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A Iniciação nos contos de Lovecraft – Psiconomicon

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Além disso a abordagem que Lovecraft usava em seus contos, especialmente os dos Mitos, era quase iniciática, para um mago ou um estudante que faz parte de alguma ordem esotérica ou ocultista ,ou para alguém que já se embrenhou em qualquer forma de estudo ou treinamento mágico, textos que afirmam que:

“O Homem da Verdade está além do bem o do mal. O Homem da Verdade foi elevado para o Tudo-É-Um. O Homem da Verdade aprendeu que a Ilusão é a Única Realidade e que a Substância é a Grande Impostora.”

ou

“[…]Cada figura do espaço é tão-somente o resultado da interseção, por algum plano, de alguma figura correspondente de uma outra dimensão – assim como o quadrado é cortado de um cubo, ou um círculo de uma esfera. O cubo e a esfera, são, pois, cortados de formas correspondentes de quatro dimensões que os homens conhecem através de sonhos e suposições; e essas, por sua vez, são cortadas de formas de cinco dimensões, e assim por diante, até as vertiginosas e inalcansáveis alturas da infinitude arquetípica. […] o tempo é imóvel e não tem princípio nem fim. Que ele tenha movimento e seja a causa da mudança, é uma ilusão. Na verdade ele próprio é uma ilusão, pois exceto para a visão estreita de seres em dimensões limitadas, não existem coisas tais como passado, presente e futuro […] tudo o que era, é e há de ser existem simultaneamente.”

são desconfortavelmente familiares.

A ambientação sinistra de seus contos unida a sua estética filosófica niilista, atéia e fatalista fez com que muitos fãs e biógrafos amadores afirmassem que Lovecraft chegou a ser membro de ordens esotéricas e transmitia em seus contos o conhecimento proibido. Este conceito não era algo novo na época do escritor, nem algo visto como uma rebeldia contra os poderes secretos, muitos ocultistas contemporâneos a Lovecraft tinha o costume de fazer justamente isso, Crowley escreveu Moonchild em 1917, Dion Fortune chegou a publicar seis livros de ficção onde expunha segredos iniciáticos e verdades secretas na forma de contos, entre eles The Demon Lover, Moon Magic e The Goat-Foot God. Blavatsky publicou seu Nightmare tales em 1892. O problema com essa teoria era a visão que Lovecraft tinha do ocultismo e da religião em si, em uma carta que enviou para Hobert E. Howard, o criador de Conan o Bárbaro entre outros mitos sumerianos, dizia:

“Tudo o que eu estou dizendo é que eu acho totalmente improvável que qualquer coisa como uma vontade cósmica, um mundo espiritual ou o sobreviver eterno da personalidade existam. Essas são as suposições mais absurdas e injustificadas que podem ser feitas sobre o universo, e eu sou uma pessoa prática o suficiente para admitir que eu tomo essas suposições simplesmente pelo pior tipo de asneiras. Em teoria eu sou agnóstico, mas levando em conta toda nova evidência radical que surge eu devo ser classificao, de forma prática e provisória, como um ateu”.

Essa postura fez com que muitos acreditassem que ele não passava de um escritor criativo, mas fez também com que muitos acreditassem que essas declarações não passavam de uma forma de despistar o grande público e evitar que a ordem, ou ordens, de que fazia parte viessem em seu encalço. É curioso notar que em uma época que o ocultismo erradiava da Inglaterra e se espalhava pelos Estados Unidos, com figuras públicas como Crowley aparecendo em jornais, MacGregor Matthers respondendo acusações em tribunais, quando houve o ressurgimento da Ku Klux Klan, quando a ordem dos Rosa-Cruz chegaram oficialmente aos EUA e a Igreja de Satã estava prestes a ser inaugurada por LaVey, artistas como Jimmy Page, Mick Jagger, Marian Faithfull cantavam e se envolviam com práticas mágicas, as pessoas imaginassem que o segredo de Lovecraft fosse obra de uma organização ainda mais secreta e sinistra: a maçonaria.

Sempre que se sugeria que esta ligação era absurda e que não haviam evidências de que Lovecraft estivesse associado com essa ordem, surgiam os que afirmavam que ele não precisava fazer parte dela, que como seu avô, Whippie Van Buren Phillips o era. Para os conspiradores de plantão, Whipple Van Buren Phillips de fato foi maçon, e um maçon muito ativo. Ele era o proprietário de uma grande faixa de terra na cidade de Greene, em Rhode Island, e fundou nela a Loja No. 28 em 1870. O salão da loja, que ainda existe e vem sendo usado por maçons desde 1886 é adornado com um retrato de Phillips. E mesmo que o pai de Lovecraft não tivesse feito parte dessa organização Lovecraft teria acesso ao material do avô, já que após a morte de seu pai foi morar com a mãe, as tias e com Whippie. Inclusive muitos apontam que foi a ligação do avô que causou a loucura do pai de Lovecraft, Winfield Scott Lovecraft, resultando em sua morte.

Essas suspeitas e teorias da conspiração que um público crescente em assuntos esotéricos tinha, foram traduzidas de maneira espetacular na trilogia Illuminatus, escrita em 1975 por Robert Shea e Robert Anton Wilson, quando um dos personagens tem uma conversa ficticia com Lovecraft:

“Parado diante da casa na rua Benefit, Drake conseguia enxergar, do outro lado da cidade, o pico da colina Sentinel e a velha igreja abandonada que havia sido palco do Culto da Sabedoria Estrelar na década de 1870. Ele se voltou para a porta e ergueu o velho batente Georgiano (se lembrando que tanto Lillibridge, o reporter, quanto Blake, o pintor, morreram investigando aquele culto), e então o bateu agilmente três vezes. Howard Phillips Lovecraft, pálido, fantasmagórico, cadavérico, abriu a porta.

– Senhor Drake? – Ele perguntou de maneira cordial.

– Muito gentil de sua parte me receber. – Drake disse.

– Besteira. – Lovecraft respondeu, o levando para o corredor colonial da entrada – Qualquer admirador de meu pobre trabalho é sempre bem-vindo aqui. Eles são tão poucos que eu poderia recebê-los aqui em um único dia, sem com isso comprometer o orçamento que minha tia reserva para o jantar.

Ele pode ser um dos mais importantes homens vivos, pensou Drake, e ele nem suspeita disso.

(‘Ele deixou Boston por trem esta manhã’, o soldado reportou a Maldonado e a Lepke. ‘Ele se dirigia para Providence, em Rhode Island.’)

– É claro que eu não tenho reservas em discuti-lo. – Lovecraft disse, após, juntamente com Drake, ter se acomodado no estúdio rodeado de livros e ter bebido o chá que havia sido oferecido a ambos pela senhora Gamhill. – Seja o que for que seu amigo de Zurique sinta a meu respeito, eu sempre fui um materialista convicto.

– Mas você manteve contato com essas pessoas?

– Mas é claro, e que bando absurdo eles são, todos eles. Tudo começou depois que eu publiquei a estória chamada ‘Dagon’ em, deixe-me pensar, 1919. Eu estive lendo a Bíblia e a descrição do deus marítimo dos Filisteus, Dagon, me lembrou das lendas a respeito das serpentes marinhas e das reconstruções dos dinossauros feitas pelos paleontologistas. E uma idéia me ocorreu: suponha que Dagon fosse real, não um Deus, mas simplesmente um ser com uma vida relativamente longa e que possuísse parentesco com os grandes lagartos. Simplesmente uma estória, para entreter aqueles que apreciam o estranho e o gótico na literatura. Você não pode imaginar minha surpresa quando vários grupos ocultistas começaram a entrar em contato comigo, me interrogando sobre a qual grupo eu era afiliado e a qual deles eu devia lealdade. Todos desanimaram-se quando deixei perfeitamente claro que não acreditava neste tipo de besteiras.

– Mas – Drake perguntou, perplexo – por que você continuou se apropriande de mais e mais desses ensinamentos ocultos e os incorporou em suas estórias publicadas posteriormente?

– Eu sou um artista! – Lovecraft disse – Um artista medíocre, eu temo, e não ouse me contradizer. Eu valorizo a honestidade acima de todas as virtudes. Eu gostaria de acreditar no sobrenatural, em um mundo onde exista a justiça social e onde eu, de fato, sou um gênio. Mas a razão me obriga a encarar os fatos: o mundo é simplesmente feito de matéria inerte, e o perverso e o bruto sempre pisam nos fracos e inocentes e eu possuo uma capacidade microscópica de criar uma pequena variedade de efeitos estéticos, todos macabros e limitados, por seu apelo, a uma audiência específica. Mesmo assim, eu preferiria que as coisas fossem de outra forma. Assim sendo, embora seja um conservador, eu apoio certas legislações sociais que podem melhorar as condições dos pobres, e, mesmo sendo um escritor pobre, eu tento sempre elevar o nível de minha própria prosa decadente. Vampiros e fantasmas e lobisomens são assuntos saturados; hoje eles causam mais o riso do que o horror. Assim, quando comecei a aprender sobre o conhecimento antigo, após a publicação de ‘Dagon’, comecei a usar esse conhecimento em minhas histórias. Você não pode imaginar as horas que eu gastei com aqueles volumes na [universidade] Miskatônica, zanzando entre toneladas de lixo – Alhazred e Levi e Von Juntz eram todos doidos de dar dó, como você deve saber – para absorver delas noções que fossem estranhas o suficiente para causar um choque genuíno, e arrepios de verdade, em meus leitores.

– E você nunca recebeu ameaças de nenhum desses grupos de ocultistas por colocar Iok Sotot ou Cthulhu diretamente nas histórias?

– Apenas quando eu mencionei Kali – Lovecraft respondeu, com um sorriso tímido – Uma alma caridosa me lembrou do que aconteceu a Bierce depois que ele escreveu sobre ela de maneira talvez um pouco franca demais. Mas aquilo foi um aviso amigável, não uma ameaça. Senhor Drake, você é um banqueiro, um homem de negócios. Certamente não leva nada disso a sério.

– Deixe-me responder com uma questão minha – Drake disse com cuidado – Por que, em todo o conhecimento esotérico que você escolheu para, através de suas estórias, tornar um conhecimento exotérico, você nunca mencionou a Lei dos Cinco?

– De certa forma – respondeu Lovecraft – eu toquei no assunto, de maneira bem extensa até, em ‘Nas Montanhas da Loucura’. Você não a leu? É o meu mais longo e, acredito, melhor esforço literário até os dias de hoje.

Mas ele pareceu, repentinamente, se tornar ainda mais pálido.

– No ‘Caso de Charles Dexter Ward’ – Drake insistiu – você cita uma fórmula retirada do livro ‘A História da Magia’ de Eliphas Levi. Mas você não a citou por completo. Por que fez isso?

Lovecraft deu um gole de seu chá, bebendo lentamente, obviamente organizando seus pensamentos antes de dar sua resposta. Finalmente disse:

– Não é necessario se acreditar em Papai Noel para saber que as pessoas irão trocar presentes no natal. Não é necessário se acreditar em Yog Sothoth, o Devorador de Almas, para saber como as pessoas que acreditam nessa crença irão agir. Não é meu objetivo, em nenhum de meus escritos, fornecer a um leitor desequilibrado, informações que o levem a realizar experiências que possam resultar, até mesmo, na perda de vidas humanas.

Drake se levantou da poltrona em que estivera sentado.

– Eu vim até aqui para aprender. – disse – mas me parece que minha única função é a de ensinar. Deixe-me lembrá-lo das palavras de Lao-Tse: ‘Aqueles que falam, não conhecem; aqueles que conhecem não falam’. A maior parte dos grupos ocultistas se enquadram na primeira categoria, e suas especulações são tão absurdos quanto você os julga. Mas aqueles que se enquadram na segunda categoria, não devem ser subestimados. Eles apenas o deixaram em paz porque as estórias que você escreve são publicadas apenas por revistas que atraem o interesse de um grupo muito reduzido de pessoas. Essas revistas, entretando, ultimamente tem começado a publicar estórias sobre foguetes e reações nucleares em cadeia e outros assuntos que estão prestes a se tornar tecnologicalmente possíveis. Quando essas ficções começarem a se tornar reais, o que provavelmente acontecerá dentro de dez anos, haverá um interesse muito maior neste tipo de revistas e suas histórias farão parte deste Renascimento. Então você começará a receber uma atenção que não será tão bem-vinda assim.

Lovecraft permaneceu sentado.

– Eu acho que sei de quem você fala; eu também leio jornais e sei tirar minhas próprias conclusões. Mesmo que eles sejam loucos o suficiente para tentar isso, eles não possuem os meios. Eles teriam que tomar o controle não apenas de um governo, mas de muitos. Este projeto, por si só, penso eu, lhes tomaria tanto tempo que não acredito que parem para se preocupar com algumas linhas aqui e ali, em estórias que são publicadas como ficção. Eu posso imaginar a próxima guerra sendo responsável pelo desenvolvimento das tecnologias de foguetes e energia nuclear, mas eu duvido que mesmo isso faça com que as pessoas comecem a levar minhas estórias a sério, ou que percebam as conexões entre certos rituais, que eu nunca descrevi de maneira explícita, e atos, que serão realizados como se fossem o resultado natural de um despotismo exacerbado.

– Bom dia, senhor. – Drake disse de maneira formal – Eu devo partir para Nova Iorque, e o seu bem estar não é uma das grandes preocupações de minha vida.

– Bom dia. – Lovecraft respondeu, se levantando com uma cortesia colonial – E, já que foi gentil o suficiente para me dar um aviso, eu retornarei o favor. Eu não acredito que o seu interesse relativo a estas pessoas se baseie no desejo de se opor a elas, mas sim de servi-las. Eu imploro que você se lembre a maneira com que elas tratam seus servos.

De volta na rua, Drake sentiu um desânimo momentâneo. Por quase vinte anos ele tem escrevido sobre eles, e eles não tentaram contatá-lo. Eu praticamente tenho tentado chamar a atenção do mundo inteiro para sua existência, e em dois continentes, e eles não tentaram entrar em contato comigo. O que é necessario fazer para que mostrem suas mãos? E, se eu não conseguir fechar algum tipo de acordo com eles, qualquer coisa que eu negocie com Maldonado e Capone não terá valor algum. Eu não posso negociar com a máfia sem antes conseguir negociar com eles. O que eu preciso fazer? Colocar um anúncio no New York Times: “Será que o Olho que a Tudo Vê poderia, por favor, olhar para mim? R. P. Drake, Boston?”

Mesmo que muitas pessoas tivessem o bom senso de questionar qualquer ligação de lovecraft com associações ou grupos ocultistas uma coisa era certa a fonte da origem de grande parte do material que escrevia: os sonhos. E isso basta para muitos ocultistas.


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