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Há algum tempo vejo ressurgir um debate sobre a figura do ocultista ateu e isso me intriga bastante. Devo confessar, no princípio deste texto, de que iniciei minha jornada no ocultismo ainda durante minha longa fase de ateísmo e que, de certa forma, há alguma possibilidade. Isso depende exclusivamente do léxico gramatical que se use, modificando a interpretação de ateísmo para algumas variações um tanto quanto estranhas.
Minha questão foi, por muito tempo, relacionada com a figura do divino Criador, do Deus soberano que habita as nuvens lá no céu e fica julgando toda a humanidade. Em suma, poderia dizer que meu problema era com o Deus cristão – em verdade, com o Deus cristão do povo. Eu nunca liguei muito para os anjos e demônios, pra existência histórica de Jesus, pra entidades de terreiros e os inúmeros espíritos possíveis de existir. Minha crença incluía um pós-vida pautado em um ciclo imutável de morte e renascimento que independia de uma figura criadora de todas as coisas.
Quando paramos para refletir com calma podemos perceber que a figura do Deus Criador não é necessária para que todas as outras maravilhas da existência possam existir. Com isso em mente, minha jornada começou nas mais variadas visões deste Uno Soberano de todas as coisas. Era ele uma criança brincando de pique-esconde e por isso tão próximo dos Erês e Querubins? O seu descanso no sétimo dia era em uma sepultura tal qual o Brahma dos hindus? Ele não seria um ser, mas uma potência e louvá-lo seria o mesmo que adorar a corrente elétrica que liga minha batedeira?
Bem… Minha visão atual é bem diferente das que outrora me acometeram, pois o que percebi com o tempo foi a minha própria infantilidade na visão do Criador. Deus não é o Deus do povo, das crenças de pequenas igrejas, sinagogas e mesquitas, tampouco é o Deus dos terreiros, templos, lagos e montanhas. Ele não é Olorum, Yahweh ou Bondié, não é uma consciência, uma força ou um ser: Deus é um prédio que você não pode ver. Tudo além disso são os nomes que damos ao desconhecido, são nossas crenças lançadas ao abismo vazio. E tá tudo bem com isso!
Ou pelo menos tá tudo bem até que você tente se tornar um ocultista…
Magia demanda algo interior. Minha opinião é a de que magia precisa de três tipos de combustível primários: Vontade, Gnose e Fé. E não, não vou escrever um artigo chamado “magia é um carro que precisa ser abastecido gasolina triplamente aditivada” ou algo do tipo. O ponto é apenas que: magia precisa do que temos em nosso interior.
Não há inspiração sem Fé, não há motivação sem Vontade, não há enredo sem Gnose: não há arte sem a triplicidade. A Santíssima Trindade é conduzida pela Fé da Mãe, a Vontade do Pai e a Gnose do recém-nascido que chega a este mundo; o caminho da magia passa por aquilo que forma o nosso âmago central e sem um desses elementos não teremos mais do que um trabalho capenga.
A Fé que falta no ateísmo é a Fé na potência que permite o ato mágico. Ao faltar com a fé no divino apontamos nossa “fé” para coisas muito mais tolas como a humanidade, a ciência ou em si mesmo e isso deturpa o caráter infalível da fé verdadeira, nos fazendo acreditar nas maiores tolices possíveis. A fé na humanidade traz decepção, a fé na ciência te faz ignorar que a ciência precisa constantemente se provar errada e a fé em si mesmo… Bem… Se você acredita nos coachs de plantão, talvez eu não deva prosseguir por esta linha argumentativa…
A Fé sempre irá demandar uma certa “cegueira”, uma certeza inabalável daquilo para onde apontamos nossa parte mais íntima. O estudo científico pode nos apontar para experiências extáticas, místicas, assim como a humanidade é capaz de nos levar ao mesmo lugar, mas ver o movimento das galáxias distantes ou cantar em coro em um show do Iron Maiden não são experiências que ultrapassem o maravilhamento e nos permitam a fé. O coro no show de rock é naturalmente desafinado e os lindos cálculos de movimento cósmico correm altos riscos de se direcionarem ao erro e ficar cego a estes fatos destruirá a perfeição necessária a Fé.
Perceba que esta Fé também não está necessariamente presente nos fies e devotos das mais numerosas religiões. Ao crer em um Deus punitivo e tentar realizar o trabalho que o dilúvio não resolveu, o fiel demonstra sua total ausência de fé; da mesma forma, não é um ato digno de fé o de ir em seis terreiros diferentes fazer o mesmo pedido: é só uma demonstração de desconfiança e insegurança.
Um ocultista ateu, em sentido completo, aquele que não acredita em absolutamente nada, não será muito mais do que um carro que acredita ser uma moto porque lhe falta duas rodas. Há um limite lógico para a crendice e a fé não se manifesta pela prova, mas pela ausência argumentativa. Aquele que tem certeza na completa ausência de um Criador é um tolo que se vê como o retentor de uma resposta impossível. E eu digo isso com todas as letras justamente porque dediquei quase duas décadas de minha vida ao espetáculo do ateísmo materialista. Um mundo em que não há nada além de nós é um mundo completamente desperdiçado, afinal nós não somos tão importantes assim.
Ainda assim, um ateu pode fazer magia. Porque fazer magia é bem diferente de ser um mago…
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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