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Reflexões Martinistas sobre o Tempo

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Sar Naquista

“O tempo é uma sucessão de idades que refletem a ordem divina e são governadas por diferentes dispensações. Cada dispensação tem seu próprio caráter e propósito, e cada uma leva a humanidade mais perto da realização do plano divino.” – Joaquim de Fiore, Expositio in Apocalipsim

Na vida de um Martinista há períodos dedicados a trabalhos espirituais e períodos dedicados a trabalhos seculares. Ambos são importantes e ambos tem seu valor, mas para que cada um possa ser plenamente aproveitado é importante destacar que existe uma diferença e uma interação entre esses dois tipos de tempo. Por isso diversas tradições esotéricas trabalham com a noção do tempo sagrado e do tempo profano, representados frequentemente pelas figuras de Cronos e Kairós da mitologia greco-romana.

Cronos é o o Deus do Tempo, representado pela ampulheta. Ele casou-se com sua irmã Reia e teve com ela seis filhos: Hades, Poseidon, Hera, Deméter, Héstia e Zeus. Uma profecia dizia que ele seria destronado por um dos filhos, assim Cronos engolia cada um deles logo após o nascimento. O único que se salvou foi Zeus, pois em vez de o entregar deu uma pedra no seu lugar. Já adulto, Zeus deu uma poção mágica a seu pai, fazendo com que Chronos vomitasse todos os outros filhos e os libertando. Por ter derrotado Chonos, que simbolizava o tempo, Zeus e seus irmãos tornaram-se imortais. Assim Cronos representa o tempo profano.

Kairós foi um dos filhos de Zeus, com Tique, a deusa da sorte e da fortuna. Ele foi descrito como um jovem belo e atrela ágil com apenas um tufo de cabelo na testa. Era tão rápido que era praticamente impossível persegui-lo. Entre os romanos, ele recebeu o nome de Tempus, que representa aquele breve momento em que as coisas são possíveis. Kairós é o tempo que não pertence a Cronos, e não pode ser cronometrado ou previsto, a oportunidade. É o Tempo Sagrado.

De acordo com Mircea Eliade, historiador italiano especializado nos assuntos religiosos, Lairós é o tempo sempre presente e se refere ao tempo mítico primordial onde todos os mitos ocorrem. É o tempo fora da história. O “Era uma Vez” dos contos de fada e portanto toda cerimônia mística ou religiosa é, antes de mais nada, uma reencenação de um evento sagrado que ocorreu  no passado mítico ou no “início dos tempos”  e ao participar de uma dessas cerimônias podemos transcender o tempo vulgar para nos tornar completamente imerso no tempo sagrado. Por meio de rituais, orações e outras práticas místicas é possível possível transitar do tempo comum para o tempo sagrado. Por isso podemos dizer que em cada missa o mistério da morte e ressureição é revivido, mas nunca repetido. O tempo sagrado não pode ser medido por calendários ou relógios. Enquanto o Cronos é “cronológico” Kairós é “ontológico”.

Uma vez que o infinito e não possui nem começo nem fim qualquer real aproximação deste necessariamente escapa a linearidade e nos arremessa a Eternidade de Kairós. Assim o entendimento martinista é que com meditações,  rituais teúrgicos e principalmente orações podemos nos ligar com o tempo sagrado e assim santificar a nossa existência cronológica e linear. Durante o dia isso é feito nas horas dedicadas as preces. Durante a semana no Domingo, dia especialmente consagrado pela tradição Cristã. Durante o ano nas datas especiais como a páscoa e o natal. Do ponto de vista de Cronos vivemos em ciclos que revisitam estes momentos, mas do ponto de vista da Kairós cada vez que estamos neles é como se nunca tivéssemos saído de lá.

O Tempo da tradição Oriental

Vamos a aproveitar a oportunidade (Kairós) para dedicar alguns minutos (Cronos) ao que a filosofia perene pode nos ensinar sobre a natureza do Tempo. Comecemos pelos sábios das tradições orientais.

É interessante que de acordo com os Puranas, o tempo é representado pelo deus hindu Kala, uma divindade muito semelhante a Cronos. Kala é a temida e respeitada a personificação do tempo em seus aspectos destrutivos e transformadores, sendo muitas vezes associado à morte e à destruição. Mas segundo a cosmovisão dos livros sagrados hindus, o tempo não é como um segmento de reta, com um ponto de partida e um ponto de chegada, mas se assemelha mais a um círculo ou espiral com períodos de criação, manutenção e destruição do universo se sucedendo em uma sucessão interminável de ciclos. Esses enormes ciclos de aparição e dissolução do universo são chamados de Manvantara Yuga (Período de Manú).

Os Manvantara Yuga se dividem em quatorze épocas chamadas ‘Kalpa’, e cada Kalpa é composta por mil Muahayugas. Cada Mahayuga se subdivide ainda em quatro yugas menores chamadas respecitivamente Satya Yuga, Treta Yuga, Dwapara Yuga e Kali Yuga, também chamadas de Era de ouro, a Era de prata, a Era de bronze e a Era de ferro.

A primeira é  a Era de Ouro, Satya Yuga (também chamada Krita Yuga) é uma época de ouro, verdade, retidão e justiça e este valores vão declinando até chegarem a total decadência moral, espiritual e social no final da Kali Yuga, a Era de Ferro. A noticia ruim é que segundo os sábios hindus a humanidade está atualmente em uma Kali Yuga. E a notícia pior é que estamos apenas no início dela. Então as coisas não estão bem e irão piorar de forma cada vez mais expressiva.

Aqui é possível traçar um paralelo com a tradição judaico-cristã e a Queda contada no “Livro do “Gênese”. No entendimento dos martinistas a queda do homem aconteceu em várias etapas e ainda continua acontecendo. Isso não é muito diferente do que ensinam os hindus. Ambas as tradições ensina que a história da humanidade é a história da queda do homem na matéria e de sua ascensão de volta à Divindade. O único porém é que no oriente se ensina que isso já aconteceu muitas vezes antes e irá acontecer novamente muitas vezes no futuro.

Eis um retrato de nossa Era de Ferro segundo estes sábios. Palavras que se encaixariam muito bem na boca dos profetas de Israel:

  • “Os homens de Kali Yuga serão tímidos, preguiçosos, negligentes, pusilânimes e desprovidos de energia e vigor. Eles se tornarão mentirosos, viverão do engano, roubarão e trapacearão.” (Vishnu Purana)
  • “Em Kali Yuga, as pessoas serão cobertas de miséria e aflição. A luxúria, a raiva e a ganância governarão suas mentes. As pessoas matarão umas às outras por dinheiro, e o poder será mantido pelos fortes.” (Srimad Bhagavatam)
  • “As pessoas de Kali Yuga serão egoístas, gananciosas e avarentas. Elas falarão sem pensar, se comportarão de maneira imprudente e negligente, e terão pouco respeito pela religião ou pelos sábios.” (Padma Purana)
  • “Em Kali Yuga, as pessoas abandonarão a virtude, a verdade e a honestidade. Eles se tornarão viciados em álcool, drogas e sexo, e terão pouco respeito pelos idosos ou pelos professores. As pessoas se tornarão materialistas e desprovidas de espiritualidade.” (Brahma Vaivarta Purana)
  • “A vida em Kali Yuga será curta e cheia de sofrimento. As pessoas serão egoístas e só pensarão em seus próprios interesses. Elas se esforçarão para enganar os outros e serão enganadas em troca.” (Narada Purana)
  • “Em Kali Yuga, a moralidade estará em declínio. As pessoas se tornarão arrogantes, hipócritas e materialistas. A adoração de ídolos se tornará comum, mas sem fé ou devoção verdadeiras.” (Matsya Purana)
  • “As pessoas em Kali Yuga serão desrespeitosas com seus pais e mentirosas em seus relacionamentos. Elas serão incapazes de controlar seus desejos e terão pouco autocontrole. A ganância governará seus corações e mentes.” (Vayu Purana)
  • “Kali Yuga será caracterizada pela decadência moral e pela falta de compaixão. As pessoas se tornarão intolerantes e fanáticas, e a violência será comum. A fé religiosa será superficial e sem sentido.” (Bhavishya Purana)
  • “Em Kali Yuga, as pessoas terão pouco respeito pelos animais e pela natureza. Elas se tornarão impacientes, preguiçosas e desmotivadas, sem objetivos ou aspirações elevados. A vida será superficial e sem sentido.” (Agneya Purana)

O cenário não é bom, mas é importante ressaltar que para os sábios dos puranas o tempo é uma ilusão, uma vez que todas as coisas são impermanentes e sujeitas à mudança. A realidade última é vista como sendo eterna e imutável, transcendendo o tempo e o espaço e imediatamente acessível para todos (Kairos!). A amargura de Kali Yuga se passa no reino de Kala e nada tem de trágico como poderia ser lido por um ocidental, mas são realizações de uma lei cósmica e toda situação difícil guarda em si as sementes de um recomeço e compensações positivas. O mal não é em que parte do ciclo você está, mas sim em estar limitado e preso a este ciclo.

Mesmo se a humanidade e nosso universo estão em Kali-Yuga, ainda assim o sábio pode por meio de uma mente transcedental superar estas barreira e se colocar espiritualmente em Satya Yuga.  Talvez por isso estes mesmos sábios ensinem que durante a Era de Ferro surgem muitas sementes divinas no mundo que iluminam a noite como um campo de estrelas para aqueles dispostos a encontrá-los. São avatares que tem a missão de nos orientar para que não nos percamos neste processo de degeneração que prevalecem na Terra.

A noção das era sucessivas não é exclusiva dos sábios hindus, ela está presente também no Oriente Médio e nos chega, por exemplo, pela voz do profeta Daniel. Em suas visões apareceu-lhe uma grande estátua, descrita da seguinte forma:

“Enquanto estavas vendo, uma pedra foi cortada, sem auxílio de mãos, feriu a estátua nos pés de ferro e barro, e os esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os quais se fizeram como pragana das eiras no estio, e o vento os levou, e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra, que feriu a estátua, se tornou em grande monte, e encheu toda a terra.” (Daniel 2:34-35)

Finalizando esta visão panoramica do tempo segundo os Puranas, há uma última boa notícia. No final do Kali Yuga, “quando todos os reis forem ladrões, Kalki aparecerá, montado num cavalo branco”.

Kalki é uma figura messiânica da tradição hindu que é descrita como o décimo avatar (encarnação) do deus Vishnu, que virá à Terra no fim da Kali Yuga para purificar o mundo e restaurar a ordem e a justiça. Em seu cavalo braco ele derrotará os malfeitores e estabelecerá uma nova era de ouro, a Satya Yuga, marcada pela paz, prosperidade e espiritualidade. Um figura apocalíptica sem dúvida e aos olhos martinistas e rosacruzes, muito difícil de não ser associada ao  retorno do Cristo anunciado pela Tradição cristã.

O Tempo da tradição Ocidental

Hesíodo, contemporâneo de Homero, relata em sua “Teogonia” a origem e genealogia dos deuses e a história do mundo. É nessa obra que encontramos o mito de Cronos que vimos no início deste artigo. Também em  “Os Trabalhos e os Dias” ele nos fala sobre a visão grega das Cinco Raças que regem a evolução da humanidade. Um paralelo histórico impressionante dada a distância geográfica entre os autores dos Puranas:

  1. Raça de Ouro: a primeira raça de homens, criada pelos deuses, que viviam em paz, sem sofrimento ou doenças, e morriam como se estivessem dormindo. Essa raça foi extinta e se transformou em espíritos guardiões da Terra.
  2. Raça de Prata: a segunda raça de homens, que também foi criada pelos deuses, mas era menos perfeita que a primeira. Eles eram orgulhosos, desobedientes e violentos, e Zeus os castigou com a mortalidade.
  3. Raça de Bronze: a terceira raça de homens, que era ainda menos perfeita que as anteriores. Eles eram guerreiros e violentos, e sua vida era curta e brutal.
  4. Raça dos Heróis: uma raça intermediária entre os mortais e os deuses, que foi extinta em batalhas e guerras.
  5. Raça de Ferro: a última e mais imperfeita raça de homens, que vive nos dias de Hesíodo. Eles são descritos como egoístas, mentirosos, ladrões e imorais, e são constantemente atormentados pelo trabalho e pela dor.

Depois de Hesíodo, foi Platão, no diálogo Timeu, que explorou as  ideias sobre o que se pode chamar de “nascimento do tempo”:

“Por conseguinte, em relação aos corpos, o que se diz verdadeiro é que, quando são gerados, precisam necessariamente ser gerados a partir de alguma coisa e, quando são corrompidos, precisam necessariamente ser corrompidos em alguma coisa. E que, necessariamente, alguma coisa sempre existe, da qual tudo o que é gerado toma a sua gênese e, em relação à qual tudo o que é corrompido toma a sua corrupção, essa coisa é o que chamamos de Ser.

Quanto ao universo, foi ele gerado. E, visto que foi gerado, é necessariamente passível de dissolução e destruição. Pois, se jamais foi gerado, também jamais poderia ser destruído; mas, por ser gerado, é passível de destruição. Dele é necessário, pois, que haja sido um gerador, e, antes dele, um gerador que lhe tenha dado origem. Mas, como, de tal origem, é necessário que exista uma causa, tal qual a presente, foi que o universo foi gerado, segundo as leis da natureza; e é belo, como todas as coisas que nascem segundo as leis da natureza. […] E, quanto aos seres vivos, o que se pode dizer é que, em sua maioria, nascem segundo a geração sexual, enquanto as plantas são geradas de outra forma.” (Timeu de Platão, 27a-28b)

Em “O Político”, Platão também descreve demoradamente a Era de ouro pela boca de um Estrangeiro:

ESTRAGEIRO:

Nesse tempo, a direção e a vigilância de Deus se exercia, primeiramente, tal como hoje, sobre todo o movimento circular, e essa mesma vigilância ainda existia localmente, pois todas as
partes do mundo estavam distribuídas entre os deuses encarregados de governá-las. Aliás, os próprios animais então se dividiam em gêneros e rebanhos sob o bordão de gênios divinos e cada um deles provia, plenamente, todas as necessidades de suas ovelhas não havendo feras selvagens, nem acontecendo que uns devorassem a outros, nem guerras, sem desentendimentos; e eu poderia contar, ainda, milhares de outros benefícios a esse tempo dispensados ao mundo. Mas, voltando ao que se refere aos homens que, então, não tinham preocupação alguma para viver, esta é a explicação: era o próprio Deus que pastoreava os homens e os dirigia tal como hoje, os homens (a raça mais divina) pastoreiam as outras raças animais que lhes são inferiores. Sob o seu governo, não havia Estado, constituição, nem a posse de mulheres e crianças, pois era do seio da terra que todos nasciam, sem nenhuma lembrança de suas existências anteriores. Em compensação tinham em quantidade os frutos das árvores e de toda uma vegetação generosa, recebendo-os, sem cultiválos, de uma terra que, por si mesma os oferecia. Nus, sem leito, viviam no mais das vezes ao ar livre, pois as estações lhes eram tão amenas que nada podiam sofrer, e por leitos tinham a relva macia que brotava da terra. Era esta, Sócrates, a vida que se levava sob o império de Crono; e quanto à outra, a de agora, e que, ao que se diz, está sob o império de Zeus, tu a conheces por ti mesmo. Podes dizer qual delas é a mais feliz?

Queres, então, que eu mesmo o diga?

SÓCRATES, O JOVEM:
— Claro que sim.

ESTRANGEIRO
— Se os tutelados de Crono, em seus lazeres que eram muitos, e tendo a faculdade de entreter-se, não apenas com homens, mas também com animais, se usaram de todas essas vantagens para praticar a filosofia, conversando com os animais e entre si, e interrogando a todas as criaturas para ver se haveria uma que,
melhor dotada, enriquecesse, com uma descoberta original, o tesouro comum dos conhecimentos humanos, fácil seria dizer que eles eram infinitamente mais felizes do que os homens do presente. Se, porém, apenas se ocuparam em fartar-se de
alimentos e bebidas, não procurando contar ou ouvir de outros e dos animais senão fábulas, tais como as que hoje se contam a seu respeito, a resposta seria fácil, creio.

Pouco a frente neste diálogo Platão trata da ideia do “Mundo Abandonado:

Quando se completou o tempo determinado a todas as coisas, e chegada a hora em que deveria produzir-se a mudança, esta raça nascida da terra desapareceu por completo, havendo cada alma completado o seu ciclo de nascimentos e voltado à terra tantas vezes como sementes quantas determinara a sua própria lei. Então o piloto do Universo, abandonando, por assim dizer, o leme, voltou a encerrar-se em seu posto de observação; e o mundo levado pela sua tendência e pelo seu destino natural, moveu-se em sentido contrário. Todos os deuses locais que assistiam a divindade suprema em seu governo, compreendendo prontamente o que se passava, abandonaram, também eles, as partes do mundo confiadas aos seus cuidados. E o mundo, subitamente mudando o sentido de seu movimento, de começo a fim, provocou, no seu próprio seio, um terremoto violento em que pereceram os animais de toda espécie. Depois, ao fim de um tempo suficiente, terminados os distúrbios e o terremoto, prosseguiu num movimento ordenado o seu curso habitual e próprio, zelando e governando, como senhor, tudo o que havia em seu seio, bem como a si próprio e relembrando, tanto quanto lhe fora possível,
as instruções de seu criador e pai, de início, com maior exatidão, mas, ao fim, com crescente enfraquecimento. Esta falta se deveu aos princípios corporais que entraram na sua constituição, aos caracteres herdados de sua natureza primitiva, que comportava uma grande parte de desordem antes de alcançar a ordem cósmica
atual. De seu construtor é que recebeu tudo o que tem de belo e de sua constituição anterior decorrem todos os males e todas as iniqüidades que se cometem no céu, e que daí passaram ao mundo, transmitindo-se aos animais. Enquanto desfrutava da
assistência de seu piloto que alimentava aos seus, que viviam em seu seio, salvo raros fracassos, só produzira grandes bens; mas uma vez dele desligado, quando o mundo foi abandonado a si mesmo, nos primeiros tempos que se seguiram ainda procurou levar todas as coisas para o melhor; entretanto, com o avançar do tempo e do esquecimento, tornando-se mais poderosos os restos de sua turbulência primitiva que finalmente alcançou o seu apogeu, raros são os bens e numerosos os males que a ele se incorporam, arriscando-se à sua própria destruição e à de tudo o que ele encerra. Por esse motivo, o Deus que o organizou, compreendendo o perigo em que o mundo se encontra, e temendo que tudo se dissolva na tempestade e desapareça no caos infinito da dessemelhança, toma de novo o leme e recompondo as partes que, neste ciclo, percorrido sem guia, tombaram em dissolução e desordem, ele o ordena e restaura de maneira a torná-lo imortal e
imperecível.

O Ano Perfeito

Ainda no diálogo com Timeu temos de Platão a ideia de “Grande Ano” ou “Ano Perfeito”, um enorme ciclo segundo o qual todos os planetas do sistema solar se movem em órbitas e retornam a mesma posição relativa em relação ao zodíaco. Este ciclo é acompanhado de importantes mudanças como movimentos geológicos, mudanças climáticas e o surgimento e desaparecimento de civilizações inteiras.

Desde os babilônicos sabemos que a cada ano o Sol corta o equador num ponto celeste chamado “ponto vernal”. Isso ocorre nos dias 21 de março (hemisfério norte) e 23 de setembro (hemisfério sul) quando então se apresenta a ele uma nova constelação. O “Grande Ano” de Platão é exatamente o período necessário para que o ponto vernal percorra todas as doze constelações do zodíaco. Se considerarmos o zodíaco como uma circunferência (360º) e que a precessão dos equinócios desloca o Sol em um grau a cada 72 anos, então podemos concluir que o “Ano Perfeito” tem a duração de 25.920 anos (72*360), composto por 12 eras, cada uma atribuída a um signo. Atualmente estamos entrando na chamada Era de Aquário. Cada era é marcada por seus próprios valores culturais, sociais e religiosos característicos que correspondem as atribuições da astrologia tradicional.

O “Ano Novo Perfeito”, ou seja o momento exato em quem um “Ano Perfeito” se inicia é tradicionalmente apontado  como a Doriforia ou  Grande Conjunção daquela era. É o momento em que todos se alinham e e formam um alinhamento, como um grande relógio cósmico apontando para a meia noite. A verdade é que todos os astros alinhados é algo que nunca aconteceu, mas isso ocorre de tempos em tempos com até 7 corpos celestes. Em março de 6 d.c houve uma doriforia com Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Júpiter, Saturno e Urano na constelação de Peixes e em 4 de fevereiro de 1962, outros conjutnto de sete astros, desta vez Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno se agruparam em Aquário. Isso não quer dizer necessariamente que a Era de Aquário começou naquele dia, mas não deixa de ser interessante, mas qualquer que seja a data exata na qual uma era começa tal mudança nunca ocorre de forma abrupta.

Desdobramentos Ocidentais

Séculos depois é Santo Agostinho de Hipona retoma esta discussão sobre o tempo

“Que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; mas, se quiser explicá-lo a quem me fizer a pergunta, já não sei.” (Livro XI, capítulo 14)

Em meio a essa dificuldade expressa o filósofo faz um salto muito interessante ao longo de sua obra e chega a conclusão que o Tempo (Cronos) é parte da Criação e portanto não é o Criador, mas uma de suas muitas criaturas. O próprio processo da Queda do Homem ocorre no tempo cronológico, mas sua Origem, seu Religare e sua Redenção está no “No Princípio” para o qual deve retornar.

A ideia de eras sucessivas foi resgatada no século XII por Joaquim de Fiore (c. 1135-1202) um monge italiano, teólogo e líder espiritual conhecido por suas ideias sobre o milenarismo. Ele fundou a Ordem dos Célestinianos, que buscava uma vida contemplativa e ascética, e escreveu diversas obras teológicas, incluindo uma interpretação do Apocalipse e um comentário sobre o Livro dos Salmos. Joaquim de Fiore desenvolveu a ideia de que a história do mundo se desenrola em três eras ligadas a Trindade. Na primeira – a Era do Pai – temos a criação do universo, a queda do homem e o desenvolvimento inicial da humanidade. Na segunda – a Era do Filho – temos o nascimento, o ministério e a missão de Jesus Cristo e a criação da Igreja. Na terceira – a vindoura Era do Espírito Santo – se estabelece uma nova religião que substituirá a de Pedro, uma espécie de igreja mística que trará a libertação das estruturas hierárquicas e a fraternidade universal.  Estas ideias como poderíamos esperar foram condenadas pela Igreja Católica e oficialmente consideradas heréticas no Concílio de Latrão, mas agradaram muito os cristão esotéricos de seu tempo e o cerne de suas ideias puderam ser lidos séculos depois nos famosos Manifestos Rosacruzes.


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