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Antes da década de 80 o vampirismo entre vivos já era comentado, mas ainda assim tratava-se de um conceito usado com reserva e não de uma fábrica de rótulos para disseminar o ostracismo e o preconceito gratuito. Por exemplo, no conto O Muro, de Jean-Paul Sartre, três prisioneiros que tinham o fuzilamento marcado para o dia seguinte invejam a liberdade de um médico belga. “Estávamos ali, três sombras sem sangue; olhávamos o belga e sugávamos sua vida como vampiros”. Trata-se de uma circunstância anormal de pessoas vivendo no limite, mas atualmente o adjetivo tem sido aplicado amplamente a pessoas comuns agindo como agem no dia-a-dia. A Satanic Bible, de Anton LaVey, expande o alcance metafórico dos dicionários até a literalidade quando trata de personagens da vida comum que se especializaram na arte de “fazer os outros se sentirem responsáveis e mesmo em dívida para com eles, sem causa”. Segundo LaVey, vampiros psíquicos são indivíduos que drenam a energia vital alheia. “Este tipo de pessoa pode ser encontrado em todas as avenidas da sociedade”. Eles não desempenham nenhum propósito útil em nossas vidas e não tem nenhum desígnio de amor ou amigos verdadeiros. Muitos aceitam estas “pobres almas” como sendo menos afortunadas do que eles, e sentem que precisam ajuda-los do modo que puderem. “É um senso equivocado de responsabilidade (ou infundado senso de culpa) que nutre bem os ‘altruísmos’ em cima da festa destes parasitas”. Por isso muitos vampiros psíquicos são inválidos (ou pretendem ser) ou são “mentalmente e emocionalmente perturbados”. Outros podem simular ignorância ou incompetência até que alguém lhes conceda favores contra a vontade. Os especialistas se organizam em ONGs e instituições de caridade:
Cada organização construída pelo capital; seja uma fundação de caridade, conselho comunitário, religioso ou associação fraterna etc., cuidadosamente seleciona a pessoa que é habilidosa em fazer os outros se sentirem culpados pelo seu presidente ou coordenador. O trabalho do presidente é nos intimidar para abrir primeiro nossos corações e depois nossas carteiras, para o recipiente da “boa vontade” – nunca mencionando que, em muitos casos, seu tempo não é dado desinteressadamente, mas que eles estão ganhando um gordo salário pelas suas “obras nobres”.
Um vampiro psíquico sempre selecionará uma vítima capaz e satisfeita com a vida – uma pessoa que é bem casada, contente com o seu trabalho, e geralmente bem ajustada com o mundo a sua volta – para se alimentar dela. “O fato genuíno de que o vampiro psíquico escolhe, para vitimar, uma pessoa feliz mostra que ele está carente de todas as coisas que sua vitima tem; ele fará qualquer coisa para trazer encrenca e desarmonia entre sua vitima e as pessoas que lhe são caras”. Muitos vampiros psíquicos chegam a dar coisas materiais pelo expresso propósito de fazer a vítima sentir que esta em dívida, evidentemente cobrando algo infinitamente maior no futuro.
Seja precavido de qualquer um que pareça não ter nenhum amigo real e nenhum interesse aparente pela vida (exceto você). Ele naturalmente contará a você que é muito seletivo em sua escolha de amizades, ou que não gosta de fazer amigos facilmente por causa dos altos padrões que ele fixa para as suas companhias. (Para adquirir e manter amigos, alguém precisa ser muito condescendente com ele – algo de que o vampiro psíquico é incapaz). Mas ele se apressara a acrescentar que você preenche todos os requisitos.
A única forma de saber quem esta sendo vampirizado é medir a proporção entre o que um da ao outro em relação ao que recebe em troca e o único antídoto para sua ação é a exclusão do vampiro. Caso este seja alguém próximo é preciso comportar-se como se ele fosse genuinamente altruísta e realmente não esperarem nada em retorno. “Ensine-os a lição que eles graciosamente dão a você, agradecendo-os sonoramente por toda a atenção que lhe deu, e saindo fora!”. [26] Luis Pellegrini catalogou todo indivíduo cobrador, crítico, adulador, reclamador, inquiridor, lamentoso, pegajoso, ‘grilo-falante’, hipocondríaco e encrenqueiro costumas em seu “Decálogo dos Vampiros”, publicado pela primeira vez em junho de 1996, na revista PLANETA nº 284.[27] Posteriormente o autor acrescentou um décimo primeiro espécime – o “vampiro exigente” – numa versão feminina publicada na revista CRIATIVA nº 99. A conclusão do texto original é mais trágica do que cômica. Luis Pellegrini e seu amigo Michel Sokoloff passam o dia rotulando todo o resto do mundo até que finalmente os alvos se esgotam e um se volta contra o outro:
Terminamos a noite às gargalhadas tentando identificar, entre as pessoas de nossas relações, quais tinham tendência para esse ou aquele comportamento de vampiro. Detectamos várias dezenas. Mas o riso esmoreceu, é claro, quando percebemos que nós dois também, ocasionalmente, e dependendo das variações do nosso humor, poderíamos nos encaixar em alguma daquelas categorias.
Em Gerentes, Vampiros e ideologia, José Emídio Teixeira elogia O Vampiro Lestat, dizendo que Anne Rice mostra a força e a ousadia do personagem na busca desesperada de suas origens, do seu eixo, da sua verdade. Feito vampiro, insiste em deixar coabitar dentro de si os anseios mais profundos de sua nova condição e os valores que prezava como ser humano. Quando passa a agir de acordo com suas idéias, entra em choque com os defensores da cultura tradicional do mundo dos desesperados. Eles tentam “ajusta-lo” pela orientação, pela força. Não obtendo sucesso, tentam destruí-lo. Na sua reação, ele abandona a simples defesa do direito de ser diferente para lutar pela mudança da cultura dos vampiros. Daí vem seu conselho para os gerentes:
Como nunca existirá completa coincidência, cada um deve optar entre ceder parte das suas crenças ou lutar para mudar a cultura da empresa como fez LESTAT. Uma necessidade deve ser obrigatoriamente atendida. Ninguém pode abrir Mão do seu núcleo ideológico sob pena de viver numa permanente “esquizofrenia profissional”. Se cada um assumir o risco de negociar seus limites, os gerentes serão mais felizes, as empresas, mais performantes e, com certeza, ninguém poderá alegar que vendeu a alma ao diabo porque isso era inevitável. (TEXEIRA, José Emídio. Gerentes, Vampiros e Ideologia. Qualitymark, 1998).
Os gerentes podem consultar o tratado Vampiros Emocionais de Albert J. Bernstein – Ph.D. em Psicologia –, para aprender a identificar funcionários vampiros e fazer a empresa render mais redistribuindo os tipos anti-sociais, histriônicos, narcisistas, obssessivo-compulsivos e paranóicos, em funções que os farão sugar uns aos outros (e aos consumidores) de forma produtiva porque “cada um desses tipos, embora patológicos e extenuantes, também tem características que as pessoas acham bem atraentes”. Eis o bestiário bem humorado do circo dos horrores de nosso quotidiano. Esta foi a grande descoberta do século XX: Vivemos no Planeta dos Vampiros! Procurando na Amazon ou no Ebay encontramos obras que até para falar de literatura, cinema e política adotam títulos como Our Vampires, Ourseves (‘Nossos Vampiros, Nós Mesmos). Enquanto o vampirismo devidamente democratizado começava a ameaçar o monopólio milenar da melancolia pelo título de doença transcendental, James Redfield vivia o auge de dias de glória com o livro A Profecia Celestina transformado em best-seller. Revistas populares refletiam a tendência global a exemplo da DESTINO nº 47, onde o radiestesista José Barbosa Marcondes anuncia que o vampiro “pode ser um inimigo seu, amigo, parente – pode até mesmo ser você”. O sentido original do termo foi perdido, englobando uma infinita variedade de comportamentos desagradáveis.
Shirlei Massapust
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