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Diálogo I (A Vida Suprassensorial)

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JACOB BOEHME

Traduzido e editado por Anônimo

O discípulo disse ao seu mestre: Senhor, como posso alcançar a vida suprassensível, para que eu possa ver a Deus e ouvir Deus falar?

O mestre respondeu: Filho, quando conseguires lançar-te naquele lugar, onde nenhuma criatura habita, mesmo que seja por um momento, decerto ouvirás o que Deus fala.

DISCÍPULO

Este lugar, onde nenhuma criatura habita, está ao alcance de minhas mãos? Ou está deveras distante?[10]

MESTRE

Este lugar está em ti. E se puderes, meu filho, apenas por um momento, cessar todo o teu pensar e querer, indubitavelmente ouvirás as inexprimíveis palavras de Deus.

DISCÍPULO

Como posso ouvi-Lo falar, quando parar de pensar e querer?

MESTRE

Quando te manténs em quietude em relação ao pensamento do Eu e ao desejo do Eu. Quando tanto a tua mente quanto a tua vontade estão tranquilas e receptivas às expressões da Palavra e do Espírito Eternos; e quando a tua alma se eleva acima do que é temporal, os sentidos externos e a imaginação são bloqueados por uma santa abstração, então a Audição, Visão e Fala Eternas serão reveladas em ti, e assim Deus ouve e vê através de ti, tornando-te agora o órgão do Seu Espírito, e assim Deus fala em ti e sussurra ao teu Espírito, e o teu Espírito ouve a sua voz. Bendito és tu, portanto, se fores capaz de permanecer em quietude em relação ao pensamento e desejo do Eu, e se fores capaz de parar a roda da tua imaginação e sentidos; pois assim poderás eventualmente contemplar a grande Salvação de Deus, tornando-te capaz de todo tipo de sensações divinas e comunicações celestiais. Visto é que somente a tua própria audição e vontade que te impedem de ver e ouvir Deus.

DISCÍPULO

Mas com o que devo ouvir e ver a Deus, uma vez que Ele está acima da Natureza e das Criaturas?

MESTRE

Filho, quando estás em silêncio e quietude, então és como Deus era antes da Natureza e das Criaturas; és aquilo que Deus então era; és aquilo de que Ele fez as tuas natureza e criatura. Então ouves e vês até mesmo aquilo com que o próprio Deus via e ouvia em ti, antes mesmo de começares a querer ou ver por ti próprio.

DISCÍPULO

O que agora me impede ou mantém-me afastado de alcançar isso, com o qual possa Deus ser visto e ouvido?

MESTRE

Para atingir este estado suprassensorial, coisa alguma verdadeiramente te impede, exceto a tua própria vontade, audição e visão. E é porque lutas tanto contra aquilo de onde tu mesmo descendes e derivas, que assim te separam de Deus com a tua própria vontade e separas a tua visão da visão de Deus. Proporcionalmente à medida em que, na tua própria visão, vês apenas conforme tua própria vontade, e com a tua própria compreensão entendes apenas conforme a tua própria vontade, está separada da Vontade Divina. Essa tua vontade, além disso, impede a tua audição e te torna surdo a Deus, através do teu próprio pensamento nas coisas terrenas, e da tua atenção ao que está fora de ti, e assim te leva a um lugar onde és capturado e cativo na Natureza. E tendo-te trazido até aqui, ela te envolve com aquilo que desejas, te prende com as tuas próprias correntes, e te mantém na tua própria prisão escura que tu mesmo criastes, de forma que não possas sair dali, nem chegar a esse estado que é Sobrenatural e Suprassensorial.

DISCÍPULO

Mas, estando eu na Natureza e assim aprisionado com as minhas próprias correntes e pela minha própria vontade natural, peço-te, por gentileza, Senhor, diz-me como posso passar pela Natureza e chegar ao solo do Suprassensorial e Sobrenatural, sem destruir a Natureza?

MESTRE

Três coisas são necessárias para tal. A primeira é que deves entregar a tua vontade à Deus e humilhar-te até o pó em Sua misericórdia. A segunda é que deves odiar a tua própria vontade e abster-te de fazer o que a mesma te impulsiona. A terceira é que deves curvar a tua alma sob a Cruz, submetendo-te de coração à ela, para que possas suportar as tentações da Natureza e das Criaturas. E, se fizeres isso, saiba que Deus falará contigo e trará a tua resignada Vontade à Ele mesmo, no solo Sobrenatural, e então ouvirás, meu filho, o que o Senhor fala em ti.

DISCÍPULO

É uma coisa deveras pesada, Mestre, posto que devo abandonar o Mundo e também minha vida, se assim o fizer.

MESTRE

Não te desencorajes com isso. Se abandonares o Mundo, indubitavelmente chegarás àquilo do qual o Mundo é feito, e se perderes a tua vida, então a tua vida está Naquele por causa de quem a abandonas. A tua vida está em Deus, da origem até teu corpo, e à medida que a tua própria força se enfraquece e se extingue, a força de Deus começará a trabalhar em ti e através de ti.

DISCÍPULO

No entanto, assim como como Deus criou o homem na e para a vida natural, para governar todas as criaturas na terra e ser senhor de todas as coisas neste mundo, não aparenta ser de todo irrazoável que Deus possua este mundo e as coisas nele para si mesmo.

MESTRE

Se governares sobre todas as criaturas apenas externamente, isso não tem muito significado. Mas se tiveres a mente de possuir todas as coisas e de ser verdadeiramente senhor sobre todas as coisas neste mundo, deves adotar um método completamente diferente.

DISCÍPULO

Peço-te, como é isso? E que método devo seguir para alcançar esta soberania?

MESTRE

Deves aprender a distinguir entre a Coisa e aquilo que é apenas uma imagem dela; entre a soberania que é substancial e que está no fundamento íntimo da Natureza, e aquela que é imaginária e está na forma externa da semelhança; entre aquilo que é propriamente angelical e aquilo que é apenas bestial. Se governares sobre as criaturas apenas externamente e não a partir do fundamento íntimo correto da tua natureza interior, então a tua vontade e governo estão num tipo ou matéria bestial, e o teu governo é, no máximo, apenas uma espécie de governo imaginário e transitório, desprovido daquilo que é substancial e permanente, aquilo que deves desejar e buscar incessantemente. Assim, ao governares externamente sobre as criaturas, é muito fácil perderes a substância e a realidade, enquanto só te resta nada além do que a imagem e a sombra do teu domínio primeiro e original, no qual és capaz de ser investido novamente, se fores sábio e receberes a tua investidura do Senhor Supremo no caminho e matéria corretos. Por outro lado, ao desejares e governares as criaturas de um modo bestial, também levas o teu desejo a uma essência bestial, o que significa que te tornas infectado e cativo nessa condição, e adquires uma natureza e condição de vida bestiais. Mas se conseguires abandonar a natureza bestial, deixar para trás a vida imaginária e abandonar a condição de vida baseada em imagens, então terás alcançado a super-imaginação e a vida intelectual, que é um estado de viver acima de imagens, figuras e sombras. E assim governarás sobre todas as criaturas, estando reunido com o teu Original, naquele mesmo fundamento ou fonte de onde elas foram e são criadas, e dali em diante nada na terra poderá te ferir. Pois tu és como Todas as Coisas, e nada é diferente de ti.

DISCÍPULO

Oh, amado Mestre, peço que me ensines como posso trilhar o caminho mais curto para me tornar semelhante a Todas as Coisas.

MESTRE

De todo o teu coração. Apenas reflita sobre as palavras do nosso Senhor Jesus Cristo quando ele disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus.” Não há caminho mais curto do que este, ao menos pode-se encontrar um melhor caminho. Verdadeiramente, Jesus te diz: A menos que te convertas e te tornes como uma criança, dependendo Dele para todas as coisas, não verás o Reino de Deus. Faz isso e nada irá te prejudicar; pois estarás em amizade com todas as coisas que existem, dependerás do autor e da fonte delas, e te tornarás semelhante à Ele, por meio desta dependência e pela União da tua Vontade com a sua Vontade. Mas observe o que tenho a dizer, e não te assustes, mesmo que possa parecer difícil para ti, à princípio, compreenderes. Se queres ser semelhante a Todas as Coisas, deves abandonar todas as coisas; não deves estender a tua vontade para possuir algo como teu, ou como sendo teu, que seja Alguma Coisa, qualquer que seja essa Alguma Coisa. Pois, no momento em que desejares alguma coisa e a receberes como tua, ou como sendo tua, essa mesma Alguma Coisa (não importando a sua natureza) será idêntica à ti; e isso agirá contigo na tua vontade, e ficarás então obrigado a protegê-la e a cuidar dela, assim como cuidas do teu próprio ser. Mas se não receberes nada na tua vontade, então estarás livre de todas as coisas e governarás sobre todas as coisas de uma vez, como um Príncipe de Deus. Pois não terás recebido nada como teu e serás nada para todas as coisas, e todas as coisas serão nada para ti. Serás como uma criança que não entende o que uma coisa é; e mesmo que possas entender, entenderás sem te misturares com ela e sem que ela afete ou toque sensivelmente a tua percepção, mesmo naquilo em que Deus governa e vê todas as coisas; Ele compreende Tudo e, mesmo assim, nada O compreende.

DISCÍPULO

Ah! Como posso eu alcançar esta compreensão celestial, esse conhecimento puro e despido, que está além dos sentidos, essa luz acima da Natureza e da Criatura, e essa participação na Sabedoria Divina que supervisiona todas as coisas e governa por meio de todos os seres intelectuais? Pois, ai de mim, sou tocado a todo momento pelas coisas ao meu redor e ofuscado pelas nuvens e perfumes que se elevam da terra. Desejo, por conseguinte, ser ensinado, se possível, como posso alcançar um estado e condição em que nenhuma criatura possa me tocar para me ferir; e como minha mente, sendo purificada dos objetos e coisas sensíveis, pode preparar-se para a entrada e habitação da Sabedoria Divina em mim.

MESTRE

Tu desejas que eu te ensine como podes alcançar isso; e eu te direcionarei ao nosso Mestre, de quem eu mesmo fui ensinado, para que possas aprendê-lo diretamente Dele, que é o único que ensina o coração. Ouve-o. Desejas tu alcançar isso; desejas tu permanecer intocado pelos sensíveis; desejas tu contemplar a luz na própria Luz de Deus e ver todas as coisas através dela; então considera as palavras de Cristo, que é a Luz e a Verdade. Oh, considera agora suas palavras, que disse: “Sem mim nada podeis fazer” (João 9:5) e não hesites em te entregares a Ele, que é a força da tua salvação e o poder da tua vida; e com quem tu podes fazer todas as coisas, pela fé que Ele desperta em ti. Mas a menos que tu te entregues completamente à vida do nosso Senhor Jesus Cristo, e entregues tua Vontade completamente à Ele, e não desejes nada e não queiras nada sem Ele, nunca alcançarás tal repouso, que nenhuma criatura possa perturbar. Pensa no que quiseres e nunca se deleite por demasiado na atividade da tua própria razão, contudo descobrirás que, por teu próprio poder e sem tal entrega total a Deus e à vida de Deus, nunca poderás alcançar tal repouso como este, ou a verdadeira Paz da Alma, na qual nenhuma criatura pode te molestar, ao menos tocar-te. Quando tu, com Graça, tiveres alcançado isso, então com teu Corpo estarás no Mundo, como nas propriedades da Natureza exterior; e, com tua Razão, sob a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo; mas com tua Vontade tu caminharás no paraíso, e estarás no fim de onde todas as criaturas procedem, e para onde retornam novamente. E então poderás, nesse Fim, que é o mesmo que o Princípio, contemplar todas as coisas exteriormente com razão e liberalmente com a mente; e assim poderás governar em todas as coisas e sobre todas as coisas, com Cristo; a quem todo o poder é dado tanto no céu quanto na terra.

DISCÍPULO

Ó, Mestre, as criaturas que vivem em mim me impedem, de modo que eu não posso me render e me entregar totalmente como eu gostaria. O que devo fazer nesse caso?

MESTRE

Não te preocupes com isso. Tua Vontade se afasta das criaturas? Então as criaturas são abandonadas em ti. Elas estão no mundo, e teu corpo, que está no mundo, está com as criaturas. Mas espiritualmente tu caminhas com Deus e conversas no Céu; estando em tua mente redimido da terra e separado das criaturas, para viver a vida de Deus. E se tua Vontade assim deixa as criaturas e se afasta delas, assim como o espírito se afasta do corpo na morte, então as criaturas estão mortas para ela e vivem apenas no corpo, no mundo. Pois se tua Vontade não se dirige a elas, elas não podem se dirigir à tua Vontade, nem de forma alguma podem tocar a alma. Por conseguinte diz São Paulo: “A nossa conversação está nos Céus”; e também: “Vós sois o templo de Deus, e o Espírito de Deus habita em vós”. Portanto, verdadeiros cristãos são os verdadeiros templos do Espírito Santo, que habita neles; isto é, o Espírito Santo habita na Vontade, e a Criatura habita no Corpo.

DISCÍPULO

Se agora o Espírito Santo habita na Vontade da Mente, como devo me manter para que ele não se afaste de mim novamente?

MESTRE

Ouve, filho meu, as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Se permanecerdes nas minhas palavras, então permanecereis verdadeiramente meus discípulos”. Se tu permaneceres com a tua Vontade nas Palavras de Cristo, então a Sua Palavra e Espírito permanecem em ti, e tudo te será concedido quando o pedires. Mas se tua Vontade se dirige à criatura, então te separaste dele. E então tu não podes te manter de outra maneira senão permanecendo continuamente nessa humildade resignada e entrando em um curso constante de penitência, onde sempre estarás aflito com tua própria Vontade criatural, e que as criaturas ainda vivam em ti, ou seja, no teu apetite corporal. Se assim fizeres, estarás diariamente morrendo para as criaturas e diariamente ascendendo ao céu em tua Vontade, que também é a Vontade do teu Pai Celestial.

DISCÍPULO

Ó meu amado Mestre, rogo-te que me ensines como posso alcançar um curso constante de santa penitência e uma morte diária de todos os objetos criaturais. Como posso constantemente permanecer em arrependimento?

MESTRE

Quando abandonares aquilo que te ama e amares aquilo que te odeia, então poderás permanecer continuamente em arrependimento.

DISCÍPULO

O que é isto, que devo abandonar?

MESTRE

Deves abandonar todas as coisas que te amam e te agradam, porque é a tua Vontade que as ama e se agrada delas. Deves abandonar todas as coisas que te satisfazem e alimentam, porque é a tua Vontade que as alimenta e acaricia. Deves abandonar todas as criaturas de carne e sangue; em suma, todos os objetos visíveis e sensíveis, pelos quais o apetite imaginativo ou sensível nos homens se deleita e se refresca. A Vontade da tua mente, ou a tua parte suprema, deve deixar e abandonar tudo isso e deve considerar todas essas coisas como seus inimigos. Isso é o abandonar do que te ama. E amar o que te odeia é abraçar o opróbrio do mundo. Deves aprender a amar a Cruz do Senhor Jesus Cristo e, por amor a Ele, alegrar-te com o opróbrio do mundo que te odeia e zomba de ti; e que isso seja o teu exercício diário de penitência: ser crucificado para o mundo, e o mundo para ti. Assim terás sempre motivo para te odiar na Criatura e buscar o descanso eterno que está em Cristo. Tendo alcançado esse descanso, a tua Vontade pode repousar e se tranquilizar nele, conforme o teu Senhor Cristo disse: “Em mim encontrareis descanso, mas no mundo tereis ansiedade. Em mim encontrareis paz, mas no mundo tereis tribulações”.

DISCÍPULO

Como posso então subsistir nesta ansiedade e tribulação provenientes do mundo sem perder a paz eterna, ou sem entrar neste repouso? E como posso me recuperar de uma tentação como esta, sem sucumbir ao mundo, mas elevando-me acima dele através uma vida verdadeiramente celestial e suprassensível?

MESTRE

Se a cada hora, pela fé, te lançares além de todas as criaturas, além e acima de toda percepção e apreensão sensorial, decerto acima do discurso e do raciocínio, no abismo da misericórdia de Deus, nos sofrimentos do nosso Senhor e na comunhão da sua intercessão, e te entregares plena e absolutamente à isso; então receberás poder do alto para governar sobre a Morte e o Diabo, e subjugar o Inferno e o Mundo a ti. E então poderás subsistir em todas as tentações e brilhar ainda mais por causa delas.

DISCÍPULO

Bem-aventurado é o homem que alcança tal estado. Mas, ai de mim, pobre homem que sou, como é isso para mim possível? E o que aconteceria comigo, ó meu Mestre, se realmente alcançasse, com minha mente, aquele lugar onde nenhuma criatura está? Não devo eu clamar: Estou perdido?

MESTRE

Filho, por que estás tão desanimado? Mesmo assim, anima-te, pois certamente podes alcançar tal estado. Apenas crê, e todas as coisas se tornarão possíveis para ti. Se ao menos a tua Vontade, ó tu de tão pouca coragem, pudesse se desprender por uma hora, ou mesmo por meia hora, de todas as criaturas e se lançar naquele lugar onde nenhuma criatura está ou pode estar, imediatamente tal Vontade seria penetrada e revestida pela esplendorosa glória divina, experimentaria em si mesma o mais doce Amor de Jesus, cuja doçura nenhuma língua pode expressar, e encontraria em si mesma as palavras inefáveis de nosso Senhor a respeito de sua grande misericórdia. O teu espírito então sentiria, em si mesmo, que a Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo é muito agradável à ele, e a amaria mais do que as honras e bens do mundo.

DISCÍPULO

Isso seria de fato, para a alma, excessivamente bom. Mas o que aconteceria com o corpo, visto que ele necessariamente deve viver na Criatura?

MESTRE

O corpo, dessa forma, deveria ser posto na imitação de nosso Senhor Jesus Cristo e de Seu corpo. Estaria em comunhão com aquele Corpo mais abençoado, que é o verdadeiro templo da Divindade, e na participação de todos os seus efeitos, virtudes e influências graciosas. Viveria na criatura, não por escolha, porém como sujeito à vaidade, e no mundo, colocado nele pela ordenação do Criador, para o seu cultivo e avanço superior, bramindo para ser libertado no tempo e maneira de Deus, para sua perfeição e ressurreição em liberdade e glória eternas, semelhante ao corpo glorificado de nosso Senhor e seus Santos ressuscitados.

DISCÍPULO

Mas o corpo, em sua presente constituição, sujeito à vaidade e vivendo em uma imagem fútil e sombras criaturais de acordo com a vida das criaturas não graduadas ou irracionais, cujo fôlego desce para a terra; ainda temo muito por isso, pois pode continuar a oprimir a mente que se eleva a Deus, ao se prender como um peso morto à ela; e continuar a abusar e perturbar a mesma, como antes, com sonhos e futilidades, ao permitir a entrada dos objetos externos, a fim de me arrastar para o mundo e sua agitação; enquanto eu gostaria de manter um diálogo com o céu, mesmo enquanto ainda vivo no mundo. O que, então, devo fazer com este corpo para poder manter um diálogo aprazível e não mais ficar sujeito à ele?

MESTRE

Não conheço outro caminho para ti, senão apresentar o corpo do qual te queixas (a besta a ser sacrificada) como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. E este será o teu serviço racional pelo qual teu corpo será posto, como desejas, na imitação de Jesus Cristo, que disse que seu Reino não era deste mundo. Não te conformes à ele, mas transforma-te pela renovação da tua mente; essa mente renovada deve ter domínio sobre o corpo, para que possas provar, tanto no corpo quanto na mente, qual é a vontade perfeita de Deus e realizá-la com a Sua graça operando em ti. Assim, o corpo, ou a vida animal, sendo assim oferecido, começará a morrer, externa e internamente. Externamente, isto é, da vaidade, dos maus hábitos e tendências do Mundo; será uma mudança total para todas as suas partes e para toda a ostentação, orgulho, ambição e soberba contidos nele. Internamente, morrerá em relação aos desejos e apetites da carne, e terá uma mente e vontade completamente novas para seu governo e administração; sendo agora sujeito ao Espírito, que será constantemente direcionado à Deus. Assim sendo, teu próprio corpo torna-se o templo de Deus e do Seu Espírito, em imitação do corpo do teu Senhor.

DISCÍPULO

Mas o mundo o odiaria e desprezaria por isso, pois precisaria contradizer o mundo, viver e agir de forma drasticamente contrária ao que vive o Mundo. Isso é fato. E como pode isso ser levado à cabo?

MESTRE

O mundo não veria isso como algo prejudicial, mas se alegraria por ter se tornado digno de ser semelhante à imagem de nosso Senhor Jesus Cristo, sendo transformado a partir do mundo. E estaria disposto a carregar essa cruz após nosso Senhor, apenas para que nosso Senhor pudesse conceder-lhe a influência de Seu amor doce e precioso.

DISCÍPULO

Não duvido que em alguns isso possa assim ocorrer. Entretanto, em relação a mim, estou em um dilema entre dois, ainda não sentindo o suficiente dessa abençoada influência sobre mim. Oh, quão meu corpo estaria disposto a suportá-lo, se pudesse depender, seguramente, disso! Portanto, perdoe-me, querido Senhor, neste ponto, se minha impaciência ainda exige: “O que aconteceria com ele, se a ira de Deus de seu interior e o mundo ímpio do seu exterior o atacassem de uma vez, como realmente aconteceu com nosso Senhor Cristo?”

MESTRE

Seja assim para ele, assim como para o Senhor Cristo, quando Ele foi repreendido, insultado e crucificado pelo mundo, e quando a ira de Deus o atacou tão ferozmente por nossa causa. Agora, o que Ele fez sob esta terrível agressão, interna e externamente? Ora, Ele entregou Sua alma nas mãos de Seu Pai e assim partiu da angústia deste mundo para a alegria eterna. Faze tu o mesmo, e Sua morte será tua vida.

DISCÍPULO

Que assim seja para mim como para o Senhor Cristo, tanto para o meu corpo como para o dele, que eu entreguei em Suas mãos e ofereci por amor ao Seu nome, de acordo com Sua vontade revelada. No entanto, desejo saber o que aconteceria com o meu corpo ao sair da angústia deste mundo miserável para o poder do Reino Celestial.

MESTRE

Ele se libertaria do desprezo e contradição do mundo por meio da conformidade com a paixão de Jesus Cristo; e das tristezas e dores na carne, que são apenas os efeitos de alguma impressão sensível das coisas externas, por meio de uma introspecção tranquila do espírito e comunhão secreta com a Divindade, manifestando-se para esse fim. Ele penetraria em si mesmo; ele afundaria no grande amor de Deus; seria sustentado e renovado pelo nome mais doce, Jesus, e encontraria dentro de si mesmo um novo mundo emergindo, como através da ira de Deus, para a alegria e amor eternos. E então um homem envolveria a sua alma nisso, mesmo no grande Amor de Deus, e se revestiria dele como com uma vestimenta; e consideraria todas as coisas como iguais, porque na criatura ele não encontra nada que possa lhe dar, sem Deus, a menor aprazibilidade, e porque também nada de prejudicial pode tocá-lo enquanto ele permanecer nesse Amor. Pois esse Amor é realmente mais forte do que tudo e torna um homem invulnerável tanto interna quanto externamente, ao se retirar o ferrão e o veneno da criatura e ao se destruir o poder da morte. Seja o corpo no inferno ou na terra, tudo é igual para ele; pois, esteja lá ou aqui, sua mente está sempre no grande Amor de Deus; o que é o mesmo que dizer que ele está no céu.

DISCÍPULO

Doravante, como seria o corpo de um homem sustentado no mundo? Como seria ele capaz de sustentar aqueles que são seus, se ele, por meio de tal diálogo, incorrer na desagrado de todo o mundo?

MESTRE

Um homem assim recebe favores maiores do que o próprio mundo é capaz de lhe conceder: ele tem Deus como seu amigo; ele tem todos os anjos como seus amigos. Em todos os perigos e necessidades, eles o protegem e atenuam os seus problemas, de modo que ele não precisa temer mal algum; nenhuma criatura pode prejudicá-lo. Deus é o seu auxiliador, e isso é suficiente. Além disso, Deus é a sua bênção em tudo. E embora às vezes possa parecer que Deus não o abençoará, é apenas um teste para ele e para atrair o Amor Divino, para que possa orar mais fervorosamente à Deus e entregar todos os seus caminhos à Ele.

DISCÍPULO

Ele, no entanto, perde todos os seus bons amigos com isso, e não haverá ninguém para auxiliá-lo em sua necessidade.

MESTRE

Não, ele obtém, em sua posse, os corações de todos os seus bons amigos e não perde senão seus inimigos, que antes amavam sua vaidade e impiedade.

DISCÍPULO

Como ele pode obterá posse de seus bons amigos?

MESTRE

Ele faz com que os corações e as almas de todos aqueles que pertencem ao nosso Senhor Jesus sejam seus irmãos e membros de sua própria vida. Pois todos os filhos de Deus são apenas UM em Cristo, que é Cristo em todos. Portanto ele faz com que todos sejam seus “companheiros de membro” no Corpo de Cristo, de onde possuem todos os mesmos bens celestiais em comum e todos vivem no mesmo Amor de Deus, como os ramos de uma árvore na mesma raiz e todos brotam de uma mesma fonte de vida, neles contida. Portanto, ele não pode sentir falta de amigos e parentes espirituais, que estão todos enraizados juntamente com ele no Amor que vem do Alto, que são todos do mesmo sangue e parentesco em Cristo Jesus; e que são todos alimentados pela mesma seiva vivificante e pelo espírito que se difunde universalmente através deles, proveniente da única videira verdadeira, que é a árvore da vida e do amor. Esses são amigos que valem a pena ter; e embora aqui possam ser desconhecidos por ele, serão, sem dúvida, seus amigos por toda a eternidade. Mas ele também não ficará sem amigos naturais externos, assim como nosso Senhor Cristo, quando na terra, também não ficou sem eles. Pois embora os sumos sacerdotes e potentados do mundo não pudessem amá-lo, porque não o pertenciam, nem estavam relacionados em nenhuma hipótese, por não serem deste mundo, ainda assim aqueles que eram aptos de seu amor o amavam e se mostravam receptivos às suas palavras. Igualmente aqueles que amam a verdade e a justiça amarão esse homem e à ele se associarão, mesmo que possam estar aparentemente distantes ou em desacordo, devido à situação de seus assuntos mundanos ou por outros motivos, ainda assim, em seus corações, não podem deixar de se apegar. Pois embora não estejam realmente fundidos em um só corpo, não podem resistir em serem da mesma mente e em estar unidos na aflição, por causa do grande apreço que têm pela verdade, que resplandece em suas palavras e em sua vida. Assim, tornam-se seus amigos declarados ou secretos; e ele obtém seus corações a tal ponto que se deleitam acima de todas as coisas em sua companhia, por causa disso, e buscam sua amizade e vêm até ele secretamente, se abertamente não ousam, em busca do benefício de sua conversa e conselho; assim como Nicodemos fez com Cristo, que dirigiu-se até o Senhor Cristo, à noite, e em seu coração amava Jesus por causa da verdade, embora exteriormente temesse o mundo. E assim tu terás muitos amigos que não te são conhecidos; e alguns conhecidos por ti, que podem não parecer assim ante ao Mundo.

DISCÍPULO

No entanto, é muito doloroso ser desprezado pelo mundo e ser pisoteado pelos homens como se fosse a escória.

MESTRE

Aquilo que neste momento, mostra-se tão difícil e pesado, no futuro amarás acima de tudo.

DISCÍPULO

Como posso amar aquilo que me odeia?

MESTRE

Embora, neste momento, ames a Sabedoria Terrena, quando fores revestido da Sabedoria Celestial, verás que toda a sabedoria do mundo é loucura. Verás também que o mundo não te odeia em demasiado, contudo odeia teu inimigo, esta vida mortal. E quando tu mesmo começares a odiar a vontade desta vida, por meio de uma separação habitual da tua Mente do Mundo, então começarás a amar o desprezo pela vida mortal e a reprovação do mundo por causa de Cristo. Assim, serás capaz de resistir a todas as tentações e perseverar até o fim, por meio dessa vida acima do mundo e dos sentidos. Nesse caminho, odiarás a si mesmo, contudo também se amarás, ou seja, amarás a si mesmo, como nunca amaste.

DISCÍPULO

Mas como podem essas duas coexistirem juntas, que alguém ame e odeie a si mesmo?

MESTRE

Ao amares a ti mesmo, não amas a ti mesmo como sendo teu, mas amas o fundamento divino em ti, outorgado a ti pelo Amor de Deus. Por meio dele, e Nele, amas a Sabedoria Divina, a Bondade Divina, a Beleza Divina; também amas, por meio dele, as obras maravilhosas de Deus; e nesse fundamento também amas teus irmãos. Mas, ao odiar a si mesmo, odeias apenas aquilo que é teu, e no qual o Mal se apega a ti. E isso fazes para que possas destruir completamente aquilo que chamas de teu, como quando dizes “Eu” ou “Eu Mesmo” faço isso, ou faço aquilo. Tudo isso está errado e é um completo equívoco em ti; pois nada podes chamar corretamente de teu além do eu malévolo, nem podes fazer qualquer coisa de ti mesmo que seja digna de consideração. Portanto, deves trabalhar para destruir completamente esse eu em ti, para que possas transformar-se em um fundamento totalmente divino. Não pode haver egoísmo no amor; eles são opostos um ao outro. O amor, isto é, o Amor Divino (do qual falamos agora), odeia toda a Egoidade, odeia tudo o que chamamos de eu, ou ego, odeia todas as restrições e confinamentos, até mesmo tudo o que surge de um espírito contraído, ou desse eu maléfico, porque é algo odioso e mortal. E é impossível que esses dois possam coexistir ou subsistir em uma única pessoa; um expulsa o outro por uma necessidade da natureza. Pois o Amor possui o Céu e habita em si mesmo, que é habitar no Céu; mas o chamamos de eu, esse eu maléfico, possui o mundo e as coisas mundanas; habita também em si mesmo, o que significa que habita no Inferno, pois esta é a própria raiz do Inferno. Desta forma, assim como o Céu governa o Mundo, e a Eternidade governa o Tempo, assim também o Amor deve governar a Vida natural e temporal; pois não há outro método, nem pode haver, para alcançar aquela Vida que é sobrenatural e eterna, e para a qual tanto desejas ser conduzido.

DISCÍPULO

Amado Mestre, estou satisfeito que esse Amor deve governar-me sobre a Vida natural, para que assim eu possa alcançar o que é sobrenatural e além dos sentidos; mas, por favor, diga-me agora, por que o Amor e o Ódio, o amigo e o inimigo, devem estar, desta forma, juntos? Não seria melhor apenas o Amor? Por que, então, lhe digo, Amor e Problema estão, desta forma, unidos?

MESTRE

Se o Amor não habitasse no Problemas, não teria nada para amar. Mas a substância que ele ama, ou seja, a pobre alma, estando em problemas e dor, tem assim motivo para amar essa sua própria substância e libertá-la da dor, para que ela possa, por sua vez, ser amada consequentemente por ela. Ninguém poderia saber o que é o Amor se não houvesse o Ódio; ou o que é a amizade se não houvesse um inimigo para enfrentar. Em suma, tem de haver o Amado para que o Amor possa manifestar sua virtude e poder, operando para livrá-lo de toda dor e problema.

DISCÍPULO

Rogo-vos, então, qual é a virtude, o poder, a altura e a grandeza do Amor?

MESTRE

A virtude do Amor é O NADA e O TUDO, ou seja, o Nada visível do qual Todas As Coisas surgem. Seu poder permeia Todas as Coisas; sua grandeza é tão alta quanto Deus; sua grandiosidade é tão grande quanto Deus. Sua virtude é o princípio de todos os princípios, seu poder sustenta os Céus e sustenta a Terra; sua grandeza é mais alta do que os mais altos Céus, e sua grandiosidade é ainda maior do que a própria Manifestação da Divindade na gloriosa luz da Essência Divina, sendo infinitamente capaz de manifestações cada vez maiores em toda a Eternidade. O que mais posso dizer? O Amor é mais elevado do que O Altíssimo. O Amor é mais grandioso que o Magnificente. Sim ele é, em certo sentido, maios grandioso do que Deus; enquanto, no sentido mais elevado de todos, Deus é Amor, e o Amor é Deus. O Amor, sendo o princípio mais elevado, é a virtude de todas as virtudes, de onde todas fluem.  O Amor, sendo a maior Majestade, é o Poder de todos os Poderes, de onde agem separadamente. E é a Raiz Mágica Santa, um Poder Espiritual de onde todos os prodígios de Deus foram realizados pelas mãos de seus servos eleitos, em todas as suas gerações sucessivas. Quem o encontra, encontra O Nada e Todas As Coisas.

DISCÍPULO

Caro Mestre, por favor, diga-me como posso compreender isso?

MESTRE

Primeiramente, a respeito do que eu disse, que a virtude do amor é o Nada; ou esse Nada que é o começo de Todas as Coisas, deves entendê-lo da seguinte maneira: Quando te libertares completamente da Criatura e daquilo que é visível, e te tornares Nada diante de tudo o que é Natureza e Criatura, então estarás naquele Eterno, que é Deus; e então perceberás e sentirás dentro de ti a mais alta virtude do Amor. Contudo, quando disse que o poder do amor está em Todas as Coisas, é algo perceptível e experienciável em tua própria alma e corpo, sempre que este grande amor é acendido, dentro de ti; pois ele queimará mais intensamente do que o fogo, como ocorreu com os antigos Profetas e posteriormente com os Apóstolos, quando Deus falava com eles pessoalmente e quando Seu Espírito desceu sobre eles no Oratório de Sião. Decerto observarás em todas as obras de Deus como o amor se derramou em todas as coisas, penetrou todas as coisas, e é o fundamento mais interno e externo de todas as coisas. Internamente, na virtude e poder de cada coisa, e externamente, em sua figura e forma.

Quando afirmei que a altura do Amor é tão alta quanto Deus, deves entender isto em ti mesmo: o Amor te eleva a ser tão alto quanto Deus, ao estar unido à Ele; como pode ser visto em nosso amado Senhor Jesus Cristo, em nossa humanidade. O amor elevou essa humanidade ao mais alto trono, acima de todas as principados e potestades angelicais, até mesmo na própria Essência Divina. Contudo, aquilo que eu disse – a grandeza do amor é tão grande quanto Deus, deves compreender que há uma grandeza e amplitude de coração no amor que é indescritível, pois ele expande a alma até abranger toda a Criação de Deus. E isso será verdadeiramente experienciado por ti, além de todas as palavras, quando o trono do amor for estabelecido em teu coração.

Além disso, quando citei que a virtude do amor é o princípio de todos os princípios, te outorga o entendimento de que o amor é a causa principal de todos os seres criados, espirituais e corpóreos. Por meio dele, as segundas causas se movem e agem ocasionalmente, de acordo com certas Leis Eternas, que foram implantadas desde o princípio na própria constituição das coisas originadas. Esta virtude está no Amor é a própria vida e energia de todos os princípios da Natureza, superiores e inferiores. Alcança todos os Mundos e todos os tipos de seres neles contidos, visto serem obras do Amor Divino. O amor é o primeiro motor e o primeiro movido, tanto no céu acima, como na terra abaixo e na água debaixo da terra. Por isso, é-lhe dado o nome de Aleph Radiante ou Alpha, que expressa o início do Alfabeto da Natureza e do Livro da Criação e Providência, ou seja, o Livro Divino Arquetípico, no qual está a Luz da Sabedoria e a fonte de todas as luzes e formas.

Adicionalmente dito por mim: -Seu poder sustenta os Céus; você chegará a compreender que assim como os Céus, visíveis e invisíveis, têm origem desse grande princípio, eles também são necessariamente sustentados por ele; e, portanto, se esse poder fosse retirado, mesmo que por uma fração de segundos, todas as luzes, glórias, belezas e formas dos mundos celestiais mergulhariam imediatamente na escuridão e no caos.

Ademais conforme afirmei, que ele sustenta a Terra, será tão evidente para você quanto o ponto anterior; perceberá em si mesmo por meio de experiência diária e constante; pois a Terra, sem esse poder, inclusive a tua própria terra (ou seja, teu corpo), indubitavelmente seria informe e vazia. Pelo poder deste princípio, a Terra tem sido, até o momento, sustentada, não obstante de um poder estrangeiro usurpado introduzido pela loucura do pecado. Se este poder falhasse ou se afastasse apenas uma vez, não haveria vegetação ou vida animada nela; sim, até mesmo os seus próprios pilares seriam completamente derrubados, e o vínculo de união, que é a atração ou magnetismo, denominado poder centrípeto, seria rompido e dissolvido, tudo então entraria em desordem máxima, se despedaçaria e se dispersaria como pó ao vento.

Contudo, quando lhe afirmei que a altura do Amor é maior do que os mais altos Céus, igualmente pode ser apreendido dentro de ti. Decerto, se ascenderes em espírito por todas as ordens de Anjos e Poderes celestiais, ainda assim o Poder do Amor indubitavelmente é superior a todos eles. E assim como o Trono de Deus, que está acima do Céu dos Céus, é mais alto do que o mais alto deles, também o Amor deve ser, pois preenche todos eles e os compreende. E quando falei da Grandeza do Amor, que é maior do que a própria Manifestação da Divindade na luz da Essência Divina, isso também é verdade. Pois o Amor penetra mesmo onde a Divindade não é manifestada nessa gloriosa luz, e onde Deus, podemos assim dizer, não habita. E, de forma que, ao entrar nesse lugar, o Amor começa a manifestar à alma a luz da Divindade; assim a escuridão é rompida, e as maravilhas da nova criação são sucessivamente reveladas. Assim, serás levado a compreender real e fundamentalmente a virtude e poder do Amor, qual é a altura e grandeza dele. Pois, de fato, é a virtude de todas as virtudes (embora invisível, e aparentemente como um Nada), visto ser o agente de todas as coisas e uma poderosa energia vital que perpassa todas as virtudes e poderes naturais e sobrenaturais. Também é o poder de todos os poderes, pois nada pode impedir ou obstruir a Onipotência do Amor, nem resistir à sua invencível e penetrante força, que atravessa toda a Criação de Deus, inspecionando e a Tudo governando.

Outrossim no que foi dito: “É mais elevado que o Altíssimo e maior que o Grandioso”; por meio disso, tu podes perceber, num relance, a altura suprema e a grandeza do Amor Onipotente, que transcende infinitamente tudo o que o sentido humano e a razão podem alcançar. O mais alto Arcanjo e os maiores Poderes do Céu, em comparação com ele, são como anões. Nada pode ser concebido como mais elevado e maior em Deus, nem mesmo pelas mais elevadas e maiores de suas criaturas. Há uma infinitude nele que compreende e ultrapassa todos os atributos divinos.

Por outro lado foi dito: “Sua grandeza é maior do que Deus”; isso também é no exato sentido em que foi dito. Visto que o Amor pode entrar onde Deus não habita, uma vez que o Deus Altíssimo não habita nas trevas, mas na Luz, e as trevas infernais estão sob seus pés. Por exemplo, quando nosso amado Senhor Jesus Cristo estava no Inferno, o Inferno não era a morada de Deus ou de Cristo. O Inferno não vê a Deus, nem estava com Deus, nem poderia estar com ele de forma alguma; o Inferno permaneceu na escuridão e na angústia da Natureza, e nenhuma luz da Majestade Divina penetrou ali; Deus não estava lá, pois ele não está nas trevas nem na angústia; porém lá estava o Amor; o Amor destruiu a Morte e venceu o Inferno. Igualmente, quando estás em angústia ou aflição, que é um inferno interior, Deus não é a angústia ou aflição, muito menos está na angústia ou aflição; mas o seu Amor está lá e te tira da angústia e aflição, conduzindo-te a Deus, levando-te à luz e à alegria de sua presença. Quando Deus se esconde em ti, o Amor ainda está lá e o torna manifesto em ti. Tal é a grandeza e amplitude inconcebíveis do Amor, que agora te parecerá tão grande quanto Deus acima da Natureza e maior do que Deus na Natureza, considerado em Sua glória manifesta.

Por fim, quando disse: “Quem quer que o encontre encontra o Nada e Tudo”; isso também é certo e verdadeiro. Mas como ele encontra o Nada? Eu o direi. Aquele que o procura, encontra um Abismo Sobrenatural, Suprassensorial, que não tem fundamento ou alicerce para se apoiar, onde não espaço para habitação; ademais não encontra nada que se lhe assemelhe, e, portanto, pode ser adequadamente comparado ao Nada, pois é mais profundo do que qualquer Coisa, e é como Nada em relação a Tudo, visto que não é compreensível por nenhuma delas. E justamente porque é Nada em relação à elas está, portanto, livre de Todas as Coisas, e é o único Bem que um homem não pode expressar ou dizer o que é, pois não há Nada com o qual possa ser comparado a fim de expressá-lo.

Mas quando eu disse por último: “Quem quer que o encontre encontra Todas as Coisas”; nada pode ser mais verdadeiro do que essa afirmação. Ele tem sido o Começo de Todas as Coisas e governa Todas as Coisas. Também é o Fim de Todas as Coisas e, a partir daí, compreenderá Todas as Coisas dentro de seu círculo. Todas as Coisas são dele, e nele, e por ele. Se tu o encontrares, chegarás àquela base de onde Todas as Coisas procedem e subsistem, e tu estarás nele como um Rei sobre todas as obras de Deus.

Intensamente extasiado com o que seu Mestre declarara de maneira tão maravilhosa e surpreendente, o Discípulo agradeceu-lhe com todo o coração e humildade pela luz à ele transmitida, sendo o Mestre o instrumento. Contudo, desejando ouvir mais sobre essas questões elevadas e saber algo mais particularmente, pediu permissão para encontrá-lo novamente no dia seguinte, e que seria deveras grato se pudesse lhe mostrar como e onde poderia encontrar aquilo que estava muito além de todo preço e valor; onde estaria o assento e a morada disso na natureza humana, com todo o processo completo da descoberta e revelação.

O Mestre disse a ele: Então, discutiremos sobre isso em nossa próxima conversa, conforme Deus nos revelar pelo seu Espírito, que é um escrutinador de Todas as Coisas. E se tu te lembra bem do que te respondi no começo, em breve compreenderás essa sabedoria mística oculta de Deus, que nenhum dos sábios do mundo conhece. O exato local desta sabedoria divina oculta ser-te-á dado de cima discernir. Fica em silêncio, portanto, em teu espírito e vigia em oração; para que, quando nos encontrarmos novamente, amanhã no amor de Cristo, tua mente possa estar preparada para encontrar aquela nobre Pérola, que para o mundo parece Nada, mas para os Filhos da Sabedoria é Tudo.


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