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O texto do Manuscrito Voynich
Quase todo o texto aparente do códice foi escrito com um alfabeto completamente desconhecido. Como ele não existe outro em nenhum livro conhecido da época. Todo ele foi escrito em um formato linha por linha, com uma ordem de leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo, como os textos ocidentais. Porções grandes de texto são quebradas em parágrafos, às vezes com sinais de separação na margem esquerda, como se cada bloco de texto fosse um item único. O texto não apresenta qualquer forma óbvia de pontuação e a escrita flui de forma precisa, o que parece sugerir que o escriba estava familiarizado com as palavras que usava, ao invés de copiar letra por letra de um original, a impressão geral causada é de que o texto foi escrito de forma fluente. Em especial na seção de botânica parece que as ilustrações foram feitas antes de se colocarem o texto, já que ele evita cuidadosamente as imagens.
O texto consiste em aproximadamente 170,000 glifos [1] separados uns dos outros por espaços curtos. Cada um dos glifos é formados com um ou dois traços simples e embora haja certa disputa entre especialistas sobre determinados glifos serem distintos ou não o livro apresenta um texto composto inteiramente por um alfabeto que pode variar entre 20 e 30 glifos, com a excessão de alguns caracteres raros que aparecem apenas uma ou duas vezes.
Espaços maiores dividem o texto em aproximadamente 35,000 “palavras” de comprimento variados, que parecem seguir algum princípio fonético ou ortográfico desconhecido. Alguns caracteres, por exemplo, aparecem em cada uma das palavras, como seria o caso de vogais, alguns caracteres nunca seguem outros, como o caso de P e B seguindo a letra M e nunca da letra N no nosso alfabeto, e alguns aparecem dobrados e mesmo triplicados enquanto outros nunca, como o caso de RR e SS em nossa escrita. Em vários lugares palavras curtas ou mesmo glifos individuais formam o que ficou conhecido como sequências, o significado delas ainda não é claro, mas elas merecem atenção especial:
– Tabelas de caracteres apagadas no fol. 1r.
– Na margem do fol. 49v.
– Uma sequência repetida quatro vezes de 17 caracteres e outras sequências no fol. 57v.
– Caracteres e palavras curtas na margem esquerda do fol. 66r.
– Caracteres individuais, acompanhados pelos numerais romanos I, II, III, IV e V na margem esquerda do f76r.
Além disso existem algumas linhas de texto e algumas palavras que não foram escritas com o alfabeto Voynich e outras que se encontram nas margens de algumas páginas, essas porções de texto são chamadas de “escrita estranha”. O que causa interesse sobre essa escrita é descobrir se ela foi adicionada pelo autor original ou por outras pessoas que tenham adquirido o manuscrito posteriormente:
– A assinatura apagada de Jacobus de Tepenec no fol. 1r.
– Tabelas de caracteres apagadas no fol. 1r.
– Um comentário ilegível próximo à margem superior do fol. 17r.
– Algumas palavras no fol. 66r, próximas ao corpo morto do que pode ser um homem ou uma mulher. R. Salomon interpretou este texto como as palavras em alemão “der Musdel”.
– Escritos similares estranhos, que talvez nem sejam texto no fol. 66v e fol. 86v3.
– As letras “a”, “b” e “c” escritas nas margens superiores de algumas páginas. Fol. 67r1, 2, fol. 68r1, 2, 3, fol. 70r1, 2. Elas foram claramente escritas usando um lápis e obviamente foram escritas por alguém que adquiriu o manuscrito muito depois de sua finalização.
– Nomes de meses em uma língua ou dialeto que não foi completamente identificada em cada páginas zodiacal: fol. 70v2,1, fol. 71, fol. 72 and fol. 73.
– Três linhas do que parecem ser palavras mágicas no fol. 116v, possivelmente escritas por alguém que tentava decifrar o texto do manuscrito.
Em especial temos caracteres latinos solitários e a palavra “rot” escritos dentro das ilustrações de plantas, que foram notados depois que imagens coloridas em alta resolução do manuscrito foram divulgadas pela biblioteca Beinecke, que é quase certo, foram colocados ai pelo escriba original do manuscrito. Assim que perceberam a ligação desses escritos com o escriba original começaram a comparar o manuscrito com outras obras da época e em especial com um conhecido como MS 362, que faz parte do acervo da “Biblioteca Civica Bertoliana”, outro manuscrito botânico do século XV, e algumas pessoas a partir das comparações começaram a sugerir que a língua materna do escriba do manuscrito era o alemão.
A famosa entrada no f116v, conhecida como “michiton oladabas” é uma mistura de algo que aparenta ser pseudo latim, Voynichiano e alemão. Está escrito na mesma cadência do resto do texto do manuscrito, por isso acredita-se que tenha sido colocado lá pelo escriba original também. O significado deste trecho tem sido discutido por décadas, para o olho destreinado o texto parece ser alemão, e deve ter sido escrito no período entre o as décadas de 1430 e 1450. Existem outros escritos na margem da página, mas assim como as escritas encontradas no f17r, parecem ter sido escritas mais tarde por outra pessoa.
O texto “der Musdel” que supostamente é alemão, encontrado no f66v, também tem o seu significado discutido, e não existe ainda um concenso se pertence ao escriba original ou se foi adicionado posteriormente.
Através da análise estatística do texto foram descobertos padrões similares aos existentes em linguagens naturais, a entropia das palavras do Manuscrito Voynich é similar à que existe em textos em inglês e latim. Algumas palavras aparecem apenas em determinadas seções ou apenas em algumas páginas, outras estão presentes em todo o manuscrito. Existem muito poucas repetições entre as mais de mil legendas das ilustrações, na sessão de botânica a primeira palavra de cada página está presente apenas na própria página o que leva muitos a acreditarem que ela representa o nome da planta em questão.
Por outro lado a “linguagem” usada no manuscrito é muito diferente das línguas européias em vários aspectos:
– Praticamente não existem palavras com mais de 10 glifos;
– Existem pouquíssimas palavras compostas por apenas um ou dois glifos’
– A distribuição de letras na palavra parece ser bem peculiar: alguns caracteres ocorrem apenas no início de um palavra, outros apenas no meio da palavra e outros apenas no final, enquanto letras que fazem parte dos alfabetos latino, Cirílico e Grego tem a mesma forma de escrita não importando a sua posição na frase (com a excessão da letra grega Sigma), o que lembra o caso de algumas caracteres hebraicos que tem uma forma final, quando estão no fim da palavra, diferete de quando estão no início ou no meio da mesma.
– O texto parece apresentar mais repetições do que as línguas comuns da europa, existem momentos em que uma mesma palavra comum aparece três vezes em uma mesma linha.
– Palavras que tem apenas uma letra de diferença entre si se repetem com uma frequência fora do comum, o que faz com que uma tentativa de decifração com simples substituições de um glifo por letras comuns torne o texto uma sequência de palavras sem sentido.
A grafia das letras utilizada lembra muito os alfabetos europeus de fins do século XIV e século XV, mas as palavras não parecem fazer entido quando comparadas a qualquer língua européia da época ou de épocas anteriores. Com excessão de uma série de diagramas na seção astronômica que possuem os nomes de dez dos doze meses do ano (de março a dezembro) escritos em letras latinas, com um estilo que sugere as línguas medievais registradas na França, noroeste italiana e Península Ibérica, mas não podemos afirmar com certeza que esses escritos latinos fazem parte do texto original ou se, como as cores das ilustrações, foi algo que pode ter sido acrescido ao original posteriormente.
Desde o momento em que este manuscrito veio a público, o seu conteúdo maravilhou e confundiu centenas de pessoas. Muitas delas logo de cara aceitavam o livro como uma brincadeira divertida, afinal, com o conhecimento moderno, um código medieval deveria ser fácil de ser quebrado. Depois de algum tempo o ânimo curioso era substituído pelo assombro e finalmente pelo fracasso. Ninguém foi capaz de decifrar o texto, e não apenas isso: as imagens, as constelações, as plantas. Tudo permanece completamente extra-terrestre, se é que este termo pode ser usado de maneira não leviana, a qualquer um que o examine e isso deu início à corrida para saber não apenas os segredos que o livro guardava, mas quem o havia escrito e por quais bibliotecas ele passou. Essas buscas acabaram criando apenas mais e mais perguntas e mistérios, mas antes de enveredarmos pela sinuosa história do manuscrito em si, antes e depois de ter sido encontrado por Voynich, não podemos deixar de nos aprofundarmos um pouco na arte de se criar mistérios e de se ocultar significados.
Podemos dizer que o uso da criptografia é tão antigo quanto a necessidade do homem de esconder informações. Um dos exemplos de criptografia mais antigos existentes hoje em dia foi utilizado para evitar o que poderíamos classificar como espionagem industrial, é um texto da mesopotâmia que traz receitas de pão em código. O termo criptografia deriva do grego κρυπτός, kryptos, “escondido, segredo” e γράφω, gráphō, “eu escrevo”, o que é bem auto explicativo, e vem sendo usado desde que os primeiros homens e mulheres pegaram papel e lápis e desejaram registrar algo que não pudesse ser compreendido por ninguém. Podemos afirmar que as formas mais antigas de se escrever coisas de forma a permanecerem secretas não precisava de nada além de papel e lápis, ou seus equivalentes históricos, já que a grande maioria das pessoas era iletrada, mas conforme o alfabetismo começou a se espalhar novas tecnicas tiveram que ser desenvolvidas. Os dois tipos clássicos mais comuns de cifras eram as cifras de transposição, onde as letras das palavras eram rearranjadas (ex. “sorvete de morango” se torna “evortes ed ganomor”) e cifras de substituição, onde cada letra, ou grupo de letras, é substituida sistematicamente por outras letras ou grupos de letras (onde “sorvete de morango” se torna “tpswfuf ef npsbohp” ao substituirmos cada letra pela que a segue no alfabeto latino). Mas métodos assim eram extremamente simples de serem decifrados caso a pessoa que interceptasse a mensagem tivesse um pouco de paciência e assim métodos mais complexos começaram a ser desenvolvidos.
Textos cifrados, produzidos com cifras clássicas (e algumas modernas) sempre revelam informações estatísticas sobre o texto claro ou aberto (como é chamado o texto original antes de ser encriptado) que podem ser usadas para quebrá-lo. O mais antigo trabalho de criptoanálize existente é o livro Risalah fi Istikhraj al-Mu’amma (Manuscrito para se decifrar mensagens criptográficas), escrito pelo matemático árabe Al-Kindi, no século IX, e graças a ele quase todas as cifras existentes se tornaram automaticamente interpretáveis para qualquer pessoa informada, isso em se tratando de cifras mono alfabéticas. A criptoanálize através da análize de frequências encontrou um inimigo à altura com o desenvolvimento das cifras polialfabéticas por Leon Battista Alberti na década de 1460. A inovação de Alberti foi usar cifras diferentes para diferentes partes da mensagem, ele também inventou uma máquina para agilizar esse processo, o primeiro mecanismo automático de cifração e decifração de mensagens. O problema com o método de Alberti é que deveria haver uma marcação sempre que o método de cifração mudasse, o que era feito com um número ou uma letra maiúscula indicando a mudança, o que acabava levando para a quebra da mensagem. Johannes Trithemius implementou a cifra polialfabética com a criação da sua chave progressiva, diferente de Alberti que mudava de alfabetos em intervalos aleatórios da cifra o método de Trithemius mudava de alfabeto a cada letra da mensagem. Mesmo assim havia um padrão que uma vez descoberto tornava a decifração fácil e no meio do século XIX Charles Babbage demonstrou que cifras polialfabéticas deste tipo ainda eram vulneráveis à técnicas extensas de análise de frequência. Foi apenas na década de 1880 que Auguste Kerckhoffs declarou que qualquer esquema criptográfico deveria ser desenvolvido de forma a permanecer seguro mesmo que o adversário compreendesse completamente o algoritmo da cifra. A própria chave de decifração deveria ser por si só suficiente para manter a cifra confidencial.
Outra forma de se esconder mensagens era a esteganografia, do grego “escrita escondida”. Esteganografia é o estudo e uso das técnicas para ocultar a existência de uma mensagem dentro de outra. Em outras palavras, esteganografia é o ramo particular da criptologia que consiste em fazer com que uma forma escrita seja camuflada em outra a fim de mascarar o seu verdadeiro sentido. O primeiro registro do termo data de 1499 no livro Steganographia de Johannes Trithemius, um tratado sobre criptografia e esteganografia escrito por ele e disfarçado como um livro de magia. Geralmente mensagens esteganografadas parecerão ser qualquer coisa, menos uma mensagem como por exemplo imagens, listas de compras ou mesmo uma folha em branco, exemplos clássicos de esteganografia eram o uso de tinta invisível, micropontos, arranjo de caracteres ou o método descrito por Herodotus onde a cabeça de um escravo era raspada, a mensagem tatuada no couro cabeludo e então o cabelo voltava a crescer, escondendo o texto em código.
Hoje existem métodos extremamente avançados para a detecção de esteganogramas e criptogramas e para desenvolver chaves para se quebrarem as mensagens e encontrarem o texto original. Praticamente todas elas já foram usadas com o Manuscrito Voynich, mas nenhuma chegou perto de quebrá-lo. Assim muitos estudos começaram a ser realizados sobre as origens do manuscrito numa tentativa de conseguir ir além do código que o encerra.
Notas:
[1] Glifo em tipografia, é uma figura que dá um tipo de característica particular a um símbolo específico. Um glifo é um elemento da escrita. Dois ou mais glifos que correspondam ao mesmo símbolo (i.e. carácter, se permutáveis ou dependentes de contexto, são chamados alógrafos; um glifo é uma manifestação da unidade mais abstracta carácter. Glifos também podem ser ligaduras tipográficas que são caracteres compostos ou diacríticos.
por Obito
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