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Segunda Epístola de Clemente aos Coríntio

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Eusébio (História Eclesiástica III,38,4) afirma a existência de mais outra carta de São Clemente; declara, não obstante, que nenhum dos antigos padres – enquanto saiba – dela se serviu. Na tradição manuscrita, a autêntica carta clementina (1Clemente) é seguida de um texto endereçado aos coríntios. Esta (2Clemente), na verdade, não é uma carta, nem Clemente é seu autor, como o demonstram as diferenças estilísticas; constitui, ao contrário, a mais antiga homilia cristã que se conhece.

Esta valiosíssima relíquia da liturgia das comunidades eclesiais primitivas foi produzida, evidentemente, antes de 150 d.C., talvez em Corinto. O pesquisador Harnack atribui a autoria a Sótero, bispo romano, pelo ano 170; já R. Harris e Streeter optam por Alexandria, como lugar de proveniência.

A homilia descreve a exímia grandeza dos benefícios de Cristo, o qual atraiu mesmo os pagãos. Em sinal de reconhecimento devemos confessar a Cristo por nossas obras, temer a Deus mais do que aos homens, desprezar o mundo, não recear sequer o martírio. A graça do batismo obriga à penitência e à pureza corporal; embora o neguem os gnósticos, ressuscitará a carne. Diversas outras exortações à penitência e à expectativa da futura glória concluem o singelo sermão. [Fonte: “Patrologia”, B.Altaner/A.Stuiber, ed. Paulinas, pp. 97/98].

A SEGUNDA EPÍSTOLA DE CLEMENTE AOS CORÍNTIOS:

A. GRANDEZA DOS BENEFÍCIOS DE CRISTO.

I. Devemos ter boa consideração por Cristo:

Irmãos: deveríamos pensar em Jesus Cristo como Deus e Juiz dos vivos e dos mortos. Não deveríamos, ao contrário, pensar em coisas medíocres sobre a salvação pois, quando pensamos em coisas medíocres, esperamos também receber coisas medíocres. Os que escutam que estas coisas são medíocres fazem mal; e nós também fazemos mal não sabendo de onde e por quem e para onde somos chamados, e quantas coisas tem sofrido Jesus Cristo por nossa causa. Que recompensa, pois, Lhe daremos? Ou qual fruto de Seu dom poderá nos ser dado? E quanta misericórdia Lhe devemos! Eis que Ele nos concedeu a luz; nos chamou como um pai chama seus filhos; nos salvou quando estávamos morrendo… Que louvor Lhe rendemos? Ou o que foi pago de recompensa pelas coisas que temos recebido, já que éramos cegos em nosso entendimento; rendíamos culto a paus e pedras, a ouro, prata e bronze, obras humanas; e toda a nossa vida não era outra coisa que a própria morte? Assim, pois, quando estávamos envolvidos nas trevas e oprimidos em nossa visão por esse espesso nevoeiro, recobramos a vista e pusemos de lado, por Sua vontade, a nuvem que nos encobria. Ele teve misericórdia de nós! Em sua compaixão nos salvou, pois nos vira mergulhados no erro e na perdição, quando não tínhamos esperança de salvação, exceto a que vinha d’Ele! Ele nos chamou quando ainda não éramos; e do nosso não ser, quis Ele que fôssemos.

II. A Igreja: anteriormente estéril, é agora fértil

“Regozija-te, ó estéril. Prorrompe em cânticos e gritos de júbilo aquela que nunca pôde parir; porque superiores são os filhos da desamparada do que os daquela que tem marido”. Aqui Ele diz: “Regozija-te, ó estéril, a que não dava à luz”; fala de nós, pois nossa Igreja era estéril antes de que lhe fossem dados filhos. Então Ele diz: “Prorrompe em cânticos e gritos de júbilo aquela que nunca pôde parir”, significando que, assim como a mulher que está de parto, não devemos nos cansar de oferecer as nossas orações com simplicidade a Deus. Depois, quando diz: “Porque superiores são os filhos da desamparada do que os daquela que tem marido”, diz isto porque o nosso povo parecia desamparado e abandonado por Deus, mas agora, tendo crido, passamos a ser mais do que aqueles que pareciam ter Deus. Também outro texto diz: “Não vim para chamar os justos, mas os pecadores”. Isto significa que é justo salvar os que perecem, pois é verdadeiramente uma grande e maravilhosa obra confirmar e corroborar não os que estão de pé, mas aqueles que caem. Assim também Cristo quer salvar os que perecem; e salvou a muitos, vindo e chamando-nos quando já estávamos perecendo.

B. CONFESSAR A CRISTO E TEMER A DEUS:

III. A obrigação de confessar a Cristo:

Vemos, pois, que Ele nos dedicou uma grande misericórdia; primeiramente, porque nós que aqui vivemos não sacrificamos aos deuses mortos, nem lhes rendemos culto, mas por meio d’Ele, chegamos a conhecer o Pai da Verdade. Que outra coisa é este conhecimento que Ele nos deu, senão o de não negar Aquele por meio de quem O reconhecemos? Sim, Ele mesmo disse: “Aquele que me confessar, Eu também o confessarei diante de meu Pai”. Esta é, portanto, a nossa recompensa, se verdadeiramente confessarmos Aquele por meio de quem alcançamos a salvação. Porém, quando O confessamos? Quando fazemos o que Ele disse e não desobedecemos aos seus mandamentos, e não apenas O honramos com os nossos lábios, mas também com todo o nosso coração e toda a nossa mente. Pois bem, Ele também diz em Isaías: “Esse povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de Mim”.

IV. A verdadeira confissão de Cristo

Portanto, não adianta chamá-Lo apenas de “Senhor”, pois isso não nos salvará; eis que Ele disse: “Nem todo que me chama ‘Senhor, Senhor’ será salvo, mas aquele que opera a justiça”. Assim pois, irmãs, devemos confessá-Lo em nossas obras, amando-nos uns aos outros, não cometendo adultério, não falando mal dos outros, não tendo ciúmes, mas sendo moderados, misericordiosos e bondosos. Com estas obras, e não com outras, podemos confessá-Lo. Não precisamos temer aos homens, mas a Deus. Por isso, se fizerdes estas coisas, o Senhor dirá: “Ainda que estejais junto de meu próprio seio, se não cumprirdes os meus mandamentos, Eu os arremessarei para longe e direi: ‘Apartai-vos de mim, operários da iniquidade, estejam onde estiverem’.”

C. DESPREZO TOTAL AO MUNDO:

V. Este mundo deve ser desprezado:

Portanto, irmãos, renunciemos nossa estadia neste mundo e façamos a vontade d’Aquele que nos chamou; não tenhamos medo de nos apartar deste mundo, pois o Senhor disse: “Sereis como cordeiros no meio de lobos”. Porém, Pedro O contestou e disse: “O que ocorre, então, se os lobos devorarem os cordeiros?” E Jesus respondeu a Pedro: “Os cordeiros não precisam ter medo dos lobos depois de mortos. Vós também não deveis temer os que vos matam e nada mais podem fazer. Temei antes Aquele que, depois de tiverdes morrido, tem poder sobre a vossa alma e vosso corpo, para atirá-los na Geena de fogo”. Vós sabeis, irmãos, que a estadia desta carne neste mundo é depreciável e dura pouco; porém, a promessa de Cristo é grande e maravilhosa, a saber: o repouso do reino que vem e a vida eterna. O que podemos fazer, então, para obtê-los, senão andar em santidade e justiça, e considerar que estas coisas do mundo são estranhas para nós e não desejá-las? Pois quando desejamos estas coisas, nos desviamos do reto caminho.

VI. O mundo presente e o mundo futuro são inimigos um do outro:

Porém o Senhor disse: “Ninguém pode servir a dois senhores”. Se desejamos servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon, não teremos qualquer benefício, pois “o que ganhará um homem se obtém para si o mundo e perde a sua alma?”. Pois bem: esta época e a futura são inimigas. Uma fala de adultério, contaminação, avareza e mentira; a outra se afasta destas coisas. Portanto, não podemos ser amigos das duas; temos que dizer adeus a uma e ter amizade com a outra. Consideremos que é melhor aborrecer as coisas que estão aqui, pois são depreciáveis, perecíveis, pouco duráveis e amar as coisas de lá, que são boas e imperecíveis; pois se fazemos a vontade de Cristo, teremos descanso, mas se não a fizermos, nada nos livrará do castigo eterno, por desobedecermos os seus mandamentos. E a Escritura diz também em Ezequiel: “Ainda que Noé, Jó e Daniel se levantem, não livrarão seus filhos” do cativeiro. Logo, se nem homens tão justos quanto estes podem, com seus atos de justiça, livrar seus filhos, com que confiança nós entraremos no reino de Deus se não mantivermos o nosso batismo puro e sem mancha? Ou – a menos que existam em nós obras santas e justas – quem será nosso advogado?

VII. Devemos aspirar chegar à coroa:

Assim pois, irmãos, lutemos seriamente, sabendo que a luta está mui próxima, e que, ainda que muitos venham a lutar, nem todos receberão o prêmio, mas apenas os que se esforçarem em alto grau e lutado com valentia. Lutemos de modo que todos possamos receber o prêmio. Assim, corramos em linha reta, em direção à competição incorruptível. Marchemos em direção a ela em grande número e esforcemo-nos para que possamos receber também o prêmio. E se nem todos puderem receber a coroa, pelo menos tentemos nos aproximar dela o máximo possível. Lembremos que aqueles que batalham nas lides corruptíveis, quando descobertos de que lutam de forma ilegítima, primeiro são açoitados e depois eliminados e afastados da competição. Que pensais disto? Que terá sucesso aquele que luta de forma corruptível na competição da incorrupção? Eis que, com relação àqueles que não têm guardado o selo, Ele diz: “Seus vermes não morrerão e seu fogo não se apagará, e serão um exemplo para toda carne”.

D. ARREPENDIMENTO E PENITÊNCIA:

VIII. A necessidade do arrependimento enquanto vivermos neste mundo
Nós que estamos na terra, portanto, devemos nos arrepender, porque somos argila na mão do artesão. O oleiro modela uma vasilha e a deforma ou rompe com suas mãos, dando-lhe uma nova forma; uma vez, porém, que a tenha posto no forno aceso, não mais poderá repará-la. Assim também ocorre conosco, enquanto estamos neste mundo: arrependendo-nos de todo coração das coisas más que fizemos na carne, poderemos ser salvos pelo Senhor, em razão da oportunidade para o arrependimento. Mas, quando tivermos partido deste mundo, não poderemos mais confessar, muito menos arrepender-se. Portanto, irmãos, se fazemos a vontade do Pai, se mantemos pura a carne, se guardamos os mandamentos do Senhor, receberemos a vida eterna. Eis o que o Senhor diz no Evangelho: “Se não guardastes o que era pequeno, quem vos dará o que é grande? Pois eu vos digo: o que é fiel no pouco, é fiel também no muito”. Na verdade, o que Ele quer dizer é: mantenham a carne pura e o selo sem mácula, para que possam receber a vida.

IX. Seremos julgados na carne:

Que ninguém entre vós diga que esta carne não será julgada, nem que não se levantará novamente. Entendei isto: Em que fostes salvos? Em que recobrastes a vista se não nesta carne? Portanto, temos que guardar a carne como templo de Deus, pois da mesma forma que fostes chamados na carne, sereis também julgados na carne. Se Cristo, o Senhor que nos salvou, sendo primeiramente espírito, se fez carne e nela nos chamou, da mesma maneira receberemos nossa recompensa nesta carne. Assim, amemo-nos uns aos outros, para que possamos entrar no reino de Deus. Enquanto tivermos tempo para ser curados, coloquemo-nos nas mãos de Deus, o médico, dirigindo-lhe um tributo. De que tipo? Arrependimento procedente de um coração sincero, porque Ele conhece todas as coisas com antecedência e sabe o que existe no nosso coração. Portanto, dediquemos a Ele um eterno louvor, não só com os lábios mas também com o nosso coração, para que Ele possa nos acolher como filhos. Eis que o Senhor também disse: “Estes são os meus irmãos: aqueles que fazem a vontade do meu Pai”.

X. O vício deve ser abandonado e a virtude seguida:

Desta forma, meus irmãos, façamos a vontade do Pai que nos chamou, para que possamos viver; e continuemos na virtude, abandonando o vício como precursor dos nossos pecados, e nos afastemos da impiedade para não não nos sobrevenham males. Pois se somos diligentes em fazer o bem, a paz virá a todos nós. Por esta causa é impossível ao homem alcançar a felicidade: ele é influenciado pelo temor de outros homens, preferindo o gozo deste mundo à promessa da vida vindoura. Na verdade, não sabem quão grande tormento acarreta o gozo deste [mundo] e o deleite que proporciona a promessa do [mundo] vindouro. Se fizessem essas coisas com respeito a eles mesmos, ainda seria tolerável; contudo, o que fazer é ensinar o mal a almas inocentes, não sabendo que farão jus a uma condenação em dobro: a sua e a dos que os ouviram.

f. CONFIAR EM DEUS:

XI. Devemos seguir a Deus e confiar nas Suas promessas
Portanto, sirvamos a Deus com o coração puro, para sermos justos; porém, se não o Servirmos, porque não cremos na promessa de Deus, seremos desgraçados, pois a palavra da profecia diz também: “Desgraçados os indecisos, que duvidam em seu coração e dizem: ‘Essas coisas temos ouvido, inclusive nos dias de nossos pais; entretanto, temos aguardado dia após dia e nada temos visto. Estúpidos! Comparem-se a árvores; a uma vinha, por exemplo: primeiro, desprendem-se as folhas, logo sai um broto, depois vem o agraz e, por fim, as uvas maduras. Do mesmo modo meu povo passou por problemas e aflições; porém, depois receberá as coisas boas”. Assim, meus irmãos, não sejamos indecisos, mas soframos com paciência na esperança, para que possamos obter também a nossa recompensa. “Porque fiel é Aquele que prometeu” pagar a cada um a recompensa por suas obras. Se temos feito justiça, portanto, aos olhos de Deus, entraremos em seu reino e receberemos as promessas que nenhum “ouvido ouviu, nem nenhum olho viu, nem ainda acessou o coração do homem”.

XII. Devemos olhar constantemente para o Reino de Deus:

Deste modo, esperemos o reino de Deus, hora após hora, com amor e justiça, já que não sabemos qual será o dia da aparição de Deus. Eis que o mesmo Senhor, quando certa pessoa lhe perguntou quando viria o seu reino, respondeu: “Quando os dois forem um, quando o que estiver fora for como o que estiver dentro, e o varão for como a mulher, não havendo nem varão, nem mulher”. Pois bem: os dois são um quando dizemos a verdade entre nós e entre dois corpos haverá apenas uma alma, sem divisão. E, ao dizer que o exterior será como o interior, quer dizer isto: o interior é a alma e o exterior é o corpo; portanto, da mesma maneira que aparece o corpo, se manifesta a alma em suas boas obras. E, ao dizer o varão como a mulher, nem varão, nem mulher, significa isto: que um irmão ao ver uma irmã não deveria pensar nela como sendo sua mulher e que uma irmã ao ver um irmão não deveria pensar nele como sendo seu homem. Se fizerdes estas coisas – diz Ele – logo vira o reino de Meu Pai.

G. DEUS E A IGREJA ESPIRITUAL:

XIII. O nome de Deus não deve ser blasfemado:

Assim, irmãos, arrependamo-nos imediatamente. Sejamos sóbrios para o que é bom, pois estamos cheios de loucura e maldade. Apaguemos os nossos pecados anteriores e arrependamo-nos com toda a alma, para que sejamos salvos. E não agrademos os homens, nem desejemos agradar uns aos outros somente, mas também aos que estão fora, com a nossa justiça, para que o Nome não seja blasfemado por causa de nós. Porque o Senhor disse: “Meu nome é blasfemado de todas as formas entre os gentios”. E também: “Ai daquele em razão de quem seja blasfemado o meu nome!” No que é blasfemado? Quando não fazeis as coisas que desejo, pois os gentios, quando ouvem da nossa boca as palavras de Deus, se maravilham de sua formosura e grandeza; porém, quando descobrem que as nossas obras não são dignas das palavras que pregamos, imediatamente começam a blasfemar, afirmando que é um conto mentiroso e um engodo. Porque, quando ouvem que lhe falamos que Deus diz: “Qual é o vosso merecimento, se amais os que vos amam? Será vosso merecimento se amardes os vossos inimigos e aqueles que vos aborrecem”, quando ouvem estas coisas, repito, ficam maravilhados de Sua soberana bondade; porém, quando percebem que não apenas não amamos quem nos aborrece, como também não amamos nem aos que nos amam, passam a nos gozar e a nos depreciar, e o Nome é blasfemado.

XIV. A Igreja espiritual:

Portanto, irmãos, se fazemos a vontade de Deus, nosso Pai, pertenceremos à primeira Igreja, que é espiritual, que foi criada antes do sol e da lua; porém, se não fazemos a vontade do Senhor, seremos como a Escritura, que diz: “Minha casa se transformou em covil de ladrões”. Logo, prefiramos ser a Igreja da vida, para que sejamos salvos. E não creio que ignoreis que a Igreja viva “é o corpo de Cristo”, porque a Escritura diz: “Deus fez o homem, varão e mulher”. O varão é Cristo; a mulher é a Igreja. E os livros e os apóstolos declaram de modo inequívoco que a Igreja não apenas existe agora, pela primeira vez, como assim desde o princípio, porque era espiritual, como nosso Jesus também era espiritual; porém, foi manifestada nos últimos dias para que Ele possa nos salvar. Pois bem: sendo a Igreja espiritual, foi manifestada na carne de Cristo, com o qual nos mostrou que, se alguns de nós a guarda na carne e não a contamina, a receberá novamente no Espírito Santo, pois esta carne é a contrapartida e a cópia do espírito. Nenhum homem que tenha contaminado a cópia, pois, receberá o original como porção suja. Isto é, portanto, o que Ele quer dizer, irmãos: Guardai a carne para que possais participar do espírito. Porém, se dizemos que a carne é a Igreja e o espírito é Cristo, então o que trabalhou de forma corruptível com a carne também trabalhou de forma corruptível com a Igreja. Logo, este não participará do espírito, que é Cristo. Tão excelente é a vida e a imortalidade que esta carne pode receber como sua porção o Espírito Santo que vai unido a ela. Ninguém pode declarar ou dizer “as coisas que Senhor preparou” para os seus eleitos.

G. JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO FINAL:

XV. Quem salva e quem é salvo:

Pois bem: não creio que haja dado nenhum conselho depreciado a respeito da continência; não me arrependo do que escrevi, pois quis salvar a outro e a mim, seu conselheiro. Porque é uma grande recompensa aconselhar uma alma extraviada, próxima do perecimento, para que possa ser salva. Esta é a recompensa que podemos dar a Deus, que nos criou, se o que fala e escuta, por sua vez, fala e escuta com fé e amor. Portanto, permaneçamos nas coisas que cremos, na justiça e santidade, para que possamos, com confiança, pedir a Deus que diz: “Quando ainda estás falando, eis que estou aqui contigo”, porque estas palavras são a garantia de uma grande promessa, pois o Senhor diz de si mesmo que está mais disposto a dar do que pedir. Percebendo, pois, que somos participantes de uma bondade tão grande, não andemos remissos em obter tantas coisas boas, porque, assim como é grande o prazer que proporcionam estas palavras aos que as escutam, assim será também a condenação que acarretam sobre si mesmos aqueles que as desobedecem.

XVI. Preparação para o dia do julgamento:

Portanto, irmãos, sendo assim que a oportunidade que temos para o arrependimento não tem sido pequena, já que tivemos tempo para ela, voltemo-nos para Deus, que nos chamou, enquanto temos Alguém para nos receber. Porque, se nos desprendermos destes gozos e vencer a nossa alma, recusando as concupiscências, seremos partícipes da misericórdia de Jesus. Sabeis que o dia do juízo vem chegando, “como um forno aceso, os poderes dos céus se dissolveram”, e toda a terra se derreterá como o chumbo levado ao fogo, e então se descobrirá os segredos das obras ocultas dos homens. A esmola é coisa boa para se arrepender do pecado; o jejum é melhor que a oração, mas a esmola é melhor que estes dois. O amor cobrirá uma multidão de pecados, porém a oração feita em boa consciência livrará da morte. Bem-aventurado o homem que tiver abundância destas coisas, porque a esmola quitará o peso do pecado.

XVII. [continuação]:

Arrependamo-nos, pois, de todo coração, para que nenhum de nós pereça durante o caminho, pois se recebemos um mandamento de que devemos também nos ocupar disto, afastando os homens de seus ídolos e instruí-los, como é péssimo que uma alma que conhece a Deus venha a perecer! Assim, ajudemo-nos uns aos outros, de modo que possamos guiar o débil até o alto, abraçando o que for bom, a fim de que todos possam ser salvos; e convertamo-nos e admoestamo-nos uns aos outros. E não pensemos em atentar e crer somente agora, quando estamos sendo admoestados pelos presbíteros, mas também quando partirmos para as nossas casas, recordemos os mandamentos do Senhor e não permitamos ser arrastados para outro caminho por nossos desejos mundanos. Assim mesmo, venhamos aqui com mais frequência e esforcemo-nos em progredir nos mandamentos do Senhor, para que, unânimes, possamos ser reunidos para a vida, pois o Senhor disse: “Venho para reunir todas as nações, tribos e línguas”. Ao dizer isto, fala do dia da sua aparição, quando vier nos redimir, a cada segundo as suas obras. E os não crentes verão a Sua glória e o Seu poder, e cairão assombrados ao ver o reino do mundo ser entregue a Jesus; então dirão: “Ai de nós, porque Tu eras e nós não te conhecíamos e não críamos em Ti; e não obedecemos aos presbíteros quando nos falaram da nossa salvação”. E “os vermes não morrerão e seu fogo não se apagará, e servirão de exemplo para toda a carne”. Está dito do dia do juízo, que os homens verão aqueles que, entre vós, viveram vidas ímpias e tiveram obras falsas quanto aos mandamentos de Jesus Cristo. Porém, os justos, tendo boas obras e sofrido tormentos, bem como aborrecido os prazeres da alma, quando contemplarem aos que têm obras más e negaram a Jesus com suas palavras e atos, sendo castigados com penosos tormentos e um fogo inextinguível, darão glória a Deus, dizendo: “Há esperança para Aquele que serviu a Deus de todo coração”.

XVIII. O autor, ainda pecador, busca a salvação:

Assim, sejamos contados entre os que rendem graças, entre os que serviram a Deus e não entre os ímpios que serão julgados. Porque eu também, sendo um grande pecador e ainda não livre da tentação, em meio às ciladas do diabo, procuro com diligência seguir a justiça, para poder, pelo menos, chegar próximo, já que temo o juízo vindouro.

H. EXORTAÇÕES FINAIS:

XIX. Recompensa dos justos, ainda que possam sofrer
Portanto, irmãos e irmãs, após ouvir o Deus da verdade, leio-vos uma exortação a fim de que possais prestar atenção às coisas que estão escritas, para que possais salvar-vos a vós mesmos e aos que vivem no meio de vós. Peço-vos como que uma recompensa: arrependei-vos de todo coração e procureis a salvação e a Vida. Fazendo isto, estabeleceremos um objetivo para todos os jovens que desejam esforçar-se na perseguição da piedade e da bondade de Deus. E não nos desanimemos ou aflijamos, como os estúpidos, quando alguém nos aconselhar para que deixemos a injustiça e busquemos a justiça, porque às vezes, quando temos obras más, não nos damos conta disto por causa da indecisão e incredulidade que bate nos nossos peitos, e nosso entendimento é encoberto pelas nossas vãs concupiscências. Portanto, ponhamos em prática a justiça, para que possamos ser salvos até o fim. Bem-aventurados aqueles que obedecem estes mandamentos; ainda que precisem sofrer aflição por um breve momento no mundo, reconhecerão o fruto imortal da ressurreição. Assim, que não se aflija o que é piedoso, ainda que desgraçado nos presentes dias, pois o espera tempos de bem-aventurança. Voltará a viver no céu com os padres e se regozijará durante toda a eternidade, sem quaisquer penas.

XX. As verdadeiras riquezas:

Não permitas tampouco que isto perturbe a tua mente: ver os ímpios possuírem riquezas e os servos de Deus sofrerem apertos. Tenhamos fé, irmãos e irmãs! Estamos lutando nas fileiras de um Deus vivo; recebemos treinamento na vida presente para que possamos ser coroados na [vida] futura. Nenhum justo recolheu o fruto rapidamente, mas espera que este chegue. Porque se Deus desse imediatamente a recompensa aos justos, então nosso treinamento seria pago de forma comercial, e não conforme a piedade, porque não seríamos justos em razão da piedade, mas por causa da ganância. E por isso o juízo divino alcança o espírito daquele que não é justo, e o acorrenta.

– Ao único Deus invisível, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e Príncipe da imortalidade, por meio do qual Deus também nos manifestou a verdade e a vida celestial: a Ele seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém.

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Fonte: http://agnusdei.50webs.com/2clem0.htm

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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.


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