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Martinismo

O Bem, o Mal e de Volta Outra Vez

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Sar Naquista

“”É como nas grandes histórias, Sr. Frodo, as que realmente importaram. Cheias de escuridão e perigo, e às vezes você não quer saber o fim. Porque como o final poderia ser feliz? Como o mundo poderia voltar ao modo como era quando tantas coisas ruins haviam acontecido? Mas no final, é apenas uma coisa passageira, essa sombra. Mesmo a escuridão deve passar. Um novo dia virá. E quando o sol brilhar, ele resplandecerá mais claro. Essas foram as histórias que ficaram com você. Elas significaram algo, mesmo que você fosse muito pequeno para entender o porquê.”
– Samwise Gamgee em As Duas Torres (J.R.Tolkien)

Há um assunto que nenhum cristão, em particular nenhum martinista pode escapar, o assunto do “Mal”. Muitos tratados filosóficos foram escritos sobre o tema e muitas obras de fantasia e ficção falam simbolicamente sobre o tema. Veremos nesse artigo como a tradição martinista aborda essa questão, mas por curioso que isso pudesse parecer aos fundadores desta corrente precisaremos primeiro convencer nossos leitores moderno sobre a existência do mal. Criados em uma sociedade pós-moderna olhamos para padrões dicotômicos como bem e mal com extrema desconfiança. Mas basta ler as notícias da manhã que saíram hoje para testemunharmos que, independente de nossas opiniões o mal está presente no mundo. Justificamos nossos delitos para nós mesmos e racionalizamos as faltas de nossos líderes de estimação mas os gritos de dor nos prontos socorros e o choro dos enlutados faz calar mesmo as línguas mais relativistas. Reconhecemos o mal com especial força quando somos nós os prejudicados. Fure a fila ou suma com o dinheiro de um existencialista e logo ele estará defendendo o que é certo e errado.

Assim chegamos a questão que Paulo de Tarso chamou em sua segunda carta aos Tessalonicenses de “Mistério da iniquidade” (2 Ts 2, 7), ou em português claro, “Se Deus é bom e todo poderoso porque  admitiu o mal?”

Santo Agostinho foi um dos filósofos cristãos que mais profundamente se debruçaram sobre o tema, em particular em Confissões,  no livro “A ideia de Deus e a Origem do mal” Segundo ensina o filosofo, o mal pode ser entendido como um tipo de deficiência tal como as trevas são a ausência da luz. O mal do cego é a falta de visão, o mal do ladrão a falta de honestidade. Assim segundo Agostinho, Deus não cria o Mal, cria a Liberdade e permite que o Mal surja quando suas criaturas decidem usar essa liberdade para se afastar de seu Criador.  Como seres humanos nós já sabemos disso intuitivamente, por isso na literatura ou no cinema qualquer vilão que não tenha um passado não convence o público. A maldade por si só nunca justifica a si mesma. O surgimento do mal é sempre um segundo ato de alguma outra história.

Martinez de Pasqually, em seu “Tratado da Reintegração dos Seres” o Mal existe antes mesmo da própria Criação quando Deus emanou os primeiros seres espirituais. Para entender melhor a diferença entre “Criação” e “Emanação” confira o artigo Os Mistérios da Criação segundo o Martinismo

Estes seres emanados receberam muitas características semelhantes a de Deus, tais como o livre-arbítrio e o poder de emanação. Dotados de tais propriedades alguns desses seres primordiais se consideraram idênticos ao Criador e não se contentando com a posição e funções originais decidiram que “em consequência disso, deveriam nascer deles criaturas espirituais que dependeriam diretamente deles mesmos”, como nos ensina o Tratado da Reintegração. Dentro da terminologia martinista dizemos que estes seres “prevaricaram”. Aqui está a gênese daquilo que chamamos de Mal, o voluntário e consciente afastamento de Deus.

A única maneira de impedir o mal seria privar suas emanações da liberdade. Assim disse Pasqually:

“Deus não podia de maneira alguma conter e deter seu pensamento criminoso sem privá-los da ação que lhes é particular e inata, pois foram emanados para agir conforme sua vontade, e de acordo com causas espirituais secundarias conforme o plano que o Criador lhes havia tragado”.

Se Deus o permite o Mal é porque sabe desde o principio que será possível tirar dele um bem ainda maior e que muitas vezes nos escapa. O mal temporário do universo contribui para a existência de um bem superior que não existiria caso não houvesse liberdade.

Em outras palavras, Deus pensou e quis a Liberdade para suas emanações e pelo mau uso deste livre-arbítrio os primeiros seres espirituais se opuseram a Deus. Contudo em sua onisciência, Deus sabia que essa prevaricação ocorreria desde o primeiro momento em sua sabedoria não se opor a sua realização.

De Volta Outra Vez

Deus respondeu a prevaricação dando a aquelas emanações, exatamente o que elas buscavam, o afastamento de sua Imensidade Divina. Como essa Imensidade era tudo o que existia até então foi necessário a criação de um novo lugar onde estes seres rebeldes pudessem existir. Este novo lugar em primeiro lugar serviu como uma espécie de limitação das consequências do mal uso da liberdade, tal como um fazendeiro confina um touro fora de si para que não prejudique o rebanho todo.

“Deus concebeu em sua imaginação pensante o plano do universo material, para impor um limite aos Espíritos rebeldes”.

Mas não se tratou simplesmente de uma prisão e muito menos um local de punição, mas principalmente um meio para sua reconciliação e retorno.

Ainda no “Tratado da Reintegração”, Pasqually apresente seu “Quadro Universl” no qual simbolicamente descreve o mundo visível e invisível (ver acima). O Grande Círculo da parte superior representa a Imensidade Divinda, que já existia antes da prevaricação.

Abaixo delas temos a “Imensidade Supraceleste” (círculos 1, 2, 3 e 4), na parte inferior do círculo 4 se forma um grande círculo chamado “Eixo Fogo Central Incriado” e dentro deles temos toda a Criação Universal. Dentro da Criação Universal temos a “Imensidade Celeste (5,6,7,8,9,10,11) e o “Mundo Terrestre” (12), representado por um triângulo. Este “Mundo Terrestre” inclui todo universo material e não apenas o planeta Terra.

Pasqually ensina ainda que Deus não abandonou os Espíritos prevaricadores a própria sorte neste lugar, mas para realizar o seu projeto de reconciliação, Deus “emancipou” alguns dos espíritos fiéis, ou seja, deu a eles uma nova missão, modificando sua função, natureza e posições originais para servir nesse novo designío em busca da reconcilização e, segundo nos ensina Paqually,

“não houve outro intervalo senão o do pensamento do Criador, por ordem do qual esses Espíritos sairam da Imensidade Divina e fizeram executar na Imensidade Supraceleste as leis que lhes foram dadas”.

Enquanto os Espíritos Superiores Denários permaneceram na Imensidade Divina, os Espíritos Maiores, os Espiritos Menores e os Espíritos Inferiores foram emancipados no novo Mundo Criado.

Aos Espíritos Maiores Octonários foi dada a incumbência de aplicar a Justiça na Criação e a manifestar a Glória do Criador nos mundos Supra Celeste, Celeste e Terrestre. Alguns desses espíritos inclusive receberam missões específicas para executar no plano de Reintegração, como veremos em outra ocasião.

Já os Espíritos Inferiores Septenários formaram a Imensindade Supra-Celeste e estão representados em nosso gráfico pelos números 1, 2 e 3, correspondendo respectivamente aos “Espíritos Inferiores Denários”, os “Espíritos Maiores Septenários”, e os  “Espíritos Inferiores Ternários”, os guardiões dos Preceitos Divinos.

Por fim os Espíritos Menores Ternários foram emancipados para compor o “Eixo Fogo Central Incriado”, ou seja, o circulo que rodeia toda a Criação Universal. Com estas emancipações formouse o que conhecemos hoje como tempo, espaço e matéria.

Além disso Deus emanou e imediatamente emancipou uma nova categoria de seres, os Espíritos Menores Quaternários com a missão de guiar (porém nunca obrigar) os espíritos rebeldes em seu processo de reconciliação com Deus.  Quando falamos destes Espíritos Menores Quaternários estamos falando nada mais, nada menos do que da própria Humanidade. Tal como encontramos em Salmo 82,6 e João 10,34 “vós sois deuses.

Entretanto esta ainda não era a Humanidade material que conhecemos hoje, mas seres espirituais com a missão de serem os agentes encarregados da “Reintegração Universal” dos Espíritos Rebeldes com a a Imensidade Divina e dotados com a virtude fundamental do Amor, com a qual estão destinados a dirigir toda Criação Universal.

Conforme ensina a tradição martinista este Homem original era superior a todos os outros espíritos e apenas através dele os espíritos supra celestes podiam entrar em comunhão com Deus. Além disso o Homem original dispunha de uma autoridade absoluta e exercia comando sobre todos eles. Era portanto o intermediário entre o Criador e a Criação. Em uma oportunidade futura veremos que essa posição não foi mantida por muito tempo.


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