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por Sar Naquista
“Falando novamente ao povo, Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida”.
– João 8,12
C.S. Lewis, autor de ‘As Crônicas de Narnia’ e provavelmente o maior apologista cristão do século XX escreveu certa vez que acreditava no Cristianismo como acreditava no Sol. Dizia isso não apenas porque via o Sol, mas porque através dele podia ver tudo o mais que existe. Lewis não foi o primeiro religioso a usar a Luz como uma forma de falar de realidades celestiais. Expressões como “Iluminação”, “Luz Espiritual”, “Era das Luzes” podem ser encontradas há séculos tanto no oriente como no ocidente. Veremos nesse artigo como a tradição martinista lida com esse poderoso simbolismo.
Em geral termos como Iluminismo e Luz do Saber fizeram com que a luz seja geralmente reconhecida como uma metáfora para falar da erudição e do poder advindo do acumulo de conhecimento que surge de uma educação adequada. Esta é uma metáfora bela e válida, mas não é exatamente a mesma usada dentro do martinismo cujo objetivo não é formar intelectuais mas sim humildes buscadores da Verdade Eterna.
O próprio altar martinista nos darão poderosos indícios do que a luz representa para nossa tradição. Se observamos as três velas sobre ele, logo notamos que as três irradiam uma única luz. Da mesma forma essa Verdade Eterna que buscamos também pode emanar de muitas pessoas, tradições e religiões diferentes ainda que por vezes possam parecer opostas. Assim como nenhuma vela pode dizer que é dona da Luz também nenhum ser humano pode se dizer dono da verdade. Essa ideia pode parecer pós-moderna e fruto do ecumenismo contemporâneo, mas a noção de uma única Luz com muitas expressões já estava presente nos antigos mistérios eleusinos e mitraicos, cujos sacerdócio entendiam que todas as crenças eram derivadas de um mesmo conhecimento esotérico perene.
A Luz como Sabedoria, Força e Beleza
Além disso as três velas que ornam nossos altares possuem outras correspondências simbólicas que remetem a Luz Divina. Veremos mais a frente neste artigo como elas simbolizam o Pensamento, a Vontade e Ação divinas, mas vejamos antes sua relação com a Sabedoria, a Força e a Beleza e não poderemos fazer isso sem falar um pouco sobre a cabala.
Juntas Sabedoria, Força e Beleza formam a Unidade Absoluta que também é representada pela letra hebraica א (alef). Note que esta letra é desenhada como se dois י (Iod) fossem colocados de cada lado de um ו (Vav). Assim alef tem três valores numéricos na cabala: 1, 26 e 8. 1 pois é a letra inicial do alfabeto, 26 pois cada י (iod) tem valor 10 e ו (Vav) valor 6 e finalmente 8 porque pela redução teosófica 2+6=8, numero que é não por acaso o mesmo do Grande Arquiteto do Universo, Yeshua (Jesus):
Yeshua
י ש ו ע
70 (Ayin) + 6 (Vav) + 300 (Shin) + 10 (Iod) = 386
8 + 3 + 6 = 17
1 + 7 = 8
Além disso, o número 26 e 8 também corresponde a gematria do Tetragramaton, o nome divino: יהוה (lod He Vav He):
JHVH
יהוה(He) 5 + (Vav) 6 + (He) 5+ (lod) 10 = 26.
2 + 6 = 8
Desta forma quando Yeshua diz que ele mesmo é a Luz do Mundo como em João 8:12, ele está dizendo que ele mesmo é a Luz que o terceiro versículo de Gênesis no diz ter sido feita no princípio de toda Criação. Uma Luz que rege tudo o que existe e que foi criada muito antes de qualquer estrela brilhar.
As Gradações da Luz
Ainda olhando nosso altar, veremos que a toalha que o recobre possui três cores que perdem sua luminosidade conforme se afastam do centro da mesa em direção ao chão, indo do Branco, para o Vermelho e então para o Preto. Aqui podemos entender que existe uma Gradação da Luz, uma certa hierarquia entre o que está acima e o que está abaixo. Em outras palavras o Mundo Material depende da Luz do Mundo Espiritual, sem o qual sequer existiria.
Essa gradação ou hierarquia são é representada pelas Três Potências que regem o cosmos: podemos falar em termos de ‘Providência, Vontade e Destino’, ‘Deus, Ser Humano, Natureza’, “Espírito, Alma, Corpo” ou ainda “Mundo Espiritual, Mundo Intermediário e Material”. Essa influência ternária está constantemente presente em nosso dia a dia e nada escapa a ela senão o próprio Deus que a rege do alto.
O mundo espiritual representado pelo Branco que está acima, o Ser Humano representado pelo Vermelho está em uma posição intermediária e por fim a Natureza representada pelo Preto simboliza o mundo material. Devemos enfatizar entretanto que embora tenha essa natureza mediadora, a potência que representa o Ser Humano permanece em geral penas potencial, ou seja, deve se desenvolver paulatinamente para que possa manifestar-se de fato como uma Potência do Universo. Quando faz isso, ai sim o Ser Humano está em posição de exercer verdadeiramente a faculdade da Vontade e pode-se colocar como mediador entre o Mundo Espiritual e o Mundo Material.
Da mesma forma que as três velas formam uma única Luz aqui também Providência, Vontade e Destino formam uma única Força Universal que é chamada da Tradição Martinista simplesmente de Luz. Para reforçar bem este importante conceito vamos entender separadamente cada uma dessas três Potências:
Primeira Potência: Providência (Mundo Espiritual, Deus)
A primeira Potência tem primazia hierárquica sobre as demais e corresponde ao que podemos chamar de Lei Viva ou Lei Divina. Ela é a origem de todas as coisas e tudo o que existe é submisso a ela e tem nela sua origem. O objetivo da primeira Potência é a perfeição de todos os seres. Ela é representada pela cor branca no altar onde estão colocadas as três velas que representam por sua vez o Pensamento, a Vontade e a Ação divinas que acabamos de ver
Terceira Potência: Destino (Mundo Material, Natureza)
Para entendermos a segunda devemos antes ver a Terceira Potência que, seguindo os designíos da primeira corresponde ao que chamamos de leis naturais. “Causa e Consequência”, “Ação e Reação”, “Estímulo e Resposta” são formas destas gradações da luz divina que orquestram a Natureza por meio de todas as suas leis (físicas, químicas, biológicas, entre outras). Ela é representada pela cor preta e sua marca é a impessoalidade e precisão mecânicas presentes na beleza do florescer de um campo de girassóis e no fascínio da contemplação de um aglomerado estelar mas também na ferocidade da luta pela sobrevivência animal e nos chamados desastres naturais. Todos esses e muitos outros exemplos retratam este poder cego e inconsciente que alguns chamam de “acaso”, mas que os marinistas chamam de Destino.
Segunda Potência: Vontade (Mundo Intermediário, Ser Humano)
Mesmo o ser humano que é uma Potência Embrionária está em geral submisso as leis do Destino e da Fatalidade sendo particularmente indefeso a ela no momento de seu nascimento. Apenas aos poucos o germe Divino que trouxe ao mundo pode se desenvolver e ganhar independência dessas leis, em primeiro lugar controlando seu próprio corpo e gradativamente conquistando uma posição relativamente mais livre. Essa liberdade só vai, é claro até o ponto em que ele mesmo se desenvolveu e tal emancipação e assim é representada pela cor vermelha que corresponde a uma espécie de penumbra entre o mundo material e espiritual pois o ser humano constantemente oscila entre a inconsciência cega da natureza e a consciência pura espiritual.
Um ponto crucial na nossa cosmovisão martinista é entender que dentro de cada Ser Humano está o germe Divino da Vontade por meio do qual a liberdade pode ser alcançada. E quando a natureza humana é mais regida pela Vontade do que pelo Destino a ela é aberto o acesso a Providência. Em outras palavras, o Ser Humano, criado a imagem e semelhança de Deus também possui os três luminares do Pensamento, Vontade e Ação, simbolizados pelas três velas do altar. Mas, conforme ensina Louis-Claude de Saint- Martin perdeu o uso delas devido a Queda e as possui agora apenas em estado embrionário que devem ser despertado para que possa exercer novamente seu domínio dentro de seu plano de existência.
Por isso podemos dizer que aquela Luz que já identificamos com o Arquiteto do Universo também está presente em nós. Podemos ler no Livro da Natureza que é o corpo humano que nós também temos em nosso íntimo o Pensamento, Vontade e Ação que estão presentes em Deus pois somos compostos de Cabeça (Pensamento), Tronco (Vontade) e Membros (Ação) ou ainda Cabeça, Tórax e Abdômen já que a cabeça pensa, o tórax guarda o coração e o abdômen fornece a energia par ao corpo agir.
E como que para que não tenhamos dúvidas, Yeshua afirma que assim como ele nós somos Luz, mas apenas estamos em geral ocultos abaixo de vasilhas em vez de a deixarmos brilhar, Mateus (5,14 -16):
“Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus.
A Dinâmica Espiritual
Este ensinamento de uma Luz Hierárquica que compõem o universo pode ser encontrado em muitas tradições como os hindus e os cabalistas e segundo Fabre d’Olivet (grande influenciador de Papus e Eliphas Lévi) até mesmo entre pitagóricos e os místicos chineses. Segundo este famoso místico francês podemos entender estas três potências se considerarmos por exemplo uma bolota de carvalho. Dentro dela está codificada toda Potência da Vida que resultará em uma imensa e complexa árvores composta de raízes, folhas, galhos e tronco. Esta é a Providência. Conforme as condições adequadas se manifestarem essa Potência de Vida resultará em um Carvalho de verdade. Este é o Destino. Contudo é possível que um ser humano destrua a bolota ou cuide bem dela. Essa é a Vontade.
Assim se entende que a Vontade humana pode auxiliar ou atrapalhar que a Providencia se manifeste como Destino. Mas note, o ser humano só pode influenciar no Destino e nunca na Providência, que permanece a mesma. Destruir uma bolota em nada muda a Vida universal que a animava que simplesmente encontrará outra forma de existir. Por isso podemos dizer que as coisas materiais existem ou não existem, mas as coisas espirituais apenas são ou não são. Assim não faz sentido perguntar se Deus existe, pois Deus é o reino da providência, ele é.
Conclusão
Quando um ser humano consegue equilibrar sua aspirações mais elevadas com suas necessidades materiais e sua vontade ele atinge um estado de harmonia correlato as três velas do altar martinista ou a luz da candeia mencionada na passagem do evagelho acima. Isso entretanto é muito, muito raro. O mais frequente é que os seres humanos vivam naquilo que Platão chamou de “vida não questionada”. Alguns preocupando-se apenas com as exigências da vida material, e muitas vezes sacrificando até a própria vontade para simplesmente assumir seu lugar como uma engrenagem de uma máquina cega. Outros preocupam-se apenas com sua próprias Vontades tornando-se apenas escravos das paixões da alma. Por fim, uma terceira classe dedica-se a agir pelos ditames do espírito mas por sua desarmonia se entregam a ilusões irrealistas ignorando sua própria vontade e necessidades do corpo ou mesmo nos casos extremos, das demais pessoas.
O conhecimento das três potências revela ao martinista que ele mesmo deve se esforçar para harmonizá-las em sua vida ao mesmo tempo em que respeita a sabedoria da Providência que deu a cada ser humano o livre arbítrio para ser o artesão de sua própria felicidade ou infortúnio.
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