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Shirlei Massapust
Gênesis 4:8 informa:
“Caim se lançou sobre seu irmão Abel e o matou”. Antes ambos estavam no campo (בַּשּׂדֶה) onde Caim cultivava sua horta. Eles conversaram (אמֶר) a respeito do problema, mas não houve acordo. Seguindo a lógica da estória este lavrador certamente possuía um machado para abrir terreno, uma enxada e um arado para trabalhar o solo, uma foice para ceifar a colheita, etc. Tudo notoriamente útil para matar seu desafeto. Mas, considerando que não está escrito que Caim usou armas brancas, fica presumido que ele lutou com unhas e dentes.
Numa época em que havia várias teorias a respeito da motivação e da forma de execução do assassinato, R. ʿAzariah e outros rabinos defenderam a hipótese de que Caim observou atentamente enquanto Adão sacrificava um bezerro e, por isso, deduziu que um sacrifício humano deveria agradar mais a YHWH do que o sacrifício animal. Então perfurou a garganta de Abel. (Midrash Genesi Rabbah 22:8).[1] O Talmude ressalta que Caim não conseguiu tirar a vida até perfurar o esôfago e a traqueia (Sanhedrin 37 b).
Caim segurando um machado de lenhador. Desenhado em 1511 pelo ex-lenhador Dürer.
Num livro apócrifo grego Eva tem um sonho profético e vê o sangue de Abel escorrer na boca de Caim, que o bebia com sofreguidão, embora o irmão suplicasse para não sorvê-lo todo[2]. Lendo diretamente no grego encontramos enunciados exóticos, tipo o trecho onde Caim se transformou (γεγονὸς αὐτοῖς) enquanto brigava. Portanto optou-se por uma tradução aproximada:
2 1 Eva falou ao esposo Adão: 2 “Meu marido, esta noite sonhei ver o sangue de meu bom filho, Abel, escorrer da boca de Caim, seu irmão, que o bebia sem piedade. Ele pediu para deixar um pouco, 3 mas, ao invés de o escutar, continuou bebendo até o fim. Nem tudo ficou no estômago, pois acabou vomitando”.4 Adão respondeu a Eva: “Vamos sair e ver o que está acontecendo com eles, caso estejam brigando furiosamente”. 3 1 Ambos saíram e encontraram Abel morto pelas mãos de Caim.
John Levison consultou nove manuscritos e descobriu quatro formas textuais diferentes desta estória, sendo que a fonte material mais antiga teria sido escrita em Milão durante o século XVII:
A forma textual posterior, aqui chamada de “redação II”, apagou aquilo que não convinha aos interesses do escriba doutrinador: “The other text forms read infelicitously that the blood Cain drank he drank completely and let sit in his stomach. Text form II blunts the impact of this graphic detail. Manuscript R does so by omitting it entirely, while manuscript M abbreviates the wording”.[3]
Robert Henry Charles publicou uma versão crítica, informando que o Manuscrito D (Ambrosiana gr. C 237 Inf.) está corrompido a ponto de substituir o nome de Caim (Κάϊν) por Adiàphotos (‘Αδιάφωτον).[4] Contudo, outra fonte do século XVII confirma a tradição oral sobre mordidas: Na página 1431 do Quæstiones celeberrimæ in Genesim (1623), Mersenne menciona que “Abelem fuisse morsibus dilaceratum ad Cain”. Recentemente o teólogo Daniel Lifschitz opinou que “Caim matou seu irmão mordendo-o como uma serpente[5]”.
Vampiro Caim em frenesi. The Book of Nod (1993).[6]
Armas com dentes ou informação oculta?
A mais enigmática entre as versões que dão uma arma branca a Caim é aquela conhecida por José Saramago onde o personagem mata Abel “a golpes de uma queixada de jumento que havia escondido antes num silvado”[7]. A cena foi esculpida em 1432, por Jan van Eyck, no altar da Catedral de Saint-Bavo, Ghent, Bélgica; encomendado pelo bispo local na intenção de educar os católicos em matéria de teologia por meio de imagens. Paralelamente, uma tímida iluminura colorida e anônima foi produzida na mesma época.
1) Detalhe da arte sacra no altar da Catedral de Saint-Bavo, Ghent, Bélgica, esculpido por Jan van Eyck (1432). 2) Iluminura anônima (séc. XV).
No quadro a óleo A Tentação de Santo Antônio (c. 1512-15), de autoria de Matthias Grünewald (1480-1528), integrante do acervo permanente do Musée d’Unterlinden, em Colmar, encontramos vários diabos espancando o idoso santo. A figura central, diabo que lhe puxa os poucos cabelos que a calvície ainda não derrubou, se prepara para acertá-lo com um maxilar de burro.[8]
A Tentação de Santo Antônio (c. 1512-15), de Matthias Grünewald.
O inconfundível objeto reaparece nas mãos de Caim em três gravuras assinadas por Lucas Van Leyden em 1520, 1524 e 1529[9]. O fato de um artista haver passado nove anos aperfeiçoando a cena da morte de Abel atingido pela estranha mandíbula, mirada na direção de seu pescoço, ao lado do altar de sacrifícios, demonstra que este tema específico era procurado e apreciado pelo público consumidor.
Conjunto de xilogravuras de Lucas Van Leyden datadas de 1520, 1524 e 1529. Todas trazem o mesmo tema: Caim matando Abel com uma mandíbula de equino.
Gravação de Mabuse (c 1527), impressos de Johann Sadeler (1576) e Jan Lievens (1640).
Lucas Van Leyden viajou pela Europa, vendendo panfletos. Em 1527 ele conheceu o pintor flamenco Mabuse (Jan Gossaert), em Middelbur, e parece tê-lo convencido a divulgar a nova versão da morte de Abel. Foi Mabuse quem teve a ideia de tampar o sexo de cada personagem com um chute de seu rival.
Na última versão de Van Leyden, aparentemente influenciada por Mabuse, só Abel chuta o sexo de Caim enquanto este tenta lhe acertar o pé no coração. Outros pintores adotaram a arma iconográfica, mas mantiveram os personagens com os pés no chão. Encontramos impressos assinados por Johann Sadeler em 1576 e Jan Lievens em 1640. É também este o tema dum rascunho de Rembrandt van Rijn (1606-1669).
Isto não parece com armas medievais tais como a Morgenstern e outras clavas com espetos que passam a impressão de serem porretes com dentes. Logo, é um padrão iconográfico onde Caim utiliza o recurso encontrado por Sansão na ocasião em que o herói foi possuído por Ruach YHWH (יהוה רוח), o espírito de deus, e matou mil homens (Juízes 15:15). Sansão e Caim ganharam טְרִיָּה לְחִי־חֲמוֺר יִּמְצָא — “uma novíssima mandíbula de equino[10]”. Mas, considerando que a melhor tradução de טְרִיָּה é “carne fresca”, por que YHWH teria a ideia estapafúrdia de usar um bife como porrete? Seria isto algum tipo de oferenda ritual?
Obviamente a mandíbula não era um porrete comum. Isto foi usado para fazer magia, pois antes de emprestar poderes para Sansão vencer sozinho uma guerra (Juízes 15:15) e fazer fluir água potável das rochas (Juízes 15:18-19), YHWH encantou o cajado de Aarão com poderes para vencer sozinho uma guerra transformando água em sangue (Êxodo 7:19), etc., e fazer fluir água potável das rochas (Êxodo 17:5). Na época do cerco de Ben-Hadade à capital de Israel a população foi obrigada a passar fome e uma cabeça de jumento chegou a valer oitenta peças de prata (II Reis 6:25).
Sobre a antiguidade do uso, possivelmente religioso, de mandíbulas de equinos, sabemos que uma delas foi encontrada junto aos restos mortais dum homem adulto, falecido na faixa etária dos 50 anos, hoje conhecido como Šamani Brno. Um fragmento de sua costela foi submetido ao teste de radiocarbono, o qual indicou a datação de 23.680 ± 200 anos RCYBP, ou uma idade provável entre 23.280 e 24.080 anos RCYBP.[11] Por isso Jill Cook estimou a idade do esqueleto e suas pertenças em 26.000 anos.[12] O túmulo Brno II estava localizado a quatro metros de profundidade na estrada Francouská, no cruzamento com a rua Předlácká, em Brno, na República Tcheca.
Nomes de poder
O nome de Caim (קין) vem de uma raiz que significa a criação dum produto artesanal. Por exemplo, a atividade do oleiro ao fazer um vaso de argila. Moisés Maimônides observou que os verbos criar (ברא) e fazer (עשו) são sinônimos (Gênese 2:4) em estreita relação com o verbo adquirir (קנה) – radical de Caim (קין) – porque YHWH se tornou adquirente do céu e da terra (Gênese 14:19 e 22). Então Caim ganhou um nome que significa “Criador” no sentido de artesão inventor, em homenagem a YHWH. Eva explicou a paródia quando o pariu: את־יהוה איש קניתי — “Eu gerei um homem de YHWH” (Gênese 4:1).
Uma das coisas a respeito das quais tu deverias conhecer e prestar atenção é o conhecimento manifesto pelo fato dos dois filhos de Adão serem chamados Caim e Abel; porque foi Caim quem matou Abel no campo. Ambos morreram apesar da trégua concedida ao agressor (Guia dos Perplexos II:30, folio 71b).[13]
YHWH nunca falou diretamente com Eva exceto na ocasião em que explicou a ela como nascem os bebês. Eva estava tão feliz que agradeceu pela punição da fecundidade sem a qual ela nunca sentiria as dores do parto, mas também nunca seria mãe (Gênese 3:16). O nome do segundo filho, Abel (הבל), significa luto. Não qualquer luto, mas as dramáticas demonstrações de pesar próprias dos orientais. Luto cheio de gritos e lagrimas, com pessoas rasgando as roupas e arrancando os cabelos.
Segundo o exemplo da narrativa bíblica, José fez luto por Jacó durante setenta dias, chorando com todo o Egito. Foi tão impressionante que deram ao lugar o nome de Abel Mesraim, ou seja, “Luto dos Egípcios” (Gênese 50:11).
Sacrifício dos primogênitos
Até hoje muitos tentaram e não conseguiram traduzir Gênese 4:7 de forma bela e elegante. O teólogo Domingos Zamagna chegou a sugerir que o problema está na corrupção do livro e não no leitor interessado em encontrar o espelho da sua ideologia. Daí a necessidade de oferecer ao leigo nada mais que a “tradução aproximada de um texto corrompido[14]”. Mesmo assim às vezes aparecem pessoas excêntricas afirmando não ter dificuldade em entender o que está escrito. Certa vez o ex seminarista Alphonse Louis Constant (1810-1875) pretendeu desvelar o segredo:
Caim foi o primeiro sacerdote do mundo. Todavia Abel exercera, antes de Caim, uma espécie de sacerdócio e fora o primeiro a derramar sangue. (…) Ele oferecia ao Senhor, diz a Bíblia, os primeiros animais de seu rebanho; Caim, pelo contrário, só oferecia frutas. Deus rejeitou as frutas e preferiu o sangue; mas ele não tornou Abel inviolável, porque o sangue dos animais é antes a expressão do que a realização do verdadeiro sacrifício. Foi então que o ambicioso Caim consagrou suas mãos no sangue de Abel; em seguida, construiu cidades e fez reis, pois se tomara sumo pontífice[15].
O contexto problematiza a exigência de YHWH de que todo filho primogênito, de sexo masculino, animal ou humano, fosse sacrificado em sua honra (Êxodo 34:19-20) ou substituído por um sacrifício expiatório (Gênese 22:13). Caim, que era lavrador, colheu frutos da terra e ofertou a YHWH, mas a comida vegetariana não despertou o interesse da divindade carnívora.
Logo depois Abel, que era pastor de ovelhas, sacrificou os filhos primogênitos do seu rebanho (Gênese 4:4). YHWH olhou para Abel e sua oferenda. Não olhou Caim e sua oferenda. Então a verdade se tornou óbvia. O irmão menor, Abel, possuía os requisitos necessários ao culto, mas Caim não tinha animais.
Caim começou a demonstrar sintomas de desespero porque ele próprio era um filho primogênito predestinado ao sacrifício. Ele tinha a obrigação de morrer ou comprar sua própria vida, mas a tentativa de resgatar a si mesmo falhou e ele já não sabia o que fazer. Na literatura paralela o agricultor recusa veementemente o suicídio e não economiza palavras para ofender YHWH, dizendo: “Eu pensava que o mundo havia sido criado para a bondade, mas vejo que as boas obras não produzem fruto algum. Deus governa o mundo usando arbitrariamente o seu poder[16]”.
Não existe justiça e nem há juízo. Não existe futuro nem vida eterna. Os bons não recebem nenhuma recompensa e para os maus não existe nenhuma punição (Midrash Aggadah 4,8)[17].
Ao contrário do personagem medieval que parece servir de válvula de escape para os incrédulos reprimidos dizerem tudo que pensam, culpando o vilão da estória, o herói bíblico nada fala e nada faz além de ficar nervoso e cabisbaixo. É neste momento que YHWH, olhando para Abel, fala pela primeira vez com Caim:
ךינפ ולפנ המלו ךל הרח המל ןיק לא הוהי רמאיו
Gênese 4:6
וב לשמת התאו ותקושת ךילאו ץבר תאטח חתפל ביטית אל םאו תאש ביטית םא אולה
Gênese 4:7
Primeiro a divindade questiona porque Caim está deprimido. Presumimos que, ao ouvir isso, o humano compreendeu outra premissa básica da antiga religião: Deus não olha nos olhos de quem vai viver porque ninguém pode continuar vivendo após ver sua face (Êxodo 33:20). YHWH não estava olhando somente para o altar repleto de carneiros assados. Deus olhava para “Abel e sua oferenda” (Gênese 4:4).
Pela antiga lei bíblica o primogênito era herdeiro universal do patriarca e os irmãos mais novos lhe deviam obediência. Caim “falou” com Abel, provavelmente tentando negociar a compra de um carneiro, mas este nada fez, notoriamente sabendo que ele herdaria tudo se o irmão morresse. Então, sem nenhum animal para sacrificar no seu lugar, Caim matou a única criatura disponível que, em tese, lhe era subordinada.
No fim de tudo Caim perdeu a memória e acordou dum estado de transe semelhante àquele que acometia Sansão quando este guerreava, possuído por YHWH, e depois não conseguia lembrar o fato de ter matado pessoas. Na versão apócrifa ele tem um acesso de vampirismo e acorda vomitando sangue.
Um texto corrompido?
Com certeza não há nada mais importante em Gênese 4 do que o conselho que YHWH deu a Caim. Seria uma lástima se Domingos Zamagna estivesse certo e o texto corrompido. Rabinos problematizaram a diferença de gêneros entre a palavra feminina chatath (תאטח) e o verbo masculino rovetz (ץבר) que a segue à semelhança de erro ortográfico[18]. Seria isto um indício de que ali termina uma frase e outra começa?
É fato que podemos traduzir tudo. Só não é possível forçar um significado politicamente correto perante as normas de conduta da nossa época. A redação presume um padrão estético onde as feridas são belas e o sangue é uma tinta sagrada.
Considere o costume de decorar a porta da tenda onde vive um primogênito com sangue pincelado com um ramo de manjerona (Origarum maru) para que YHWH não o matasse (Êxodo 12:22-23). Como Caim não tinha animais, e este era seu problema, ele teria a obrigação de usar seu próprio sangue. YHWH disse:
וב לשמת התאו ותקושת ךילאו ץבר תאטח חתפל ביטית אל םאו תאש ביטית םא אולה — Porque se [Caim] não fez uma bela ferida em si mesmo e se não embelezou a porta [pintando-a com sangue, então fará] matança expiatória. Curve-se para satisfazer tua paixão e então reine sobre si mesmo.
Talvez não seja inútil mencionar que o verbo reinar diz respeito à atividade do rei, melek (מלך), título homônimo homógrafo do interventor ou mōlek (מלך) que, de acordo com alguns historiadores, era um ser humano sacrificado no altar de YHWH.[19] Philo de Alexandria (20 a.C-50-d.C.) conheceu uma versão onde efetivamente “Caim se levantou e cometeu suicídio” (Philo. Quod det. Pol. § 14). Só que não é assim que acaba a estória que nós possuímos, baseado na compilação de Mōšeh bem’Āšēr.
A última frase dita a Caim, em Gênese 4:7, parafraseia palavras ditas a Eva, em Gênese 3:16, quando YHWH explica como acontece o coito, a gravidez, o parto e como se mantém a hierarquia duma estrutura familiar: “Ele [Adão] reinará sobre você [Eva]” (בך ימשל והוא). “Você [Caim] reinará sobre si mesmo” (וב לשמת התאו). Se Abel morresse Caim reinaria apenas sobre seus próprios filhos e descendentes. Não reinaria sobre Abel e seus descendentes, mas pelo menos continuaria vivo.
Nos discursos paralelos de YHWH, em Gênese 3:16 e 4:7, a palavra תְּשׁוּקָה com certeza descreve o sentimento de atração irresistível que resultou no doloroso parto de Eva, apaixonada pelo esposo (אישך), e, depois, na tremenda angústia do filho ansioso pela realização dum sacrifício expiatório (חַטַּאת).
A condenação de Caim ao ostracismo
Sansão era o tipo de médium que acordava desmemoriado no meio duma pilha de gente morta. Caim se fez de desmemoriado ou desentendido quando questionado por YHWH a respeito do que aconteceu com Abel.
4 9 E disse o Eterno a Caim: “Onde está Abel, teu irmão?” E disse: Não sei; acaso o guarda do meu irmão sou eu? 10 E disse: “Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão está clamando a Mim desde a terra. 11 E agora maldito és tu da terra, que abriu sua boca para receber o sangue do teu irmão, da tua mão. 12 Quando lavrares, o solo não dará mais a sua força para ti; fugitivo e vagabundo serás na terra”. 13 E disse Caim ao Eterno: “É tão grande o meu delito de não se poder suportar? 14 Eis que me expulsas hoje de sobre a face da terra, e da Tua presença não poderei me ocultar. E serei fugitivo e vagabundo na terra, e acontecerá que todo o que me encontrar matar-me-á”. 15 E disse o Eterno: “Por isso, quem matar a Caim, sete vezes será vingado”. E o Eterno pôs em Caim um sinal para que não o ferisse quem quer que o encontrasse. 16 E saiu Caim da presença do Eterno e habitou na terra de Nod, ao oriente do Édem[20].
Sangue está no plural, damēy āchiykhā (אָחִיךָ רְּמֵי). Se o texto não se referir a manchas espalhadas por várias partes do chão, então este sangue é dos animais sacrificados por Abel ou de Abel e seus sacrifícios. Isto era um problema para Caim. O corpo delito provava a morte que deveria ser punida por Adão ou por qualquer outro parente colateral de sexo masculino. Abel estava longe de ser um adversário tolo e fraco. A julgar pelo poder dos nomes sobre as personalidades míticas, não seria exagero dizer que ele era uma espécie de mestre das mentiras e dissimulações[21].
Nesta cosmogonia existem fantasmas e Abel se defende intercedendo por si mesmo junto aos seus sacrifícios, certamente clamando por um vingador de sangue para matar Caim[22]. Mas YHWH percebe que precisa ajudar afastando-o da família vingativa e abençoando-o com uma marca protetora. No final Caim foi condenado ao ostracismo (ארור אתה מן־האדמה ) na terra (אדמה) de seu pai, Adão (אדם), para expiar a culpa coletiva. Depois que a terra, isto é, a humanidade, abriu a boca para beber sangue (אשר פצתה את־פיה לקחת את־דמי)alguém devia pagar por isso[23].
“O Sacrifício de Caim”, pintado por Amico Aspertini (c.1474-1552). Adão e Eva estão exaustos e famintos, junto a prato e jarro vazios, lembrando da expulsão dos campos do Éden. Caim segura um espelho, possivelmente imaginando a si mesmo sendo sacrificado nas chamas da churrasqueira do altar.
Pelo menos uma das numerosas versões judaicas deste mito termina com final feliz. Rabinos descreveram o dia em que Adão encontrou Caim no exílio e perguntou a respeito da conversa que este teve com YHWH: “Como você foi castigado?” Caim respondeu: “Prometi arrepender-me e foi-me dada anistia”. Adão se flagelou batendo no próprio rosto e disse: “Eu não sabia que o arrependimento tem tanto poder!” (Pĕsiḳta dĕ-Raḇ Kahăna 11:18)[24]. Porém era tarde para assumir a culpa pelo furto dos frutos proibidos. A sentença de Adão já havia transitado em julgado, condenando-o a viver duma dieta de cactos comestíveis (דרדר)[25], moyashi (תצמיח), centeio (לחם) e verdura (עשב) cultivada por ele mesmo com sofreguidão (Gn. 3:18-19).
A fábula do corvo
Uma das fábulas de Rumi (1207-1273) descreve Caim em dúvida sobre o que fazer para ocultar o cadáver de Abel. Neste momento ele viu um corvo vivo carregando um corvo morto pousar no solo e abrir uma cova para lhe ensinar, pois a ave carniceira estava inspirada por deus. Depois que o corvo vivo terminou de enterrar o corvo morto, Caim imitou-o e assim aprendeu a cavar sepulturas (Mathnawí IV:1300-1310)[26].
No Corão a história continua após um dos filhos de Adão matar o outro como sacrifício expiatório:
Deus enviou um corvo que se pôs a escavar a terra para ensinar-lhe como ocultar o cadáver do irmão. Disse: “Ai de mim! Sou, acaso, incapaz de ocultar o cadáver de meu irmão, se até este corvo é capaz de fazê-lo?” Contou-se depois entre os arrependidos. (Corão 5:31).[27]
Rabbi Louis Ginzberg (1873-1953) explicou que a variante judaica desta fábula é um comentário ao Salmo 147:9 onde YHWH alimenta os filhos do corvo (עֹרֵב בְנֵי) quando os pais lhes abandonam[28]. Fora de contexto, vale lembrar que na natureza os corvos não enterram os mortos. Eles eliminam cadáveres comendo a carniça.
Na Bíblia o profeta Balaão faz um trocadilho entre Caim (קין = qyn) e ninho (קנך = qen) comparando o rei em sua cidade fortificada a um pássaro no ninho. Provavelmente isto diz respeito a uma cidade redonda e côncava, sobre uma montanha, semelhante à Tel Dan. A cidade está segura, mas Caim tem um problema. O seu reino foi reivindicado como colônia pela Assíria e ele se rendeu sem organizar nenhuma campanha militar defensiva. Então Balaão, em nome de deus, mandou uma mensagem para Caim mandando-o parar de pagar impostos e atacar sem medo: “A tua morada está segura, Caim, e o teu ninho firme sobre o rochedo. Contudo, o ninho pertence a Beor. Até quando serás cativo de Assur?” (Números 24:21-24).
Espírito de Caim. Desenho de Collin de Plancy no Dictionnaire Infernal (1863).
O medo do Rei Caim era fundamentado, pois quando Ben-Hadade declarou guerra contra Israel, a situação na capital sitiada era tão calamitosa que a população precisou recorrer ao canibalismo dos primogênitos para sobreviver (II Reis 6:27-29).
A marca de Caim
Está escrito que YHWH pôs em Caim um sinal para impedir que ele fosse ferido por qualquer pessoa que o encontrasse e prometeu que se algum vingador de sangue vingasse a morte de Abel, matando-o, então outros sete vingadores seriam enviados para vingar a morte de Caim (Gênese 4:15). Noutras palavras, deu carta branca para Enoch, Irad, Mehuyael, Methushael, Lamech e Yaval chacinarem os culpados caso Caim sofresse retaliação.
Se eu fosse YHWH jamais escreveria “assassino” na testa de alguém que, em tese, deveria ser auxiliado e escondido. Eu faria em Caim a mesma tatuagem (קעקע) ou corte (תתגדו) tradicional que servia para fazer demonstrações públicas de luto e proteger contra atividade paranormal (Deuteronômio 14:1 e Levítico 19:28). Isto calaria o clamor do sangue de Abel e confundiria seus perseguidores porque a primeira coisa que alguém pensaria ao vê-lo seria: “Caim está de luto pela morte do irmão”.
Muitas tentativas de explicar a aparência da marca de Caim resultaram em conclusões diversas. O Targum Jonathan descreve o sinal na fronte com a forma de uma das letras do nome de deus.[29] Considerando que uma superstição dos tempos bíblicos incentiva os pais a iniciar nomes de bebês com Yod (י) ou Yod e He (יה) para proteger contra o mau-olhado e atividade paranormal, notadamente o Yod (י) seria a melhor opção[30]. Caim não fez uma bela ferida em si mesmo (תאש ביטית) conforme aconselhado desde o início (Gênese 4:7), mas acabou marcado (אות) igual a certos hindus que pintam o terceiro olho com sangue ao invés de usar pó. (Gênese 4:15)
1) Imagem duma fábula onde Lamech, cego, prepara o arco para flechar Caim, apontado por Tubal Caim. (Ilustração de Lucas Van Leyden, de 1524). 2) Caim com chifres. (Arte digital © 2009, Kuroi Tsuki e DeviantArt)
Existem outras variantes da lenda. Certa vez compararam o versículo onde YHWH pôs a marca na fronte de Caim (Gênese 4:15) com aquele onde YHWH pôs uma figura de Lichtenberg ou chifres (קרן) na fronte de Moiséis (Êxodo 34:35) e deduziram que sempre que deus perambula por aí e se agrada de alguém, ele dá esse lindo par de chifres de presente para a pessoa. Resultado: Quando Caim clamou por proteção “cresceram-lhe chifres, para amedrontar os animais[31] que pudessem atacá-lo[32]”.
Claro que nem todo mundo entendeu a analogia ou encarou a coroa de chifres como um presente benéfico. Num livro apócrifo é dito que YHWH inflige sete punições “piores que a morte” sobre Caim: 1) Crescimento de chifres constrangedores. 2) Um decreto proibindo que qualquer outra pessoa o mate ou faça amizade com ele. 3) Capacidade de escutar o uivo do vento ecoando nos vales e montanhas como um pranto fúnebre pela morte de Abel. 4) Insônia eterna. 5) Fome voraz e insaciável. 6) Ereção persistente ou priapismo[33]. 7) Insatisfação. (Adamschriften 35:43)[34].
A informação que a cultura moderna tem sobre a associação de Caim com o mito do vampiro vem principalmente dos livros de ficção The Book of Nod (1993) de autoria de Sam Chupp e Andrew Greenbery, e da sequência autorizada Revelations of the Dark Mother (1998), escrita por Phil Brucato e Rachelle Udell.[35]
Já vi brasileiros compartilhando cópias não autorizadas disto como se fossem livros de doutrina esotérica; mas na verdade ambos foram publicados pela editora White Wolf, distribuídos no Brasil pela livraria-editora Devir, como meros suplementos do jogo de interpretação Vampire Masquerade (1991) onde Mark Rein·Hagen define o personagem bíblico como sendo o primeiro vampiro amaldiçoado com a imortalidade.
Era das hipóteses ad hoc
Alguns religiosos incapazes de se conformar com a literalidade da redação duma estória que protege um assassino mitológico sugeriram que os sete protetores de Caim na verdade seriam sete gerações a serem contadas até o nascimento daquele que executaria a pena de morte porque na sua lei divina revista e anotada não deveria existir esse negócio de prescrição, perdão judicial, anistia, etc. Caim só precisava viver mais um pouco para ter um monte de filhinhos, netinhos, etc., todos ruinzinhos, necessários para servir de exemplo de maldição hereditária e morrer no dilúvio.
Na versão de Flávio Josefo, deus bizarramente decidiu despersonalizar o crime de Caim e aplicar em Lamech a pena pela morte de Abel. O sétimo herdeiro, Lamech, descobriu que estava condenado à pena de morte ao estudar religião e profecias. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:65). Noutras versões Lamech mata o tataravô porque “Caim se arrependeu e confessou seu pecado”. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:3). Shlomo Yitzhaki (1040-1105) opinou que Caim seria castigado “somente após sete gerações”. Meir Matzliah Melamed resumiu a revisão do mito:
Conta o Midrash que sendo Lamech cego, saía a caçar com seu filho Tubal Caim, que o guiava e indicava a presença de caça. O menino confundiu Caim com algum animal e foi assim que Lamech o matou com uma flechada. Ao perceber o seu erro, feriu a si próprio e um dos golpes atingiu a cabeça de filho, matando-o também. Por isso, suas mulheres o acusavam pelo duplo assassinato e Lamech se desculpou.[36]
De acordo com o folclorista Alan Unterman, o tataraneto de Caim disparou uma flecha “após ter sido erroneamente informado de que o chifrudo Caim era um animal selvagem”.[37] Essa lenda é interessante embora tenha sido mal formulada. Gênese 5:23-24 não cita os nomes das pessoas que Lamech matou. Seria relevante nomear caso fossem o tataravô e o filho do assassino. Sobretudo, se Tubal Caim fosse o menino morto em Gênese 5:23, ele não teria crescido para exercer uma profissão de adulto em Gênese 4:22. Também não está escrito na bíblia hebraica que Lamech era cego.
Interpretações cristãs
O Novo Testamento afirma que Abel e Zacarías morreram no altar (εκζητηθησεται). Isto era um problema grave e específico. (Lucas 11:50) Jesus fala de Abel como vivendo na “fundação do mundo” (Lucas 11:50). A palavra grega para “mundo” é Kósmos (κοσμου). O termo “fundação” verte a palavra grega ka•ta•bo•lé (καταβολης) e significa literalmente “lançamento (de semente) para baixo”. Noutra parte lemos que a semente (σπερμα) plantada na terra é literalmente o DNA próprio ou impróprio perante um rígido controle de qualidade eugênica. Todos os filhos de deus (τεκνα του θεου) são incapazes de errar (αμαρτανειν). Por outro lado, Caim nasceu incapaz de praticar a justiça (δικαιοσυνην) por pertencer à linhagem opressora (εκ του πονηρου ην) e ser “filho do diabo” (τεκνα του διαβολου). (1 João 3:9-12).
Abel (Αβελ) conhecia a verdade (πιστει) e ofereceu um sacrifício (θυσιαν) melhor que o de Caim (Καιν), sendo por isso rotulado pelo adjetivo dikaious (δικαιος) o qual define a “observância de um costume” e é comumente traduzido como “piedoso” e “justo”. Desta forma ele comprou um super poder: Mesmo depois de morto ainda fala. (Hebreus 11:4) Abel sofreu uma espécie de ressurreição espiritual temporária semelhante à de Jesus, diferente da de Lázaro e do filho da viúva de Naim.
Apócrifos gnósticos cristãos
Os apócrifos gnósticos trazem variantes onde Caim já nasce com o “coração duro” – cheio de ódio por tudo e todos – enquanto Abel é um religioso compulsivo de “coração manso”. Nestas fontes Caim e Abel decidiram casar com a mesma mulher ao mesmo tempo, quando tinham respectivamente quinze e doze anos.
Caim achava que Luluva era a mulher mais bela do mundo. Abel só queria casar com a irmã mais velha porque o pai mandou. Luluva nasceu com Caim e ele acreditava que, por isso, esta era sua esposa predestinada. Quando chegou aos seus ouvidos a fofoca de que os pais prendiam casá-lo com uma garota feia e dar Luluva em casamento para Abel, ele lembrou o antigo costume israelita de dar a viúva do irmão morto como esposa ao irmão vivo e formulou a dúvida: “Por que pretendeis tomar minha irmã e uni-la em matrimônio com meu irmão? Acaso estarei morto?” (Primeiro Livro de Adão e Eva 78:12)[38]. Então aconteceu o episódio da seleção dos sacrifícios e ele teve a certeza de que havia algo errado. Tudo termina com o afável Abel esperando pacientemente enquanto Caim procura paus e pedras para espancá-lo até a morte.
Uma vez enterrado, o corpo é cuspido pela terra falante que, zombando de Caim, se recusa a receber Abel. Deus demonstra misericórdia para com Caim e amaldiçoa “o solo que bebeu o sangue de teu irmão” (Primeiro Livro de Adão e Eva 79:22)[39]. Não muito longe dali, escondido na floresta, satanás bate palmas rindo muito de tudo isso.
Os perpétuos
O Livro da Gênese menciona a data da morte de todos os personagens exceto a de Caim e seus descendentes. Para complicar mais o caso, um regente chamado Caim aparece em vários pontos da bíblia hebraica, a exemplo de Números 24:22, sempre em datas impossíveis nas quais qualquer ser humano normal já teria morrido. Outras referências são tão ambíguas quanto o discurso do azarado Jó reclamando da vida: “Por que eu não fui abortado? Por que Caim não me ajudou?” (Jó 3:12).
Será que Caim fez jus ao efeito literal da antiga bênção “ó rei, viva para sempre” (Daniel 6:6)? Se a genealogia de Seth for levada a sério, ali qualquer um vivia oitocentos anos… Certa vez o jornalista Hyam Maccoby achou algo muito estranho:
There can be little doubt that the Cain of the Bible is derived from the Cain whom the Kenites regarded as their ancestor and the founder of their tribe. (…) The truth is that the line of Seth has no real existence at all, but is a shadow or reflection of the line of Cain. For it requires little enquiry to see that the two lines of Seth and Cain are really one line, and that the line of Seth was derived from the line of Cain and not vice versa. If we examine the names in both lists, we see that there is only one list with slight variations, for the names are basically the same in both lists[40].
Comparando as listas genealógicas, Hyam percebeu que tanto Caim quanto Seth tiveram um filho chamado Enoch (חנוך)[41] que, por sua vez, teve um descendente chamado Lamech (למך). Quatro nomes foram corrompidos de forma que Irad (עירד) virou Jared (ירד), Mehuyael (מחויאל) virou Mahalalel (מהללאל), Methushael (מתושאל) virou Mathuselaḥ (מתושלח), e o próprio Caim (קין) virou Cainã (קינן) que viveu novecentos e dez anos (Gênese 5:14).
É como se alguém tivesse tentado memorizar sem sucesso todos esses nomes corrompidos e embaralhados. Dois intrusos foram importados e adaptados. Seth é o deus egípcio que matou seu irmão Osíris. Uma duplicata de Caim. Noé foi o apelido que o autor da revisão deu ao herói babilônio Utnapishtim. (Se ele não conseguia memorizar nomes nacionais, imagine se tentasse transliterar o cuneiforme Utnapishtim! Isso parece Arnold Schwarzenegger. Ninguém lembra como se escreve).
“Outra semelhança é que cada lista termina com um trio de nomes, ainda que tais nomes não sejam idênticos[42]”. A bigamia de Lamech, a repartição igualitária de bens entre o par de filhos primogênitos com os irmãos mais novos e o reconhecimento do direito de herança de uma filha foi demais para a cabeça do revisor.
O orientalista escocês Willian Robertson Smith (1846-1894) propôs uma hipótese onde a marca de Caim seria uma espécie de distintivo que levavam sobre sua pessoa os membros da tribo e que lhes servia de proteção, ao indicar que seu portador pertencia a uma comunidade que não deixaria de vingar sua morte. J.G. Frazer refutou tal hipótese argumentando que “uma marca semelhante protegia igualmente a todos os membros da tribo, fossem ou não homicidas”.[43] Entretanto, Caim ensinou algo que seu tataraneto aprendeu muito bem: Pela lei da selva, manda quem pode e obedece quem tem juízo. Regras só atingem a quem não é capaz de contra-atacar represálias. Quando até os vingadores de sangue perdem não há vingança contra os sentenciados.
Lamech disse às suas mulheres:
“Ada e Sela, ouvi minha voz,
mulheres de Lamech, escutai minha palavra:
Eu matei um homem por uma ferida,
Uma criança por uma contusão.
É que Caim é vingado sete vezes,
mas Lamech, setenta e sete vezes!”[44]
Se alguém vingasse o sangue de Abel matando Caim sofreria vingança por parte do próprio deus ou dos descendentes de Caim. Devemos concluir que se alguém vingasse o sangue do homem ou do garoto morto por Lamech sofreria vingança de setenta e sete defensores do patriarca? Tudo isso parece um círculo vicioso.
Não sabemos se Lamech matou de forma dolosa, culposa ou em legítima defesa. Só porque tem um menino envolvido não significa que Lamech não corria perigo. Quem nunca viu um menor de idade assaltar um adulto ou idoso? Não é impossível que Lamech tenha matado duas pessoas porque teve filhos primogênitos com duas esposas diferentes e preferiu realizar sacrifícios expiatórios com humanos substitutos ao invés de oferecer animais ou dinheiro ao templo. Mas ele estava com tanto medo da represália que contratou setenta e sete guarda costas! É óbvio que os mortos pertenciam a clãs ou quadrilhas perigosas. É igualmente óbvio que Lamech tinha recursos para dispor de tantos protetores. Riqueza atrai cobiça.
O filho primogênito de Caim foi Enoch (חנוך). Caim edificou uma cidade que recebeu o nome deste filho (Gênese 4:17). Mais tarde, em Judá, outra cidade foi chamada Caim em honra ao mitológico herói nacional (Jos 15:1,48,57). M. Gaster traduziu isto dum manuscrito judaico do século XIV, do acervo da Bodleian Library:
Caim fecundou Qalmana, sua esposa, e Enosh nasceu. Ele construiu uma cidade e a chamou de Enoch, em homenagem ao seu filho. Ele costumava raptar e alojar pessoas ali. Ele construiu aquela cidade cercando-a com muralhas e trincheiras. Foi o primeiro a fortificar uma cidade deste jeito por medo de seus inimigos. Enoch foi a primeira entre todas as cidades. (…) Quando Caim terminou de construir a cidade de Enoch ela foi habitada por seus descendentes, que existiam no dobro do número daqueles que saíram do Egito. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:1-3)[45].
O filho primogênito de Enoch foi Irad (עירד), o de Irad foi Mehuyael (מחויאל), o de Mehuyael foi Methushael (מתושאל) e o de Methushael foi o polêmico Lamech (למך). Lamech tomou para si duas mulheres: ‘Adah (עדה) e Ṣillah (צלה). Ada teve dois filhos chamados Yaval (יבל) e Yuval (יובל). O primogênito foi pai dos que viviam em tendas e tinham propriedades rurais naquela região, como era costume entre os criadores de rebanhos. O outro foi pai de todos os habitantes da cidade que tocavam musica usando um antigo instrumento de corda chamado Kinor (כנור) juntamente com os complexos instrumentos de sopro (עוגב) que antecederam o órgão hidráulico.
Zilah teve uma filha, Naamah (נעמה), que os comentários bíblicos afirmam ter sido uma excelente cantora. Ela devia cantar na banda da família da mesma forma que Michael Jackson iniciou a carreira cantando na banda Jackson Five. Mesmo assim sua ocupação principal era a tecelagem. Naamah inventou vários instrumentos usados para tecer e costurar seda, lã e outros tecidos. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).[46]
O filho de Zilah foi Tubal Caim (תובל־קין), que trabalhava amolando as lâminas de cobre e ferro fabricadas por seus conterrâneos. (Gênese 4:17-22) Segundo Rashi, “Lotêsh Col Chorêsh” refere-se ao artesão que afia e lustra artefatos de cobre e ferro, um tipo de serralheiro e polidor dos nossos dias. O açacalador realiza ambas as atividades[47].
Desde então Caim passou a ser uma espécie de prenome ou sobrenome de alguns descendentes do pai hipônimo. O sogro de Moisés, Héber Caim, filho de Hobabe Caim, pertencia a esta família (Juízes 4:11). Hervé Masson compilou uma lenda de influência islâmica de data incerta que inclui Hiram Abi, o construtor do templo de Jerusalém, entre os descendentes de Tubal Caim[48]. Collin de Plancy afirma que ainda existiam cainitas no século II, mas estes procuravam fazer tudo que era errado, eram falsos, mal interpretados ou mal compreendidos[49].
Evolução dos trabalhos
Após o imenso trabalho de construir a primeira cidade, Caim se tornou rei. A julgar pelo cargo ostentado expressamente por Héber Caim, o título da nobreza cainita não era o dum Faraó ou Cezar qualquer, mas um impressionante kohen (כהן)[50] que reúne os poderes legislativo, executivo, judiciário e eclesiástico.
Em toda a Bíblia só mais um personagem foi kohen, além dos cainitas, e este era Melchizedek (Gênese 14:18) cujo conhecimento e poderio teria sido invejado por Jesus (Hebreus 7:17). A versão de Flávio Josefo sobre como Caim teria iniciado a vida urbana é diferente da que lemos no Gênese 4:16. Sendo o autor um apologista romano, a sua revisão do personagem segue o exemplo dos saques de Roma a outros povos:
(60) Após viajar por muitas terras, Caim, com sua esposa, construiu uma cidade chamada Nod. Lá ele fez sua morada e teve filhos. Consequentemente ele abandonou a penitência e aumentou sua maldade, porque só pensava em buscar tudo que fosse útil aos prazeres da carne – mesmo que implicasse no prejuízo de seus vizinhos. – (61) Ele aumentou os bens de família do seu clã adquirindo muitas riquezas por meio de rapina e violência. Tornou-se um grande líder de homens que seguiam rumos impiedosos ao exercer sua habilidade de obter prazeres e espólio por meio de assaltos. Também introduziu uma mudança na vida simples dos homens que viveram antes dele, pois inventou o cálculo de pesos e medidas. Considerando que todos viviam na inocência e generosidade enquanto desconheciam tais artes, ele mudou o mundo introduzindo os valores econômicos. (62) Primeiramente ele demarcou terras e fixou fronteiras. Então construiu uma cidade e fortificou com muralhas, compelindo sua família a ir junto com ele para lá. Chamou aquela cidade de Enoch em honra ao filho mais velho. (Antigudade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:60-62)[51].
Enquanto a bíblia hebraica informa apenas que Tubal Caim trabalhava polindo e amolando lâminas de ferro e cobre, produzidas na cidade, Flávio Josefo sugeriu que este personagem inventou a arte de produzir bronze. (Antiguidade Judaica. I, 2, 2:64)
Outros continuaram aumentando as habilidades de Tubal, alegando que ele descobriu a arte de juntar chumbo e ferro para temperar o ferro e fazer lâminas mais afiadas. Ele também inventou a pinça, o martelo, o machado e outros instrumentos de ferro. No fim Tubal já sabia trabalhar com estanho, prata e ouro. Ele forjava utensílios de guerra e foi artífice em todos os ramos da indústria siderúrgica. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).
Tal como os gregos, romanos e outros povos do mundo antigo, os descendentes de Caim costumariam guerrear em busca de espólio, escravos e belas mulheres:
Ainda no tempo de vida de Adão, os descendentes de Caim se tornaram cada vez mais impiedosos. Morriam continuamente, um após o outro, mas o sucessor era sempre mais impiedoso que o antecessor. Eram insuportáveis na guerra e destemidos nos assaltos. Se algum deles era lento para matar pessoas, ainda era ousado em seu comportamento libertino, agindo injustamente e causando lesões corporais por lucro. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 2:66)[52].
Tubal Caim usava produtos feitos por ele mesmo. “Sua força superava a de todos os homens. Ele era famoso pelo domínio das técnicas de artes bélicas, usadas na busca de tudo que favorecia os prazeres corporais”. (Antiguidade Judaica. I, 2, 2:64). Foi graças à descoberta da metalurgia ensinada por Tubal que os homens começaram a fazer estátuas para o culto religioso (Crônicas de Jeraḥmeel 24:8).[53]
Juntamente com seu poderoso clã, ao longo do tempo, o rei Caim construiu ou reformou mais seis cidades: Mauli, Leeth, Teze, Iesca, Celeth e Tebbath. Nesta época Caim e sua esposa Themech tiveram mais três filhos, Olad, Lizaph e Fosal, e duas filhas, Citha e Maac.[54] Diz-se que ele “foi progenitor de muitos povos”.[55]
Nos dias de Enoch os homens começaram a ser designados por títulos de juízes e príncipes, foram deificados e erigiram templos em sua homenagem. A prosperidade do reino de Caim durou até a conquista da capital cainita pelo Rei Reu, quando toda a classe governante foi deposta. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:9).[56]
Em tempos de paz os cainitas continuavam trabalhando em busca de ascensão social. Yaval inventou trancas de porta em forma de χ para evitar a entrada de ladrões nas casas, fez cercas e estábulos para separar o rebanho bovino do ovino, e também dos bois castrados. (Crônicas de Jeraḥmeel 24:5). Depois de descobrir a ciência da música, Yuval escreveu-a sobre duas estelas[57], uma de mármore branco e outra de barro cozido, porque se a erosão destruísse a mais frágil ainda restaria uma cópia para transmitir seu conhecimento à posteridade (Crônicas de Jeraḥmeel 24:6-7).[58]
Caim rumando para construir a primeira cidade. Gravura de F. Cormon.
Conclusão
Caim é um personagem mitológico e literário que, tal como inúmeros outros, existe no mundo das ideias desde épocas imemoriais. A condenação de Caim ao ostracismo se assemelha parcialmente ao rito grego de purificação do ágos.
Explica-se: Todo homicida é amaldiçoado (enagés) por uma condição peculiar (ágos) capaz de contaminar outras pessoas ao seu redor. A comunidade da época arcaica sabia-se obrigada a “expulsar” o ágos e com ele o homicida que buscaria no exterior um local, um senhor protetor que aceitasse executar a sua purificação.
Até aí, o homicida não poderia ser recebido em casa, nem partilhar as refeições. O exemplo mítico é o matricida Orestes que fugiu para o estrangeiro. Locais diferentes com os seus rituais locais são associados à sua purificação: Em Tréizen, defronte do santuário de Apolo, havia uma “cabana de Orestes” que se dizia ter sido construída para não aceitar o homicida numa casa normal (Pausânias, 2, 31,8).
Um grupo de sacerdotes encontrava-se ali regularmente para uma refeição sacra[59]. Mas nem todos estavam felizes com isso. Por exemplo, Heráclito de Éfeso criticou a falta de lógica ou paradoxo do ritual:
Purificam-se manchando-se com outro sangue, como se alguém, entrando em lama, em lama se lavasse. E louco pareceria, se algum homem o notasse agindo assim. E também a estas estátuas eles dirigem suas preces, como alguém que falasse a casas, de nada sabendo o que são deuses e heróis (Heráclito, B 5).[60]
Quem pisa em lama não fica limpo tomando banho com mais lama. Por que a primeira morte haveria de ser expirada por outra(s) morte(s)? Talvez o objetivo não fosse purificar o amaldiçoado, mas fazê-lo passar por um rito de passagem. O homicida coloca a si próprio fora da comunidade. Sua reintegração a um nível diferente é, portanto, uma iniciação. Assim, a purificação de Hércules, antes da consagração em Elêusis, e a purificação de Orestes parecem ter paralelos estruturais.
De acordo com Walter Burket, “oferecer às potências da vingança que perseguem o homicida um sacrifício sucedâneo, parece ser uma ideia natural”. O essencial, porém, parece ser o fato de o indivíduo maculado pelo sangue entrar de novo em contacto com o sangue: Trata-se de uma repetição demonstrativa do derramamento de sangue durante a qual a sua consequência, a mácula visível, é eliminada de modo igualmente demonstrativo. Assim, o acontecimento não é recalcado, mas sim superado.
Comparável a este é o costume primitivo de o homicida beber o sangue da sua vítima e o expelir logo de seguida: Ele tem de aceitar o fato pelo contacto íntimo com o mesmo e simultaneamente livrar-se dele de modo efetivo.[61]
Noutras ocasiões o sangue é derramado com objetivo de purificação. Isto é comprovado, de modo mais detalhado, na purificação do local da assembleia popular e do teatro em Atenas: No início da reunião, funcionários especiais, peristíarchoi, transportam leitões ao redor do local, lhes cortam a garganta, polvilham os assentos com sangue, lhes cortam os testículos e deitam-nos fora.
Os mantineus purificam todo o seu território transportando animais sacrificados (sfágia) ao longo das fronteiras e aí os executando. Walter Burket sugeriu a existência de ritos paralelos na tradição do Velho Testamento e dos Persas.
A crueldade deliberada faz parte do “robustecimento” para a peleja. Contava-se então que quem recusasse o serviço militar era levado como vítima de sacrifício; uma forma particular da preparação da batalha pela sfágia. Isto também é um rito de passagem. Por isso, tanto a expiação do homicídio como a iniciação à guerra podem ser igualmente denominadas “purificações”.[62]
(57) God convicted Cain, as having been the murderer of his brother; and said, “I wonder at thee, that thou knowest not what is become of a man whom thou thyself has destroyed”. (58) God therefore did not inflict the punishment [of death] upon him, on account of his offering sacrifice, and thereby making supplication to him not to be extreme in his wrath to him; but he made him accursed, and thereatened his posterity in the seventh generation. He also cast him, together with his wife, out of that land. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 1:57-58)[63].
Com o passar dos séculos o mito de Caim foi mudando e ganhando variantes. A influência helênica logrou transformar herói em vilão (Sabedoria 10:1-4). Existem várias versões da morte de Caim. A mais surreal é aquela em que acontece um abalo sísmico no momento em que ele tenta enterrar Abel num terreno lamacento, escorrega e afunda na cova como alguém que pisa em areia movediça, enquanto o cadáver de Abel torna a subir e fica boiando até ser descoberto.
Dizem que o corpo de Abel permaneceu incorrupto, em perfeito estado de conservação, durante setecentos e oitenta e oito anos. Um cão ficou do seu lado todo este tempo, espantando os corvos. Depois Abel foi enterrado[64]. O Testamento dos Vinte Patriarcas diz que Caim morreu no dilúvio (Benjamin 7:4) junto com todos os cainitas, a despeito do fato de Balaão haver falado a seu clã em data posterior (Números 24:22).
Até hoje o personagem continua a morrer e ser ressuscitado pela arte. Não existe folclore certo ou errado. Algumas estórias vieram antes das outras e isto é tudo. Caim tem múltiplas personalidades. Viverá para sempre no mundo das ideias desde que nós, os vivos, lembremos dele por toda a eternidade.
Na condição de personagem fictício, o mítico Caim pode virar vampiro, sem dúvida: “A tradição sustenta que Caim, o assassino bíblico de seu irmão Abel, é o senhor de toda a Família. Há muita controvérsia a este respeito dentro da comunidade dos vampiros, posto que não há nenhum membro que possa garantir com absoluta certeza já haver encontrado Caim. Certamente, aqueles de Segunda Geração saberiam, mas estes já não dizem nada”. (Mark Rein-Hagen. Vampiro: A Máscara)[65].
Notas:
[1] MIDRASH RABBAH: GENESIS. Trad. Rabbi Freedman & Maurice Simon. London, Soncino Press, 1961, Vol I, p 187-188.
[2] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trd. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 29.
[3] LEVISON, john R. Texts in Transition: The Greek Life of Adam and Eve. Georgia, Society of Biblical LKiterature, 2000, p 26.
[4] 2. 1 Εὔα τῷ κυρίῳ αὐτῆς Ἀδάμ· 2 κύριέ μου, ἴδον ἐγὼ κατ᾽ ὄναρ τῇ νυκτὶ ταύτῃ τὸ αἷμα τοῦ υἱοῦ μου Ἀμιλαβὲς τοῦ ἐπιλεγομένου Ἄβελ βαλλόμενον εἰς τὸ στόμα Κάϊν τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ, καὶ ἔπιεν αὐτὸ ἀνελεημόνως. παρεκάλει δὲ αὐτὸν συγχωρῆσαι αὐτῷ ὀλίγον ἐξ αὐτοῦ, 3 αὐτὸς δὲ οὐκ ἤκουσεν αὐτοῦ, ἀλλὰ ὅλον κατέπιεν αὐτό· καὶ οὐκ ἔμεινεν ἐπὶ τὴν κοιλίαν αὐτοῦ, ἀλλ᾽ ἐξῆλθεν ἐκ τοῦ στόματος αὐτοῦ. 4 εἶπεν δὲ Ἀδὰμ τῇ Εὔᾳ· ἀναστάντες πορευθῶμεν καὶ ἴδωμεν τί ἐστιν τὸ γεγονὸς αὐτοῖς, μή ποτε πολεμεῖ ὁ ἐχθρός τι πρὸς αὐτούς. 3 1 Πορευθέντες δὲ ἀμφότεροι εὗρον πεφονευμένον τὸν Ἄβελ ἀπὸ χειρὸς Κάϊν τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ. (CHARLES, Robert Henry. The apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament in English. Oxford, 1913, Vol.II, σελ. 138).
[5] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trad. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 43.
[6] CHUPP, San & GREENBERG, Andrew. The Book of Nod. Georgia, White Wolf, 1993, p 37.
[7] SARAMAGO, José. Caim. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, p 34.
[8] The Temptation of Saint Anthony, ca. 1512-15. Em: Artsy. Acessado em 25/02/2017 as 19h13. URL: <https://www.artsy.net/artwork/matthias-grunewald-the-temptation-of-saint-anthony>
[9] Tais gravuras se encontram respectivamente nos acervos do Rijksmuseum, em Amsterdam, do Metropolitan Museum of Art, de New York, e na National Gallery of art, em Washington D.C. Lucas Van Leyden também recorreu à tradição oral a respeito da morte de Caim antes de pintá-lo, em 1524, sob a mira imprecisa do arco de Lamech (Referência M28417 do catálogo do Museum of Fine Arts, Boston). Em 1529 ele completou a primeira seqüência onde Adão e Eva encontram o cadáver de Abel.
[10] No hebraico bíblico não existia termo específico para diferenciar o cavalo (Equus caballus) ou jumento (Equus asinus) de seus filhos híbridos. Então חֲמוֺר tanto pode ser um jumento como um hibrido destas ou doutras espécies. Certa vez se tentou proibir a criação de eqüinos (Dt 17.16) e o sacrifício ritual de eqüinos (2 Rs 23:11), mas a população continuou usando estes animais para montaria e trabalhos no campo (Isaías 28:28, Jó 39:19-25).
[11] PETTITT, Paul B & TRINKAUS, Erik. Direct Radiocarbon Dating of the Brno 2 Gravettian Human Remains. Em: Anthropologie XXXVIII/2. Brno, Anthropos institute (Moravian museum), 2000, p 149-150. URL: <http://puvodni.mzm.cz/Anthropologie/article.php?ID=1603>.
[12] COOK, Jill. Ice Age Art: The arrival of the modern mind. London, The British Museum Press, 2013, p 99-102.
[13] MAIMÔNIDES, Moisés. The Guide of The Perplexed: Vol II. Trd. Shlomo Pines. London, University of Chicago, 1963, p 357.
[14] ZAMAGNA, Domingos. Gênesis. Em: BÍBLIA DE JERUSALÉMA. São Paulo, Paulus, 1995, p 36, nota t.
[15] LEVI, Éliphas. A Ciência dos Espíritos. Trd. Setsuko Ono. SP, Pensamento, 1997, p 109.
[16] GINZBERG. The Tem Generations, notas 15 e 16. Em: LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. São Paulo, Paulinas, 1998, p 35.
[17] LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. SP, Paulinas, 1998, p 35.
[18] Midrash Genesi Rabbah 22,6 e Tifereth Tzion a Midrash Genesi Rabbah 22,6. Em: LIFESCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. SP, Paulinas, 1998, p 35.
[19] STAVRAKOPOULOU, Francesca. King Manasseh and Child Sacrifice: Biblical distortions of historical realities. New York, Walter de Gruyter, 2004, p 310-311.
[20] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 10-11.
[21] A palavra que originou o nome de Abel aparece noutras partes da bíblia hebraica agregada à ruína (Isaías 49:4), falsidade (Salmo 31:7), frustração (Eclesiastes 4:4), aflição (Eclesiastes 4:8), decepção (Eclesiastes 4:16) e sofisma (Eclesiastes 6, 11). Hebēl (הבל) está sempre em “má companhia”. Jeremias, os Salmos e principalmente o Eclesiastes, como também Jó e Isaías, dão-nos o pior dos retratos de seu significado.
[22] A palavra hebraica go∙’él, que tem sido aplicada ao vingador de sangue, é um particípio de ga∙’ál, que significa, “reivindicar” ou “recuperar”. O termo aplicava-se ao parente masculino mais próximo, que tinha a obrigação de vingar o sangue daquele que fora morto. (Números 35:19, Gênese 9:5 e Números 35:19-21, 31).
[23] Gênese 4:11 diz, para Caim, que “a terra abriu a boca para receber os sangues do irmão, das suas mãos” (מידך אחיך את־דמי לקחת את־פיה פצתה אשר אדמה). Isto é uma óbvia metáfora, pois אדמה é a forma feminina de אדם. A terra representa os outros familiares de Abel.
[24] BRAUDE, Willian G. Pĕsiḳta dĕ-Raḇ Kahăna. Philadelphia, The Jewish Publication Societh, 1975, p 499.
[25] Hoje chamado de sabra (צבר), o cacto Opuntia fícus-indica é um símbolo de Israel.
[26] NICHOLSON, Reynold A. The Mathnawí of Jalálu’ddin Rúmí: Translation of Books III and IV. Great Britain, Gibb Memorial Trust, 1990, p 344.
[27] ALCORÃO SAGRADO. Trd. Samir El Hayek. São Paulo, Cetro de Divulgação do Islam para América Latina, 1989, p 83.
[28] Na variante judaica compilada no Pirké do Rabbi Eliezer 21:5 (séc. XIII), foi Adão quem aprendeu com os corvos a sepultar Abel. (LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trd. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 44). Collin de Plancy parece ter interpretado mal essas lendas ao afirmar que rabinos ensinam que Caim viu um corvo matar outro corvo esmagando entre duas pedras: “Les rabbins disent que, ne sachant comment s’y prende pour tuer son frère Abel, Caïn vit venir à lui le diable, qui lui donna une leçon de meurire em mettant un oiseau sur une pierre et en lui écrasant la tête avec une autre pierre”. (PLANCY, J. Collin. Dictionnaire Infernal. Paris, Société de Saint-Victor & Sagnier et Bray, 1853, p 109).
[29] LIFSCHITZ, Daniel. Caim e Abel: A Hagadá sobre Gênesis 4 e 5. Trad. Bertilo Brod. São Paulo, Paulinas, 1998, p 55.
[30] Outra variante de influência cristã carece de lógica: “Um velho midrash descreve a marca de Caim como uma letra tatuada no seu braço. A proposta de identificação com a letra hebraica ṭēth, em textos medievais, talvez seja inspirada por Ezequiel 9:4-6 onde deus raspa uma marca nas sobrancelhas de alguns justos, em Jerusalém, que serão salvos. Caim não foi julgado digno deste emblema. Contudo o hieróglifo do tav, última letra do alfabeto fenício e do proto-hebraico, era uma cruz (U); e disto derivou a letra grega tau (Θ) que, de acordo com o Lis Consonantium, de Lucian de Samosata, inspirou a ideia da crucificação. Desde que o tav fora reservado para identificar os justos, o midrash substituiu a marca de Caim pela letra mais parecida com o tav tanto no som quanto na forma escrita; chamada ṭēth”. (GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 96-97).
[31] Este comentário é relacionado à versão de Flávio Josefo que, apesar do contexto similar, não menciona que a marca de Caim eram chifres: “Ele estava com medo de ser atacado por animais selvagens enquanto perambulava pela floresta. Deus o tranquilizou para que não tivesse preocupações tão funestas e conseguisse andar pelo mundo sem temer emboscadas de animais selvagens”. (Antiguidade Judaica. Livro I, capítulo 2, 1:59. Em: WHISTON, Willian. The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31).
[32] UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Trad. Paulo Geiger. RJ, Jorge Zahar, 1992, p 54-55.
[33] Literalmente “que o endurece feito folhas de álamo”, planta afrodisíaca que, segundo a superstição, assegurava a reprodução dos animais (Gênese 30:37-38).
[34] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 93.
[35]Este material afasta a ideia de deus, pondo na boca de Adão a ordem de ostracismo. Na crônica suplementar Caim não se transforma no momento pré-estabelecido pelo editor. Ele é desperto pela magia de Lilith que oferece sangue numa tigela. Neste ponto existe um erro aparente na grafia da palavra “magick” com “k”, que muito provavelmente é uma mensagem subliminar relativa aos ritos de fertilidade de Aleister Crowley. (CHUPP, San & GREENBERG, Andrew. The Book of Nod. Georgia, White Wolf, 1993, p 28).
[36] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 10, nota 15 e p 12, nota 23.
[37] UNTERMAN, Alan. Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Trd. Paulo Geiger. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p 54-55.
[38] TRICCA, Maria Helena de Oliveira. Apócrifos II: Os proscritos da Bíblia. São Paulo, Mercuryo, 1995, p 126-127.
[39] TRICCA, Maria Helena de Oliveira. Apócrifos II: Os proscritos da Bíblia. São Paulo, Mercuryo, 1995, p 131.
[40] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 17-18.
[41] A segunda coluna teria sido truncada quando o nome de Enoch (חנוך), filho de Cain, foi corrompido para Enosh (אנוש), filho de Seth, e depois corrigido de volta para Enoch (חנוך), tataraneto de Seth, donde vem o defeito inicial do processo de interpolação. A seguir praticamente todo o resto foi truncado.
[42] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 18.
[43] FRAZER, Sir James George. El Folklore em el Antiguo Testamento. Trad. Geraldo Novás. Madrid, Fondo de Cultura Económica, 1993, p 50.
[44] ZAMAGNA, Domingos. Gênesis. Em: A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo, Paulus, 1995, p 36.
[45] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Traslation Fund, 1899, p 50.
[46] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.
[47] MELAMED, Meir Matzliah. Tora – A Lei de Moisés. São Paulo, Sêfer, 2001, p 11-12, nota 22.
[48] MASSON, Hervé. Dictionnaire Initiatique (1970). Em: COUSTÉ, Alberto. Biografia do Diabo. Trad. Luca Albuquerque. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1997, p 161.
[49] Ele escreveu: “Il y a eu, dans le deuxième siècle, une secte d’hommes effroyables qui glorifiaient le crime et qu’on a appelés caïnites. Ces misérables avaient une grande vénération pour Caïn”. (PLANCY, J. Collin. Dictionnaire Infernal. Paris, Société de Saint-Victor & Sagnier et Bray, 1853, p 109).
[50] MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner: Human sacrifice and the legacy of guilt. New York, Thames and Hudson, 1982, p 14 e 16.
[51] WHISTON, Willian (trad. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.
[52] WHISTON, Willian (trad. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.
[53] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.
[54] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 94.
[55] ROTH, Cecil. Enciclopédia Judaica A-D. Rio de Janeiro, Tradição, 1959, p 268, verbete CAIM.
[56] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.
[57] Na versão de Flávio Josefo foi Seth e seus descendentes quem escreveu sobre ciências variadas nestas estelas a fim de evitar que o conhecimento fosse perdido (Antiguidade Judaica, Livro I, capítulo 2, 2:70-71).
[58] THE CHRONICLES OF JERAḤMEEL. Trad. M. Gaster, Ph.D. London, Oriental Translation Fund, 1899, p 51.
[59] Desde Ésquilo se imaginava que o próprio Apolo purificou Orestes em Delfos com o sacrifício de um porco. Pinturas sobre vasos fornecem uma ideia do procedimento, análogo à purificação das Preitides: O porco é segurado sobre a cabeça de quem vai ser purificado, o sangue tem de escorrer diretamente sobre a cabeça e pelas mãos. Naturalmente, o sangue é depois lavado e a pureza de novo adquirida torna-se então visível. (BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 173-174).
[60] ARISTÓCRITO, Teosofia, 68; Orígenes, Contra Celso, VII, 62. Em: OS PRÉ-SOCRÁTICOS. São Paulo, Abril Cultural, 1978, p 79-80.
[61] BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 174.
[62] BURKET, Walter. Religião Grega na Época Clássica e Arcaica. Trad. M. J. Simões Loureiro. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, p 174-175.
[63] WHISTON, Willian (trd. e org.) The Works of Josephus. United States of America, Hendrickson, 1987, p 31.
[64] GRAVES, Robert & PATAI, Raphael. Hebrew Myths. United States of America, Doubleday, 1963, p 93.
[65] REIN●HAGEN, Mark. Vampiro: A Máscara. Trad. Sylvio Gonçalves. São Paulo, Devir, 1994, p 52.
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