Leia em 7 minutos.
Este texto foi lambido por 265 almas esse mês
Texto de G. B. Marian.
Traduzido por Caio Ferreira Peres.
Uma discussão sobre os animais que são sagrados a Set—incluindo burros, porcos, hipopótamos, órix e peixes-elefante.
Assim como a maioria dos outros deuses egípcios, certos animais são considerados sagrados para Set. O primeiro e mais importante é a misteriosa criatura que os egípcios chamavam de Sha.
O animal Sha
Esse pequeno amigo—que também é conhecido como “Animal de Set” ou “Besta Tifoniana”—é um dos maiores criptídeos da história. Ele se assemelha a um galgo ruivo com orelhas de Coelho, um longo focinho curvado e uma cauda bifurcada. Os egiptólogos estão divididos sobre se esse animal realmente existiu e foi extinto, ou se ele é apenas uma criatura mítica que os egípcios criaram a partir de pedaços de diferentes animais (assim como o dragão, o grifo ou até mesmo a fênix). Alguns autores teorizam que ele possa ser uma hiena, chacal, aardvark ou raposa estilizada. Ele poderia de fato ser uma raposa feneco, que se assemelha a isto na vida real:
A Raposa Feneco (Foto tirada do Pixabay.com)
As raposas feneco são noturnas e são nativas do Deserto do Saara na África Setentrional. Como você pode ver, esse pequenino tem as maiores orelhas que você irá encontrar entre qualquer membro da família Canidae, e ele ainda tem pelos laranja-avermelhados. As raposas feneco são animais muito sociáveis, formam casais monogâmicos por toda a vida e elas podem viver por até 14 anos em cativeiro. Infelizmente, elas são frequentemente caçadas por tribos indígenas africanas. Elas não causam nenhum dano direto aos humanos (como atacar pessoas ou animais), mas sua pele é muito valorizada. Ainda não foi definitivamente provado que o Sha é realmente uma raposa feneco de qualquer forma, mas considerando o formato do corpo do Sha na arte religiosa egípcia, acho que essa seja a possibilidade mais provável.
Mais tarde, no período greco-romano, Set era mais frequentemente representado como um homem com cabeça de burro, e os burros são provavelmente os meus animais setianos favoritos. A sabedoria convencional supõe que a teimosia do burro é devido a estupidez (razão pela qual a palavra “jumento” mais tarde se tornou um termo depreciativo para pessoas que agem feito imbecis), mas na realidade eles são muito sábios e cautelosos. É extremamente difícil forçá-los ou assustá-los a fazer qualquer coisa que eles considerem perigosa, e você precisa ganhar a confiança do burro antes de convencê-lo a trabalhar com você. Na verdade, os burros são tão resistentes a serem intimidados que os fazendeiros costumam mantê-los estábulos com os cavalos para evitar que os cavalos se assustem tão facilmente. Outros animais parecem se sentir melhor quando há um burro por perto, o que faz todo o sentido para mim. Que animal totem melhor para representar o poderoso Senhor Vermelho do que um cãozinho de orelhas caídas que se recusa a receber ordens (e que esmagará o seu crânio com suas patas traseiras se você ousar tentar)? Sem mencionar que os burros são realmente companheiros e trabalhadores muito confiáveis quando você os conhece (e quando eles te conhecem).
O Burro (Foto tirada do Pixabay.com)
Os porcos também são sagrados para Set, e isso inclui todos os porcos (desde a Miss Piggy até aqueles enormes javalis que matam pessoas no Outback australiano com suas presas). O Grande Vermelho assume a forma de um javali negro quando Ele cega um dos olhos de Hórus na mitologia egípcia, que é um dos motivos para os porcos serem frequentemente considerados como “imundos” em alguns credos atuais. Outros motivos se relacionam com leis dietéticas religiosas e ao fato de que os porcos são geneticamente mais próximos dos humanos do que qualquer outro animal. No judaísmo e no islamismo, os animais devem ter cascos fendidos e mastigar a ruminação para serem considerados kosher ou halal, e embora os porcos tenham o casco fendido, eles não mastigam a ruminação. Ao mesmo tempo, a carne suína é a que tem a maior semelhança com a carne humana (i.e., “o porco comprido”) em todo o reino animal, evidenciado pelo fato de que as carcaças de porco são frequentemente usadas por unidades de investigação de cenas de crime quando elas recriam as cenas de crime. Em vista dessa semelhança, algumas culturas antigas provavelmente pensavam que comer carne de porco era algo muito próximo ao canibalismo.
O Porco (Foto tirada do Pixabay.com)
Alguns egiptólogos teorizam que o Sha não seja realmente um canídeo, mas algum tipo de porco selvagem. (P. E. Newberry uma vez declarou que o corpo de alguns porcos selvagens tem a forma de um galgo, mas preciso ver algo assim por conta própria.) Sou cético quanto a essa interpretação, mas acho que a cauda bifurcada e o focinho curvado do Sha seja semelhante aos dos porcos selvagens. De qualquer forma, talvez a conexão entre Set e os porcos seja o que inspirou os criadores da franquia de jogos Legend of Zelda a dar uma cabeça de javali ao feiticeiro maligno Ganon.
Em um mito, Set assume a forma de um hipopótamo enquanto luta contra Hórus. Os hipopótamos são semi-aquáticos, passando a maior parte de seu tempo na água e apenas andando em terra ao anoitecer. E eles também são os herbívoros mais resistentes e perigosos da Terra. Hipopótamos machos são especialmente agressivos e eram muito temidos pelos egípcios por sua tendência de atacar pessoas sem serem provocados. Eles eram reverenciados pelos guerreiros zulu por essa mesma qualidade, e eram considerados mais corajosos e mais difíceis de matar do que os leões.
O Hipopótamo (Foto tirada do Pixabay.com)
Se você já viu um bebê hipopótamo, sabe que ele é uma das coisas mais fofinhas em todo o mundo…e você deve estar se perguntando como que uma coisa tão fofa poderia crescer para se tornar uma das criaturas mais mortais do mundo. Uma das coisas que eu menos gosto do Egito antigo é que no Templo de Hórus em Edfu há uma gravura de Hórus perfurando um bebê hipopótamo com uma lança. A imagem representa Hórus derrotando Set em uma de suas muitas batalhas, logo sei muito bem que ela não deve ser vista de forma literal. Mas não posso deixar de me perguntar se ela não representa um ritual real em que um sacerdote de Hórus teria matado um bebê hipopótamo capturado como uma forma de dar um tapa no Grande Vermelho (o que seria uma merda).
Há também o órix, que é um tipo de antílope africano. O Grande Vermelho algumas vezes é chamado de “o Órix Branco” e também foi identificado com os antílopes no geral (talvez como resultado de ser adorado por sociedades de caçadores-coletores que viviam no deserto). A coisa engraçada é que os órix, porcos e os hipopótamos são todos membros da mesma ordem, Artiodactyla, que inclui todos os ungulados de dedos pares ou “cascos fendidos” (por exemplo, cabras, ovelhas, veados, girafas, etc.). Não é por acaso que os cascos fendidos foram posteriormente identificados com o diabo cristão, que foi identificado com Set e o órix pela Igreja Copta. Para mim, é bizarro que criaturas com chifres e cascos fendidos, como o órix e a cabra, venham a ser consideradas “satânicas” por essas pessoas, já que são herbívoros que não representam absolutamente nenhuma ameaça aos seres humanos.
O Órix (Foto tirada do Pixabay.com)
Por fim, é dito que Set gosta muito de peixes. Quando Ele afoga e desmembra Osíris na mitologia egípcia, Ele dá o falo do deus como alimento aos peixes. Ninguém tem certeza que tipo de peixe era, mas algumas fontes teorizam que ele seja um membro da família Mormyridae ou “peixe-elefante”. Eles são chamados de “peixe-elefante” porque o seu focinho lembra a tromba de um elefante. De fato, você pode dizer que o rosto deste animal tem uma semelhança impressionante com o animal sha:
O Peixe-elefante (Foto tirado do Wikimedia Commons)
Acho que seja bastante seguro afirmar que o peixe de Set é da família Mormyridae, pois os egípcios eram simpáticos o suficiente para fazer estátuas desse peixe, especialmente numa cidade conhecida como Per Medjed ou Oxyrhynchus (um nome grego que significa “Cidade do Peixe de Focinho Afiado”). Por alguma razão, o peixe que comeu o pênis de Osíris era especialmente amado pelas pessoas dessa cidade. Isso é especialmente interessante dado que Oxyrhynchus está localizada no que os arqueólogos chamam de “Alto Egito” (i.e. a metade mais ao sul e desértica do país, que era dedicada ao culto de Set nos tempos pré dinásticos). Suas estátuas do peixe de Set mostram de uma vez por todas que o peixe é definitivamente um Mormyrus de um tipo ou de outro.
É irônico que um deus estéril do deserto seria associado com um animal aquático, mas isso faz sentido perfeitamente para mim pelo menos. Se você está acostumado a viver em um deserto árido, como você esperaria que o céu fosse? Você provavelmente imaginaria que ele seria um lugar onde nunca faltaria água, como um oásis, um lago ou até mesmo um oceano. O peixe, por sua vez, pode ser visto como um poderoso símbolo de esperança. Interessantemente, Oxyrhynchus foi uma das primeiras cidades egípcias a aceitar o cristianismo sob a Igreja Copta. (Vários textos cristãos não-canônicos foram descobertos lá.) Os primeiros cristãos usavam o Ichthys ou “Peixe Jesus” como seu mais importante símbolo religioso muito antes deles trocarem e passarem a usar o crucifixo, e talvez seja isso que atraiu as pessoas de Oxyrhynchus para o cristianismo.
Fonte: https://desertofset.com/2020/06/16/sacredcritters/
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.