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por Raph Arrais
Estive recentemente num encontro de espiritualistas em São Paulo, nele havia alguns mestres que subiram num palco para falar aos demais. Um deles representava a Ordem Sufi Naqshbandi no Brasil, que é parte do misticismo islâmico. Ao se dirigir a plateia, onde certamente havia mais discípulos do que mestres, ele tratou de nos trazer uma reflexão muito relevante, logo de início:
“Como pode um aprendiz falar de tesouros que ele ainda não possui?”.
Sheikh Ahmed Shakir ainda não se considera um mestre, e provavelmente tem razão. Mas, ainda que fosse um mestre, ele jamais chamaria a si mesmo de mestre. É precisamente assim que somos capazes de julgar, se é que isso é possível, quem é mestre, e quem diz ser mestre (e não é).
O atual mestre da Ordem Naqshbandi vive no Chipre, uma ilha ao sul da Turquia. Segundo Ahmed, quando um mestre sufi está prestes a morrer, ele transfere a incumbência de “mestre da ordem” para um de seus discípulos. Se isto não ocorrer, a ordem inteira se encerra, como já ocorreu com a Ordem Mevlevi, fundada por seguidores do grande poeta do séc. XIII, Jalal ud-Din Rumi, e também inventor do sama, a dança dos sufis (ou dervixes) rodopiantes. Em meados do século XX, o último mestre dos Mevlevi foi morto devido a perseguições políticas, sem transferir a incumbência a ninguém, e os seus discípulos em grande parte “migraram” para a Naqshbandi, que ainda tinha um mestre vivo. Por isso hoje a Ordem Naqshbandi é a representante do conhecimento esotérico, oculto, da dança inventada por Rumi. Os demais a praticam de forma essencialmente artística, não mais puramente espiritual.
Ahmed também nos explicou que uma linhagem de mestres tem origem num profeta. Profetas reais são raríssimos, e usualmente fundam religiões. Maomé foi o último profeta, segundo se crê no islamismo, e há uma linhagem contínua, uma “linhagem dourada”, desde Maomé até o atual mestre da Ordem Naqshbandi. Quem sabe Ahmed seja o próximo.
Mas não importa, nenhum mestre chamaria a si mesmo de mestre, ao menos não para um total desconhecido. Ainda que carregue consigo segredos imemoriais, poderes quase sobrenaturais, conhecimentos ocultíssimos, um mestre se faz mestre por reconhecer que sempre haverá muitos discípulos no Caminho, e ele mesmo talvez jamais deixe de ser um…
Se não crê em mim, basta analisar o que disse Issa, ou Jesus Cristo (Issa é o seu nome islâmico), considerado por muitos como “o mestre dos mestres”:
Dia virá em que farão tudo isso que eu tenho feito, e ainda muito mais (trecho de João 14:12)
Ora, se um dia faremos tudo o que fez o mestre, significa que um dia todos seremos mestres. Mas, então, o mestre ainda seria mestre?
É assim que percebemos duas coisas muito importantes: (1) que todo mestre só é mestre em relação ao seu discípulo; e (2) que todo mestre deseja ardentemente que o seu discípulo também se torne mestre um dia.
Assim sendo, um mestre jamais chamaria a si mesmo de mestre, jamais se apresentaria a um total desconhecido dessa forma, pois o objetivo dele não é reinar acima de uma turba de discípulos ou não discípulos ignorantes, mas antes torná-los melhores, quiçá tão “mestres” quanto ele próprio, ou ainda mais sábios!
E se o Sheikh Ahmed ainda não aceita ser chamado de mestre, sequer na presença de discípulos, no mesmo encontro em São Paulo havia um mestre de fato, já mais velho e com um fiel grupo de discípulos em todo o mundo:
Atma Nambi Guruji nasceu em um pequeno vilarejo no sul da Índia, estado de Tamil Nadu, onde cresceu de uma forma simples, em meio às plantações de arroz. Seus pais nunca lhe impuseram religião alguma, permitindo seu crescimento com a liberdade que uma criança merece e precisa. Atmaji, como é chamado pelos discípulos, teve seu primeiro mestre aos 10 anos de idade, um brâmane que comandava as cerimônias e rituais do templo de Shiva em sua vila. Seu desenvolvimento com esse mestre estendeu-se até seus vinte e poucos anos, período em que aprendeu bem a língua inglesa e o Bakit Yoga – a Yoga da Devoção.
O restante da história do Atmaji vocês poderão conferir no vídeo ao final do artigo, mas antes de encerrarmos, cabe contar uma anedota sobre ele. Todo ano Atmaji vem ao Brasil dar palestras (ou satsangs) no Rio, em São Paulo, e em Campo Grande/MS, onde eu moro. Numa dessas palestras havia todo um marketing por detrás, com banners online e cartazes, o anunciando como “um grande sábio indiano”. Isso não é feito com nenhum tipo de má intenção, o valor arrecadado nas palestras é quase simbólico, e o valor total mal paga a viagem da Índia ao Brasil. Portanto, seria perfeitamente compreensível que Atmaji se portasse como um “grande mestre”, ainda que não se autointitulasse um.
Pois bem, mas eu nunca esquecerei do dia em que ele, adentrando o espaço de uma das palestras, deu de cara com um imenso cartaz onde ele aparecia como um “grande mestre”, quase um ser sobrenatural. Ele simplesmente olhou para aquilo e disse algo como: “this is bullshit, everyone can achieve illumination” (isso é besteira, qualquer um pode conquistar a iluminação).
E, na sequência, ele continuou a fazer o que tem feito há décadas, desde que ele mesmo atingiu a sua iluminação, na Índia: trazer convites aos demais, melhorar este mundo, formar novos mestres, um discípulo por vez.
Com vocês, um mestre do Caminho:
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Crédito das imagens: [topo] Google Image Search (sufis dançando o sama); [ao longo] um amigo (eu, ao lado de Atmaji e Sheikh Ahmed, no VII Simpósio de Hermetismo, em São Paulo).
Fonte: https://textosparareflexao.blogspot.com/2018/11/nenhum-mestre-chama-si-mesmo-de-mestre.html
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