Um ano para descobrir sua Verdadeira Vontade

Leia em 10 minutos.

Este texto foi lambido por 900 almas esse mês

originalmente publicado na Revista 777 nº21, Dezembro 2022

Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei.

A descoberta e realização da Verdadeira Vontade é a tarefa central de todo Thelemita. De acordo com os ensinamentos do Mestre Therion, todo indivíduo tem uma Verdadeira Vontade, que deve ser distinguida das vontades e desejos comuns do ego. Contudo existem várias formas de se entender o conceito de Verdadeira Vontade. E isso vai depender da postura filosófica da pessoa. Para os idealistas é entendida como um ‘chamado’ ou ‘propósito’ de uma pessoa na vida, sua missão na atual encarnação, para os existencialistas é entendida como sua real natureza, aquilo que resta de mais essencial após eliminarmos todos os atos de má-fé. Seja como for, trata-se da auto-realização pelos próprios esforços, ou seja, sem a ajuda de qualquer autoridade divina: “Eu estou só: não há Deus onde Eu estou.”

Antes de prosseguirmos, vamos fazer uma breve revisão literária com algumas das citações do próprio Crowley nas quais ele buscou elucidar o termo:

“A causa mais comum de fracasso na vida é a ignorância da própria Verdadeira Vontade, ou dos meios pelos quais cumprir essa Vontade.” – Magick, Book 4

“Saiba firmemente, ó meu Filho, que a Verdadeira Vontade não pode errar; pois é o teu Curso designado no Céu, em cuja Ordem está a Perfeição”. – Liber Aleph vel CXI

“A partir destas considerações deve ter ficado claro que “Faze o que tu queres” não significa “Faça o que você desejar”. Ela é a apoteose da Liberdade; mas é também o vínculo mais estrito possível. Faze o que tu queres — e então não faça nada mais. Não permita que nada desvie a ti daquela austera e santa tarefa. A Liberdade é absoluta para fazer a tua vontade; mas tente fazer qualquer outra coisa seja qual for, e instantaneamente os obstáculos vão surgir. Todo ato que não esteja dentro do curso definido daquela órbita é irregular, um impedimento. Vontade não pode ser duas, mas só uma.” – Liber II – A Mensagem do Mestre Therion

“Pois todo ato de Amor deve ser “sob Vontade”: isto é, de acordo com a Verdadeira Vontade, a qual não é permanecer contente com coisas parciais e transitórias, mas é prosseguir firmemente até o Fim” – Liber CL vel נעל

“Nenhum ato é justo em si mesmo, mas apenas em referência à Verdadeira Vontade da pessoa que se propõe a realizá-lo. Esta é a Doutrina da Relatividade aplicada à esfera moral.” – Magick Without Tears

“A Verdadeira Vontade deve brotar, uma fonte de Luz, de dentro, e fluir sem controle, fervendo de Amor, no Oceano da Vida.” – Pequenos Ensaios para a Verdade

“E permita-me novamente assegurar-lhe que, quando você se esforçar, fazendo sua Verdadeira Vontade, você não terá tempo para ficar entediado.” – Diary of a Drug Fiend

“Contemple sua própria Natureza. Considere cada elemento tanto separadamente quanto em relação a todo o resto, julgando a verdadeira finalidade da totalidade de seu Ser. Encontre a fórmula desta finalidade, ou “Vontade Verdadeira”, numa expressão tão simples quanto possível.” – Dever

Não se engane, você pode acabar na cruz ou na fogueira. Pode acabar rico e famoso como Einstein ou na miséria e sem uma orelha como Van Gogh. Ou quem sabe não tenha nada haver com maestria em “engenho e arte”. Talvez sua Verdadeira Vontade seja algo muito mais difícil, como ter paz de espírito. Não há garantias, mas batalhas. Hórus, nunca se esqueça, é um deus da guerra. Tal como Nietzsche, esse João Batista do Anti-Cristo colocou em ‘Assim Falou Zaratustra’, nesta luta sua vida poderá ser maravilhosamente desgraçada ou desgraçadamente maravilhosa: “Se te apetece esforçar, esforça-te; se te apetece repousar, repousa; se te apetece fugir, fuja; se te apetece resistir, resista; mas saiba bem o que te apetece, e não recue ante nenhum pretexto, porque o universo se organizará para te dissuadir.” Não importa se no final você terá os louros da vitória, pois estará apaixonado pela batalha em si.

Na sociedade atual é tentador interpretar Verdadeira Vontade em termos de Vocação Profissional, assim sob risco de aparentemente reduzir esta ideia a uma mera escolha de carreira, digamos que uma jovem esteja naturalmente inclinada ao trato de animais e tenha sido levada pela vida a se tornar uma advogada. Ou ela não sabe que seria mais feliz em um curral ou – o que é pior – sabe, mas justifica sua escolha com pensamentos como “Sou advogada porque ganho bem”, “Sou advogada porque é a tradição da família.”, “Sou advogada porque isso me dá status” ou mesmo “Sou advogada porque assim faço do mundo um lugar melhor”.

Todas essas racionalizações fazem parte daquele porque que o Livro da Lei parece detestar:

II.28 Agora uma maldição sobre Porque e sua parentela!

II.29. Seja Porque amaldiçoado para sempre!

II. 30. Se Vontade para e clama Por quê? invocando Porque, então Vontade para e nada faz.

Perguntar a si mesmo “Qual minha Verdadeira Vontade” é algo importante, mas raramente o suficiente. A razão sozinha não pode responder esta pergunta. Temos a tendência de usar a Razão para justificar o que somos e nos afastar dos caminhos mais satisfatórios para o eu. Este é o extremo oposto do sentimentalismo, mas a Verdadeira Vontade é de natureza suprarracional e supra-emocional. Não por acaso, a sacralidade da busca pela Verdadeira Vontade foi diretamente associada por Crowley ao antigo conceito de Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião.

52 semanas

Agora, isso não quer dizer que a razão e a emoção não possam ser boas ferramentas para se aproximar de sua realidade. Razão e Sentimentos devem ser ferramentas, como uma espada ou uma taça, mas não é a espada que decide o que será golpeado nem a taça que bebida carregará. Eis aqui um método que não busca justificar escolhas, mas usar razão, emoção (e intuição!) como as ferramentas mágicas que são.

Sabendo que um ano tem 52 semanas, escolha um dia da semana (se possível na “Festa para a Vida” que é o seu aniversário) e separe um caderno onde semanalmente escreverá em cada página a resposta para uma das perguntas que estão listadas abaixo. Marque em sua agenda um despertador para lhe notificar na semana seguinte até que isso se torne um hábito.

Ao final de um ano volte a primeira pergunta, cubra a resposta anterior e responda a mesma pergunta novamente. Não tenha receio de contrariar o que disse antes pois você será agora um ano mais sábio. Poderá haver alguma variação nas respostas mas também haverá uma essência em comum. Essa essência comum estará não apenas nas perguntas da mesma página, mas se manifestando de diversas formas em todo caderno. Medite diariamente sobre estas manifestações.

Quais paixões permaneceram presentes por toda sua vida?
Como você ocuparia seu dia a dia se não tivesse mais que trabalhar?
Existe uma tendência temática nos livros que você leu ao longo de sua vida?
Se você fosse imortal a que dedicaria o próximo século?
Preste a morrer e olhando para trás o que faria você se considerar uma pessoa bem-sucedida?
Quando foi a última vez que a vida estava tão interessante que você não queria perder tempo dormindo?
Quais suas distrações favoritas quando criança?
Que tipos de amizades você atrai e é atraído?
O que você faria se ganhasse na loteria e se aposentar hoje?
Que pessoas te inspiram, profundamente e o que torna essas pessoas tão incríveis?
Entre seus amigos, de quem você mais gosta e respeita e por quê?
O que te faz perder a noção da passagem do tempo?
O que você gostaria de realizar ainda que isso envolvesse muito sofrimento?
Há uma tendência de conteúdo nos favoritos que você salvou em seu navegador?
Se você soubesse que morreria amanhã, como viveria hoje?
Com seria o dia que você não se importaria de sempre voltar para um eterno retorno do mesmo?
Qual a parte do seu dia/semana que você mais gosta?
Quais são seus talentos, segundo você e seus contatos próximos?
Qual seria sua ocupação se vivesse em uma sociedade utópica onde nada falta e todos recebem a mesma remuneração?
O que o Universo parece conspirar para que você faça?
O que seus melhores amigos ou companhia dizem que fazem seus olhos brilhar?
Se pudesse viajar no tempo e ter contato com alguma personalidade histórica, quem seria?
O que você mais ama naquilo que faz hoje?
Pelo que as pessoas costumam te agradecer e pedir ajuda ou conselhos?
Em que situações você se sente invencível e imparável?
Por quais habilidades você é conhecido em sua rede de contatos?
O que outras pessoas acham cansativo, difícil ou penoso que para você é fácil?
Qual seria sua ocupação ideal em uma aldeia primitiva comunal?
Quais adultos você escolheu como modelos na juventude?
Se fosse lembrado biograficamente por algo o que seria?
Ainda que não seja, no que você gostaria de ser muito bom?
De qual divindade você seria um bom avatar?
O que faz às pessoas procurarem você?
No que, sem falsa modéstia, você se destaca?
Que padrões de repetição se ressurgem em diferentes contextos da sua vida?
Em que ambiente você se sente à vontade, qual seu habitat natural?
O que você faz quando sabe que estará totalmente sozinho por um ou mais dias?
O que seus filmes favoritos têm em comum? Que tipos de histórias tendem a chamar sua atenção?
Quais as semelhanças entre seus heróis e personagens prediletos na ficção?
Que músicas-tema poderia tocar na abertura de sua vida?
Aonde você vai ou o que faz quando precisa levantar o ânimo?
Quando está cansado de “entretenimento” como ocupa as horas vagas?
Se você só tivesse mais um ano de vida, como ocuparia seu tempo?
Como você transforma o ambiente quando o habita?
Que tipos de presentes gosta de dar e ganhar?
O que há na sua mesa de trabalho ou ao lado da sua cama?
Se todas as ocupações fossem igualmente remuneradas e amplamente acessíveis, qual te atrairia mais?
Quais atividades você mais gostava na escola?
O que você faz quando tem o dia livre? E se tirasse um ano sabático?
Qual tipo de ajuda você instintivamente oferece em uma crise?
Que tipo de atividade faz você esquecer de beber água, comer ou ou dormir?
De qual verbo você é a encarnação?

O que fazer o resto do ano?

O processo de responder e meditar sobre estas perguntas não irá ocupar muito do seu tempo. Existem assim, mais algumas coisas que você pode fazer neste ano definitivo.

Uma dessas coisas, principalmente se você for bem jovem, é abrir-se ao máximo para novas experiências possíveis. Tente algo que você nunca fez. Aceite mais convites. O filósofo existencialista Albert Camus dizia que “Não se pode criar experiência. É preciso passar por ela.” Talvez você só não tenha certeza da sua Verdadeira Vontade simplesmente porque ainda não esbarrou com ela.

Outra coisa que pode ser feita é conhecer melhor a si mesmo. Conhecer a si mesmo e conhecer sua Verdadeira Vontade são coisas muito similares. Enquanto você não tem convicção da segunda, tenha a primeira como seu principal objetivo de vida. O que seu mapa astral diz sobre seu propósito e sentido de vida? (dica: dê uma olhada na Lua e no Nodo Lunar Norte). Qual o seu tipo psicológico segundo o modelo Myers–Briggs (MBTI)? Como é seu “Big Five” dentro do modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade? Qual o seu número dentro do Eneagrama? Descubra seu animal de poder, entreviste seus pais, comece a fazer terapia. Nenhum sistema sozinho poderá descrever você com perfeição, mas um modelo complementa o outro e quanto mais referências você explorar mais insights terá.

Lembre-se, sua Verdadeira Vontade não é uma força sobrenatural e distante com a qual você só terá contato após anos de duro treino esotérico. Ela está com você agora e o tempo todo. E se você pudesse apenas fazer sua mente calar sobre todas as cobranças e bobagens sobre o que você deveria estar fazendo, verá que se tornará muito mais natural descobrir o que você verdadeiramente quer fazer.

Bibliografia

Use também esses doze meses para intensificar as leituras que o ajudem nesse processo de descoberta. Tirando Equinox, nenhum dos livros abaixo foram escritos por thelemitas, todavia cada uma deles traz em maior ou menor escala o zeitgeist do novo aeon e falam com diferentes palavras de conceitos muito próximos, senão idênticos, a Verdadeira Vontade, seja como sua Missão de Vida, seja como a Lei de Liberdade.