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Na antiga Rússia dos Czares vivia um poderoso nobre, proprietário de um enorme feudo na região de Kiev. Os camponeses que trabalhavam em suas terras praticamente não o conheciam porque não era visto a luz do dia. Todas as ordens eram dadas pelo seu capataz, um homem rude e violento, que tratava os empregados como escravos. Qualquer falta era motivo para cruéis castigos executados a frente de todos para que ficasse o exemplo. Os faltosos eram presos a grilhões e depois de açoitados permaneciam sangrando durante dias e noites, sendo que em muitos casos morriam de inanição ou pela excessiva perda de sangue. Esses acontecimentos criavam um clima de terror e mistério entre os habitantes da região. Quando alguma família mais rebelde resolvia fugir da infuência da estranha figura, apareciam completamente destroçados como que atacados por uma matilha de lobos.
Ao anoitecer todas as passagens que levavam ao castelo onde vivia o nobre eram fechadas por seu pequeno exército de soldados. Os mais curiosos que ousavam se aproximar contavam que as luzes permaneciam acesas até o amanhecer e que estranhas canções eram entoadas, acompanhadas de batidas de tambores, rituais primitivos das tribos da Sibéria. Podia se ver ao longe, as gigantescas nuvens de fumaça que subiam do pátio do castelo formando imagens de pessoas e animais, alimentadas pelo clarão de uma fogueira. Também era comum os camponeses verem chegar de Moscou luxuosas carruagens que traziam convidados para as festas do Castelo, que depois de passarem dias e noites se embriagando com o anfitrião, regressavam à origem com as fisionomias completamente alteradas como se tivessem visto o próprio demônio.
Mas apesar da luxúria, o nobre Vladstok, ficava cada vez mais rico e poderoso, anexando de tempos em tempos as propriedades de outros aristocratas da região que contraiam dívidas, as quais não podiam pagar, caindo na mais completa penúria. O Senhor Vladstok não tinha a menor piedade, tanto para os seus empregados como pelos de sua classe, que porventura caíssem em suas mãos. Sua influência cresceu de tal maneira em poucos anos que o próprio Czar começou a se preocupar, pois sabia que a ambição desse homem era desmedida e a qualquer momento poderia decretar seus domínios, território livre do Império Russo. Por isso, resolveu mandar um espião à região para decifrar os mistérios que tanta curiosidade e expectativa causavam na corte.
Para tal missão foi designado o jovem cavalheiro Petrov que havia servido ao Czar na guerra contra os tártaros, que deveria ser introduzido no castelo de Vladstok como um rico comerciante de armas, para saber se haviam intenções do poderoso nobre em preparar um exército ofensivo ao Império. A sua chegada foi muito bem vista pelo dono do castelo, interessado em adquirir armamentos mais modernos.
Em poucos dias já fazia parte da vida do lugar, mas não havia ainda conversado com Vladstok que apenas lhe enviava interlocutores, pois o tinha no conceito de traficante. Além disso, era instruído a não sair de seus aposentos depois do pôr-do-sol, sob a pena de ser imediatamente expulso da propriedade.
Passada uma semana, não podendo descobrir nada, o jovem Petrov resolveu contrariar as ordens e dar uma sondada pelo castelo. Não antes de encher o seu leito com travesseiros, para que todos pensassem que repousava indiferente aos acontecimentos noturnos. Saiu pela janela do quarto que dava num prostíbulo, caminhou por um extenso corredor se esgueirando pelas paredes como uma sombra, e atravessou uma enorme sala decorada com enormes quadros que retratavam as feições dos mais hediondos demônios imaginados pelo homem. Encontrou uma porta, pela qual penetrou até encontrar uma escada que deveria levá-lo a uma espécie de subterrâneo. Começou a dascer os degraus cuidadosamente e ao chegar no final deparou-se com um alçapão fechado com um pesado cadeado. Utilizando os recursos próprios de um espião, abriu o cadeado e desceu por uma escada vertical que o levava a uma espécie de masmorra cheia de celas vazias. Quando começou a andar pelo corredor ouviu um choro abafado na parte mais escura e úmida da masmorra. Direcionou a tocha que carregava nessa direção e viu uma mulher, chorando baixinho com a cabeça apoiada nos joelhos. Tinha os cabelos totalmente desgrenhaados e vestia uma rústica túnica cheia de rasgos que o fez perceber que na verdade se tratava de uma adolescente que poderia ter no máximo quatorze anos. Quando ela olhou para Petrov, desenhou-se no seu rosto a mais terrível expressão de terror e então passou a gritar:
Eu não quero morrer, não quero morrer, me poupe por favor. Petrov perguntou-lhe qual o crime haveria de ter cometido uma criatura tão jovem. Essa pergunta lhe causou então uma estranheza, e, parando de chrar imediatamente, disse-lhe: “Então, você não sabe?” Ele explicou-lhe que estava a pouco tempo no castelo e durante um passeio havia descoberto aquele local, mas que de nada sabia sobre o que se passava por ali. Ela, num suspiro falou: “Graças a Deus alguém que ainda não está contaminado pelo mal.” Nesse momento, Petrov pôde ver a beleza dos olhos da moçoila e as suas formas físicas dignas de uma princesa que se insinuavam debaixo daqueles trapos. Ela então inicio um relato dos últimos acontecimentos da sua vida.
“Meu nome é Luiza, sou filha do nobre Senhor Kedril, proprietário das terras que fazem limite com o feudo do Senhor Vladstok. Meu pai sempre foi um bom homem, mas possui o terrível defeito de embriagar-se, até a ilucidez. Isso fez com que seus negócios começassem a andar mal. Quando a situação ficou insustentável, começou a fazer empréstimos ao Senhor Vladstok e acabou adquirindo uma dívida tão grande que foi obrigado a entregar parte de sua propriedade a ele. Para não ficar na mais extrema miséria, Vladstok propôs-lhe que eu fosse entregue a ele, que ficaria encarregado de me dar uma fina educação, e também de arranjar-me um marido. Em suma, eu me tornaria sua protegida, aliviando mais um fardo das costas de meu pai, que prontamente aceitou a proposta. Chegando aqui, no começo, recebi o tratamento digno de uma princesa. No entanto, numa certa noite, o próprio Vladstok entrou no meu quarto e me ordenou que o acompanhasse. Notei nessa noite que sua expressão havia se alterado, tomando uma cor pálida, quase como a de um morto, e vestia uma capa negra, bordada com estranhos símbolos. Chegamos em uma sala onde havia um altar iluminado por velas, cercada por um grupo de pessoas encapuzadas. Um terror começou a se apossar de mim, mas ele me olhava de maneira tão penetrante que me obrigava a fazer todas as suas vontades. Fui colocada sentada em cima do altar, enquanto duas pessoas começavam a me despir, os outros entoavam estranhos hinos cantados numa língua desconhecida para mim. Fui deitada nua no altar e minhas mãos e meus pés foram amarrados com firmeza. Depois, foi derramado sobre meu ventre uma estranha substância parecida com sangue, enquanto Vladstock rezava orações incompreensíveis para mim. Desmaiei e acordei sozinha nesse calabouço. Depois, durante mais cinco noites, o ritual se repetiu, só que me amarravam a um tronco e depois de me açoitarem impiedosamente os encapuzados lambiam o sangue que escorria do meu corpo. Mas sei que hoje será o dia em que tudo se consumará: vão imolar meu corpo em homenagem ao seu maldito Deus, que lhes dá a imortalidade em troca de tanta crueldade.
Petrov tentou abrir a porta da cela de Luiza, mas nesse momento ouviu passos no corredor e se escondeu atrás de uma barricas de vinho vazias. Os encapuzados chegaram e levaram a jovem com eles; à distância Petrov passou a segui-los, e chegou até a sala onde o ritual deveria ser realizado. Viu então o misterioso Senhor Vladstok aproximar-se do corpo da jovem como se fosse beija-la, mas os seus dentes pareciam presas de um lobo faminto e nesse momento (Petrov) não conseguiu conter um grito. Imediatamente todos se viraram para ele, que numa reação rápida arrancou um pedaço do corrimão da escada e investiu contra o nobre enterrando-lhe a estaca no coração. Imediatamente todos os encapuzados começaram a se retorcer de dor como se tivessem também sido atingidos pelo golpe. Petrov libertou então Luiza, e jogou as velas acesas sobre as cortinas, transformando a sala em poucos segundos num verdadeiro inferno. Saiu do Castelo com a jovem e quando olhou para o castelo que ardia, viu horrorizado que estranhas criaturas aladas saíam do meio das labaredas gargalhando em direção às trevas.
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