mês
por Tami Saturni
Sedutor, letal e misterioso, descubra por que o vampiro é um apetite – e muito mais.
Se você não estava lacrado num caixão nos últimos meses, é possível que você tenha notado algum burburinho ao redor do remake de Nosferatu (2024), de Robert Eggers.
Responsável por outras profanações como The Witch (2015) e The Northman (2022), o diretor carrega a serenidade no olhar de quem já percorreu todos os túneis qliphóticos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.

Mas eu não estou escrevendo este artigo meramente para tecer louvores à abordagem de Eggers à sétima arte, menções a Paracelso e tudo o mais.
Eu estou aqui para falar dos predadores do homem que caçam à noite e povoam mitologias ao redor do globo.
Lamia, Vrykolakas, Chupacabra, Ghoul, Lilitu, Succubus. Qualquer que seja o nome a ele atribuído, este ora espírito maléfico, ora humano que morreu, mas passa bem – com o seu sangue – aterroriza as trevas da noite com seus caninos pontiagudos, olhos faiscantes e pele pálida sob o luar.
E, no entanto – coisa estranha – essa besta repulsiva, sobrenatural e sugadora de força vital, é objeto de atração fatal. De Drácula a Crepúsculo, o flerte com a destruição inexorável é irresistível, seduzindo seu cerebelo como a fada verde do absinto.
Vampiro: um reflexo no espelho do inconsciente
Como símbolo cultural, o vampiro é versátil, sua imagem podendo representar desde a violência primal e sanguinolenta do animal que entende que a vida é alimentada pela morte até os perigos de render-se aos prazeres do erotismo, assim como a monstruosa elite plutocrática que suga os mais fracos sem pudor de aniquilá-los com sua ganância desmedida.
Ele já foi vivo um dia; em muitos casos, faria qualquer coisa por um segundo contemplando o ocaso, pelo ouro do Sol, perdido para sempre, tocando sua pele empalidecida. Inimigos da luz, são vencidos pela aurora – e sempre de maneira dolorosa. Comparados com morcegos, têm algo de mariposa.
Simbolicamente, sua gula irremediável rima com a privação do bebê que, ainda sem compreender que ele é um ente e sua mãe é outro, pensando serem um, é desmamado de maneira inadequada – um trauma que pode perdurar para o resto da vida e gerar todo tipo de dificuldade, em especial com limites e frustrações.
Pode ser por isso que, em seu Qliphoth, Qabalah e Magia Goetia, Thomas Karlsson tenha alocado os vampiros em Gamaliel, a Qlipha lunar que corresponde a Yesod na Árvore da Vida. Se o lado luminoso dispõe sobre o leite, a maternidade e a nutrição, o lado sombrio é onde corre o sangue, a predação e o roubo da vitalidade.
O Vampiro é símbolo da sombra humana, aninhado no ponto cego do inconsciente coletivo: faminto, separado do que ama, perdido nas trevas – atormentado pelo atavismo de um Sol inalcançável.
(Ela está falando do Daimon.)
O Vampiro na Arte: correspondências entre os céus e a terra
Jung reconhecia a arte como interface viável com o inconsciente – uma maneira de estabelecer com ele um relacionamento dialético. Ali, os símbolos podem se expressar sem amarras, as paletas de cada técnica artística cedendo seus tons arquetípicos às obras da expressão humana.
Assim, a arte que toca o espírito do tempo – como o cinema, por exemplo – simultaneamente dá pistas sobre o que tem preocupado o inconsciente coletivo e, também por isso, reflete a Astrologia do momento.
Acredite se quiser, todas as três versões de Nosferatu, a saber: “Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror” (1922), “Nosferatu o Vampiro” (1979) e, claro, “Nosferatu” (2024) ocorreram sob conjunções Saturno-Nodo Norte.
E o “Drácula de Bram Stoker” (1992) saiu um ano depois desta mesma conjunção.
“Only Lovers Left Alive” (quem inventou que no Brasil esse filme se chamaria “Amantes Eternos) merece ser drenado por nosferati) (2013), o meu favorito absoluto, também veio ao mundo sob a égide de Saturno-Nodo Norte.
Se você parar para pensar, faz sentido.
Saturno poderia ser tranquilamente oficializado o significador natural dos vampiros, já regendo as coisas mortas, frias e pavorosas que se arrastam no escuro. As criaturas de Saturno são indiferentes e implacáveis, tendo pouca empatia pela sua falta de curiosidade de desbravar o além.
E a coisa do vampiro é que, ainda que morto, ele está faminto. O mistério de seu metabolismo cadavérico pertence ao Nodo Norte: a Cabeça do Dragão que, desprovida de corpo, não se limita pelo empecilho de um estômago que fica cheio. Devora, assim, indiscriminadamente, escravo de uma fome que não conhece saciedade.
Quem notou essas correlações entre os filmes do Nosferatu foi o Austin Coppock do Astrology Podcast – valeu! Eu, claro, fui ver o céu de cada filme, além de mais algumas obras seminais do gênero vampiro, e notei mais umas coisinhas interessantes.
Então pegue seu café superfaturado porque vamos de astronerdice:
- 1872: Saturno em Capricórnio em oposição com Urano em Câncer e quadratura com Netuno em Áries: Carmilla, de Sheridan le Fanu – obra precursora da temática de vampiro;
- 1897: Saturno em Sagitário em conjunção com Urano e em oposição com Netuno (e Plutão) em Gêmeos: Drácula, de Bram Stoker – o livro;
- 1922: Saturno em conjunção com Júpiter e Nodo Norte em Libra, sextil com Netuno em Leão: primeiro filme Nosferatu, dirigido por Friedrich Wilhelm Murnau;
- 1979: Saturno em Virgem em conjunção com Nodo Norte, sextil com Urano em Escorpião e quadratura com Netuno em Sagitário: segundo filme de Nosferatu, dirigido por Werner Herzog;
- 1992: Saturno recém-separado de uma conjunção com Urano, Netuno e Nodo Norte em Capricórnio: Drácula de Bram Stoker, dirigido por Francis Ford Coppola;
- 2013: Saturno e Nodo Norte conjuntos em Escorpião, em sextil com Plutão em Capricórnio e trígono QUASE EXATO com Netuno em Peixes: Only Lovers Left Alive de Jim Jarmusch
- 2024: Saturno se aproximando de uma conjunção com Netuno e o Nodo Norte no final de Peixes e de um sextil com Urano em Touro: Nosferatu de Robert Eggers
O paradoxo Saturno-Netuno, transfigurado
Se Saturno, na Astrologia tradicional, é o guardião do limiar, além dele apenas o vácuo entre as estrelas fixas, é natural pensar que os trans-saturninos, fatalmente envolvidos nos lançamentos vampirescos, além de sua vocação de escala coletiva e global, também têm uma pegada meio alien – e com isso eu quero dizer diferente.
Tome Netuno, por exemplo, que está envolvido com Saturno em todos os lançamentos vampíricos: o encantamento que ilumina ou ilude, o veneno que intoxica ou cura, o ácido que revela e dissolve barreiras – o estado paradoxal de não-vida, de morte catabólica, Eros, ou amor, com Thanatos, ou morte: o sangue como a fonte de Thanateros.
Netuno tem, ainda, afinidade com a imagem em movimento – o audiovisual é um tipo de ilusão, como bem sabem as primeiras pessoas que, ao se verem diante do filme de um trem em movimento, abandonaram em debandada a sala de cinema, tomadas de pânico nada ilusório.
Além disso, Netuno pode nos ajudar a entender como conseguimos romantizar um cadáver em decomposição que, na melhor das hipóteses, luta entre sua afeição por nós e seu desejo por sorver até o fim aquilo que nos mantém vivos. Lá no fundo, nós sabemos que vampiros não existem – e talvez seja por isso que, às vezes, nos permitamos fantasiar com seu abraço absurdo.
De uma certa maneira, o relacionamento entre Saturno e Netuno é paradoxal, pois aquele fala de estruturas e barreiras ao passo que este, de dissolução e unidade cósmica. Em nível mudando, eras tocadas por esses planetas são marcadas pela dualidade entre o real e o ideal, o sonho e o possível.
Como disse Tarnas, astrólogo conhecido por seu trabalho com os ciclos dos planetas de Júpiter a Plutão:
“Assim, vemos dentro da classe maior de indivíduos que nascem com Saturno e Netuno em alinhamento de aspecto tenso uma preocupação distinta com os cismas entre corpo e alma, matéria e espírito, tempo e eternidade. No entanto, esse cisma e polaridade podem ser envolvidos em uma gama extraordinariamente ampla de maneiras que, de uma ponta do espectro à outra, podem incluir posições filosóficas diametralmente opostas.”
— Richard Tarnas, The Ideal and The Real, tradução livre.
Parece vampiresco para você?
No vampiro, o paradoxo entre Saturno e Netuno não existe – diferentes como são, eles encontram lugar comum nesta criatura do impossível.
Saturno-Nodo Norte: o glamour do olhar dracônico
A primeira coisa que salta aos olhos (pun intended) nesta lista é que o Nodo Norte e Saturno estão envolvidos no lançamento de filmes mas não no de livros.
O Nodo Norte fala de expansão, trendsetting e popularidade. Ao menos hoje em dia, mais pessoas assistem a filmes do que leem livros. Pode ser que o cinema toque mais pessoas e, com recursos como figurino, fotografia e trilha sonora, de alguma maneira seja mais impactante para a cultura e para o inconsciente coletivo.
E falando em dragões.
O nome “Drácula” tem origem no título de Vlad III Drácula (também conhecido como Vlad Țepeș ou “Vlad, o Empalador”), que herdou o nome de seu pai, Vlad II Dracul. O termo “Dracul” foi concedido ao pai pela Ordem do Dragão, uma ordem de cavalaria.
Em romeno medieval, “Dracul” significa “o Dragão”, derivando da palavra romena “drac” (diabo), que por sua vez tem origem no latim “dracō” (dragão). Já “Drăculea” ou “Dracula” significa literalmente “filho do dragão” ou “filho de Dracul”.
Eu não acho que Stoker era astrólogo, mas que é uma pequena coincidência astrológica, isso é.
E não ache que eu esnobei os Crepúsculos e Entrevistas da vida – é que, notavelmente, eles não se encaixam em nenhum padrão observado. O palpite que eu arrisco é que eles são menos sobre a voracidade bestial que faz o vampiro e mais sobre outros aspectos destas crianças da noite – mais estudos serão necessários.
As raízes do Universo e a estrela voraz: o buraco negro no centro da galáxia
Agora eu vou trazer um tema que quase não é discutido na Astrologia ocidental e menos ainda na tradicional: o Centro Galáctico, nos graus finais de Sagitário, ocupado por um massivo buraco negro.
Se nós temos as Mansões Lunares, um tipo de zodíaco lunar composto de 28 seções de céu que a Lua percorre em um dia em média e cujas significações são atreladas às estrelas fixas neles contidas, a Astrologia védica, ou Jyotish, tem os Nakshatras.
A Claire Nakti fez esse vídeo compilando os posicionamentos astrológicos mais frequentes em atores que interpretaram vampiros em filmes e séries – e um dos Nakshatras acabou se destacando: Mula Nakshatra, que, por conter o Centro Galáctico, é pensado simbolicamente como a raíz do Universo. Mula, em sânscrito, literalmente quer dizer raíz.
No sistema tropical, ocupa entre 23°46 de Sagitário e 7°06 de Capricórnio.
Para mim isso fez o maior sentido; mas eu preciso confessar que eu sou pra lá de suspeita, porque eu tenho o ascendente em Mula Nakshatra – e eu sempre amei vampiros.
Mas, veja: um buraco negro nasce com a morte de uma estrela massiva que, ao colapsar sob a própria massa, de tal maneira distorce o espaço-tempo que, assim como um vampiro, ela passa a sorver tudo aquilo que chega perto demais de si. No processo, são emitidos raios potentes de radiação em diversas frequências, nenhuma visível.
Isso faz muito sentido quando você extrapola o conceito de vampiro como criatura mítica e sugadora de sangue e pensa num ator ou influencer: ele não só absorve energias de afeto e atenção, como ele também transmuta isso em algo que ele projeta para fora de si, num processo dialético que transcende a voracidade e pode, inclusive, ser encarado como caminho espiritual.
É o que propõe Don Webb em seu Energy Magick of the Vampyre – em que ele, mirando-se no exemplo de Crowley, grafa vampyro com y para diferenciar o magus que absorve, transmuta e direciona energias da besta fantasiosa que só existe na tinta preta e na tela prateada.
E, se retomarmos as ideias de Karlsson sobre a estrutura do Universo, foi do caos trevoso do útero da deusa sombria que fez-se a luz e a criação. E se o caminho da iluminação fosse justamente a luz do Sol Negro – invisível não por ser sombria, mas porque sua frequência é alta demais para nossos olhos diurnos?
“Se você está ‘andando na escuridão’, não tente fazer o Sol nascer por auto-sacrifício, mas espere com confiança pelo amanhecer e aproveite os prazeres da noite enquanto isso”, prescreveu Perdurabo.
Se você não enxerga o seu Daimon e seus desígnios, isso não quer dizer que ele não está mais perto do que você imagina.
SOLVE ET COAGULA ET HABEBIS MAGISTERIUM
Obrigada por ler SOLVE ET COAGULA! Assine gratuitamente para ficar por dentro das news do submundo: SOLVE ET COAGULA ET HABEBIS MAGISTERIUM
Alimente sua alma com mais:

Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.