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Michael Aquino
A evidência de cultura humana mais antiga existente no vale do Nilo data de mais de 250.000 a.c registrada por meio de ferramentas primitivas feitas de pedra descobertas no subsolo profundo do seu solo.
Em algum momento entre 10.000 e 7.000 a.c, de acordo com a arqueologia convencional, um evento de grande importância ocorreu – a domesticação do bode africano selvagem seguido do início do cultivo de grãos. Isso efetivamente deu inicio a civilização humana, pois estávamos pela primeira vez livre para usar nossos pensamentos em outros assuntos que não a perpétua busca por comida.
Habitando uma terra caracterizada pela regularidade dos elementos (comportamento dos ventos, do Nilo, do clima, do Sol e dos céus), os egípcios enxergaram perfeição na estabilidade, harmonia, simetria, geometria e nos ciclos (em oposição a visões lineares o progressivas) do tempo. As realizações egípcias corresponderam esta visão e foram notáveis em áreas como astronomia, matemática, medicina e arquitetura.
A religião e a arte egípcia tendem a ser hoje muito simplificadas em seu tratamento moderno, pela ausência de datas verificáveis na história anterior até que Champollion decifrasse os hieróglifos em 1822. Devido a destruição e roubo dos registros do antigo Egito, obras de arte e artefatos religiosos durante os séculos estimasse hoje que os arqueólogos modernos tenham a sua disposição menos de 10% das criações culturais deste povo na tarefa de reconstruir seus valores.
Os antigos egípcios percebiam o Universo como ativamente controlado por princípios conscientes e naturais (neteru) dos quais Sir. W.A. Wallis Budge afirma:
“A palavra neter tem sido traduzida como “deuses”, “divino”, “sagrado”, “santo”, “poder”, “energia”, “força”, “fortitude”, “proteção; mas é quase impossível estarmos certos que qualquer palavra que possamos usar represente o significado de neter, porque ninguém sabe exatamente qual a ideia que os antigos egípcios tinham da palavra. A verdade é que o significado exato de neter perdeu-se já no período tardio da história egípcia, e mesmo o Copta não nos ajuda a recuperá-lo.”
Para os egípcios, toda “natureza” (deriva de netur) é viva e consequência direta das vontades dos neteru. A natureza pode ser entendida não apenas pelas regularidades gerais inanimadas e automáticas, exploradas pelo “método científico”, mas também pela conexão e associação entre as coisas e eventos percebidos e a mente humana. Não há distinção entre “realidade” e “aparência”; tudo que possa exercer um efeito na mente portanto, existe. Assim um sonho pode ser considerado tão “real” e significativas quando as experiências do dia.
A arte, literatura e ciência egípcia buscavam mais pela beleza e simetria (sentidas como indícios da perfeição divina), do que pelas relações de causa e efeito do pensamento moderno. Por essa razão o pensamento egípcio é as vezes chamado de “geométrico”, em oposição ao pensamento “algébrico” dos lógicos e helenistas posteriores.
Uma vez que impressões e aparências fundamentam a realidade, a ênfase Egípcia em imagens e estátuas dos neteru não eram meramente decorativos, metafóricos ou simbólicos. Eram meios pelos quais um neter em questão podia ter uma manifestação verdadeira no mundo material. De modo semelhante, parte de algo pode substituir o todo uma vez que a mente complete a conexão. A imagem mental criada ao ser uma imagem de um familiar morto, por exemplo, tras este parente de volta ao mundo dos vivos.
O Egito era dividido em 42 províncias (nomes), cada uma dominada por um sacerdócio de um ou mais neteru. Em algumas épocas um sacerdócio em particular podia dominar mais de uma província. A monarquia era controlada por vários grupos sacerdotais e o faraó agia como um representante terreno e interprete dos neteru. A ética dos sistemas governamentais, judiciais e políticos respondia aos neteru, não ao povo. A justiça era medida pelos vizires (embaixadores errantes do faraó) e governadores das províncias a neter da justiça Maat em casos individuais. Não havia conceitos de direitos individuais contra o governo, porque o governo era visto como um sistema criado e imposto pelos neteru. Similarmente, cada egípcio de alta ou baixa classe participava deste sistema. Crime e corrupção eram possíveis, mas desaconselhados pela convicção de que o vício seria punido severamente após a morte.
O Império Antigo Egípcio era amplamente isolado de invasões estrangeiras ou conflito, de modo que o Egito passou seus primeiros anos como uma cultura pacifica sem se posicionar militarmente. Ao Egito é creditada a invenção do alfabeto, assim como do dinheiro como meio de troca. Em oposição as simples cidade-estado o Egito mantém a distinção de ser a primeira e até hoje mais duradoura nação da história. Perdurou, a título de exemplo, três vezes mais do que o Império Romano.. Não havia discriminação de casta, raça ou sexo, estrangeiros eram considerados “menos que humanos(=egípcio)”, mas podiam remediar este rótulo simplesmente mudando para o Egito e adotando sua cultura.
O Egito foi por fim destruído por conquistadores estrangeiros (Persas, Macedônicos, e Romanos) e por sua inabilidade de se adaptar a competição de culturas estrangeiras. O Império Novo das dinastias Setianas (XIX-XX) foram reações protecionistas mais do que um esforço para civilizar ou criar um império permanente (como na Pérsia, Macedônia e Roma),
Pessoas sem familiaridade com a antiga cultura egípcia geralmente assumem que a religião Egípcia, tais como as civilização mediterrâneas posteriores, consistem de um panteão integrado e deuses e deusas antropomórficos. Mas os neteru dos primeiros egípcios eram regionais, sendo patronos de cidades e províncias (nomes). Nem, apesar das famosas figuras zoomórficas, eram “pessoas sobrenaturais” aos moldes dos deuses Gregos, Mesopotâmicos e Romanos. Enquanto as historias foram tecidas em torno deles – presumidamente para consumo popular – o tratamento hieróglifo dado aos neteru sugere que eles na verdade representavam vários aspectos da existência – de maneira mais abstrata, próximos as “Formas” ou “Primeiros Princípios” discutidos por Pitágoras e Platão.
É intrigante que o neteru pode ter tido uma presença física. O calendário das 30 Dinastias que muitos arqueólogos usam para o Egito Antigo vem de Manetho, um sacerdote egípcio em Samannud, do Delta do Nilo em cerca de 280 a.c. A lista de Manetho das dinastias volta até Menés e data a Iº Dinastia em 3100 a.c. E antes 350 anos Tinis, 1790 anos de monarquias de Mênfis, 1817 anos de outros reis, 1255 anos “heroicos” e antes disso 13900 anos nos quais os neteru reinavam fisicamente na Terra. Obviamente este cronologia conflitar com a pré-história egípcia sumarizada no começo deste artigo. Egiptologos convencionais se sentem mais confortáveis com o cenário de que “a civilização começou do nada 3100 a.c.” e que Manetho é muito confiável depois dessa data mas dispensável antes disso.
Comércio, alianças, política, e contatos culturais e finalmente a unificação de toda nação em 3100 a.c resultam de uma gradual incorporação de neteru locais em grupos regionais e por fim em um panteão nacional mais ou menos coeso. Os centros de culto locais e regionais continuaram a sustentar seus respectivos patronos em posições especiais, embora os personagens e papeis de um neter específico variavam notoriamente de lugar em lugar. Dinastias individuais também tendiam a se orientar a um centro de culto e assim o neteru em questão seria elevado – ao menos por um tempo – ao status de patrono nacional.
As informações sobre estes cultos que esta disponível aos modernos egiptólogos são esparsas e confusas. Uma vez que um dado neter podia ser retratado em inúmeras formas diferentes, identificar um “neter essencial” é muito difícil. As imagens e registros de um neter eram frequentemente alteradas e apropriadas por sacerdotes do culto de um neteru rival. O mesmo ocorreu na época Cristã e Islâmica, quando todos os “deuses antigos” eram considerados blasfemos, e monumentos a eles foram sistematicamente deformados ou destruídos. Com isso no fim do século quinto, o conhecimento dos hieróglifos já estava completamente morto e não reapareceram até o século dezenove, neste intervalo muitos registros “inúteis” pereceram por negligência.
Por duas razões o culto a Osiris (Asar) e Isis (Asa) ganharam ênfase na literatura moderna: Primeiro, foi o último culto a dominar toda nação Egípcia. Tendo assim a oportunidade de fazer a “edição final” de todos os manuscritos não-osirianos e monumentos. Em segundo lugar essa época foi descrita em detalhes por Plutarco, permitindo seu estudo pelos longos anos após os registros hieróglifos dos outros cultos se tornarem ilegíveis.
Nenhum registro do antigo sacerdócio de Set sobreviveram a primeira perseguição Osiriana e ao vandalismo generalizado dos cristãos e muçulmanos. Nós o conhecemos apenas pelo reflexo, tanto do personagem Set como retratado simbolicamente e mitologicamente como pela natureza do sacerdócio egípcio em geral. Estes detalhes podem ser estudados na literatura avançada indicada no final deste artigo. Dito isso, temos alguns fatos significativos que sabemos sobre o Sacerdócio de Set
Set no Império Antigo
O Sacerdócio de Set, junto do Sacerdócio de Hórus é o mais antigo culto organizado do Egito.
Ao datarmos as primeiras imagens pré-dinasticas de Set encontradas pelos arqueólogos, podemos estabelecer sua existência pelo menos até 3200 a.c. Se confiramos nos registros astronômicos dos próprios egípcios antigos estes registros voltam até pelo menos 5.000 a.c Se assumirmos que o último eclipse deste Sacerdócio foi com as dinastias setianas (XIX-XX) em 1085 a.c, teremos uma instituição que existiu em um período entre dois e quatro mil anos. Em “Inthe early dynasties” Budge escreve:
“Set era um deus benfeitor, e um cujo favor alcançava os vivos e os mortos, e assim os últimos reis da XIX Dinastia se orgulhavam de chamar a si mesmos “Amados de Set”. Depois do culto de Osiris ser firmemente estabelecido e este deus se tornou o “grande deus” de todo Egito, tornou-se comum atribuir a Set a origem de todo o mal, e suas estátuas e imagens foram tão eficazmente destruídas que apenas algumas sobreviveram por acidente até os nossos dias.”
Os retratos do “Animal Set” e registros hieróglifos permaneceram como objeto de considerável controvérsia. Seus focinho longo e curvo, seu rabo bifurcado levantado e orelhas altas e retas, não parecem ser seguidas por nenhuma categoria de animal conhecida. O estudo mais extensivo do tratamento recebido pela imagem de Set é ainda hoje o de H. te Velde em seu clássico “Seth, God of Confusion.” Entre os animais que ele cita como candidatos passados para o “Animal Set” estão o burro, o antílope órix, a marmota, o galgo, o feneco, o jerboa, o camelo, o okapi, o rato de focinho cumprido, o porco-formigueiro, a girafa, o javali, a lebre, o chacal, a anta, o peixes-elefante e o pássaro ibis.
Descartando cada uma das possibilidades por serem essencialmente diferentes das imagens e estatuas de Set, Te Velde toma a posição de que a questão não pode ser resolvida com as informações atualmente disponíveis aos egiptólogos.
Com relação a imagem do hieróglifo de Set, Te Velde diz que nunca é demonstra as características de um animal e expressa dúvidas se realmente o hieróglifo pode ser traçado a qualquer animal que tenha existido no Egito.
Em sua obra máxima “From Fetish to God in Ancient Egypt”, Sir. E.A Wallis Budge tenta associar o Animal-Set com o cachorro árabe Saluki. Ele cita as características caninas da agressividade, ignorando o fato que este não possui nenhuma das semelhanças físicas citadas já mencionadas. Por esta razão esta hipótese deve ser rejeitada.
Devemos notar que Set está longe de ser a única criatura fabulosa retratada pelos artistas egípcios. Mas é o único que representa um neter principal com centro de culto em oposição por exemplo a Tuat, um monstro marinho.
Em “The Dawn of Astronomy” Sur Normam Lockyer sugere que “Set poderia ter sido um nome genericamente aplicado as constelações circumpolares, talvez porque Set = escuridão e esta estrelas, sendo visíveis, sempre visíveis a noite, podem ter tipificado a palavra. Uma vez que estas constelações no norte foram simbolizadas pelo nome Set, o deus das trevas, nós devemos considerar que Set-Horus signifqiue as estrelas de Dragão (Draco) estavam em ascensão”. Para sustentar sua teoria Lockyer cita a seguinte inscrição da tumba dos Vales dos Reis:
“A constelação da Coxa surge no entardecer. Quando esta constelação está no meio dos céus, tendo vindo ao sul onde a constelação de Orion está, outras estrelas o precedem no horizonte ocidental. Sobre a Coxa: É a Coxa de Set; quando é vista nos céus do norte, há uma constelação aos dois na forma de uma grande corrente de bronze.”
Lockyer conclui que a constelação Draco, e em particular a estrela de sua cabeça (Gamma Draconis), representa Set. Se uma única estrela fosse considerada, provavelmente é Alpha Draconis (Thuban), a Estrela Polar no inínio da civilização Egípcia. Pela precessão dos Equinócios, Alpha Draconis retornará ao polo celestial aproximadamente em 24.000. dc. Uma vez que sua última aparição foi cerca de 3000 a.c e coincidiu com a unificação e desenvolvimento da primeira civilização humana avançada, cálculos relacionadas baseadas no Circulo de Precessão podem levar a resultados interessantes.
O centro do Sacerdócio original de Set foi PaMat-et, capital da província Uab. Era chamada de Oxyrhynchus pelos Gregos. É localizada no Alto Egito, latitude 28.5N, Longitude 30.8L. Outras cidades que foram centros do Sacerdócio Setiano foram Ombos (24.5N e 32.9L) e Tanis (31N, 21.9L) no Baixo Egito.
Como neter da escuridão e da noite, Set era complementado por Horus (Hor – neter so Sol e da luz) na era pré-dinatica. Essa relação era tão integral que as cabeças dos dois neteru eram frequentemente mostradas em um único corpo. ( o hieroglifo Hrwyfy, “Ele de duas faces”). Com relação ao ciclo anual, Hórus levava o Sol a partir do Solsticio do Sul enquanto Set governava o minguar do Sol do Solsticio Norte.
Novamente de acordo com a arqueologia convencional, foi no período pré-dinastico Gerzeano (a partir de 3600 a.c) que as primeiras comunidades da futura nação egípcia começaram a surgir. A grande guerra de unificação começou aproximadamente em 3400 a.c. Depois de mais dois séculos de conflitos intermitentes entre o Alto e Baixo Egito, o território foi finalmente unido por Menes (ou Narmer), o primeiro faraó da primeira dinastia.
Juntos os dois neteru mais antigos (Horus e Set) – simbolizam a unidade e inteireza da nação egípcia: Hórus como o neter do norte (Baixo Egito) e Set como neter do Sul (Alto Egito). Esta união foi representada por monumentos onde o gesto de samtaui, mostram Horus e Set amarram as plantas símbolos do Alto e do Baixo Egito na coluna de um Anx, símbolo da vida divina.
Os papeis de Hórus e Set como os neteru originais do Egito foram enfatizados pela famosa dupla coroa dos faraós (SeXet), sendo composta pela coroa vermelha de Horus (Teser) e a Coroa branca de Set (Het/O Grande dos feitiços). O ceptro de Tcham com sua cabeça e rabo bifurcado de Set se tornaram símbolo de autoridade dos neteru e dos faraós.
Hórus foi depois integrado nos mitos Osirianos como “filho de Osiris e Isis”. Egiptólogos geralmente distinguem o neter original e o corrupto pelos termos HarWer (ou Heru-War) “Hórus Antigo” e Heru-sa-Aset “Horus Jovem” respectivamente. HarWer é uma forma de Horus o Antigo, combinado com Wer (O Grande Deus), um neter transcedente de luz. O Sol e a Lua são ditos como sendo os olhos direito e esquerdo de HarWer, chamado Udjat (Uraeus em grego). Ao mesmo tempo Udjat era tambem considerado como participante da essencia de Set. Unidas no SeXet e em outras coroas nacionais e indumentárias, o Udjat se tornou outro simbolo do poder faraonico.
Set é um neter “oposto” a todos os outros. Frequentemente isso é entendido de modo simplificado como sendo o maligno destruidor de Osiris, a personificação do mal, mas mesmo o estudo mais superficial do simbolismo religioso egípcio é o bastante para descartar essa caricatura. Em vez disso ele é o neter “contra os neteru”: a entidade que simboliza aquilo que não está na natureza.
Este é um papel muito curioso para um neter na cosmologia egípcia: ser a presença e a força que não pode ser apreendida pela percepção dos sentidos naturais. Set assim representa aquela “coisa” inominável cuja existência conhecemos pela sobra lançada nas coisas que podem ser percebidas: a não-natural “presença de si” na vida da inteligência individual.
Nos temos termos generalizados para o veículo em que esta presença se manifesta, o ba, espírito, psíque, ou alma, mas é possível uma precisão maior. Nós precisamos separarmos da psíque aquilo que é “força vital” e focarmos nossa atenção no que permanece: a própria consciência do ser. Fazer isso é em certo sentido refazer o caminho da proposição de Descartes de cogito ergo sum. Mas diferente de Descartes, entretanto, nós vemos este fenômeno como “algo totalmente a parte” e não uma extensão de “Deus” ou do que quer que seja. Set é o conceitualizador deste princípio: o designer. Reescrevendo a sentença crucial da citação acima do ponto de vista de um neter teremos: “Uma coisa é criada na mente, portanto existe.”
Este é um terreno delicado de se pisar, e muito mais para uma civilização egipcia antiga em que toda cosmologia “natural” é baseada na perfeição e na harmonia do universo. O ex-diretor do Instituto de Arqueologia Franco Oriental Serge Sauneron comenta:
“Para entender a atitude dos egípcios é necessário enfatizar o forte contraste entre sua visão de mundo e a nossa. Nós vivemos em um universo que sabemos estar em perpétuo movimento: cada novo problema demanda uma nova solução. Mas para os egípcios esta noção de que o tempo que modifica o fluxo de conhecimento do mundo, e a alteram os fatores que forçam mudanças nos métodos simplesmente não existia. No começo a divindade teria criado um mundo estável, fixo e definitivo; este mundo funciona como um motor bem lubrificado e bem alimentado. Se há falhas, se o motor fraqueja, se uma das partes que o compõem está gasta ou falha, é reposta e tudo volta a funcionar melhor do que antes. Mas o motor sempre permaneceria o mesmo, seu mecanismo, sua aparência, seus resultados seriam sempre idênticas.
Se algum problema intriga a mente, portanto – se algum evento perturba a costumeira ordem das coisas – isso não poderia ser realmente novo, teria sido antevista no mundo. A solução e remédio já existe por toda eternidade, revelado por um tipo de “maneira de uso” que os deuses definiram na criação do próprio universo. O que seria necessário portanto é encontrar nos antigos escritos a formula que resolve o caso. Diante de um dado evento – um fenômeno físico, uma catástrofe que atinja um país – um estudioso não buscaria descobrir as verdadeiras causas para encontrar o remédio apropriado. Em vez disso, examinaria com ardor os volumes das velhas escrituras para descobrir se o evento já ocorreu em algum momento do passado, e qual foi a solução aplicada.”
Set no Império Novo
Apesar de sua imagem única e perturbadora, ou talvez devido a ela, Set se tornou o patrono das duas mais poderosas, prósperas e influentes dinastias da história do Egito, a XIXº e a XXº.
Aqui há um interessante caso de sucessão teológica. A dinastia XVIIIº anterior (1580-1372 a.c) foi aquela dos grandes Amenhoteps, em que durante seus reinados o Sacerdócio de Amon era proeminente em Tebas. A dinastia desintegrou-se durante o período Amarna (1372-1343) de Akhenaton, durante o qual o disco solar de Aton era considerado o supremo senão o único neteru. Quando a nova XIXº dinastia surgiu sob Ramsés I e Seti I, o papel estatal de Amon foi restaurado – mas os faraós a maior parte de seus esforços pessoais em direção a Set. Assim reconta Sauneron:
“A nova dinastia em poder que cuidou de parecer estar “restaurando tudo a ordem”, tinha muitas razões para desconfiar do Sacerdócio Amoniano. Desdendentes de uma família militar do leste do delta, os novos faraós era tradicionalmente devotados a um deus pouco estimado pelas massas devido ao papel que lhe foi atribuído na morte de Osiris. Mas eles preservaram mesmo assim, aqui e ali, templos e sacerdotes ao seu deus Set.
A experiência Amarniana demonstrou o custo de se quebrar bruscamente as crenças centrais de toda uma nação e de entrar em guerra aberta contra sacerdotes praticamente tão poderosos quanto o próprio trono. Assim a política de Seti I (1312-1301) e Ramsés II (1301-1235) eram infinitamente mais sutis do que a de seus predecessores. Não houve ruptura com Tebas, as construções continuaram e magníficos edifícios foram levantadas em glória a Amon em Karnak, Gourna e Ramesseum. Mas foi do centro de Abidos (Osiriano) que Ramsés apontou o Alto Sacerdote de Amon. E então instalou dois de seus filhos, Merytum e Khamuast como Alto Sacerdotes de Rá em Heliopoles e Ptah em Menfis, e demonstrou em monumentos e favores políticos e seu apoio público a estes deuses. Mas por fim, superada Tebas e seus sacerdotes ambiciosos, iniciou a construção de uma nova capital, Pi-Rameses, no leste do delta – onde ele podia em silêncio adorar o deus mais querido a ele, com Amon ocupando uma posição secundária.
As cidades provinciais onde Set tinha sido adorado por toda eternidade – entre elas Ombos, Tjebu e Supermeri – ganharam proeminência dos favores dados pelos líderes Ramessidas do deus do leste do Delta. Acima de tudo, Pi-Rameses, a nova capital, brilhantemente restaurou a adoração a Set, anteriormente recebida em Avaris de Hyksos.”
Durante as Dinastias Setianas – mais provavelmente durante o reinado de Merenptah – ocorreu a revolta e o “êxodo” de um número de nômades (hieroglifo habiru) vivendo na provincia Goshen do Egito, ou pelo menos assim conta a lenda judaica. Apesar do “Antigo Testamento” declarar que os hebreus originais eram uma cultura estrangeira unificada que entrou no Egito na época de Rameses I, não há registros egípcios que apoiem essa narrativa. É mais provável que os verdadeiros participantes de qualquer “êxodo” foram pessoas de variadas origens étnicas. É possível que a origem do odiado Satan, hebraico derive dos títulos honoríficos como (Set-hen = Set Eterno) dados a deidade do regime do qual fugiam.
Set e a decadência do Império Egípcio
Ao fim das duas dinastias Setianas, a influência crescente dos sacerdotes não apoiados pelos faraós Ramessidas, ou seja de Osiris, pressagiou o mal ao Sacerdocio de Set. Os Osirianos colocaram Set como o irmão traiçoeiro de Osiris e o inimigo do filho de Osiris, papel dado a partir de então para Horus. Não contentes de atacar Set pessoalmente, eles se apropriaram de sua consorte e filhos originais – Nephys e Anubs – colocando-os respectivamente como concubina de Osiris e filho bastardo de Osiris (com Nephys). Assim comenta E.A. Wallis Budge:
Entre as Dinastias XXII e XXV, houve uma reação violenta a este deus (Set); suas estatuas e figuras destruídas, sua efigie depredada dos baixo-relevos e estelas em que aparecia.
Varias razões para esta reação foram propostas pelos Egiptólogos. Foi sugerido que Set caiu em descrédito por ser associado na mente popular com Sutek, o invasor de Hyksos. Possivelmente, mas improvável, uma vez que a invasão de Hyksos ocorreu antes das Dinastias XIXº-XXº quando Set já era proeminente – presidindo os neteru no período de maior glória imperial do Egito.
O eclipsar de Set pode ter sido também por um sutil mais pervasivo sentimento que varia o Egito. Como Sauneron e muitos outros egiptólogos sabem, a filosofia do Egito era baseada na convicção milenar da absoluta presença e influência dos neteru, e em virtude de um sistema no qual a preservação de uma harmonia cíclica era muito importante. Enquanto no Novo Império das XIXº-XXº Dinastias ampliaram a influência egípcia na Palestina e na Mesopotâmia, elas também fizeram o Egito cientes da existência de muitas outras culturas na quais os neteru eram desconhecidos (pelo menos com os nomes egípcios). Além disso, o conceito do Egito como uma entre muitas nações-estados competindo pelo poder e influência no Mediterrâneo, em vez de ser a única civilização no centro da existência, pode ter sido desconcertante para esta cultura ancestral – que previamente podia desconsiderar seus vizinhos como meras tribos barbaras e sem cultura.
A solução do Egito para esse problema foi voltar-se gradualmente do domínio da vida para uma orientação mais voltada ao pós-morte, onde estes dilemas perturbadores poderiam ser imaginados como inexistentes. Isso explicaria a crescente influência e popularidade do culto de Osiris após a XXº Dinastia, uma vez que Osiris era um neter do pós-vida. Conforme o culto de Osiris retratou Set como o inimigo de Osiris isso explicaria ainda a onda simultânea de perseguições aos setianos descritas por Budge. Era típico do Antigo Egito que cada nova dinastia, em uma tentativa de se estabelecer uma aparência de perenidade adulterasse monumentos e registros para eliminar inconsistências inconvenientes. (as singulares exceções que temos hoje em geral sobreviveram por estarem desde suas épocas ocultas ao acesso público como por exemplo as inscrições das paredes que formam os Textos da Pirâmide de Unas.). Podemos presumir que as dinastias Osirianas fizeram o mesmo, desfigurando ou reescrevendo todas as referências de Set que não o retratassem como um verdadeiro “Diabo”. E esse foi o Set distorcido que sobreviveu nas lendas mediterrâneas – principalmente por meio de Plutarco e sua descrição detalhada no Moralia.
Set Hoje
Em um período de tempo relativamente curto a cultura egípcia saltou do barbarismo para uma intrincada filosófica com uma visão cosmológica que elevou esta civilização a patamares nunca antes vistos. Depois da queda do Império Novo, com o fim do sacerdócio iniciatório e a extinção da literatura hieróglifo, esta filosofia sobreviveu por meio do que havia sido aprendido por aqueles que se tornariam os primeiros filósofos gregos. Apesar disso o imaginário popular descreveu o Egito com aproximações tão cruas e superficiais que ainda na antiguidade esta cultura se tornou alvo de fantasias românticas.
Apenas dois mil anos depois os princípios desta cosmovisão começaram a ser redescobertos, mas seu entendimento popular ainda é mínimo, em particular pela grande influência das suposições judaico-cristãs. Para os setianos é necessário em primeiro entender qual era a experiência de vida do sacerdócio setiano original, e então temperar estas impressões com o conhecimento científico atual.
Graças as descobertas arqueológicas sabemos hoje que Set, assim como Hórus (HarWer) remontam a épocas pré-dinásticas a pelo menos 5 mil anos e não tem nada haver com as versões Osirianas tardias. O Set original foi o neter das estrelas circumpolares e fonte da consciência encarnada, da inteligência e da atenção do eu isolado. HarWer representa o Universo Objetivo com seus ciclos e leis rígidas.
Hoje o Templo de Set retoma a forma original e sem distorções de Set. Acompanhada é claro pelo nosso nível moderno de conhecimento, a imagem a imagem pode ser aprimorada e aperfeiçoada. Aprimorado porque com o conhecimento atual podemos entender melhor que os egípcios como nosso universo material funciona. Refinado porque estamos mais aptos a separar a personalidade humana de seus controles externos.
Ao mesmo tempo, a impaciência e superficialidade da civilização contemporânea – e sua incansável inaptidão de estudar qualquer coisa metafísica em profundidade – tenderam a condensar o delicado e complexo estudo da cosmologia Egípcia em uma caricatura mal trabalhada passível de ser digerida pelas afobadas mentes modernas em poucas horas. Iniciados no Sacerdócio de Set devem estar dispostos a dedicar tempo em conhecer e apreciar Set – ou qualquer outro neteru – da mesma maneira contemplativa, reflexiva e sem pressa de seus predecessores egípcios. Apenas então a magnificência, sutileza e profundidade deste sistema metafísicos será percebida e desfrutada. Apenas assim seus princípios podem ser aplicados de forma significativa em nosso ambiente atual.
Literatura Recomendada
Muitos dos princípios políticos e sociais que sustentavam o Egito são adaptados para aplicações contemporâneas pelo Templo de Set. Muitas realizações culturais e científicas egípcias, algumas há muito esquecidas ou negligenciadas, também são de especial importância quando consideradas à luz de outras áreas relacionadas de interesse setiano. Por causa de sua grandeza e mistério inegáveis, o Egito foi tristemente abusado por ocultistas e sensacionalistas de épocas não muito distantes. Portanto, é ainda de maior a incumbência dos Setianos em observar padrões elevados de precisão ao se referir à herança antiga do Templo atual. Os livros abaixo fazem parte da lista de leitura recomendada do Templo de Set com relação a história egípcia e arqueologia:
História do Antigo Egito
– The Mummy de E.A. Wallis Budge
– Egypt the Black Land de Paul Jordan.
– The Larousse Encyclopedia of Ancient and Medieval History de Marcel Dunn
– Egypt Under the Pharaohs de Heinrich Brugsch-Bey
– The Curse of the Pharaohs de Philipp Vandenberg.
– Secrets of the Great Pyramid de Peter Tompkins.
– The Pyramids de Ahmed Fakhry.
– Lives of the Pharaohs de Pierre Montet.
– A Book of the Beginnings de Gerald Massey.
– The Natural Genesis de Gerald Massey.
– Ancient Egypt, the Light of the World de Gerald Massey.
– Pyramid Odyssey de Wm. R. Fix
– Egypt Before the Pharaohs de Michael A. Hoffman.
– Chronicle of the Pharoahs de Peter A. Clayton.
– A History of Ancient Egypt de Nicholas Grimaal.
Filosofia do Antigo Egito
– Egyptian Mythology por Veronica Ions.
– Before Philosophy por Henri Frankfort
– From Fetish to God in Ancient Egypt por E.A. Wallis Budge.
– The Egyptian Heaven and Hell por E.A. Wallis Budge.
– The Conflict of Horus and Seth por J. Gwyn Griffiths.
– The Dawn of Astronomy por J. Norman Lockyer. Cambridge:
– Seth, God of Confusion por H. Te Velde. Leiden
– Cleopatra por H. Rider Haggard.
– Ancient Egypt por Maurice Maeterlinck.
– Development of Religion and Thought in Ancient Egypt por James H. Breasted
– The Mythical Origin of the Egyptian Temple por E.A.E. Reymond.
– Her-Bak (two volumes) por Isha Schwaller De Lubicz.
– Wisdom’s Daughter por H. Rider Haggard.
– Mathematics in the Time of the Pharaohs por Richard J. Gillings.
– Star Maps por Wm. R. Fix.
– The Temple in Man por R.A. Schwaller de Lubicz
– Kingship and the Gods por Henri Frankfort
– Principles of Egyptian Art por Heinrich Schaefer
– The Opening of the Way por Isha Schwaller de Lubicz.
– Egyptian Language por E.A. Wallis Budge.
– An Egyptian Hieroglyphic Dictionary (two volumes) por E.A. Wallis Budge.
– Symbol and the Symbolique por R.A. Schwaller de Lubicz
– The Gods of the Egyptians por E.A. Wallis Budge.
– Egyptian Grammar por Sir Alan Gardiner.
– Sacred Science por R.A. Schwaller de Lubicz.
– Egyptian Mysteries por Lucie Lamy.
– The Priests of Ancient Egypt por Serge Sauneron
– Serpent in the Sky: The High Wisdom of Ancient Egypt por John Anthony
– Symbol and Magic in Egyptian Art por Richard H. Wilkinson.
– Hieroglyphics Without Mystery: An Introduction to Ancient Egyptian Writing por Karl-Theodor Zauzich
– The Mechanics of Ancient Egyptian Magical Practice por R.K. Ritner.
– Idea into Image: Essays on Egyptian Thought por Erik Hornung.
– Seven Faces of Darkness: Practical Typhonian Magic por Don Webb
– The Ancient Egyptian “Tale of the Two Brothers” por Susan Tower Hollis.
Alimente sua alma com mais:
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