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Uma Divagação sobre a Vida

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por Lilith Ashtart

Ninguém poderá jamais aperfeiçoar-se, se não tiver o mundo como mestre. A experiência se adquire na prática.” – William Shakespeare

A vida é como um livro do qual conhecemos apenas o momento final da história, mas que percorremos ansiosos, para decifrar todas as passagens que nos direcionará até lá. Alguns apenas esperam os capítulos virem; outros, os presumem antecipadamente e acabam por se decepcionar; há quem pule muitos capítulos, e ainda aqueles que constroem um novo entendimento em cima do que leem, reescrevendo a história conforme sua vontade. As vitórias, as incertezas, as derrotas, enfim, os acontecimentos da forma como serão vivenciados, dependerão apenas do possuidor do livro, e não de quem o teve primariamente em mente. Há uma coautoria indissociável entre aquele que o imaginou e determinou sua conclusão, e aquele que escreve os capítulos anteriores a tal acontecimento.

Cada ser humano é responsável pela construção de seus próprios caminhos, afinal, “cada homem e mulher é uma estrela”, e possui seu próprio brilho, espaço e tempo. Seria possível afirmar que a experiência de um é a única fonte de despertar no outro suas reais capacidades? Seria vivenciada de igual forma, com tempo e resultado equivalentes? A Verdade é única, e apesar de não se adaptar a ninguém, pode ser descoberta de diversas maneiras. Desta forma, como seria possível existirem dois livros exatamente iguais? Apesar disso, é facilmente constatado o culto e desejo da humanidade em reduzir todos a um único tipo de ser.

Reduzir a diversidade que é inerente à Natureza a uma unidade é destruir a própria unidade em si, já que cada indivíduo é único por si mesmo. Este é o grande erro pelo qual a humanidade sempre caminhou, desde o momento em que impôs uma lista de condutas e éticas na esperança de tentar, através da unicidade, possuir o controle sobre todos de igual maneira. O mesmo ocorre com as grandes religiões e linhas que exigem entre todos os seus adeptos o mesmo comportamento através de um padrão excessivamente rígido, o que termina por direcionar suas atitudes e pensamentos, limitando a descoberta das reais essências de cada um, ao invés de incitá-las.

“Há loucos em todas as seitas e impostores na maioria. Por que eu deveria acreditar em mistérios que ninguém entende, só porque foram escritos por homens que escolheram confundir loucura com inspiração e que se auto-denominam evangelistas?” (Lord Byron).

Todos em suas visões são os escolhidos, e classificam qualquer um que não se encaixe em suas liturgias como incapazes e perdidos. A verdade é que a repressão e a opressão da manifestação das particularidades de seus membros através da imposição de uma postura única e inflexível contribuem apenas para o retrocesso e aprisionamento dos mesmos em suas ilusões, o que os fada ao fracasso, já que anulam o eu individual para se enquadrarem no estigma de um grupo.

Como poderia a transformação ser adquirida por alguém que não consegue mais distinguir sua própria essência das dos demais? Que se identifica como mais um número em meio à multidão, sem que nenhum tipo de questionamento crítico seja elaborado perante uma “eterna e imutável verdade” pronunciada? A identidade passa a ser substituída por um modelo do ideal, que nem sempre corresponde à realidade, já que a própria realidade é relativa quando é constatada por cada um. A negação do eu individual, e da própria natureza humana, não pode ser reprimida sem consequências. Os comportamentos ditados embutem nas pessoas um eterno estado de conflito. Este mesmo conflito, mal administrado, traz como resultado uma prisão ainda maior do indivíduo em si, através do medo, da loucura, da violência ou da manipulação. Jung já observara que “um homem não é completo quando ele vive em um mundo de verdades estatísticas”, que o impede de experimentar seus próprios valores, “o plano de fundo de sua própria personalidade”.

É apenas através da diversidade que conseguimos encontrar as várias “expressões” com que o inconsciente coletivo universal se apresenta de uma forma inteligível. Foi este princípio que originou os tantos arquétipos, trabalhados até hoje para o desenvolvimento e descoberta da psique humana, seja através da psicologia ou da própria magia. As várias tonalidades precisam ser individualizadas para existirem, mesmo sendo parte de um todo! É certo que nem todas estas expressões obrigatoriamente encaminharão o indivíduo a sua evolução, mas quem pode lhe escrever as páginas? Apenas a experiência vivida por cada um. É do autoaprendizado, e somente dele, que nasce a sabedoria. “Seguir” é abster-se de si mesmo, e incorporar o outro. Definir-se como algo é acabar por limitar-se. Cada um possui o livre-arbítrio de sua escolha e, seja o que escolher, que seja verdadeiramente, e sem medos!

Mephistopheles já alertara a Fausto de que nada vale o eterno criar, se a criação em nada acabar. Então, que cada um construa seu próprio reinado e dele se torne monarca e deus! E este reinado nada mais é do que a própria vida. Portanto, fique alerta para não se tornar apenas um subalterno de outro rei…

Sendo um veículo tão importante e primordial, me pergunto por que o medo e a preocupação com a morte, que nem ao menos um capítulo é dela, apenas seu desfecho e início de um novo livro. A curiosidade faz parte da natureza humana, e foi a responsável por todo o conhecimento que adquirimos até hoje.

Não há mal de se divagar sobre a morte, querer conhecer seus ainda não escritos capítulos, porém não devemos nos preocupar em iniciar um novo livro antes de escrever o atual. Deixar de viver a vida por causa de vãs suposições, é já estar morto em vida! As aspirações que devemos ter têm que encontrar suas realizações aqui e agora, embora, muitas delas não sendo momentâneas, nos acompanharão eternamente. E é nisto que reside nossa maior responsabilidade, para se obter uma verdadeira liberdade.

Alguns me perguntarão: “E Deus, onde entra em nossa vida?”. Eu responderia que ele está morto em quem não consegue fazê-lo pronunciar-se em si mesmo. Cada um de nós é uma manifestação da divindade, e a própria vida é a prova disso. Contudo, aflorar nossa essência, é única responsabilidade nossa. Um d eus atemporal nada necessita de temporal, então, as únicas recompensas que obteremos serão aquelas direcionadas a nós mesmos, através de nossos atos. Em não ver deus em si mesmo, mas apenas como uma força exterior, é que reside a adoração aos falsos ídolos tão pronunciada de forma distorcida em diversas culturas. Que a vida então seja uma eterna adoração do único deus real, que é aquele que se confunde com nós mesmos! Que a utilizemos para em nossas páginas escrevermos hinos, sabedorias, transmutações e concretizações, ao invés de sonhos! E assim, quando finalizarmos nosso livro, seremos dignos e mais sábios para compor o próximo.

Como nos lembrou Maquiavel: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem.”

Sem desejar procurar por inimigos ou defensores, escolho o que dá sentido a minha vida, já que todo novo recomeço necessita de uma nova ordenação das coisas…


Lilith Ashtart é psicóloga, taróloga, escritora, pesquisadora e praticante de ocultismo e LHP. Editora da publicação aperiódica Nox Arcana. Autora do livro Lux Aeterna


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