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Vampirismo e Licantropia

A Pedra de Sangue

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Shirlei Massapust

Segundo o geólogo Walter Schumann, heliotrópio é uma calcedônia opaca verde escura pontilhada de machas vermelhas: “Foram-lhe atribuídos, durante a Idade Média, poderes mágicos, porque as pequeninas manchas vermelhas eram consideradas gotas de sangue de Cristo”.[1]

Uma edição do Les Admirables Secrets D’Albert Le Grand (1703), livro mais conhecido como Grande Alberto, diz-nos que os padres se serviam do heliotrópio, importado de jazidas “na Etiópia, em Chipre e nas Índias”, para adivinhar e interpretar os oráculos e as respostas dos ídolos.[2] A homonímia da planta e da pedra conduziu à ideia do uso conjunto como ingrediente de fórmulas milagrosas:

Os caldeus chamam a primeira erva Ireos, os Gregos Mutichiol e os Latinos Eliotropium. Esta interpretação vem de Hélios, que significa o Sol, e de Tropos, que quer dizer “mudança”, porque esta erva vira-se para o Sol. Tem ela uma virtude admirável, se a colhermos no mês de agosto, quando o Sol está no signo do Leão, porque ninguém poderá falar mal, nem prejudicar com más palavras quem a trouxer consigo, envolvida numa folha de loureiro com um dente de lobo, pelo contrário, não se dirá dele senão bem. Além disso, quem a puser sob a cabeça, durante a noite, verá e conhecerá aqueles que poderiam vir roubá-lo. Mais ainda, se se puser esta erva, da maneira que acima se disse, numa igreja onde estejam mulheres, aquelas que tiverem violado a fidelidade prometida aos seus maridos não conseguirão sair se não a tirarem da igreja.[3]

A versão do personagem Rabino Hebognazar no manuscrito da Chave de Salomão (1890), compilado por Stanislas de Guaïta e François Ribadeau Dumas, ensina a produzir um anel astronômico com aro forjado numa liga de ferro e ouro e adorno superior contendo “um retalho de folha de Heliotropium europaeum, outro de Aconitum napellus, um pedacinho de pele de leão, outro de pele de lobo, um pouco de pluma de cisne e de abutre e, acima de tudo, um rubi lapidado”.[4]

O Grande Alberto atribui aos “antigos filósofos” a afirmação de que a pedra possui grandes virtudes quando associada com a planta homônima. A tradição sugere que a união do heliotrópio mineral com o vegetal produz “outra virtude muito maravilhosa sobre os olhos dos homens, que é a de suspender sua capacidade, vivacidade e penetração, e de cegá-los de forma a não poderem ver a quem os levam”.[5] Ou seja, a gema untada adquire a propriedade prodigiosa “de confundir os olhos das pessoas a ponto de tornar o usuário invisível”.[6]

Tal ideia deriva da mitologia grega, onde os artefatos de invisibilidade são propriedade dos deuses e titãs. Platão narra uma história fantástica sobre Giges, rei do Hindustão (c. 687-651 a.C.), que usou um anel de invisibilidade encontrado junto ao corpo de um gigante para assassinar o monarca anterior, Candaules, e desposar a viúva deste:

Era ele um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão. Arrancou-lhe e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que se dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder.[7]

O homem invisível pode agir livremente, conforme sua vontade, pois está protegido das reprimendas e comentários maldosos do vulgo. Henri Cornélio Agrippa (1486-1535) atribuiu a Alberto Magno e Willian de Paris o registro de crenças medievais, segundo as quais o Heliotropium europæum confere glória constante e boa reputação a quem o carrega. Francis Barret interpreta a afirmativa de que “quem a usar terá uma boa reputação, boa saúde e viverá muito tempo[8]”, concluindo que o porte da planta e/ou da pedra “faz do usuário uma pessoa segura, respeitável e famosa, e contribui para uma vida longa”.[9]

O mago envolto em brumas

O anel de heliotrópio não deveria funcionar exatamente como o hipotético anel de Giges. Aparentemente, ele deveria envolver seu possuidor em névoa… Na versão do Magus (1801), Francis Barret omitiu um efeito citado por Cornélio Agrippa (1486-1535), segundo o qual o heliotrópio “tem admirável virtude sobre os raios do sol, pois diz-se que os converte em sangue. Quer dizer, faz o sol aparecer como em um eclipse, se lhe unta com uma erva que leva o mesmo nome e o coloca em vaso cheio d’água”.[10]

Presumo que a pedra deveria ser fervida com suco de heliotrópio até que a água em ebulição produzisse uma nuvem de vapor suficientemente densa para filtrar os raios solares. Apesar de incompleta, a descrição mais extensa deste rito aparece no Grande Alberto:

Para fazer com que o Sol pareça cor de sangue deve-se usar a pedra que se chama Heliotrópio, que tem a cor verde e que se parece com a Esmeralda e é toda pintalgada como que de gotas de sangue. Todos os necromantes lhe chamam comumente a pedra preciosa de Babilônia; esta pedra, esfregada no suco de uma erva do mesmo nome, faz ver o Sol vermelho como sangue, da mesma maneira que num eclipse. A razão disto é que fazendo ferver água em grandes borbotões em forma de nuvens, ela espessa o ar que impede o Sol de ser visto como de costume. Contudo, isto não pode fazer-se sem dizer algumas palavras com certos caracteres de magia.[11]

Se as palavras e caracteres de magia forem padronizados com aquela outra tradição da Chave de Salomão, onde se utiliza a erva, as palavras consistem na invocação voltada para o ocidente “no dia e hora de marte” dos anjos “Michael, Cherub, Gargatel, Turiel, Tubiel, Bael, os Silfos Camael, Phaleg, Samael, Och, Anael”.[12] Estes caracteres de magia são gravados no halo do anel:

O que se publicou em todos os manuais de magia editados desde o fim do séc. XIX até meados do séc. XX, que tive a oportunidade de consultar, foram apenas cópias, muitas vezes incompletas, dos textos supracitados.

Por exemplo, Gérard Encausse (1865-1916) reproduz “um tratado muito curioso sobre pedras extraído de um livro sob os nomes de Evax e de Aaron”, igual aos tratados de Agripa e Kircher, adicionando-lhe a classificação das pedras “conforme as relações planetárias”.[13] A “pedra heliotrópio” foi relacionada com o Sol.[14]

Embora N.A. Molina conhecesse e recomendasse uma versão integral do Grande Alberto publicada “por um ocultista muito conhecido na Espanha e na América sob o nome de Mago Bruno[15]”, ele preferiu copiar a cópia imperfeita de Gérard Encausse com todos os seus rearranjos e omissões, conforme a tradução para português pré-existente, em seu Antigo Livro de São Cipriano.[16]

Anel de pedra heliotrópio em aro de prata forjado pelo meu finado amigo Afrânio, fazedor de joias e artigos de umbanda. Foi untado com extrato de heliotrópio.

O anel do vampiro

Waldo Vieira, fundador do Instituto Internacional de Projeciologia, autor de obras psicografadas junto com Chico Xavier, foi também um dos maiores colecionadores de gibis do Brasil. Em 1978 ele selecionou e forneceu a maioria das “histórias antológicas” publicadas pelo editor Otacílio D’Assunção Barros no número especial sobre vampiros da revista Spektro. É claro que o nível de informação nas entrelinhas subiu à estratosfera!

Um dos romances gráficos cuidadosamente seletos entre dez mil exemplares foi publicado pela primeira vez no Brasil em julho de 1954, no n º 44 de O Terror Negro. No enredo um personagem acerta uma lança no coração de um vampiro possuidor de um “anel com um morcego”.[17] Ataíde Brás incrementou o motivo num novo roteiro onde o vampiro Paolo coloca “um anel, com um morcego como enfeite” no dedo de sua amada e, imediatamente, “os caninos dela começam a crescer”.[18]

Parece que esta variante do mito surgiu de um equivoco. Todos os filmes da Hammer em que Christopher Lee interpretou Drácula terminaram com a morte do conde. O corpo, as roupas e até mesmo o castelo do nobre vampiro dissolviam-se, restando apenas um anel.  Ninguém sabia por que a joia escapava intacta nem qual era o seu significado. Todos os fãs queriam ter aquilo. Os mais crédulos desejavam que o suposto amuleto existisse e tivesse poderes mágicos.

Poucos conheciam a explicação de Christopher Lee sobre o valor emocional do apetrecho: O anel com aro de prata e pedra vermelha gravada com as iniciais B•L era mera réplica de outra joia enterrada no dedo do finado ator Bela Lugosi, que também interpretou Drácula, sendo usada pelo sucessor em sua memória.[19]

Enquanto durou a polêmica, Robert Amberlain afirmou ter encontrado manuais de feiticeiros alemães descrevendo a confecção de um anel especial:

Um Vampiro gravado na pedra heliotrópio transforma-a numa pedra de sangue. Ela dará a quem a transportar, segundo os ritos convenientes, o poder de comandar os demônios íncubos e súcubos. Ela assisti-lo-á nas suas conjurações e nas suas evocações.[20]

Juro pela alma de Nicolae Paduraru que não existe um manual de feitiçaria contendo semelhante rito ou que, se existe, é um livro particular que nunca foi editado, certamente escrito entre 1958 e 1978 por um feiticeiro fã de vampiros cinematográficos que achou que a descrição do mago envolto em brumas, no Grande Alberto, parecida com a do Conde Drácula virando névoa.

O jornalista fantástico Jean-Paul Bourre também procurou o tal livro e ouviu o seguinte quando entrevistou Vladimir S, membro da seita veneziana Ordem Verde:

Casanova foi encarcerado em Veneza, nas celas do palácio ducal. E sabem os motivos? Foi preso pela Santíssima Inquisição a seguir a uma denúncia em que foi acusado de magia negra. Manuzzi, espião dos inquisidores de Veneza, mandou apreender em sua casa os livros e manuscritos ocultos, entre os quais se contavam os seguintes: Clavículas de Salomão, as obras de Agrippa e o Livro de Abramelin o Mágico. Quais eram então as atividades ocultas do jovem veneziano? Ele afirmava, na sua correspondência, que não praticava a Cabala, mas a arte do Kab-Eli, isto é, a arte da “pedra do sol”. Esta pedra é nossa conhecida. É o heliotrópio (…), os nossos adeptos chamam-lhe “pedra de sangue”, uma vez que permite evocar os defuntos e originar o aparecimento dos vampiros. Outrora tinha também uma função medicinal ligada ao sangue: Ajudava a neutralizar as hemorragias.[21]

Essa estória vingou e se desenvolveu. De acordo com Robert Amberlain e Jean-Paul Bourre, usando isto se podia distinguir “os espectros, os manes e os Vampiros” quando o Sol aparecia vermelho por traz dos vapores. O anel mágico destinado às operações de vampirismo devia ter a pedra montada sobre prata (metal lunar, noturno), enquanto o anel de proteção seria forjado em ouro vermelho (símbolo solar, diurno).

Pela razão de que é verde (cor do astral ou do ‘mundo’ imediato dos mortos) e verde escura (os mortos maléficos), raiada de traços vermelhos (o sangue), esta pedra liga-se aos mistérios da morte, do vampirismo e do sangue. (…) Outrora era tida como capaz de parar as perdas de sangue, as hemorragias, e como proteção contra os venenos e mordeduras dos Vampiros.[22]

Robert Amberlain reconhece que quando se penetra no domínio da magia, penetra-se igualmente no da superstição. Então, “no caso de se tratar de uma seita votada ao vampirismo” os nobres afligidos pela seita poderiam ser enterrados com o anel contendo a “pedra do sangue” na crença de que ele protegeria o túmulo, os despojos e o “duplo” durante as saídas e materializações. “Imaginavam que o uso do anel maléfico lhes evitaria uma acidental e desastrosa exposição aos raios do Sol”.[23]

Jean-Paul Bourre incluiu a proteção contra “o aparecimento de caçadores de vampiros, a estaca aguçada e o fogo que podia destruir em poucos segundos o corpo do não morto”.[24] Como isso? O amuleto protege o vampiro causando a morte de quem quer que pise “dentro do perímetro mágico”. A sorte do homem que penetra na zona sagrada se assemelha a dum inseto caído numa teia de aranha. “Uma pequena e subtil vibração basta para que toda essa teia seja sacudida”. A aranha desperta e abocanha o intruso. “Sua lei é inexorável”.[25]

Fada do Heliotrópio, ilustração de Cicely Mary Barker (1895-1973), parte duma coleção de 168 fadas com plantas botanicamente corretas, no livro Flower Fairies of the Garden (1944).

Sangue de dragão

Existem lendas sobre uma pedra impossível cuja descrição parece remeter ao jaspe sanguíneo, chamado “sangue de dragão”, que só um exímio caçador de dragões consegue obter. O frade Rogério Bacon (1214-1292) escreveu o seguinte:

 

Sábios etíopes vieram à Itália, à Espanha, à França, à Grã Bretanha e essas terras cristãs onde existem bons dragões voadores. E, por uma arte oculta, que possuem, excitam os dragões a saírem das suas cavernas. E tem selas e freios já prontos, e montam esses dragões e fazem-nos voar a toda a velocidade pelos ares a fim de amolecerem a rigidez da sua carne (…) e quando desse modo amaciam esses dragões, tem a arte de preparar a sua carne (…) que utilizam contra os acidentes da velhice, para prolongarem a sua vida e subutilizarem a sua inteligência de maneira inconcebível. Porque nenhuma doutrina humana pode fornecer tanta sabedoria como o consumo da sua carne.[26]

Esse é o tipo de estória mirabolante na qual ninguém acredita, mas que todos gostam de ouvir. A temática faz boa parelha com uma instrução obscura do talvez contemporâneo livro do Grande Alberto:

Para vencer os inimigos deve usar-se a pedra Draconite, que se tira da cabeça do dragão; é boa e maravilhosa contra o veneno e a peçonha, e quem a usar no braço esquerdo sairá sempre vitorioso dos seus adversários.[27]

Estas são estórias para divertir crianças, embasadas na interpretação literal da lenda cristã onde São Jorge ou o arcanjo Miguel mata um dragão.

Em 1222, o National Council of Oxford decidiu organizar um grande festival em honra ao santo, no qual o dragão foi apresentado, à guisa de satânico adversário da verdadeira fé, para ser dominado e vencido pelo herói do dia. Por todos esses motivos foram inúmeras as histórias ligando São Jorge ao dragão, naqueles tempos. A mais popular entre todas foi, talvez, a que contou Jacques de Voragine, arcebispo de Gênova (de 1236-1898), em sua Lenda Dourada (…) Segundo essa lenda, houve uma vez, na Líbia, uma cidade chamada Selene. Todos os campos em seu redor tinham sido devastados por um monstro terrível, que somente era impedido de atacar e devastar a cidade pela oferta diária de dois gordos carneiros. Mas chegou um tempo em que não havia mais nem um só carneiro para apaziguar a fome do monstro, que imediatamente começou a aumentar sua devastação em torno da cidade. Por isso, diariamente, eram sorteadas duas crianças até a idade de quinze anos e as indicadas pela sorte eram oferecidas em sacrifício ao monstro. Um dia a sorte apontou a própria filha do rei, Cleodolinda. Imediatamente o soberano ofereceu tudo o que possuía ao cidadão que se apresentasse para substituir a infeliz. Porém todos recusaram e Cleodolinda foi abandonada, só, fora das muralhas de Selene, a fim de seguir o seu triste destino. Um tribuno do exército romano, Jorge da Capadócia, surgiu cavalgando um cavalo branco e, ao saber da triste história da jovem princesa, decidiu, imediatamente, sair ao encontro do dragão, em nome de Jesus Cristo, a fim de matar a fera ou morrer nessa empresa.

 

O monstro se atirou contra o cavalheiro e tremenda luta se seguiu, até que Jorge, com ousadia e perícia sem par, varou o dragão com sua espada. Porém a fera não morreu imediatamente e Jorge disse a Cleodolinda que passasse seu próprio cinto em redor do pescoço do monstro, a fim de o conduzir em triunfo até a cidade. Ela assim fez e o monstro seguiu-a submisso. À chegada do estranho grupo, o povo, cheio de terror, tratou de fugir. Porém, Jorge a todos serenou e, depois de os ter reunido na praça principal, degolou o dragão. Foram necessários quatro juntas de bois para arrastar para fora da cidade a imensa carcaça.

 

O rei, a rainha, Cleodolinda e vinte mil cidadãos abraçaram o cristianismo. O rei ofereceu a Jorge a mão de sua filha em casamento. Porém o santo herói, cortesmente, declinou essa proposta e, após recomendar ao rei que honrasse a religião e amasse aos pobres, beijou-o nas duas faces e continuou viagem.[28]

Quanta imaginação para dizer que nem uma princesa virgem, nem um reino inteiro valem a quebra de um voto de castidade de um santo católico!

Pedrarias genéricas

A cultura da desinformação aconselha os brasileiros a nacionalizar toda e qualquer coisa pela substituição do antigo pelo novo, do raro pelo disponível, da economia pela ostentação. Em meados do século XX um famoso autor brasileiro – que eu me absterei de identificar pelo nome – aconselhou seu público alvo, os mandingueiros, a empapar seus objetos de uso pessoal com Helianthus annuus, óleo de girassol, ao invés de extrato perfumado de Heliotropium europaeum, de fragrância agradável e duradoura, que custava seis reais o frasco.

Na virada do milênio um quilo de pedra heliotrópio custava cinco centavos de dólar no atacado, no Rio de Janeiro. Mesmo assim faltava no estoque das lojas revendedoras onde pseudo-especialistas nos ofereciam o conteúdo da caixa etiquetada “bloodstone” que poderia conter jaspe sanguíneo, hematita e até mesmo pedra imã.

Eu tive de insistir e pagar adiantado pela lapidação de um heliotrópio, pois o especialista em produção de artigos para terapeutas alternativos relutou a crer que uma mulher pudesse preferir uma pedra barata a um rubi-zoisita. Algo parecido ocorreu algumas vezes no passado. Hebognazar intercambia heliotrópio e rubi em sua Chave de Salomão. Por que trocar um pelo outro? Naquela época o herói da mineralogia George Frederick Kunz (1856-1932) ainda não havia nascido nem catalogado um batalhão de pedras mágicas de baixo custo para a alegria do povo e felicidade geral da nação.

Sem ninguém para explicar aos soberbos que gosto não se discute pareceria um desperdício gastar um aro de ouro ou prata para equipar uma pedra adquirida ao custo de poucas moedas numa barraquinha de camelô. Uns e outros pensariam ser mais adequado portar uma gema digna de ser comercializada numa joalheria que fornece certificado de origem. O problema é que a troca prejudica a lógica ritualística pondo a perder a relação de homonímia entre erva e pedra, onde o semelhante reage com o semelhante.

Notas:

[1] SCHUMANN, Walter. Gemas do Mundo. Trad. Rui Ribeiro Franco e Mario Del Rey. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, p 128.

[2] HUSSON, Bernard (org). O Grande e o Pequeno Alberto. Trad. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 163.

[3] HUSSON, Bernard (org). Obra citada, p 149-150.

[4] CLAVÍCVLAS DE SALOMON: Libro de Conjuros y Fórmulas Mágicas. Trad. Jorge Guerra. Barcelona, Editorial Humanitas, 1992, p 93 do fac simile.

[5] AGRIPPA, Cornélio. La Filosofia Oculta: Tratado de magia y ocultismo. Trad. Hector V. Morel. Buenos Aires, Kier, 1998, p 42.

[6] BARRET, Francis. Magus: Tratado completo de alquimia e filosofia oculta. Trad. Júlia Bárány. São Paulo, Mercuryo, 1994, p 60.

[7] PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p 56-57.

[8] HUSSON, Bernard (org). O Grande e o Pequeno Alberto. Trad. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 163.

[9] BARRET, Francis. Obra citada, p 60-61.

[10] AGRIPPA, Cornélio. Obra citada, p 42.

[11] HUSSON, Bernard (org). O Grande e o Pequeno Alberto. Trad. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 163.

[12] CLAVICULAS DE SALOMON (1641). Barcelona, Humanitas, 1997, p 93 do fac simile.

[13] PAPUS. Tratado Elementar de Magia Prática. Trad. E. P. São Paulo, Pensamento, 1978, p 232-233.

[14] PAPUS. Obra citada, p 235.

[15] MOLINA, N. A. Nostradamus – A Magia Branca e a Magia Negra. Rio de Janeiro, Espiritualista, p 63 e 76.

[16] MOLINA, N. A. Antigo Livro de São Cipriano: O gigante e verdadeiro capa de aço. Rio de Janeiro, Espiritualista, p 131-135.

[17] A VILA DO VAMPIRO. Em: SPEKTRO: Especial dos vampiros. Rio de Janeiro, Vecchi, março de 1978, nº 5, p 82.

[18] BRAZ, Ataíde (roteiro) e KUSSUMOTO, Roberto (desenho).  A Noite da Vingança. Em: SPEKTRO: Especial dos vampiros. Rio de Janeiro, Vecchi, março de 1978, nº 5, p 68.

[19] AS VÁRIAS FACES DE CHRISTOPHER LEE. Brasil, Dark Side, 1996, DVD.

[20] AMBERLAIN, Robert. O Vampirismo. Trad. Ana Silva e Brito. Lisboa, Livraria Bertrand, 1978, p 213.

[21] BOURRE, Jean-Paul. O Culto do Vampiro. Trad. Cristina Neves. Portugal, Europa-América, p 137.

[22] AMBERLAIN, Robert. Obra citada, p 213.

[23] AMBERLAIN, Robert. Obra citada, p 214.

[24] BOURRE, Jean-Paul. Os Vampiros. Trad. Margarida Horta. Portugal, Europa-América, 1986, p 133.

[25] BOURRE, Jean-Paul. Idem, p 133-134.

[26] BACON, Rogério. Opus Majus: Vol. II. Oxford, J. H. Bridges, 1873, p 211. Em: HUSSON, Bernard (org). O Grande e o Pequeno Alberto. Trd. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 75.

[27] HUSSON, Bernard (org). O Grande e o Pequeno Alberto. Trd. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 167.

[28] SÃO JORGE: HISTÓRIA, TRADIÇÃO E LENDA. Em: EU SEI TUDO, nº 11. Abril de 1954, p 16-18.


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