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Shirlei Massapust
Em 06/10/2001 a lista Omelete e as colunas de fofoca de alguns jornais noticiaram que, faltando poucos dias para completar dezoito anos, a cantora, compositora e atriz Sandy Leah Lima vinha dedicando “os poucos minutos de sua folga” à leitura de O Vampiro Lestat, o segundo volume das Crônicas Vampirescas da escritora Anne Rice. Ao invés de fazer como toda a gente que viu o filme e ler Entrevista com o Vampiro, traduzido para português pela ilustre Clarice Lispector, ela escolheu começar pela sequência mais famosa nos EUA nos anos 80, traduzida para português pelo não tão bem conhecido Reinaldo Guarany, porque o enredo parecia evocar seu lugar de fala, senão sua representatividade. Isto é, o livro friccionava sobre um personagem que vira cantor de rock enquanto ela sempre flertou com o rock.
Misteriosamente, quando entrevistada para uma matéria cujo título viria a ser “Sandy adentra no mundo dos vampiros”, Sandy brincou dizendo que ela leria Paulo Coelho na sequência. Não sei se o entrevistador entendeu a referência, mas Paulo Coelho arrependeu-se pela produção dum conto – elaborado nos moldes do movimento kaótico de Jorge Mautner – e mandou recolher a antologia Manual Prático do Vampirismo logo após lançá-la.
Semelhante ao movimento antropofágico da modernidade, o Kaos de Jorge Mautner maneja a transferência do vampirismo absorvido pelo produtor de conteúdo artístico à sua arte. Portanto deveríamos esperar por alguma comédia pastelão com vampiros, explorando-se motivos de riso fácil e gosto discutível. Sendo assim, a temática logo eclodiria num episódio para a série Sandy e Júnior, a ser exibido pela primeira vez no dia 25/08/2002, pela TV Globo. Conforme noticiado à época pelo Portal X, o título do episódio seria “O beijo partido”. Mas no último momento a produção mudou para o mais ameno “Quem tem medo de Vampiro?”.
No enredo Durval de Lima Júnior tem um pesadelo após ler o gibi “Vampiro”. Ele é mordido por outra personagem, passa a andar de óculos escuros, dormir num caixão e morder todos os pescoços femininos que estivessem ao alcance. O ponto alto do episódio é um clipe ressignificando a canção Imortal,[1] originalmente lançada como single do álbum As Quatro Estações (1999). É sempre tocante ouvir na voz afinada de um dos maiores talentos femininos do Brasil: “Quem escolheu fui eu / e tenho que aceitar / mas não foi erro meu, / você no meu lugar / faria exatamente igual”. Contudo, o episódio em si é diversão para criancinhas, sem desconstruções nem semelhanças com o universo das crônicas de Anne Rice. Tudo segue o mitologema anterior, predominante em produções do século XX: A imagem que não reflete no espelho, dentes “enormes” e “inconfundíveis”, o impedimento de entrar numa casa sem ser convidado, aversão à alho, à luz do dia e à cruz, água benta queima o vampiro. Se nada funcionou e você não conseguiu enterrar uma estaca no coração “é melhor começar a correr!”[2]
A série Sandy e Júnior teve, no total, cento e setenta e quatro episódios regulares mais um especial de fim de ano. Somente três dentre eles foram cuidadosamente selecionados para integrar o conjunto de VHS + álbum “Sandy e Júnior: As Melhores Aventuras do Programa”, distribuído pela Globo Vídeo, em 2002. Nesta ocasião “Quem tem medo de Vampiro” não foi a matéria de capa, porém constava entre a tríade eleita… Essa memorabilia privilegiada indica que aquela divertida experiência passada possuiu e ainda possuía valor afetivo.
A propósito, dia 07/06/2004, Júnior participou do quadro Vídeo Game, do programa Vídeo Show (Rede Globo), usando traje de vampiro, no momento Epa, ainda recordando o episódio de seu antigo programa num cenário criado especialmente para isso.[3]
Acaso essas estilizações inocentes mascaram um escapamento de realismo mágico, em metáforas, bastante sutil e profundo? O Inverno é algo como as roupas pretas, a capa de seda esvoaçando ao vento e o cenário noturno no videoclipe de “A Lenda”; outro single do álbum As Quatro Estações (1999)? Inverno é nome do vampiro mais amado pelos fãs de Os Sete (1999), de André Vianco. — Mera coincidência. — No princípio a fase invernal e noturna foi planejada para ostentar fartas doses de beleza e glamour, até que o senso de precaução e censura prévia falou mais alto. Sandy encomendou um conjunto de roupas pretas para ser especialmente usado durante o primeiro show da turnê As Quatro Estações. A peça principal seria um conjunto de blusa e luvas soltas com aplicações de strass termocolantes intensamente reflexivos. Por peça secundária elegeram-se calças compridas de aspecto comum (estratagema para evitar o apagamento da peça principal e/ou a poluição visual por excesso de informação).
Diz ela que vestiu por um momento, sentiu desconforto na área do fecho-éclair, tirou e nunca mais quis saber do conjunto (de modo que quaisquer sinais de uso deveriam ser atribuídos ao manejo pela lavanderia Lav Dry & Wet). Essa história foi contada no ato da doação do traje para uma rifa beneficente promovida pelo fã clube A Gente se Gosta D+.
Posteriormente, na época do lançamento do álbum Identidade (2003), Sandy decidiu mostrar uma identidade mais adulta. Após aparecer na revista Vogue RG em poses sensuais, deu entrevista para a revista Isto É (novembro de 2003), dizendo que já ficou bêbada, mentiu para fãs e enfatizou que “Se eu transei e com quem é coisa que nem a minha mãe sabe”. Esse foi o principal assunto trocado na plateia no subsequente show que encheu o Maracanãzinho.
C., uma fã com tendências políticas de extrema direita, escreveu três páginas remetidas a todos os fã clubes se queixando da atitude normal da artista mirim que cresceu.
Bom, em primeiro lugar eu gostaria de dar os parabéns pelo show do Maracanãzinho, que foi simplesmente MARAVILHOSO!!! Adorei mesmo!!! Agora vamos ao real assunto deste e-mail. Nos últimos dia saíram algumas publicações com matérias, entrevistas e fotos da Sandy, e não tem como não dizer que eu me surpreendi muito com o que eu vi e li. E eu não fui a única a ficar surpresa, pois conversei com vários amigos que também viram e leram e expressaram a mesma reação que eu. A começar pelas fotos da revista Vogue RG. Sem dúvidas as fotos estão lindíssimas, a Sandy está deslumbrante em cada uma delas, mas eu sinceramente não gostei. Poxa, acabou de passar na televisão, no programa da Gabi, a Sandy falando do que a Britney Spears fez com a carreira dela, e na semana seguinte ela sai em fotos de perna aberta, mostrando o sutiã (…). Pode ter certeza que a dupla não vai conseguir mais fãs ou vender mais discos ou ter mais sócios no Clube DNA por causa disso… Ao contrário, tem mães de sócios do meu FC que estão tão pasmas como eu estou. Dessa forma, ela só faz chocar o público. Chocar as crianças e seus pais e chocar os jovens que a admiram.
Aí para completar, sai nas bancas a entrevista da revista Isto É. Se eu não tivesse ouvido o áudio, eu diria que aquilo tudo que está escrito lá é farsa. E o jeito com que ela falava as coisas… Eram até agressivas as palavras dela. Eu sinceramente não estou mais reconhecendo a Sandy. Não me refiro à artista, pois meu, hoje mesmo fui ao aeroporto quando a dupla estava chegando ao RJ e ela me tratou muito bem, como sempre faz. Eu me refiro aos atos dela com relação à vida pessoal. Ela tá tomando atitudes que, por exemplo, me deu nojo quando a tal da Wanessa Camargo tomou. (…) Afinal, a Sandy tá mais preocupada com a imagem dela perante aos fãs ou à imprensa? (…) Tem coisas que eu me vejo na obrigação de dizer, pois eu sou fã, e eu vejo que as pessoas não tão gostando (…).Meu, por favor (…) não vulgarizem a imagem da Sandy. Não deixem ela deixar de ser “a santa” pra virar “a santa revoltada” (…) pois eu amo demais a Sandy, e uma das coisas que eu mais gosto nela, é que ao contrário da maioria das cantoras, ela sempre fez sucesso sem precisar chamar atenção pra esse lado. (…) Dói demais em mim, ter que escrever essas coisas a respeito de uma pessoa que eu amo tanto e que tem uma importância enorme na minha vida. Uma importância tão grande que não dá pra descrever. Eu escrevo para vocês pois são pessoas que podem analisar melhor e quem sabe, me explicar isso tudo.
Imagine ter milhares ou milhões desse tipo de gente aplaudindo sua estagnação, gente te emparedando num armário de recalque durante toda a eternidade. E esse é o tipo de pessoa que paga suas contas e põe pão na sua mesa. Sandy, muito rapidamente, jogava tudo para o ar. Enquanto isso Júnior se atreveu a fazer o que realmente queria: Liderar a banda Soul Funk, na qual cantava e tocava bateria; um projeto paralelo que durou de 2005 a 2007. Resultado: Sandy ainda possui um fandom ativo e certamente venderá bastante o que quer que produza.
No passado seu pai, Xororó, também já deixou escapar declarações fortuitas de ser fã da banda Guns’n Roses e não suportar ouvir seus próprios discos de início de carreira, mas ele sempre esteve bastante ciente da realidade brasileira e nunca meteu os pés pelas mãos. Simplesmente não é possível escolher cantar rock, tocar funk, sensualizar ou, sobretudo, escolher ser “vampiromaníaco”, tendo um público cativo avesso a todas essas coisas.
Notas
[1] “Imortal” é uma versão em português de um single de Celine Dion composta pelos Bee Gees, “Immortality”.
[2] SANDY & JÚNIOR: AS MELHORES AVENTURAS DO PROGRAMA. Rio de Janeiro, Globo Vídeo, 2002, encarte, p 40.
[3] Talvez não seja inútil acrescentar que, conforme noticiado em O Fuxico, em 07/07/2002, Celso Bernini, que ganhou experiência fazendo participações no seriado Sandy e Junior, foi logo aprovado para interpretar o personagem Baratão na telenovela O Beijo do Vampiro, quando pouquíssimos atores já estariam confirmados para integrar o elenco.
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