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Por Kenneth Grant
capítulo de A Tradição Oculta: As Monografias Carfax
O Vinho do Sabá é o sangue dos santos que ferve no Santo Graal. Os espelhos distorcidos de incontáveis séculos produziram imagens curiosas desse vinho e do Graal, de modo que várias ondas de mitos e lendas incorporaram seu simbolismo a um vasto oceano de imagens subconscientes.
Os santos aos quais se faz referência são pré-cristãos e pertencem a uma Gnose muito mais antiga, da qual apenas relatos fragmentários sobreviveram. Sabe-se o suficiente, no entanto, para supor que os “agapae (os ágapes)” do cristianismo primitivo carregavam uma tradição mágica e não religiosa, em que o sangue de Charis formava a eucaristia central. Charis era o Cristo anterior, a forma feminina do Logos como Sophia (Sabedoria), e a Sabedoria aqui implícita dizia respeito a experiências físicas e psicofísicas, ou seja, fenômenos mágicos, em vez de experiências puramente místicas ou religiosas. Ela era a deusa que vestia a palavra viva com carne, manifestando assim a matéria. Ela falava em determinadas épocas por meio de uma médium escolhida, a pitonisa ou profetisa. Originalmente, antes que o princípio frutífero do espírito fosse conhecido como masculino ou solar, a pitonisa ocupava o primeiro lugar na consciência religiosa dos antigos. Com o novo conhecimento, no entanto, veio uma reavaliação da própria deusa, que foi degradada ao status de bruxa, estéril ou inerte tão logo ela permaneça sem inspiração pelas energias solares. Ela foi relegada à noite e identificada com a lua, girando no vazio; sua adoração degenerou em bruxaria, feitiçaria e magia negra (negra por causa da noite em que era realizada). Não mais considerada como a Rainha do Céu, mas como o símbolo do infortúnio, ela era evocada e propiciada por ritos infernais.
O antigo Sabá egípcio de Set, ou Sut-Tífon, no entanto, incorporava elementos solares e lunares e esta era a combinação das grandes correntes de vida referidas pelos egípcios como “Ba” e “Khu”. É a partir deste vinho, e do seu Sabá, que surgiu o equívoco medieval posterior. Set ou Sat-An (mais tarde chamado de Satan ou Satã) foi o protótipo do anseio por coisas desconhecidas, pelo infinito. Satã significa “o opositor” ou “o oposto”, e o conceito satânico possuía algum componente sedutor que o tornava o símbolo de todo homem desejado como complementar a si mesmo.
O Bode de Mendes, o Sátiro Pan e o Baphomet dos Templários eram imagens aterrorizantes, mas sedutoras, de uma força fatal para o profano. Dos chifres do carneiro ou bode, que tipificavam a força solar viril da energia mágica masculina, veio a ideia do diabo com chifres da feitiçaria e da bruxaria que presidia os sacramentos infernais de Set, como Baphomet. Os sacramentos envolviam ingredientes que uma época posterior, mais lasciva, passou a considerar infernais e impuros, assim como hoje o antigo besouro egípcio que rola o globo fecal entre suas mandíbulas tornou-se uma coisa abominável para mentes que não conseguem identificar o Sol com tal emblema. No entanto, o besouro, em resumo, era para os sacerdotes de Khem um símbolo de luz e redenção da morte ou da escuridão, em virtude de sua suposta capacidade de se reproduzir a partir de sua própria matéria. Da mesma forma, os alquimistas destilavam sua pedra brilhante de virtude rara e maravilhosa de poções desagradáveis contendo ingredientes aparentemente inúteis desprezados pelos não iniciados.
A imagem zoomórfica do Sabá é de grande interesse e reflete-se ao longo da interminável avenida de espelhos que constitui um ciclo de tempo imensamente prolongado. O bode ou carneiro com asas abertas, como de um grande morcego vampiro; o gato, o sapo, o basilisco, o besouro, a serpente, a aranha e até mesmo o bebê cuja gordura era usada para fazer o unguento infernal, têm profundos significados mágicos que podem ser compreendidos apenas em níveis de experiência humana muito anteriores a qualquer religião organizada conhecida. A natureza noturna ou diurna desses animais os ajustava como “tipos” nos antigos ritos e cerimônias.
A maior parte do simbolismo sabático medieval refere-se ao plano astral onde as transformações tão frequentemente descritas na literatura de bruxaria eram realmente realizadas. Este plano era o plano dos “mortos” no simbolismo egípcio, os mortos sendo sinônimo dos reinos subconscientes vivificados apenas quando o eu entrava neles através do processo de sono ou condições de transe. A transvecção, por exemplo, é um fenômeno astral, sendo o unguento aplicado ao corpo da bruxa propício ao sono e ao êxtase. As solidões em lugares altos e áridos, ou em bosques escondidos por riachos sempre iluminados pelo luar sinistro, o diabo ou divindade com chifres indicativo de Desejo, que presidia o Sabá – todos esses elementos fundindo-se em níveis astrais liberavam um eflúvio peculiar, tênue, mas material, que permitia à bruxa encarnar seu sonho o suficiente para que fosse tátil para os presentes no rito. O poder gerado pela enorme liberação de energia subconsciente liberada pelo Sabá facilitava a real realização do Desejo latente que emergia na onda de histeria em massa que a cerimônia induzia. Formas estabelecidas de crença e comportamento eram quebradas no Sabá para liberar e obter a energia pré-conceitual que ordinariamente informa a Crença. A partir dessa energia por excelência, o “vinum sabbati (o vinho do Sabá)” era preparado, embebido e absorvido.
Era na fusão das energias solar e lunar que residia o segredo da vida e da regeneração. O sangue é a vida, mas a bebida dos ritos sabáticos não era o sangue vermelho da vida animal que corria pelas veias do corpo vivo, mas o “prana” ou “ojas” essencial armazenado nos centros secretos de energia que brotavam em certas estações específicas. O Rito do Sabá envolvia o conhecimento dessas estações, bem como dos centros onde o Bindu primordial residia antes de sua concentração na forma de carne. Era para transformar esse sangue ou essência sobre si mesmo, de modo que pudesse se transformar em corpos imateriais, que o vinum sabbati era preparado e embebido. Era de fato a matriz de toda criação espiritual ou — melhor ainda — criação na forma de espírito; um processo mágico e não religioso.
O Conjunto (Set) ou Sede (Seat) do poder mágico era um símbolo “da fonte”. O Sabá de Set (ou Satã) era, portanto, o rito de retorno à fonte e ao que estava além dela, não de maneira infernal, mas de maneira invertida.
O ressurgimento atávico, um impulso primordial para a união com o Divino por meio do retorno à fonte comum de tudo, é indicado pelo simbolismo retrógrado peculiar a todas as cerimônias sabáticas, como também por muitas ideias relacionadas à bruxaria, feitiçaria e magia. Seja o símbolo da Lua presidindo os êxtases noturnos; as palavras de poder entoadas ao contrário; a dança back-to-back realizada em oposição ao curso do Sol; a cauda do diabo — todos são instâncias de reversão e simbolizam a Vontade e o Desejo girando para dentro e para baixo, para regiões subconscientes, para o passado remoto, para surpreender o atavismo ou energia necessária para fins de transformação, cura, iniciação, construção ou destruição. Este é o significado interno da inversão simbólica, de profundidade em vez de altura, de esquerda (subconsciência), em vez de direita (consciência empírica ou desperta), de feminino em vez de masculino, o lunar em vez do solar. O gato, como habitante da noite e associado à Lua, tornou-se um tipo que — na Idade Média — se confundia com o próprio animal. Da mesma forma, o morcego vampiro, por causa de seu mecanismo altamente especializado para absorver sangue e sua óbvia afinidade com a noite, tornou-se um tipo importante nos mistérios sabáticos. Mas os sacerdotes dos tempos antigos, no Egito e em outros lugares, não usavam máscaras de animais porque fingiam “ser” esses animais, ou porque representavam alguma charada ridícula que alguma época posterior poderia ridicularizar e denegrir; eles assumiam assim os poderes que essas bestas concentravam dentro de si e que suas formas externas apenas traíam, pois toda forma mantém uma relação direta com a energia que ela limita e define.
Foi por um sistema semelhante ao ressurgimento atávico já descrito que os sacerdotes obtiveram a condição peculiar de consciência que qualquer animal específico focalizava e expressava, e com ela os poderes e atributos correspondentes. Temos na zombaria medieval do assim chamado Sabá, uma indicação clara desse retrocesso, não apenas em um passado muito remoto (com o propósito de adquirir poderes perdidos por ressurgimento atávico), mas também no pré-conceitual além do Eu, onde o Eu existe como uma realidade não espacial, não temporal e eterna, um átomo, indivisível, perfeito, inteiro — o Atman da filosofia religiosa hindu. No antigo Egito, esse átomo era Atum, o deus-Sol, descendo ou voltando, declinando. A palavra é mantida na linguagem inglesa moderna como Autumn (Outono), a queda.
O sacrifício de crianças no Sabá era também uma corrupção da doutrina metafísica que fundamenta todo ritual mágico – o sacrifício da vida na matéria para a vida no espírito, isto é, o retorno à sua fonte do produto da concepção de modo que um condição pré-conceitual de consciência pura possa ser realizada. O espelho desse estado puro e perfeito era simbolizado pela Lua em cuja prata fria o Sol brilhava resplandecente, à noite; na insondável escuridão do vazio. Em tais corrupções pueris do Rito original como a recitação invertida da Oração do Senhor (O Pai Nosso), como também na homenagem oferecida aos quartos traseiros do bode sabático, vemos novamente oculta a natureza de um processo que é essencialmente de introversão; um caminho de retorno, renovação e regeneração, de lembrar para trás até que a fonte seja alcançada e além da própria fonte para o oceano primordial e pré-conceitual da consciência infinita.
O céu noturno semeado de estrelas deu origem à concepção – novamente egípcia – de uma vasta deusa arqueada sobre a terra ou, mais precisamente, agachada como se estivesse de quatro sobre ela. Este era o glifo original de dar à luz ou gerar o son (filho) (Sun, o Sol). A miríade de estrelas brilhava como símbolos de possibilidades infinitas – grandes sóis ainda por nascer – que em sua estação encontrariam ingresso na matéria, simbolizada pela forma agachada. No Rito Sabático posterior, esse conceito majestoso tornou-se a bruxa voadora que voava pela noite montada em um cabo de vassoura, e a vassoura era – mesmo no período comparativamente tardio dos Druidas – um símbolo do Sol.
Os equívocos medievais sobre o Sabá surgiram de uma confusão da metafísica teológica com a “física” puramente mágica das “forças impessoais ou elementais”. A ideia do mal surgiu ao atribuir esses poderes impessoais a uma pessoa na forma de um único Deus ou Criador – o Deus pessoal feito à imagem do homem. O panteísmo permitia o livre funcionamento de toda e qualquer parte da personalidade psicofísica do homem. Quando os poderes elementais foram reivindicados como posses pessoais, isto é, quando o homem se considerou não como o canal ou sacerdote de tais poderes, mas como o possuidor deles, ele foi forçado a dividi-los em manifestações boas e más de sua própria energia inerente, a fim de explicar a existência em si mesmo de forças aparentemente perturbadoras ou imorais. Assim, Satã tornou-se associado com aquelas mesmas energias que se originaram da fonte ou da sede da criação. Satã, o Sol no Sul, era o poder perturbador e destrutivo da natureza, bem como a fonte vivificante. Nesta dicotomia de função reside toda a razão para a origem da ideia de Deus e do mal e a distorção medieval do Rito Sabático.
Fonte: Hidden Lore – The Carphax Monographs, por Kenneth e Steffi Grant.
Texto traduzido por Ícaro Aron Soares.
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