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Meditação Alquímica: Um Guia Teórico do Chumbo ao Ouro

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Tamosauskas

Dois pontos quase que universais e aparentemente contraditórios em todos os tratados de alquimia da antiguidade é que todos eles dizem estar guardando um segredo em metáfora e todos dizem abertamente que é um segredo e uma metáfora. Por isso diziam “Aurum nostrum non est aurum vulgi“: Nosso ouro não é o ouro vulgar. Não seria isso contraditório? Se fosse um segredo não seria melhor esconder o fato de que é uma metáfora? Os alquimistas parecem não pensar assim.

Essa obscuridade é, em parte, uma tentativa de transcender as limitações da linguagem comum, convidando os praticantes a explorar os significados em um nível mais profundo. Assim como uma maneira de falar sobre níveis de consciência para os quais a pessoa talvez ainda não tenha nenhuma experiência ou ponto de referência. Inclusive é muito comum que professores de meditação façam a mesma coisas utilizando metáforas e parábolas para transmitir sabedoria espiritual, buscando uma compreensão além das palavras convencionais.

Isso permite uma série de leituras diferentes de um mesmo tratado, tal como ocorreria em uma leitura de tarô ou em uma interpretação astrológica. Nenhuma dessas interpretações deve esgotar o tema e, sabendo que a busca é individual, os alquimistas nunca tiveram a necessidade de atingir um consenso universal mas isso não muda o fato que algumas interpretações são mais úteis do que outras. Continuemos portanto a analise dos processos alquímico como uma instrução para o que chamamos hoje de Meditação, a fim de ilustrar  exemplo. O trabalho alquímico é meditativo e o trabalho meditativo é alquímico. Não há diferença entre ambos pois tudo acontece internamente, mesmo que seus efeitos possam eventualmente se manifestar externamente.

I.N.R.I

Os alquimista dizem por exemplo que corpo e espírito  devem ser combinados e submetidos ao fogo. A fórmula I.N.R.I significa exatamente isso: “Ignis Natura Renovatur Integra”: “Pelo Fogo toda natureza se renova”. Este conceito pode ser facilmente relacionado com a prática da Kundalini Yoga. Na alquimia, o fogo é utilizado para purificar e transmutar elementos, enquanto na Kundalini Yoga, o Fogo interior desencadeia um processo de renovação e ascensão espiritual.  A combinação do corpo físico (representado pela coluna) e a dimensão espiritual (simbolizada pelos chakras) é essencial para desencadear um processo de elevação espiritual. O Fogo por sua vez seria a própria Kundalini, a energia espiritual adormecida que reside na base da coluna vertebral. A frase “Ignis Natura Renovatur Integra” (“Pelo Fogo toda natureza se renova”) pode ecoar a ideia de que a Kundalini, como um fogo interior, capaz de renovar integralmente a natureza humana, conduzindo a uma transformação profunda e espiritual.

Os alquimistas de fato tem muito a dizer e muito disseram sobre o fogo. Para citar apenas o emblema XXIX do Atalanta Fugiens:

Onde a salamandra vive mais poderosa é no fogo ardente
Ela não teme as armadilhas e Vulcano:

Da mesma forma, a Pedra não rejeita os fogos cruéis das chamas, pois nasceu no fogo permanente
Aquele que é frio, o calor extingue e fica live.
Mas este é quente e o calor o ajuda.

Assim como na alquimia, onde o fogo é símbolo de purificação e transformação, na Kundalini Yoga, esse fogo interior é central para o processo de renovação e ascensão espiritual. Uma das formas mais consagradas de se fazer isso é pela meditação.

Ora et Labora

Os alquimistas dizem também que a Oração precede e se alterna com o Trabalho: “Ora et labora”. Esta formula traduzida significa “Ora e trabalha” e encontramos paralelo a ela nos primeiros dois passos da Yoga Patañjali. Na verdade a semelhança chega a ser assustadora. Yama refere-se aos princípios éticos universais (não matar, não roubar, não mentir, etc..) enquanto Niyama engloba os princípios do trabalho pessoal (purificação, contentamento, esforço, vigilia de si mesmo e devoção). Portanto tanto “Ora et labora” como “Yama e Niyama’ estão ensinando que não adianta nada você se dedicar a alquimia ou meditação se no dia a dia você esquece tudo o que aprendeu e não se esforça para preservar em seu cotidiano aquilo que conquistou. Então antes de começar qualquer prática de alquimia corrija seus caminhos e busque uma vida equilibrada, combinando espiritualidade, trabalho e ética. Se você está em busca de uma forma bem estruturada de fazer isso recomendo a leitura de meu livro “Principia Alchimica.” onde além de meditação falo sobre outras técnicas alquímicas de espagiria, magia bem como sobre a história e simbolismo profundo da alquimia.

Mas Orar para quem você pode perguntar? São tantas as religiões que qualquer escolha parece ser assombrada pela multidão de deuses renegados.  Patanjali dizia que Yama e Niyama devem ser feitos em devoção ao Īśvara, o Ilimitado, o Absoluto e a unidade essencial existente no universo. Já os alquimistas sempre seguiram a religião de seu pais como diz o Fama Fraternitatis “vestir-se segundo o costume do país em que residissem.”. Ora et Labora é também uma chave  que transcende qualquer sectarismo religioso: O.R.A.E.T.L.A.B.O.R.A “Omnia Religio Ad Eternam Tranquillitatem Lucis Amorem Benedictionem Orbe Laborat, Amen.” (Todas as Religiões Trabalham pela Tranquilidade Eterna, Luz, Amor e Bênção no Mundo, Amém)

V.I.T.R.I.O.L

O conceito alquímico das quatro fases, representadas pela fase negra, branca, amarela e vermelha, pode ser correlacionado com as distintas etapas da meditação. A fase negra, associada à putrefação dos metais, encontra um paralelo na meditação inicial, onde se busca soltar e deixar ir as tensões e pensamentos intrusivos, permitindo uma depuração mental. A fase branca, envolvendo a destilação e purificação, reflete a subsequente etapa da meditação, onde a mente se aprimora na claridade através da concentração focalizada, eliminando impurezas mentais. A fase amarela, marcada pela circulação, se assemelha a levar essa concentração a um outro nivel de sutileza, focando na experiência amorosa e movendo-se além dos limites convencionais e explorando estados mentais mais amplos. Por fim, a fase vermelha, onde os elementos se fundem para criar a Pedra Filosofal, pode ser comparada ao ápice da meditação, onde a mente e o espírito se unem em um estado de serenidade profunda, atingindo uma compreensão mais elevada. Vitriol significa “Sulfeto”, mas sua chave é “Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem” (“Visite o interior da Terra retificando e você encontrará uma pedra escondida”) ressoa, sugerindo que, ao explorar os recantos internos da mente durante a meditação, é possível descobrir uma sabedoria oculta e transformadora.

Solve et Coagula

O princípio alquímico do “Solve et Coagula”, que significa “dissolver e coagular” pode ser relacionado de maneira profunda com os processos de desconcentração e concentração, diferentes práticas meditativas. Dissolução (ou Desconcentração) envolve alcançar uma substância mais elevada soltando e dissolvendo a dissolver a atenção de todo fenômeno mental que for possível. Em contrapartida, o Coagulação reúne os elementos purificados para criar algo novo por meio do direcionamento da mente em um ponto focal.  Em última instância a verdadeira Coagulação é o Nascimento e a verdadeira Dissolução é a Morte. Guadadas as devidas proporções na prática da meditação alquímica a Coagulação é qualquer momento contemplativo enquanto que a Dissolução é a busca pela integração. Desconcentração real portanto, só ocorre (quando ocorre) no Rubedo.

Natura Dux

Outro princípio alquímico que se relaciona fortemente com a meditação é a noção de “Imitação da Natureza”. Toda arte espiritual que se guie pela resistência e negação da natureza está fadada e reforçar o que busca combater. Dai a importância de trabalhar com os ritmos naturais e processos inatos do universo. Como formulou Jung: “Aquilo que você resiste, persiste”. Assim, o caminho de desenvolvimento interior deve necessariamente refletir a ordem natural das coisas. A prática é guiada pela observação consciente dos fenômenos do corpo e a do espírito tais como se apresentam. Por isso os alquimistas não descartam os metais menores, mas os utilizam e os transformam com serenidade e consciência buscando um entendimento mais profundo da própria natureza que é observada. Vejamos agora com mais profundidade as relações entre as quatro fases da alquimia como etapas dentro de uma jornada meditativa.

O Vaso Hermético

A Meditação começa com a observação do ambiente ao seu redor. Você já criou o melhor laboratório possível, então não adiante lutar contra os estímulos que se apresentarem aos sentidos.  Use todos os sons, luzes, cheiros e incômodos físicos que se apresentarem ao seu favor. Observe cada um por um breve momento simplesmente aceitando que todos eles existem e não se apegando a nenhum. Para alguns o desafio será uma coceira para outros um barulho. A chave aqui é não combater mas novamente “trabalhar com a natureza”. Ao aceitar os estímulos sensoriais do ambiente durante a meditação, não estamos apenas cientes de sua presença, mas também aprendemos a não nos deixar envolver por eles. É assim que se  ‘sela o vaso hermeticamente’. O trabalho então pode começar.

Nigredo

A trabalho em negro na alquimia envolve a putrefação dos metais, e pode ser comparada aos momentos iniciais da meditação para aqueles que estão começando. Assim como observamos, aceitamos a existência das sensações dos sentidos (Chumbo), agora fazemos os mesmos com fenômenos psíquicos que se apresentarem, sejam Sentimentos (Cobre), Pensamentos (Ferro) ou Intenções (Estanho), apenas observe-os passando como quem observa nuvens no céu ou carros em uma estrada. Este “Observador” que não é nenhum destes metais é chamado de Mercúrio e é quem faz a ponte para  Prata e para o Ouro.

Nos primeiros momentos da meditação, é natural sentir uma agitação mental, deixe acontece. A fase negra pode ser percebida como um processo inicial de desintegração e novamente neste estágio é crucial não resistir às distrações, mas sim permitir que elas se dissolvam naturalmente. Os alquimistas chamavam este processo de putrefação e o tinham como uma etapa essencial, no começo pode feder, mas depois se integra a natureza. Os praticantes iniciantes podem abraçar a turbulência inicial na meditação como parte integrante do caminho para a tranquilidade interior. Essa fase negra é um ponto de partida, uma oportunidade para estabelecer as bases para a quietude e a concentração que se seguirão na jornada meditativa.

Albedo

A fase branca na alquimia, que envolve a destilação, pode ser equiparada à prática de Dhāraṇā no contexto do sistema ióguico de Patanjali, refere-se à concentração intensa da mente em um único ponto ou objeto. Assim como a destilação alquímica visa separar e purificar os elementos, Dhāraṇā envolve a focalização mental para alcançar uma clareza e pureza de pensamento.

Durante a meditação, a fase branca alquímica é refletida quando os praticantes direcionam sua atenção para um objeto de concentração, seja um som (mantra), uma imagem (Iantra) ou uma ideia abstrata.

Tal como os budismo tibetanos que usa complexas mandalas e canticos elaborados para meditar, os alquimistas contemplam seu trabalho no laboratorio, mas também iluminuras, cartas do tarô, textos poeticos e música sacra. O livro Atalanta Fugiens já mencionado em particular foi criado com o objetivo de fornecer um emblema, uma música e um tema de meditação unificados para serem contemplados em conjunto de forma a preencher completamente a mente por um período de tempo determinado. A meditação pelos emblemas do Atalanta tem vantagens de facilitar a imersão total em uma experiência sensorial completa que engajando diferentes facetas da mente. A estrutura do livro foi pensada como uma espécie de meditação guiada que utiliza a dimensão simbólica da tradição alquímica.

Por um lado a meditação orientada pelos emblemas e fugas tem muito a ensinar, por outro podem estimular a imaginação, promover rompantes de intuição e desencadear insights criativos que podem ser obstáculos aos meditadores menos experientes. O desafio é não sair do emblema. Quando uma lembrança, uma emoção ou um estimulo externo lhe distrair retorne para o emblema e para a música serenamente. Se você conseguir manter-se no Emblema I por cinco minutos apesar das distrações, talvez este seja um caminho para você.

Se sua mente divagar tente se concentrar em temas mais simples como uma vela acesa ou um jardim,  a chamada Colheita do Orvalho. A forma mais acessível de iniciar-se na meditação é usar sua própria respiração. Sidarta Gautama obteve a iluminação usando apenas esse método. A vantagem é que seu corpo já sabe respirar, então não há necessidade de forçá-lo a fazer de um jeito específico. A acrescente o Mercúrio da observação e se ajudar na concentração conte ciclos de 10 contanto 1 para cada inspiração ou expiração. O risco aqui é o tédio, o desinteresse e o sono. Por isso seja curioso e interessado observando como cada respiração é diferente da anterior. Essa concentração profunda permite que a mente se liberte de distrações, consolidando a energia mental e preparando o terreno para estágios das próximas fases. Se quaisquer metais menores se manifestarem faça a mesma coisa dos passos anteriores, apenas observe-os e deixe-os se afastar.

Citrinitas

Nem todos os alquimistas falam desta fase, porque de fato a Pedra Filosofal é possível sem ela. O trabalho em amarelo é como que uma versão mais refinada da fase branca. A mente foi disciplinada e agora é capaz de se concentra-se em um único ponto. Ela esta pronta portanto para ser elevado em uma oitava mais alta. O paralelo com a meditação está na prática da Metta Bhavana, a prática budista de Meditação no Amor Universal ou a chamada Oração do Coração na tradição mística cristã.  Assim como na alquimia, em que os elementos purificados circulam para se fundir em uma forma superior, a Metta Bhavana envolve a circulação ativa e compassiva do amor e da benevolência em todas as direções. Citrinitas é o “retorno ao sagrado” no sentido de ser uma expansão do amor e compaixão e equanimidade com todos os seres.

Rubedo

No trabalho em vermelho espírito e corpo estão em via de se tornar um, e deste casamento surgirá a Pedra Filosofal. Há aqui uma correspondência exata com o estado de absorção total alcançado na meditação profunda e que Patajali chamou de Dhyāna a etapa meditativa em que o fluxo do pensamento é suspenso e portanto ocorre a superação de todas as dualidades. Ambas as práticas, alquimia e Dhyāna, compartilham a ideia central de transformação e transcendência, explorando os domínios internos para atingir os estados mais elevados possíveis de consciência e entendimento.

O Rubedo é como a Contemplação Cristã, a forma como esta etapa vai se manifestar vai depender muito das etapas anteriores e do seu histórico geral. Nas primeiras vezes que tentar “esvaziar a mente” provavelmente vai ser invadido por todo tipo de sensações, sentimentos, pensamentos e desejos. Em vez de se esforçar para eliminá-los deixe que venham e passem pacientemente. Após isso você se aproximará do limiar quando o chamado “Guardião do Umbral” pode se manifestar. A experiência pode ser um pouco assustadora para quem não está preparado mas é inofensiva, também não vale a pena ficar brigando com ele, apenas deixe que se vá. Então com o tempo poderá receber alguns pensamentos que são como inspirações, mensagens elevadas e insights poderosos. Eles não são ainda o objetivo do Rubedo, mas podem ser muito úteis e instrutivos.  Em um dado momento você chegará num ponto além do discurso mental, permaneça o quando puder lá pois está em vias de ocorrer a fusão do pequeno e do grande alquimista. Também aqui não tenha pressa nem ânsia por resultados.

Lapidem Philosophorum

Quando a fusão é completa ocorre os alquimistas dizem que chegaram à Pedra Filosofal, Santa Tereza à União Mística, os iogues ao Samādhi e os budistas ao Nirvana. Por fim fica claro porque tanto alquimistas como professores de meditação usam metáforas. Não há palavras para descrever com exatidão esta experiência. Podemos apenas usar um jargão para explicar o outro, uma metáfora para esclarecer a anterior.

A Pedra Filosofal é tida como uma Panaceia, um remédio universal capaz de dominar todos os metais e como exposto neste artigo fica fácil compreender os paralelos com os benefícios da mente que conquistou a clareza, tranquilidade e equilíbrio e se tornou capaz de transcender as vicissitudes da vida. Os Metais Menores do Chumbo, Cobre, Ferro e Estanho ainda estão lá em nossas Sensações, Sentimentos, Pensamentos e Intenções, mas são transformados pelo Mercúrio em Prata e Ouro e os impulsos descontrolados são transformados pela mente meditativa.

Um ponto importante é cultivar a paciência. Não tenha pressa para passar de uma etapa para a outra e persiste no fechamento do vaso de hermes o tempo que precisar. Tanto a Kundalini Yoga como a Meditação Budistas e a Alquimia são estruturadas de forma gradual por uma razão. Os praticantes avançam em diferentes estágios, trabalhando sistematicamente com o corpo, a mente e a energia espiritual. Não ignore nenhum dos conselhos dados neste artigo e não pule etapas para que seu trabalho seja feito de maneira segura e progressiva.

Por outro lado os benefícios são perceptíveis na primeira semana. Hoje temos dados estatísticos para comprovar que a prática da meditação frequentemente conduz a uma redução do estresse, maior clareza mental, controle emocional, uma compreensão mais profunda dos pensamentos e intenções, relacionamentos mais saudáveis e maior eficiência e produtividade no trabalho.

Em última análise, a Pedra Filosofal alquímica de fato é um remédio universal pois transcende as limitações mentais, promovendo um estado de bem-estar, integração e uma compreensão mais profunda do eu. O principal ganho é poder levar o que você produzir em seu laboratório para o seu dia a dia. Uma mente capaz de observar a si mesmo de não se apegar a qualquer fenômeno mental é algo precioso para se ter e que vale a pena trabalhar. Algo que nos fará ter uma vida mais plena e é também a melhor coisa que podemos fazer para nos preparar para o momento de nossas mortes.

Confira a parte 2 para uma proposta de meditação alquímica estruturada.


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